diálogos lusófonos: literatura e cinema
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diálogos lusófonos: literatura e cinema
S COLECÇÃO CULTURA 1 centro de estudos em letras Anabela Oliveira • Fernando Moreira i del e t t e s an tos • J os é e s teves diálogos lusófonos: literatura e cinema universidade de trás-os-montes e alto douro 1 DIÁLOGOS LUSÓFONOS: LITERATURA E CINEMA S Coordenação e Organização ANABELA DINIS BRANCO DE OLIVEIRA FERNANDO ALBERTO TORRES MOREIRA IDELETTE MUZART-FONSECA DOS SANTOS JOSÉ MANUEL DA COSTA ESTEVES VILA REAL - MMVIII Diálogos lusófonos: literatura e cinema literatura, cinema e multiculturalismo no mundo lusófono 2006-2007 UNIVERSITÉ PARIS X – NANTERRE / EA 369 ÉTUDES ROMANES UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO / DEPARTAMENTO DE LETRAS CENTRO DE ESTUDOS EM LETRAS – CEL/707 CRILUS – CENTRE DE RECHERCHES INTERDISCIPLINAIRES SUR LE MONDE LUSOPHONE Cátedra LINDLEY CINTRA Pauilf – Acções Integradas Luso-Francesas Diálogos lusófonos: literatura e cinema literatura, cinema e multiculturalismo no mundo lusófono 2006-2007 Coordenação e Organização Anabela Dinis Branco de Oliveira Fernando Alberto Torres Moreira Idelette Muzart-Fonseca dos Santos José Manuel da Costa Esteves Colecção CULTURA 1 centro de estudos em letras universidade de trás-os- montes e alto douro V i l a R e a l • m m v i i I Ficha técnica Título Diálogos Lusófonos: Literatura e Cinema Colecção CULTURA 1 Coordenação e Organização Anabela Dinis Branco de Oliveira Fernando Alberto Torres Moreira Idelette Muzart-Fonseca dos Santos José Manuel da Costa Esteves Edição Centro de Estudos em Letras Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro ISBN 978-972-669-858-6 Depósito Legal 273717/08 Data de publicação Março de 2008 Tiragem 250 exemplares Execução Gráfica Barbosa & Xavier, Lda. - Artes Gráficas Rua Gabriel Pereira de Castro, 31-A e C Tel. 253 263 063 / 253 618 916 • Fax 253 615 350 email: [email protected] 4700-385 BRAGA ÍNDICE Introdução ................................................................................................................................................. 9 OLHARES, RECEPÇÕES E MALENTENDIDOS Amor e Dedinhos de Pé ou la communauté macanaise au début du XXe siècle . .................................................................................................................................. Vanessa Sérgio 15 Narrações e recepções em O Testamento do Senhor Napumoceno, romance de Germano de Almeida e filme de Francisco Manso . ........... Maria do Carmo Martins Pires 29 Amour de Perdition, film de Manoel de Oliveira (1978), à partir du roman de camilo Castelo Branco (1861) . .............................................................. Jacques Lemière 45 TRANSPOSIÇÕES FÍLMICAS: MULTIPLICIDADE, OPRESSÃO, AMOR, PAISAGEM E SILÊNCIO Auto da Compadecida: trois films à partir de la pièce de Ariano Suassuna . .................................... Idelette Muzart-Fonseca dos Santos 71 L’oppression mise à nu: Vidas secas de Graciliano Ramos dans la vision de Nelson Pereira dos Santos ...................................................................................... Adriana Coelho Florent 81 Uma Lição de Brasil, uma lição de cinema: Mário de Andrade, Amar Verbo Intransitivo e Lição de Amor de Eduardo Escorel . ......................... Claudia Poncioni Paisagem e silêncio na colmeia dos Silvestres em Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira (1953) e sua transposição cinematográfica por Fernando Lopes (1971) ................................................................................................ José Manuel da Costa Esteves A Escrava Isaura, do romantismo abolicionista à fama global . .................... Adriana Coelho Florent 89 101 117 O BOBO – O OLHAR DO ESCRITOR, DO CINEASTA E DO ENCENADOR O Bobo, de Alexandre Herculano ou a busca incessante da identidade ... Fernando Moreira « faire un contrepoint à l’éloquence grandiose d’Herculano »: O Bobo, de José Álvaro de Morais (1979-1987) ............................................................................ Jacques Lemière O Bobo – Um exercício dramático: Rascunho de Intenções ................................. António Preto, Daniela Paes Leão e João Sousa Cardoso 129 135 151 OLHARES CRUZADOS: HERANÇAS PREVISTAS E PRESENÇAS INEVITÁVEIS Glauber Rocha leitor de shakespeare: da tragédia de Macbeth à farsa de Cabezas Cortadas .......................................................................................................... Maurício Cardoso e Mateus Araújo Silva A herança clássica no cinema de João César Monteiro ....................................... Manuel Costa e Silva L’empreinte de l’Univers Fellinien dans l’Explicação dos Pássaros d’António Lobo Antunes ................................................................................................. Catarina Vaz-Warrot 157 179 187 Jacinto Lucas Pires, l’homme à la caméra ...................................................................... Anabela Branco de Oliveira 189 Breve apontamento sobre o cinema avant la lettre . ............................................. Sérgio Paulo Guimarães Sousa 211 INTRODUÇÃO Diálogos Lusófonos: Literatura e Cinema é uma colectânea de ensaios resultantes dos debates de dois colóquios internacionais realizados no âmbito do projecto Literatura, Cinema e Multiculturalismo no Mundo Lusófono, iniciado em 2006, numa parceria co-financiada pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e pela Conférence des Présidents des Universités no âmbito das Acções Integradas Luso-Francesas envolvendo a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a Université de Paris X - Nanterre. O projecto Literatura, Cinema e Multiculturalismo no Mundo Lusófono estuda a dualidade estética da Imagem como elemento provocador de uma intensa ligação dialógica entre literatura e cinema. Estuda o confronto entre imagens literárias e imagens cinematográficas e estabelece um paralelismo entre processos de montagem existentes em textos literários e fílmicos dos países lusófonos que projectam o mesmo percurso temático nomeadamente no contexto da ditadura, da guerra colonial, da emigração, da revolução, do desencanto revolucionário, rupturas e imaginários produzidos pelas sociedades em mutação. Caracteriza novas imagens literárias e estuda a incidência dessas mesmas imagens em documentos fílmicos contemporâneos. Reflecte sobre transposições fílmicas e analisa a presença dos códigos específicos do cinema presentes na memória estética dos escritores lusófonos. Analisa a presença de referências literárias na produção cinematográfica de cineastas lusófonos. Estabelece percursos multiculturais na produção literária e cinematográfica de autores lusófonos. Organiza ciclos de cinema lusófono e debates com escritores, cineastas e/ou críticos de cinema. A organização dos dois colóquios internacionais – o primeiro realizado na Université de Paris X - Nanterre a 20 de Novembro de 2006 e o segundo realizado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro a 19 de Março de 2007 – contou com o apoio da Université de Paris X - Nanterre/EA 369 Études Romanes, da Université de Paris 8 Saint Denis, do Instituto Camões/Cátedra Lindley Cintra, do CRILUS (Centre de Recherches Interdisciplinaires sur le Monde Lusophone), do CLERSÉ (Centre Lillois de Recherches Sociologiques et Économiques de L’Université de Lille 1, da Association des Étudiants Lusophones de Paris X, da Reitoria e do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do CEL/707 (Centro de Estudos em Letras). Os diálogos ocorridos durante os referidos colóquios percorreram os caminhos da lusofonia e do multiculturalismo e cimentaram olhares lúcidos, críticos e criativos sobre o mundo das relações entre o cinema e a literatura concretizando um diálogo cultural entre França e Portugal herdeiro de outros diálogos e de outros olhares cruzados imortalizados em cartas, relatos de viagem, discursos, projectos científicos, pedagógicos e culturais, muitos filmes e muitos romances. Em Novembro de 2006 e Março de 2007 definiram-se os diálogos que envolveram a lusofonia num travelling longo mas cheio de luz desde Macau até Lisboa passando pela Gândara, Cabo Verde (Mindelo), Brasil (Ceará, Recife, sertão nordestino, S. Paulo) e Moçambique – na projecção e análise do filme A Costa dos Murmúrios de Margarida Cardoso orientada pelo Professor Abílio Hernandez Cardoso da Universidade de Coimbra. Os cineastas Luís Filipe Rocha, Francisco Manso, Manoel de Oliveira, Margarida Cardoso, George Jonas, Roberto Farias, Guel Arraes, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Escorel, Fernando Lopes, Gilberto Braga, José Álvaro de Morais, Glauber Rocha, João César Monteiro, Fellini e Dziga Vertov “dialogaram” com Henrique de Senna Fernandes, Germano de Almeida, Camilo Castelo Branco, Lídia Jorge, Ariano Suassuna, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, Carlos de Oliveira, Bernardo Guimarães, Alexandre Herculano, António Lobo Antunes e Jacinto Lucas Pires. As polémicas, mas inevitáveis relações entre a literatura e cinema, percorreram eixos temáticos que envolveram outros diálogos e outros 10 olhares. Olhares, recepções e malentendidos acerca de comunidades, preconceitos, leituras, opiniões, entendimentos de textos e desajustes de recepção cinematográfica; percorreram transposições fílmicas, múltiplas reflexões cinematográficas sobre a opressão, o amor, a paisagem e o silêncio; cruzaram olhares cravados no écran descobrindo as heranças previstas e previsíveis da literatura e as presenças criadas e criativas do cinema no texto literário. E, no percurso das heranças e das presenças inevitáveis, O Bobo, de Alexandre Herculano tornou-se alvo de cinco olhares: o do escritor, os dos ensaístas, o do cineasta e o do encenador. O projecto continua: o 3.º Colóquio Internacional realizou-se na Universidade de Paris X - Nanterre a 19 de Novembro de 2007 e o 4.º Colóquio na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro terá lugar a 31 de Março e 1 de Abril de 2008. Os diálogos e os percursos pela literatura e pelo cinema do espaço lusófono vão continuar num cruzamento de artes que um outro volume registará. Vila Real/UTAD Fevereiro de 2008 Anabela Dinis Branco de Oliveira Fernando Alberto Torres Moreira Idelette Muzart-Fonseca dos Santos José Manuel da Costa Esteves 11 OLHARES, RECEPÇÕES E MALENTENDIDOS Amor e Dedinhos de Pé ou la communauté macanaise au début du XXe siècle Vanessa Sérgio Doctorante à l’Université Paris X Nanterre CRILUS (EA 369) [email protected] Resumo : Amor e Dedinhos de Pé, primeiro romance de Henrique de Senna Fernandes, publicado em 1986 e adaptado ao cinema pelo realizador português Luís Filipe Rocha, estreou em Portugal em 1993. Trata-se de um filme de época que mostra Macau no alvor do século XX, tentando reconstituir um certo passado do território através de temáticas como o drama das ‘tias crónicas’ ou as relações intercomunitárias. O romance narra as aventuras de Francisco Frontaria e a sua consequente destruição. As peripécias vividas pelo herói traduzem a decadência iminente de uma família ilustre de Macau e da própria classe burguesa opulenta. Amor e Dedinhos de Pé, quer o filme, quer o romance, denunciam o conflito entre as duas comunidades presentes no território, através da vagueação do herói. A personagem feminina, Victorina Vidal, vítima das pilhérias de Franciso Frontaria, o herói, decide socorrer ‘Chico-Pé-Fêde’, conhecido a partir daí por esta alcunha ao ser atingido por uma doença misteriosa nos pés. O encontro entre os dois protagonistas vai desencadear uma relação de amizade que acaba por se transformar em relação amorosa ao longo do restabelecimento do herói. O idílio vai permitir evidenciar a luta relativamente às respectivas identidades. O enredo do romance apresenta também uma componente etnográfica possibilitando a descrição de dois universos diametralmente opostos: a cidade cristã e a cidade chinesa, divisão explorada pelo realizador e que nos propomos comparar. Tentaremos de igual modo mostrar como os dois modos de representação põem em relevo a existência de uma classe macaense privilegiada e as suas características como o bilinguismo, a singularidade cultural, o poder devastador das alcunhas e dos boatos através do casal Francisco/Victorina. Amor e Dedinhos de Pé, premier roman de Henrique de Senna Fernandes, publié en 1986, reprend une légende macanaise, comme l’indique l’épilogue: Esta é uma obra de ficção, todavia inspirada numa história antiga que escutei, entre riso e comentário jocoso, num dos serões da velha casa da minha Avó, num daqueles serões tradicionais e sempre lembrados de outrora, era eu menino e moço . Fernandes, Henrique de Senna (1986): Amor e Dedinhos de Pé. Macao: Instituto Cultural de Macau, 5. 15 D’autres intrigues se développent à partir de cette histoire, faisant du roman un récit plus dense et plus ambitieux. Le roman se divise en quatre parties : la première se focalise sur les aventures du héros, Francisco Frontaria, issu de la classe bourgeoise aisée, aventures qui le mèneront à sa perte. Le protagoniste illustre la déchéance imminente d’une famille au passé glorieux de Macao, voire de toute une classe. Dans la deuxième partie du roman, le lecteur assiste à l’évolution du personnage féminin, Victorina Vidal. Issue d’une famille modeste, elle est la petite-fille d’un émigrant espagnol du côté maternel, mais également la fille de Hipólito Vidal, membre de la noblesse portugaise de Macao. Son père fut répudié par sa famille suite à son alliance avec la famille Padilla qui jouit d’une mauvaise réputation au sein de la population de Macao. Les deux héros s’opposent à tous les niveaux : Victorina est victime de quolibets que provoque son physique ingrat, tandis que Francisco est considéré dans la communauté comme véritable dandy ; tous deux appartiennent à deux mondes socialement différents. La rencontre avec Gonçalo Botelho, parrain de Hipólito Vidal, se révèle déterminante dans la vie de l’héroïne, puisqu’elle devient désormais une femme riche et respectée. La troisième partie met en scène la rencontre entre les deux protagonistes soit Varapaude-Osso (Victorina) et Chico-Pé-Fêde (Francisco). Victorina soigne Francisco, atteint d’une mystérieuse maladie aux pieds, grâce au savoir traditionnel chinois hérité de son grand-père. C’est alors le début d’une relation amicale puis amoureuse qui s’installe peu à peu, au cours de la guérison du héros. La quatrième partie met l’accent sur l’idylle unissant les deux protagonistes et souligne la lutte de chacun pour leur identité. Le roman traduit le conflit entre les deux communautés présentes sur le territoire à travers l’errance du héros, l’intrigue permettant la description de deux univers culturels diamétralement opposés : la ville chrétienne et la ville chinoise. Les mondes portugais et chinois cohabitent et s’influencent réciproquement, tout en demeurant étrangers l’un à l’autre. L’adaptation pour le cinéma du réalisateur portugais Luís Filipe Rocha, a été présenté pour la première fois au Portugal en 1993. Dans ce film d’époque retraçant le Macao de 1900, le réalisateur tente de reconstituer un passé précis de la ville, avec le drame de ses vieilles filles – les tias crónicas –, ses coutumes, ses traditions et surtout les relations inter-communautaires. A travers la déchéance du héros, l’objectif du réalisateur focalise la représentation d’une classe macanaise privilégiée avec ses caractéristiques puis ses 16 échecs, en insistant sur la division du territoire en deux espaces distincts. Luís Filipe Rocha présente aussi une communauté bilingue, jouissant d’une culture hybride et souvent victime d’elle-même. Le film souligne également le rôle dévastateur des surnoms et des rumeurs dont sont victimes les deux protagonistes qui forment le couple Francisco/Victorina, fil conducteur de l’intrigue. Le film commence avec l’annonce du départ de Hipólito Vidal (père de l’héroïne) pour Shanghai, scène correspondant dans le livre à la deuxième partie (chapitre 31), soit le milieu de l’intrigue. Le réalisateur a privilégié certains moments clef du roman comme la scène du bal qui marque la première rencontre entre les deux protagonistes. Luís Filipe Rocha construit l’action autour des scènes où se croisent les personnages Victorina Vidal et Francisco Frontaria, le couple formant ainsi l’axe principal conduisant l’argument du film. Le réalisateur souligne un autre élément clef du roman, soit la maladie dont souffre le héros à l’origine de son exclusion : Francisco est banni de la ‘ville chrétienne’ puis de la ‘ville chinoise’ entreprenant alors une longue errance entre les deux communautés. Hormis quelques incohérences relatives à la fidélité du texte, le fil conducteur de l’intrigue est respecté. La densité du roman justifie l’absence de certains passages du roman. La fin du film correspond à la fin de la troisième partie du roman, soit l’acte amoureux consommé par les deux protagonistes. De cette manière, la rédemption du héros, longuement décrite dans la dernière partie du roman, nous est occultée par le réalisateur. La dernière phrase du film, prononcée par Victorina Vidal, voix narratrice du film, – « […] o cheiro do mar e das acácias em flor invadiam devagar a casa toda e penetrou em mim para sempre. » –, semble faire échos aux dernières phrases clôturant la troisième partie du roman : « E, longamente, ao gotejar de chuva nos beirais e do rumorejo de trovoada e de ressaca, ouviu-se a sinfonia do amor, em murmúrio e sons desarticulados, mil vezes repetidos e balbuciados… » . La fin du film semble contenir une promesse d’amour et de bonheur éternel. Dans le roman, le lecteur apprend que Victorina et Francisco se marient, ont des enfants et vivent dans le bonheur jusqu’à la fin de leur vie. Le réalisateur n’a pas vu la nécessité de révéler la fin de l’intrigue car la pro- Fernandes, Henrique de Senna (1986): Amor e Dedinhos de Pé. Macao: Instituto Cultural de Macau, 326. 17 messe d’un amour futur est présente de manière implicite dans les derniers chapitres de la troisième partie du roman. Le roman comme le film présentent la description de deux univers culturels diamétralement opposés, la ‘ville chrétienne’ d’un côté et la ‘ville chinoise’ de l’autre, deux visions que nous nous proposons de comparer. Dans le roman, l’espace de Macao apparaît comme indissociable de l’intrigue : Henrique de Senna Fernandes parcourt la géographie du Macao du début du XXe siècle, géographie qui inclut la totalité du territoire. Les frontières implicites ou invisibles entre ‘ville chrétienne’ et ‘ville chinoise’ se trouvent abolies ou transgressées par les personnages en dépit des ‘pseudo-lois’ qui régissent la communauté macanaise. Dans Amor e Dedinhos de Pé, l’évocation de l’espace propre à la ‘ville chrétienne’ est prépondérante par rapport à l’espace frère. Les petites incursions à travers la ‘ville chinoise’ se trouvent, quant à elles, intimement liées à la décadence du protagoniste, Francisco Frontaria. La description de la ‘ville chrétienne’ se fait dans le roman à travers l’énumération de noms de rues comme : Rua do P.e António, Rua do Campo, Rua Formosa qui rassemblent la noblesse de Macao, Rua da Alfândega, Rua de Santo António, où habite la bourgeoisie aisée, ainsi que les Rua Central et Rua das Estalagens. Certains quartiers prestigieux de la ville sont aussi évoqués comme ceux de S. Lourenço et de Praia Grande. Le quartier de Lilau, l’un des plus typiques du centre historique de la ville, prend une place importante dans le roman, puisque l’auteur choisit la maison située dans ce quartier comme nouveau foyer du couple. Il s’agit d’un lieu symboliquement connoté dans l’imaginaire collectif macanais, associé à un retour aux origines et dans ce cas à la régénération des personnages. Hormis les rues et les quartiers, l’auteur évoque certains monuments, certaines institutions et certains espaces verts ou de loisir propres à la ville de Macao, comme l’hôpital de S. Rafael, le cimetière de S. Miguel Arcanjo, le Collège de Santa Rosa de Lima, la célèbre ‘maison jaune’ (maison de passe), l’église de S. Lourenço, le commissariat de Macao, établit dans l’ancien couvent de S. Domingos, le jardin de S. Francisco, la plage de Cacilhas et bien d’autres espaces sociaux réels ou fictifs, comme la pension Aurora ou l’hôtel Oriental. L’espace joue un rôle important dans le roman et dans le film, puisqu’il accompagne l’évolution des personnages. L’évocation de l’espace de la ‘ville chrétienne’ se fait à travers l’énumération prolifique de rues et de monuments locaux par l’intermédiaire de noms propres et d’adjectifs. Dans le film, il y a très peu de prises de vue extérieures, le béton et les gratte-ciel ayant remplacé le Macao bucolique de 1900. Pendant le tournage du film, la célèbre Baie de 18 Praia Grande, aujourd’hui réduite à une avenue, a été reconstituée sur l’île de Taipa. Concernant l’espace de la ‘ville chinoise’, des noms de rues comme Rua das Alabardas, Rua dos Ervanários, Rua das Janelas Verdes, Rua da Felicidade ou Beco da Rosa sont évoqués dans le roman. L’auteur décrit l’espace en s’attardant sur le cœur même de cette partie de la ville, le fameux ‘Largo do Pagode do Bazar’ : Em frente do templo, organizara-se uma feira ruidosa que ia pela noite fora, com muito povoléu a comemorar uma data do calendário lunar. Era uma festividade retintamente chinesa, com o pagode, cheio de fiéis que entravam e saiam, alumiado a petróleo e miríades de velas e lampiões. O odor de sândalo dos pivetes pairava por todo o largo. Vendilhões ambulantes enxameavam ao lado de tendas de sopa de fitas e doutros comes, como também adivinhos, dentistas, pregadores de unguentos milagrosos, contadores de histórias, músicos, acrobatas e saltimbacos . Il s’agit d’une description en mouvement du paysage macanais dans laquelle nous pouvons souligner une profusion de sensations olfactives, auditives et visuelles, dans une harmonieuse synesthésie des sens. Dans le roman, le lecteur se trouve confronté à un espace pittoresque, espace qui accompagne la décadence du héros. Dans le film, le réalisateur tente de reconstituer la vie qui animait cet espace sans parvenir néanmoins à en capter le mouvement, les odeurs et les couleurs. Entre les deux espaces rivaux existe un espace intermédiaire ou neutre appelé Areia Preta. Dès le début du roman, l’espace est qualifié de zona forade-portas soit à l’orée de la ‘ville chrétienne’. Lorsque Hipólito Vidal se dirige vers la demeure de son parrain Gonçalo Botelho, située dans cette zone, le chemin lui-même semble annoncer un monde différent, éloigné de la turbulence de la ville, véritable refuge propice au calme et à la paix, espace contrastant avec le train de vie cosmopolite de la ville. L’auteur nous offre une description lyrique d’un espace différent des autres, loin des commérages du centre de la ville : Desceu a pequena encosta, atravessou os campos relvados do Tap-Seac, sob o sussurro dos bambuais e das acácias enfloradas de vermelho, e chegou às hortas de Long Tin Chün, correndo à sombra dos plátanos meditabundos. Em seguida, abriu-se a zona da Flora, calma e bucólica, longe dos ruídos citadinos. […] O lago da Flora era um espelho esverdeado cintilando revérberos de prata. Novamente suspirou e respirou a largos haustos a pureza campestre do sítio . Idem, 36. Idem, 142. 19 La villa que Victorina hérite de son parrain, havre loin de la ville, correspond quant à elle à la métaphore d’une renaissance. L’Areia Preta est un espace extra-muros, espace pacifique où le temps semble arrêté, suspendu, loin des préoccupations du quotidien tumultueux de la ville. Il s’agit d’un espace réunificateur dans lequel les personnages se trouvent dépouillés de tout préjugé et dans lequel ils peuvent découvrir leur essence ou leur identité profonde. Notons que le premier enfant issu de l’union entre les deux héros sera conçu dans cet espace neutre, pacificateur et conciliant. La caméra de Luís Filipe Rocha focalise l’espace dès le début du film. En effet, Hipólito Vidal annonce à son parrain son départ pour une nouvelle vie à Shanghai, loin de Macao. C’est un homme serein qui renonce à une vie médiocre qu’il ne supporte plus. La mer, élément présent lors de cette scène, incarne le renouveau. L’espace de l’Areia Preta est également présent dans le film lors de la convalescence de Francisco Frontaria. La mer, qui n’est jamais loin, accompagne la guérison du personnage, tout comme la concrétisation d’une idylle entre les deux héros. Ce lieu presque magique devient un symbole de renaissance et d’amour. Dans le roman comme dans l’adaptation cinématographique, le conflit entre les deux communautés portugaise et chinoise présentes sur le territoire, est dénoncé à travers la division de la ville en deux espaces distincts, la ‘ville chrétienne’ et la ‘ville chinoise’. L’errance de Francisco Frontaria révèle l’émergence d’une autre classe de la société de Macao : la communauté macanaise. Francisco Frontaria représente un troisième espace qui se situe entre le colonisateur et le colonisé, sorte de pont reliant les deux communautés présentes sur le territoire. Le personnage n’appartient ainsi à aucune des deux. Dans les deux modes de représentations, les caractéristiques propres à cette nouvelle classe sont mises en évidence, comme par exemple la pratique du bilinguisme par les membres de la communauté macanaise. Ainsi, Victorina et Francisco passent aisément de la langue portugaise au cantonnais, selon leur interlocuteur et l’espace où ils se trouvent. Lorsque Francisco est banni de la ‘vile chrétienne’, celui-ci tente de survivre dans la ‘ville chinoise’ en dialoguant avec la communauté commerçante chinoise de Macao. Dans le film, la pratique du bilinguisme par les membres de la communauté macanaise est manifeste. Ainsi, Victorina s’adresse en cantonnais à sa servante et confidente Celeste, bien comme à ses autres serviteurs issus de la communauté chinoise. Une autre caractéristique propre à la communauté est le recours à la médecine chinoise, ancrée depuis des millénaires sur le territoire de Macao, 20 savoir traditionnel jouissant d’une grande popularité chez les Macanais. Le réalisateur filme la tante de Francisco, Titi Bita, gravement malade, refusant farouchement de se rendre à l’hôpital afin de recevoir des soins de type occidental, préférant ainsi la médecine chinoise. Senna Fernandes en fait d’ailleurs l’apologie, à travers la voix de Victorina qui a hérité de son grandpère le savoir traditionnel chinois : […] Irrita-me quando ouço troçar dela, como fruto de ignorância, superstição e charlatanismo. Esquecem-se que é praticada há milénios. E se fosse tão má, já não existia o povo chinês. Morria tudo… Notons que Victorina parvient à guérir Francisco grâce à ce savoir traditionnel hérité de la culture chinoise. Avant même de se faire soigner par Victorina, Francisco consulte d’ailleurs des curandeiros, hommes possédant un savoir traditionnel propre à la médecine chinoise. La communauté macanaise est une classe de la population hybride, pour qui traditions chinoises et valeurs occidentales cohabitent harmonieusement et fondent leur identité. Dans le roman ainsi que dans le film, la religion catholique, valeur occidentale représentée par le personnage de Padre Miguel, et la médecine traditionnelle, valeur orientale, sont omniprésentes. La communauté macanaise se révèle aussi à travers la thématique du carnaval et du masque, récurrente dans le roman, et soulignée dans l’adaptation libre de Rocha. Le carnaval apparaît comme le pivot central de l’œuvre, fonctionnant comme un leitmotiv qui annonce l’action. Les assaltos carnavalescos ou les bals du mardi gras ou do Entrudo sont des motifs récurrents dans le roman de Senna Fernandes. Le carnaval, fête qui s’inscrit dans la tradition européenne et signalée dans le calendrier chrétien, souligne la foi des peuples en des temps meilleurs. Il représente le renouvellement de la vie avec l’arrivée du printemps, marquant la fin de l’hiver, période difficile de l’année. Dans la tradition ancienne et universelle, le carnaval se traduit par une parodie du quotidien dont la règle principale est l’inversion des valeurs. Il s’agit d’un divertissement ‘gratuit’, en marge de la routine et du rythme de la vie quotidienne. En règle générale, les fêtes populaires sont le reflet d’un groupe ou d’une civilisation, pouvant aller jusqu’à véhiculer des mythes ou des légendes propres à une communauté. Le thème du carnaval constitue dans l’œuvre de Senna Fernandes une constante. Le masque, élément s’intégrant dans le contexte du carnaval et de Idem,235. 21 la fête, dans une acception universelle, correspond à une nécessité humaine de pouvoir changer de rôle ou de personnalité. D’autre part, le masque occulte l’identité de l’individu qui se cache derrière l’objet et inspire le respect au public à travers son agressivité ou son caractère sacré. Selon François Caradec , le masque possède deux fonctions : une fonction magique et une fonction sacrée. À travers la magie, le masque nous révèle les instincts profonds ou intimes de l’être déguisé. Il ne dissimule pas les sentiments mais les expose paradoxalement au grand jour. Le masque devient alors un instrument doué de pouvoirs capable de transformer l’individu et de dévoiler son identité profonde. La métaphore du masque ou la constante métamorphose de l’être humain s’illustrent dans le roman à travers le changement fréquent du nom de l’héroïne. La personnalité acquise de chaque individu est le résultat d’une longue introspection, l’être humain changeant constamment de ‘masque’ jusqu’à la découverte du ‘moi’ véritable. Ainsi, l’héroïne connue sous le nom de Victorina Padilla durant son enfance et son adolescence, se fait appeler Vitorina Vidal après la mort de son père, marquant ainsi une rupture avec la famille maternelle. Le changement est évident lors des présentations entre les deux héros : – Minha mãe é que era uma Padilla. O meu pai era Hipólito Vidal. […] – Chamo-me Victorina Vidal… Dans le film, le réalisateur met en scène ce passage afin de marquer une nouvelle étape dans la relation unissant les deux protagonistes. Pour la réalisation de la scène du bal, Luís Filipe Rocha fait porter au héros et à ses acolytes des masques chinois reflétant l’identité hybride des Macanais. Francisco Frontaria fait son entrée dans la salle de bal avec un masque chinois créant un malaise parmi les invités qui s’interrogent sur l’identité du personnage. Il divertit la foule en parodiant les communautés chinoise et portugaise. Francisco joue une farce à l’accent parfois satirique, produisant chez les spectateurs un mouvement de surprise. D’autre part, la farce constitue une fête de l’excès où la démesure est la bienvenue. Les événements festifs représentent un moyen pour la communauté de s’exprimer, de rompre avec le quotidien en étant libres de s’en moquer sans entraves. Dans Amor e Dedi Caradec, François (1977) : La Farce et le Sacré – fêtes et farceurs – mythes et mystificateurs. Belgique : Casterman. Fernandes, Henrique de Senna (1986): Amor e Dedinhos de Pé. Macao : Instituto Cultural de Macau, 283. 22 nhos de Pé, lors de son faux mariage avec l’une des filles de Saturnino, le héros mène une farce, fruit d’un pari avec ses amis, qui aboutit d’ailleurs à son exclusion de la ‘ville chrétienne’. La farce a lieu durant le carnaval, époque propice à ce genre de divertissement. Senna Fernandes dresse le portrait d’un farceur qui parodie un mariage chinois dans une mise en scène carnavalesque : Passava outra meia hora, quando no fundo da rua, rebentou o estardalhaço dum gonzo chinês e pífaros, acompanhando de explosões de panchões. Chico apareceu numa cadeirinha aberta, forrada de azul e vermelho e ladeada de lacaios, jaqueta azul e cabaia comprida vermelha, as cores dos Frontarias. Era um quadro carnavalesco ! Le personnage fait une parodie de lui-même en revêtant les couleurs de ses ancêtres. Francisco se croit au-dessus de la loi morale et éthique, libre de tout obstacle, détenant le pouvoir de détruire, de punir et de se moquer à sa guise. Pour le farceur, tout ce qui est interdit et censuré en temps normal devient permis, comme demander en mariage une jeune femme et y renoncer dans l’intention d’humilier le père. Durante le carnaval, Francisco donne ainsi libre cours à ses instincts les plus sombres. Le héros parodie les coutumes les plus traditionnelles et conservatrices en attaquant des institutions telles que le mariage : Em frente da porta, entre palmas, a cadeirinha estacou. Chico pôs-se em pé, casaco azul e calças vermelhas. O chapéu de palha trazia uma berrante tarja vermelha que descia até às costas. Não era a figura dum noivo solene. Era uma caricatura, um folião, envergando uma indumentária de entrudo. […] Fez uma mesura que julgou jocosíssima e disse, em ar de chacota : – O seu vinho do Porto é delicioso… mas também desta vez não serviu . La déclaration du personnage produit une chute causant la stupéfaction et l’indignation parmi le public. L’effet comique souhaité par le héros, connu comme le bobo das festas parmi la communauté macanaise, n’a pas eu lieu. La farce se retourne contre lui, il s’agit d’un véritable échec : Onde se esperava a hilaridade geral, contrapôs-se um silêncio de estupefacção e consternação. Foi um escândalo e uma afronta ! 10 Idem, 53. Idem, 53. 10 Idem, 54. 23 Dans le film de Luís Filipe Rocha, les deux scènes sont mises en valeur avec brio. L’acteur Joaquim de Almeida joue un Chico Frontaria provocateur et farceur, prenant au sérieux son rôle de ‘bobo das festas’. Le personnage de Francisco Frontaria introduit des éléments de la culture chinoise par l’intermédiaire de son déguisement lors de rencontres sociales entre Macanais et Portugais. Les deux scènes sont importantes pour la compréhension de l’identité macanaise. En effet, les déguisements traduisent le fait que la communauté macanaise insiste davantage sur sa descendance portugaise que sur sa descendance asiatique : Francisco s’identifie plus naturellement au pouvoir colonial qu’aux colonisés car, dans l’opinion de la communauté portugaise, les Chinois constituent des citoyens de seconde classe. Le déguisement dénonce aussi le caractère superficielle de ses relations avec la culture chinoise. Toujours dans le film, les membres de la communauté chinoise semble d’autre part relegués au rang de serviteurs soumis aux ordres de la communauté portugaise et macanaise. Lorsque Francisco est banni de la ‘ville chrétienne’, il tente de s’identifier aux Chinois en travaillant pour eux, mais en dépit de son bilinguisme, le héros ne se sent pas à sa place, ses traits physiques trahissant ses origines européennes. Comme le dévoile l’intrigue du roman, les surnoms et les rumeurs occupent une place importante dans la communauté macanaise. L’habitude des surnoms est très généralisée à Macao comme au Portugal. Dans le film, la présence de surnoms assimile l’environnement de Macao à celui d’un village portugais. Selon Francisco Martins Ramos 11, la fonction principale des surnoms consiste à identifier rapidement et efficacement le récepteur relativement à un groupe ou à une société. Le surnom constitue un instrument de simplification verbale du procédé linguistique de référence, en prétendant capter les aspects essentiels d’un individu. Le surnom, dont la signification se trouve souvent codifiée ou occultée, permet de reconnaître un individu comme entité unique et individuelle et de se démarquer à l’intérieur d’un groupe ou d’une communauté. Dans les petites communautés comme Macao, le rôle joué par le surnom est fondamental et prépondérant puisqu’il représente une manière particulière de traitement. Macao présente les mêmes caractéristiques qu’un village, à la population réduite où se développent des relations de voisinage, formant un climat propice aux rumeurs. Le territoire constitue un espace favorable à 11 Ramos, Francisco Martins (1990). Alcunhas Alentejanas : Monsaraz, ADIM. 24 la création de surnoms, véritable institution socio-culturelle. Ainsi, chaque individu en possède un. Convoquée à comparaître au commissariat de Macao pour confirmer ou réfuter les rumeurs concernant son ‘invité’, Francisco Frontaria, Victorina critique de façon acerbe cette habitude de la société macanaise consistant à reconnaître les individus par leurs surnoms : – Nesta cidade, conhecem-se as pessoas pela alcunha. É mais fácil e mais humorístico.12 A travers la voix du commissaire, l’auteur souligne la difficulté à se débarrasser d’un surnom, véritable calamité sur le territoire de Macao : – As alcunhas são uma praga, colam-se à pessoa, de modo que, para as apagar…13 Senna Fernandes met en évidence l’absence de frontière entre vie privée et vie publique. Le rôle de la police macanaise consiste à mettre fin aux rumeurs que produisent les habitants de la ville. L’écrivain offre une vision caricaturale des autorités macanaises. Notons que le commissaire, afin de justifier sa démarche, utilise l’expression pergunta oficial, simple prétexte pour rassasier sa curiosité lubrique, hors de propos au regard de sa fonction : A seriedade do rosto do tenente não escondia um tique irónico nos olhos. Não acreditava na doença. Estava a imaginar escabrosidades de alcova.14 Dans le film, le réalisateur accorde une importance toute particulière à cette problématique posée par l’écrivain, puisqu’il met fidèlement en scène ce passage clef du roman qui illustre une thématique typiquement macanaise. L’attribution d’un surnom provient d’un acte individuel tandis que l’approbation reste un acte collectif. C’est durant le carnaval, plus exactement durant un assalto carnavalesco, véritable tradition à Macao, époque des motejos, chacotas et brincadeiras, correspondant à la scène du bal dans le film, que Francisco donne un surnom à Victorina, Varapau-de-Osso, qui restera à jamais gravée dans la mémoire collective de la communauté macanaise : 12 Fernandes, Henrique de Senna (1986): Amor e Dedinhos de Pé. Macao : Instituto Cultural de Macau, 297. 13 Idem, 297. 14 Idem, 299. 25 Durante a noite, [Victorina] ouviu falar em varapaus de osso, mas não ligou. Só dias depois, na rua uns garotitos malcriados gritaram-lhe na esquina, o epíteto infamante e não duvidou mais. A alcunha colara-se à sua pele, como um ferrete.15 Malgré les années qui passent, Victorina continue à souffrir en silence les quolibets liés à son surnom, surtout durant le carnaval. Le réalisateur met en scène un passage du roman montrant la cruauté de la population de Macao envers Victorina : A tuna desfilou, ao compasso da marcha, a bandeira identificadora à frente, seguida por bandolins, depois violas, « eukalilies » e outros instrumentos. Atrás, uma coluna de foliões mascarados chalaceando, brincando, gritando no silêncio e pacatez da rua. Atravessou um frémito em Victorina. Nunca participara nessas marchas divertidas, o Carnaval só fora para ela uma sequência de humilhações. Uma voz cruel, como se adivinhasse que ela se escondia por detrás da janela, gritou no seu anonimato de mascarado : – Varapau-de-osso… Varapau-de-osso ! – e mais vozes participaram, em coro, entre gargalhadas.16 Les surnoms circulent derrière le dos des individus visés, de manière anonyme comme le souligne l’expression no seu anonimato de mascarado, agissant à l’intérieur d’un cercle fermé. L’utilisation de surnoms comme moyen de faire référence à une personne se révèle être un acte provocateur, lâche et offensant. Victorina est un être constamment humilié par l’utilisation du surnom car celui-ci se focalise sur un défaut physique qui occulte sa véritable identité et sa personnalité. Senna Fernandes souligne l’inhumanité des hommes à travers l’utilisation des surnoms. De plus, les surnoms des protagonistes se rapportent à des défauts physiques, la maigreur de Victorina et l’odeur nauséabonde des pieds de Francisco, provoquée par une maladie inconnue. Ils sont ici discriminatoires, dans la mesure où ils s’adressent à des individus victimes de leur condition sociale. Francisco reçoit son surnom alors qu’il se trouve dans la condition de vagabond errant dans la ville. Les enfants de la ‘ville chrétienne’ se moquent de lui avec cruauté : Chico-Pé-Fêde Chico-Pé-Podre Nunca lavá olodeco.17 15 Idem, 222. idem, 284-285. 17 Idem, 6. 16 26 Ils font ainsi preuve d’une grande violence verbale et physique à l’égard du héros, déshumanisé à travers l’emploi du surnom qui stigmatise une situation d’infériorité, de pauvreté et de misère humaine. Le personnage est caractérisé par l’odeur insupportable de ses pieds, devenant un être répugnant, censuré par la communauté toute entière qui le pousse à l’isolement. Le surnom est vécu par les victimes comme une fatalité : l’individu ne peut contrôler son image et ne peut revendiquer sa véritable identité, faculté primaire mais essentielle échappant à la victime. Il s’agit d’un instrument d’agressivité entre groupes sociaux et entre individus. Dans le roman, Senna Fernandes met en évidence la relation entre les noms des personnages et leur évolution. La propre structure du roman souligne ce fait : les titres des parties se trouvent intimement liés à la progression de l’identité des héros. Ainsi, quatre parties divisent le roman : Chico-Pé-Fêde, Varapau-de-Osso, Chico-PéFêde e Varapau-de-Osso et Francisco e Victorina. Francisco passe par différentes étapes, l’évolution est manifeste à travers les dénominations variées : « De Francisco da Mota Frontaria, depois apenas Chico Frontaria ou Chico, passou a ser Chico-Pé-Fêde […] » 18 Les changements qui s’opèrent tout le long du roman traduisent la déchéance sociale du héros. Dans le cas des deux protagonistes, le surnom est humoristique, commémoratif et discriminatoire. Dans le film, Francisco surnomme Victorina Varapau-de-Osso afin de se venger pour lui avoir refusé une danse et fait perdre son pari. Le surnom donne à l’individu une identité ‘fausse’, une image caricaturale, sorte de miroir déformant la réalité. Lorsque Victorina décide de venir en aide à Francisco, les deux héros se présentent mettant en avant leur véritable nom : Com humildade, [Francisco] disse : – Sou Francisco da Mota Frontaria, para seu conhecimento. – Eu [Victorina] sabia que era da família Frontaria. Conheço bem o Sr. Timóteo e também a D. Bita quando vivia. – São os meus tios. Sei também que é da família Padilla. – Minha mãe é que era da família Padilla. O meu pai era Hipólito Vidal. Fez um esforço para ligar o nome à pessoa. Depois, lembrou-se e exclamou : – Ah, já me recordo… o Sr. Vidal da Câmara. Desculpe-me, mas não sei o nome da menina. 18 Idem, 100. 27 Varapau-de-Osso pendeu um vago sorriso irónico, mas respondeu : – Chamo-me Victorina Vidal… […] – Boa noite, Sr. Francisco. – Boa noite, Menina Victorina. Cada um se identificara, não havendo mais motivo para apelarem para a alcunha.19 Le réalisateur souligne les nouvelles présentations entre les deux protagonistes où chacun tente d’enterrer à jamais son surnom. L’isolement du prénom vise l’essence véritable de chacun des personnages en les éloignant de leur filiation. Ainsi, l’idylle entre les deux héros permet au réalisateur de souligner leur lutte identitaire. Le manque de profondeur relatif à la psychologie des personnages, ainsi que le rythme lent du film de Luís Filipe Rocha nous paraissent regrettables 20. Néanmoins, nous pouvons saluer la performance de certains acteurs comme celle de l’italien Omero Antonutti dans le rôle de Padilla, ainsi que l’effort de reconstitution d’une ville qui n’existe plus. Henrique de Senna Fernandes, conteur macanais par excellence ou velho contador de histórias, décrit un Macao du début du XXe siècle à travers des personnages macanais, un Macao symboliquement connoté, riche de quatre siècles d’histoire luso-chinoise. Le carnaval, thème omniprésent dans Amor e Dedinhos de Pé, participe à la mise en scène métaphorique d’une farce, parodiant la communauté macanaise. Le jeu entre nom et surnom représente une métaphore de la recherche incessante de l’identité macanaise. Les deux anti-héros constituent un Adam et une Ève, encore imparfaits, de la nouvelle Macao dessinée par l’auteur, porteuse d’un nouvel espoir quant au futur du territoire et au devenir de la communauté macanaise. L’œuvre de Senna Fernandes reflète la longue cohabitation de l’Orient et de l’Occident, les Macanais représentant une sorte de pont reliant les deux communautés chinoise et portugaise. 19 Idem, 283. 20Les œuvres de Senna Fernandes se prêtent facilement à l’adaptation cinématogra phique et à ses codes. Ainsi, dans Amor e Dedinhos de Pé, le lecteur est tenu en haleine tout au long du roman, l’intrigue participant activement au suspens qui rythme le récit. 28 Narrações e recepções em O Testamento do Sr. Napumoceno, romance de Germano Almeida e filme de Francisco Manso Maria do Carmo Martins Pires Université Paris X – Nanterre CRILUS (EA 369) [email protected] Résumé: O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, le premier roman de Germano Almeida publié, en 1989, à Mindelo par Ilhéu Editora, une maison d’édition capverdienne est à plus d’un titre une référence dans la production littéraire de ce pays. D’abord parce qu’il rompt avec les thématiques traditionnellement abordées, des thématiques jusqu’alors liées à la difficile, voire impossible, vie de l’homme capverdien. Ensuite parce que la position qu’adopte le narrateur vis-à-vis de ses personnages est très éloignée de l’empathie que manifestaient ses prédécesseurs. L’adaptation cinématographique de ce roman, que réalise en 1997 le Portugais Francisco Manso a, elle aussi été remarquée ; ce film ayant remporté différents prix internationaux. Aussi bien le roman que le film semblent adopter la forme d’une enquête basée sur la résolution d’une énigme en vue d’établir la biographie du personnage éponyme. Cette apparente enquête est tissée de diverses narrations, lectures et auditions imbriquées. Nous avons essayé de montrer dans une analyse comparatiste des deux œuvres comment leur construction, les points de vue adoptés par les émetteurs des différents discours sont la marque de projets d’auteurs différents et renvoient donc à des communautés de récepteurs bien distinctes. A primeira edição de O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, primeiro romance de Germano Almeida, data de 1989 e constituiu a primeira publicação da editora cabo-verdiana Ilhéu Editora. A estória que «conta» começa com a abertura do testamento lacrado do Sr. Napumoceno, um comerciante abastado do Mindelo. A leitura em voz alta do documento a que assistem e participam o notário, duas testemunhas e o sobrinho do testador, é ������������������������������������������ É o termo utilizado pelo próprio narrador. 29 o ponto de partida para uma reconstituição retrospectiva da vida do defunto. Outros documentos que ele deixou e certos testemunhos de pessoas mais ou menos próximas também permitirão completar, quando não corrigir, a primeira autobiografia que constitui finalmente o testamento. A construção do romance, totalmente descontínua a nível cronológico, lembra por vários aspectos Citizen Kane, o célebre filme de Orson Welles em que após uma primeira versão oficial mas não satisfatória da vida do defunto – uma montagem de imagens de arquivo – se vai levar a cabo um inquérito minucioso com vista a conseguir compreender, apreender a vida de um indivíduo. No caso de Citizen Kane o mistério reside no sentido a dar a rosebud, a última palavra do defunto. No romance de Germano Almeida, após a leitura do testamento, restam pelo menos dois enigmas: a razão por que Napumoceno deserdou o sobrinho e a identidade de Adélia, a quem o defunto quis legar o livro Só de António Nobre. A adaptação cinematográfica do romance que se intitula apenas O Testamento do Sr. Napumoceno foi realizada pelo cineasta português Francisco Manso e data de 1997. Trata-se de uma co-produção que reúne portugueses, brasileiros, cabo-verdianos e até algum financiamento europeu . É um dos primeiros filmes rodados no arquipélago . O guião foi escrito por Mário Prata um autor brasileiro que participou de várias produções televisivas. O filme ganhou alguns prémios internacionais . A adaptação retoma a estrutura de base do romance mas introduz diferenças notáveis, entre as quais: o facto de Napumoceno não ter escrito mas ����������������������������������� Entre os quais, o dito testamento «escrito em 387 laudas de papel almaço pautado, sendo as primeiras 379 laudas à máquina e as restantes manuscritas com caneta de tinta permanente», cadernos e «mais escritos avulsos e diversos metodicamente numerados e arquivados em diversas pastas com índices de datas e matérias» (Almeida, 1991: 27). ������������������������������������������������������������������������������������ O título do vídeo editado limita-se, num processo de simplificação certamente comercial, a Testamento. ���������������������������������������������������������������������������� Elenco (brasileiro na sua maioria): Nelson Xavier, Maria Ceiça, Chico Diaz, ������������ Zezé Motta, Via Negromonte, Milton Gonçalvez, Karla Leal; financiamento: Cineluz Produções Cinematográficas Ltd. (Brasil), Radiotelevisão Portuguesa S.A.; Instituto Caboverdiano de Cinema ADR, Productions (França), Cobra Films (Bélgica). ������������������������������������������������������������������������ Em 1994, o português Pedro Lopes já rodara, no país, parte do seu filme Casa de Lava e em 1996, o cineasta cabo-verdiano Leão Lopes adaptara Ilhéu de Contenda, romance de Teixeira de Sousa. ���������������������������������������������������������������������������������� No Festival do Gramado de 1997 (Brasil) ganhou os prémios de Melhor filme, Melhor actor (Nélson Xavier) e Melhor roteiro (Mário Prata) das longas metragens latinas. 30 gravado em cassetes as suas memórias – cassetes que a sua filha vai ouvindo ao longo do filme – e uma reorganização da ordem narrativa . Dialogia emissor-receptor «A leitura do testamento cerrado do Sr. Napumoceno da Silva Araújo consumiu uma tarde inteira» (Almeida, 1991: 7). A primeira frase do romance de Germano Almeida inicia uma mise en abyme intradiegética e retrospectiva da leitura a que se vai dedicar o próprio leitor. A problemática da leitura e consequentemente da escrita parecem-nos portanto constituir a estrutura e um dos interesses principais da obra, o romance de Germano Almeida encenando, deste modo, a dialogia ambígua entre o emissor e o(s) receptor(es) de um texto. Esta mise en abyme é vertiginosa por ser duplicada quase ao infinito como as bonecas russas. Com efeito, observamos os seguintes níveis de comunicação: 1 – Emissor: Germano Almeida – receptor: o leitor 2 – Emissor: o narrador do romance – receptor: o narratário 3 – Emissor: o testatário Napumoceno – receptores: leitores do testamento, mas obrigatoriamente também o próprio narrador do romance 4 – Emissor: Narrador do testamento - receptor: o narratário (a filha). É este mesmo esquema que voltamos a encontrar nos outros textos que Napumoceno deixou à filha e que até continua a desdobrar-se nesses documentos quando aparece Napumoceno, enquanto personagem intradiegética dos cadernos, a produzir narrativas destinadas a receptores também eles intradiegéticos . Este último nível de comunicação apresenta no entanto ������������������������������������������������������������������������������������� «A adaptação foi muito difícil, porque o livro não era escrito em ordem cronológica. O primeiro trabalho foi mesmo de tesoura, para lineanizar a narrativa.» Prata, Mário [mensagem electrónica]. Destinatária: Maria do Carmo Pires. 20 de Janeiro de 2007. Comunicação pessoal. ���������������������������������������������������������������������������� É por exemplo o que acontece nesta passagem que conta uma cena entre Napumoceno e Adélia: Ela [a Adélia] ria-se, chamou-lhe doido e ele riu-se também […] um pudor nascendo em cada um e ele largou-a e puxou de um cigarro e começou a falar da sua infância em S. Nicolau […] e contou uma estória que disse ter presenciado, sem saber na verdade se presenciara ou apenas ouvira contar, mas disse que era ainda um rapazinho quando uma vizinha parira um menino boteado. Adélia não sabia o que significava um menino boteado e ele explicou que menino boteado […] �(Almeida, 1991: 99). 31 uma diferença notável em relação aos anteriores. À imagem do que ocorre numa comunicação oral quotidiana, trata-se de uma relação directa que envolve parceiros presenciais que podem reajustar, regular a sua mensagem; o mesmo não acontece quando essa relação é diferida, o processo de explicitação, de re-enunciação é neste caso impossível e os riscos de incomprensão tornam-se reais. Problemática da produção Para limitar esses riscos, inerentes à comunicação diferida que constitui a comunicação literária, «[…] l’émetteur-scripteur fournit toutes les informations nécessaires pour assurer une bonne transmission de ce qu’il veut dire et, pour cela, il s’appuie sur un savoir commun et fait des hypothèses sur ce que le récepteur-lecteur pourra construire à partir de son énoncé» . A recepção do texto será, assim como diz H. R. Jauss, «une perception guidée, qui se déroule conformément à un schéma indicatif bien déterminé, un processus correspondant à des intentions et déclenché par des signaux que l’on peut découvrir […]» (Jauss, 1990: 55). Entra aqui em jogo o conceito de horizonte de expectativas que este mesmo autor considera inerente a cada texto: «Le texte nouveau évoque pour le lecteur (l’auditeur) tout un ensemble d’attente et de règles du jeu avec lesquelles les textes antérieurs l’ont familiarisés et qui, au fil de la lecture, peuvent être modulées, corrigées, modifiées ou simplement reproduites» (Jauss, 1990: 56). Uma análise da entrevista que Germano Almeida deu a Michel Laban em 1985, talvez nos permita identificar parte do projecto do autor ao escrever este seu primeiro romance. Nessa altura declarava : O cabo-verdiano falou muito da seca, da fome e acomodou-se com estes temas… Era fácil de tratar, a fonte era simples. Penso que, neste momento, importava ver a literatura cabo-verdiana já não como […]concreta, de descrição de situações, mas de análise das situações. Nós não temos literatura analítica […]. Mas uma literatura que nos levasse à análise do homem cabo‑verdiano – da própria posição do homem cabo-verdiano na sociedade, para mim, sobretudo depois da independência, até agora não houve nada acerca disso. Pessoalmente penso que já devia Canvat, Karl, «Genres et pragmatique de la lecture», Fabula. Disponível em http://www.fabula.org/atelier.php?Genres_et_pragmatique_de_la_lecture. [Consultado em 27 de Fevereiro de 2007). 32 ter havido… Porque houve uma grande mudança de valores, a todos os níveis político, social, económico… Mas isto agora não foi estudado, não foi analisado, não foi escrito (Laban, 1992: 631-632). E, respondendo a Michel Laban que observava que ele próprio, até àquela data, não tinha escolhido Cabo Verde independente como tema dos contos que publicava na revista Ponto & Vírgula, Germano Almeida acrescentava: «Porque, também, eu não me afirmo como escritor. Agora, eu penso que o escritor tem a obrigação de fazer.» Ao escrever este romance, o projecto de Germano Almeida é portanto romper com a tradição literária e propor algo novo tanto pela temática mais actual como pelo ponto de vista mais analítico. A estória dos guarda-chuvas que marca o início do êxito comercial de Napumoceno é, nesse aspecto, exemplar. O herói faz fortuna porque, graças a um engano numa encomenda, tem em estoque milhares de guarda-chuvas quando trombas d’água desabam sobre o Mindelo. É manifesta a reviravolta em relação à temática da seca e da fome da literatura claridosa 10. É também relevante a escolha do herói, ou melhor do anti-herói. Não se trata de um miserável agricultor do interior de alguma das ilhas mas do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, um comerciante abastado da cidade mais cosmopolita do arquipélago. A construção complexa que se afasta da linearidade das obras de ficção anteriores constitui outra ruptura nítida. Tal projecto de escrita vai a par com uma leitura mais analítica – a que apela o próprio narrador do romance – o que explica certamente que o espaço geográfico cabo-verdiano tenha sido substituído pelo «espaço» dos diversos textos «palimpestos» que contém. A escolha da capa da primeira edição do romance ( que Germano Almeida – enquanto editor que também era – terá pesado) é significativa sobretudo se a compararmos com as diversas versões dos cartazes do filme 11. Mas o livro também terá grande êxito em Cabo Verde 10�������������������������������������������������� Podemos lembrar duas obras famosas desse período: Chiquinho de Baltazar Lopes (1947) e Os flagelados do vento leste de Manuel Lopes (1960). 11������������������������������������������������������������������������������������ A capa do livro representa um envelope lacrado que é suposto conter o testamento de que fala o título (indiciando portanto o centro de interesse da obra). Os diferentes cartazes que existem remetem, quanto a eles, para as personagens e o espaço: no primeiro, descobrimos a personagem central um pouco descentrada em grande plano e três encaixes com as outras personagens. Nas versões seguintes, aparecem em pano de fundo representando um velho navio na baía, um casal sentado na praia e, encrustado, o perfil de um homem de cachimbo na boca. 33 porque apresenta outras novidades, o tom deliberadamente ligeiro e humorístico 12 e o carácter oral 13, por vezes até coloquial, do seu estilo. O projecto de Francisco Manso é muito diferente 14. Sendo português e não cabo-verdiano, o seu relacionamento com o tema é obviamente outro. A vontade de alargar o seu público potencial a toda a lusofonia, viabilizando assim o seu filme, é explícita 15. Não devemos esquecer, aliás, que o realizador não é o único «autor» do filme. O conjunto dos produtores da obra, também eles, se inscrevem nesse mesmo espaço lusófono. É de notar que a CPLP é oficialmente institucionalizada nessa mesma época 16. 12 «O livro teve uma aceitação maravilhosa. Como dizem as pessoas foi um corte com aquilo que se escrevia até então em Cabo Verde, porque era um livro divertido.» Kriolidade (2005): Suplemento do jornal A Semana de 11 de Fevereiro, 2. 13��������������������������������������������������������������������� «[…] sempre que me preparo para contar uma estória tenho presente um ouvinte mais particularmente esses mestres de imaginação fértil e gargalhada fácil que entendiam e praticavam o jogo lúdico da vida», declara Germano Almeida falando de contadores da sua infância. «Autobiografia – Germano Almeida: A vida em Histórias» (2006): Jornal de Letras, ano XXVI, n.° 931, 7 de Julho. 14 «En tant que production à une date donnée d’un film qui transpose la matière d’une œuvre littéraire antérieure, tout adaptation est, même quand elle ne modifie pas le contexte, l’intrigue et les personnages, un changement de perspective où sont engagées les conceptions esthétiques et les données idéologiques du moment de production. […] Assumée ou refusée, toute adaptation est de ce fait à la fois une appropriation et une interprétation» (Serceau, 1999: 61). 15 «[…] fazer um filme em Portugal “é muito caro”, […], e fazer um filme a pensar no mercado português “não é boa ideia”, porque “é quase nada”. “Basta ver que se um filme português conseguir, em Portugal, 100 mil espectadores, é um sucesso incrível, […] aponta [Francisco Manso entrevistado por Ricardo Bordalo da Agência Lusa. […] Perante este cenário, “o que há a fazer é encontrar soluções”. E a sua solução são as co-produções “com países que partilham a língua portuguesa e uma cultura”. Este é o “melhor caminho”, sustenta, para viabilizar um filme, “mas também para Portugal e para a língua portuguesa”. […] “Eu não sou um realizador obcecado com a ideia de fazer filmes”, diz, ao mesmo tempo que admite que por detrás da ligação ao universo da língua portuguesa existe “uma opção ideológica”, o acreditar nas imensas possibilidades desse património comum». «Filme A Ilha dos Escravos abre novos caminhos ao cinema luso». Internet. Disponível em Vidas lusófonas http://www. noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=12189&catogory=Entrevista (consultado em 2de Dezembro de 2006. 16���������������������������������������������������������������������������������� «A 17 de Julho de 1996, em Lisboa, realizou-se a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo que marcou a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, entidade reunindo Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe». CPLP. Internet. Disponível em http://www.cplp.org/quemsomos_hist.asp (consultado em 3 de Março de 2007). 34 A decisão adoptada quanto ao problema linguístico que colocava tanto o tema, uma estória cabo-verdiana, como o elenco brasileiro escolhido, é significativa: todas as personagens falam português (e não crioulo) e os actores brasileiros abandonaram mais ou menos o seu sotaque para inventar uma pronúncia nova (como que um meio termo das variantes do português), querendo talvez deste modo dar uma imagem homogénea da lusofonia. À imagem de Germano Almeida, como aliás de qualquer autor, Francisco Manso concebeu o filme tendo em conta o público almejado, o seu (des-) conhecimento de Cabo Verde assim como o seu horizonte de expectativas. Sendo certamente o que mais se conhece de Cabo Verde no estrangeiro, não é por acaso que a música 17 – intradiegética ou não –, está tão presente na banda sonora do filme 18. A mais famosa dos cabo-verdianos, Cesária Évora, aparece aliás a desempenhar um papel de cantora num bar de Mindelo, numa cena «exótica» filmada como um espectáculo para os espectadores do filme, o que «obriga» as personagens a calarem-se e a desaparecerem 19. A presença do espaço cabo-verdiano também é muito mais importante no filme do que no livro. No livro não há nenhuma descrição de paisagens, as referências à geografia do arquipélago têm apenas a função semiótica de «informar» a interpretação do leitor que conhece a realidade cabo-verdiana 20. No filme, depois da cena inicial em que é descoberta a morte de Napumoceno, o genérico aparece primeiro sobre uma vista geral da cidade, da baía do Mindelo e finalmente sobre panorâmicas prolongadas da ilha de São Vicente 21. Estes planos que sugerem um «câmara-narradora» omnisciente de tipo turístico17��������������������������������������������������������������������������������� Uma música que mistura composições originais dos cabo-verdianos Tito Paris e Toy Vieira, temas populares cabo-verdianos e alguns temas brasileiros. A única excepção a este universo musical lusófono é a Marcha Fúnebre de Beethoven que acompanha o enterro de Napumoceno. 18����������������������������������������������������������������������������������� A música, nomeadamente a morna, tem neste filme duas funções: dar a ouvir algo que o público já conhece e portanto proporcionar um prazer garantido mas também sublinhar – de modo redundante – o sentimentalismo de certas cenas. 19������������������������ Cesária Évora (no filme Arminda) que canta o tema «Mar azul», aparece no início de uma cena, num plano americano, só depois num plano mais largo aparecem as personagens (público silencioso) e o cenário. 20�������������������������������������������������������������������������������������� É por exemplo o caso da referência a São Nicolau, uma ilha rural, mais genuína, donde é oriundo Napumoceno e o seu sobrinho, que se opõe a Mindelo, a cidade mais cosmopolita do país. 21���������������������������������������������������������������������������� A câmara acompanha os movimentos do relevo, subindo e descendo ao longo dos montes, do litoral e das praias desérticas como que varrendo de lés a lés o espaço todo. 35 ‑exótica permitem evidentemente dar a conhecer o espaço em que se inscreve a estória que vai ser contada. O tratamento do espaço tem portanto aqui a função dupla de criar um efeito de real mas também de aumentar o saber do espectador. A crítica, em geral, salientou este aspecto do filme, insistindo no facto de ele oferecer imagens sobre um pequeno país desconhecido 22. Observamos, a esse respeito, que as autoridades cabo-verdianas não estão de todo ausentes do projecto 23. A problemática da recepção Logo no primeiro capítulo do livro assistimos portanto a uma encenação da recepção de um texto. Nesta cena são como que declinadas todas as acepções do verbo ler. «Ler» é primeiro «tomar conhecimento por meio de leitura» 24. Com efeito, quando Carlos: «sugerira não valer a pena perder tempo a ler todo aquele calhamaço, […] propunha por isso dar-se o testamento como conhecido» (Almeida, 1991: 7), o notário lembrou a lei : «a lei é a lei, existe para ser cumprida e se ela manda ler tudo há que ler tudo do princípio ao fim» (Almeida, 1991: 8). Essa lição do notário remete para outra das acepções da palavra : «explicar ou preleccionar como professor». A leitura do testamento é portanto feita em voz alta diante de quatro pessoas. Esta cena lembra assim a prática mais antiga da leitura que se opõe de certa maneira à actual concepção, solitária e silenciosa. Mas «ler» também significa : «conhecer as letras do alfabeto e saber juntá-las em palavras», essa leitura-decifração 22����������������������������������������������������������������������������������� «Rodado em paisagens encantadoras de montanhas, terras desertas e praias desertas, Testamento conta o testamento póstumo de um dos mais importantes cidadãos cabo-verdianos.» Apresentação do DVD. 23��������������������������������������������������������������������������������� Na longa lista das entidades cabo-verdianas que apoiaram o projecto aparecem por ordem o Instituto Cabo-Verdiano de Cinema, várias empresas, o Governo e a PROMEX (Centro de Promoção Turística do Investimento e das Exportações). A respeito da intervenção das instituições cabo-verdianas citamos a observação seguinte: «Existe uma comunidade de natureza entre a nação e o cinema: nação e cinema existem, só podem existir, através de um mesmo mecanismo: a projecção.» Frodon, Jean-Michel (1998): La projection nationale, Cinéma et Nation. Paris: Éditions Odile Jacob, coll. «��������������������������� Le champ médiologique», 12. 24��������������������������������������������������������������������������������� As diferentes acepções da palavra «ler» que aparecem a seguir são as que regista Morais e Silva, António de (1957): O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 1.ª ed. revista. Lisboa: Editorial Confluência, vol. VI, 204. 36 também nos é apresentada quando a uma das testemunhas cabe ler a parte manuscrita do testamento « numa letra tão miudinha que ele se engasgou por diversas vezes com as palavras e teve de voltar atrás» (Almeida, 1991: 8). A estes sentidos, o dicionário acrescenta mais três, que também podemos identificar na cena inicial mas que desta vez não estão directamente ilustrados pela situação vivenciada pelas personagens intradiegéticas mas sim pelo próprio leitor do capítulo. «Ler» significa também : «1 - tratar de entender, estudar o que está escrito, 2 - decifrar ou interpretar com sentido e 3 - inquirir, perscrutar». Ora o leitor não leu o testamento, apenas leu o discurso do narrador «omnisciente» 25 que lhe apresentou as circunstâncias da leitura, as personagens e as suas reacções. A ele cabe portanto a tarefa de «ler» estas informações e portanto de estudar o escrito e o lido para talvez inquirir, interpretar e finalmente compreender a reacção do Carlos 26. Estas três acepções remetem certamente para um nível superior do processo de leitura de que dá conta a expressão «ler nas entrelinhas». Podemos ver na estrutura descontínua do romance de Germano Almeida uma ilustração perfeita dessa leitura activa, desse processo de construção progressiva do sentido do texto que Karl Canvat descreve assim: «A actividade da leitura não é […] linear, já que está baseada num jogo de predições, de retroacções, de ajustamentos contínuos» 27. Para além da aptidão a esse questionamento, o leitor deve ser capaz de informar o texto com outras leituras caso pretenda alcançar o sentido do que lê. E é assim que: «Lendo aqui e ali, Graça folheou todos os papéis do defunto e em páginas dispersas encontrou diversos complementos do testamento […]» (Almeida, 1991: 120). O leitor torna-se então um produtor de sentido e a leitura, uma actividade criadora. É esse resultado que atinge 25����������������������������������������������������������������������������������� O narrador não é ou não quer ser totalmente omnisciente já que não tem ou não dá a resposta ao enigma da Adélia. 26 «Carlos fez das tripas coração e inventou forças para um sorriso e um porra para esta merda!, e agradecendo a todos pela maçada disse que dadas as circunstâncias teria de ser a tal Maria da Graça a pagar as despesas […].» (Almeida, 1991: 46). 27 «Hoje sabemos que a leitura de um texto é uma actividade que consiste em levantar de modo selectivo elementos micro – ou macroestruturais, a transformá-los em indícios significantes e em estabelecer uma (ou várias) hipótese(s) de sentido. […] A actividade da leitura não é portanto linear, já que está baseada num jogo de predições, de retroacções, de ajustamentos contínuos. O valor da construção a que chega mede-se à sua aptidão para dar sentido de modo coerente ao maior número possível de elementos do texto […].» Canvat, Karl, op. cit. 37 aparentemente a Graça: «Durante dias e dias Maria da Graça maravilhou-se com a criação que fazia da personalidade do pai […]» (Idem: 146). Mas será realmente essa composição, o sentido final do texto? Podemos interrogar-nos porque na realidade a criação da Graça não é perfeita já que lhe falta resolver o enigma que constitui a Adélia. A dúvida é tanto mais válida quando no segundo capítulo, as testemunhas, primeiros receptores do testamento, concluíram que «nenhum homem poderá alguma vez pretender conhecer outro em toda a sua extensão e profundidade do seu mistério» (Idem: 11). Lembrando a tipologia que Todorov aplica à narração 28, essa leitura de tipo mitológico que está apenas interessada em saber o que se passa depois e que se limita muitas vezes a resolver enigmas – que no caso desta obra seriam: por que razão Napumoceno deserdou o seu sobrinho Carlos? Quem será a Adélia? – fica desqualificada logo que não existe no texto nenhuma resposta explícita para esta última pergunta. Graça e, por metonímia, todos os receptores dos diversos textos em causa devem portanto dedicar-se a uma leitura hermenêutica. Utilizando ainda a tipologia de Todorov, poderíamos também falar de uma leitura gnoseológica; uma leitura em que a atenção aos acontecimentos narrados é inferior à atenção que se dá à forma como eles são narrados, à percepção de temos deles, sendo essa, a única forma de alcançar o significado profundo da obra. Um trabalho que resta finalmente a fazer ao leitor do romance. A cena inicial do livro aparece no filme de Francisco Manso mas apenas após mais de quinze minutos. A sua duração é, de modo insistente, expressa através da repetição de grandes planos sobre o relógio de parede do gabinete do notário. Uma alteração notável é no entanto introduzida no filme. Quando no livro, o leitor não tinha nenhum conhecimento directo do testamento, no filme o espectador ouve – logo a seguir à voz do notário que inicia a leitura «Eu Napomoceno da Silva Araújo» – uma banda sonora que se sobrepõe à banda correspondente às imagens do gabinete. Essa banda sonora contém vários sons e pedaços de frases que se distinguem e remetem para o que supomos ser cenas da vida de Napumoceno. Esta alteração parece-nos de facto importante por substituir a leitura pela audição e por conseguinte os leitores por ouvintes. Há aliás no filme um plano emblemático dessa transposição em que a Graça, numa atitude lasciva, ouve as cassetes do pai deitada sobre a cama. 28 Todorov, Tzvetan (1971): «Les deux principes du récit», in: La Notion de littérature. Paris: Seuil. 38 Esta transposição de leitura para a audição será concretizada ao longo do filme em que desaparecem as referências ao testamento do Sr. Napumoceno. Os flash back que permitem ao espectador reconstituir a biografia da personagem terão origem ou na escuta das cassetes ou nos testemunhos orais solicitados pela sua filha. Por conseguinte, tanto ela como o espectador se tornam ouvintes de documentos sonoros. Na verdade, um leitor também pode ser um aparelho que descodifica sinais ou dados registados num suporte magnético e existem aliás leitores de cassetes e leitores ópticos. Os seus utilizadores tornam-se ouvintes do que essa máquina-leitora «produz» – uma máquina rápida mas à qual falta raciocínio. Talvez seja por isso mesmo que o filme termina com uma cena em que ouvimos, com Graça, a voz gravada de Napumoceno – e não de um narrador a filtrar o discurso da personagem – dizer uma das suas últimas frases: «O resto não tem importância, já sabes tudo o que era a saber.» O filme termina, portanto, com a ideia de que à Graça e portanto também ao espectador, foi oferecida uma reconstituição exacta e completa da vida de Napumoceno; a única participação dos dois nessa reconstituição foi a escuta passiva das cassetes (que se desdobra, no caso do espectador na visão do filme). A vida de Napumoceno foi-lhes contada a ambos de modo quase cronológico 29, e foi-lhes apresentada uma única versão dos factos 30. Nem sequer lhes cabe interrogar a selecção dos momentos da vida apresentados já que o que ficou fora da evocação é explicitamente desqualificado pelo seu autor. E o espectador, à imagem de Graça, pode dar por finda a sua «tarefa»: abandonar a sala de cinema e regressar à vida, tal como ela se levanta da esplanada onde estava a ouvir a última cassete e penetra, ligeira, na cidade. Verdades e perspectivas Se deixarmos de lado o caso da Graça, as diferentes leituras-interpretações referidas no romance apresentam uma característica comum: a sua perspectiva irónica. Tanto as personagens como o narrador se dedicam ao jogo de 29���������������������������������������������������������������������������������� A única excepção é o episódio da concepção da Graça que é apresentado no primeiro flash back. 30�������������������������������������������������������������������������������������� No livro, aparecem várias versões, por vezes até contraditórias de certos momentos da vida de Napumoceno, é o caso, por exemplo, da partida de Napumoceno para São Nicolau. 39 deslocar o ângulo de visão sobre objectos que poderíamos qualificar de hipotextos. Vejamos o caso da leitura e portanto da interpretação que Carlos faz do testamento do tio: o testamento torna-se para ele o «palavroso discurso do velho matreiro» (Almeida, 1991: 48). Esta caracterização evidencia a sobreposição do sujeito que observa, Carlos, e do objecto observado, o testamento, isto é a inscrição do observador no observado, por isso podemos falar de perspectiva. O narrador procede do mesmo modo. O que ele projecta de si no seu discurso é a sua omnisciência 31, o facto que dispõe de informações complementares que insere nos hipotextos, que aparentemente nos apresenta, mas que finalmente desqualifica. A título de exemplo observemos esta passagem: O espírito exigentemente honesto do Sr. Napumoceno levou-o a reconhecer no testamento que sem dúvida alguma foi Carlos quem impulsionou e diversificou a importação da firma para produtos até lá desconhecidos do mercado local mas cuja colocação se mostrou logo garantida (Almeida, 1991: 38-39). A perspectiva do narrador aparece aqui no julgamento que ele emite sobre a honestidade de Napumoceno. A ironia está ela na hipertrofia dessa avaliação que resulta do emprego do advérbio «exigentemente». Esta nossa interpretação é validada por todas as informações que o narrador vai inserir ao longo do seu discurso que multiplica os ângulos, as perspectivas sobre o seu objecto de estudo, não só Napumoceno mas o conjunto da sociedade cabo-verdiana. A transposição cinematográfica deste discurso finalmente híbrido em que por vezes até dificilmente se distingue o hipotexto do hiper-metatexto – como acontece no discurso indirecto livre – foi certamente um dos maiores desafios de Francisco Manso 32. A ilusão mimética que caracteriza o cinema e faz com que o espectador fique imerso no plano e na ficção e que por isso, citando Frodon: «une connivence immédiate s’établit entre le spectateur et le héros, supprimant toute relation avec le narrateur qui se confond avec l’œil de la caméra. La dialogie avec l’auteur disparait pour que s’installe une communication directe entre le spectateur et le personnage» 33. A voz de Napumoceno – gravada nas cassetes – que introduz os flash back induz, no 31 Cf. nota 25. 32������������������������������������������������������������������������������������ A leitura do romance que nos apresenta finalmente Francisco Manso na sua adaptação, deixou de lado, a nosso ver, esta polifonia muito interessante da obra de Germano Almeida. 33 Frodon, Jean-Michel. op. cit., 187. 40 espectador, a impressão que esta personagem se dirige directamente a ele e lhe está a contar a sua vida sem qualquer intermediário 34. Aparece no entanto uma perspectiva irónica no filme e sobretudo no tratamento das duas personagens de Napumoceno e Carlos. Francisco Manso optou para isso pelas possibilidades que lhe oferecia a montagem. O olhar crítico que demonstrava ter o narrador é, no filme, o de certas testemunhas dos actos ou dos discursos do herói e do seu sobrinho que a câmara individualiza em planos apertados 35. Mas o recurso à ironia, constante no romance, é, no filme, apenas pontual, desaparecendo até totalmente no final. Se bem que seja difícil identificar-se plenamente com o herói, um tanto gabarola e ridículo, tudo é feito para que os espectadores sintam alguma compaixão quando são evocados os seus últimos dias – as lágrimas da filha e da criada oficializando de certo modo a sua redenção final. A leitura irónica dos textos de Napumoceno mas também do comportamento das demais personagens a que se dedica, ao longo do livro, o narrador exegeta 36 do romance instaura, ao contrário do que ocorre no filme, um acentuado distanciamento entre ele e o seu objecto de estudo, e consequentemente entre os leitores e as personagens. Este narrador aparece, pois, não tanto como um demiurgo, que «enuncia» as suas criaturas – o que faz de certa maneira a câmara de Francisco Manso –, mas como um observador exterior e crítico, numa postura que o próprio autor diz ter quando escreve sobre São Vicente de onde não é oriundo 37. 34��������������������������������������� Essa voz não é verdadeiramente uma voz off, já que pertence à diegese; é a voz que Graça ouve no gravador, mas ela também fala para o espectador como uma voz off, que assumiria a função de narrador. Aliás é interessante notar o papel importante dessa voz na montagem do filme – sendo ela, o motor dos raccords dos flash back. 35������������������������������������������������������������������������� Nomeadamente do empregado de Napumoceno testemunha privilegiada das suas mentiras e dos seus exageros. 36������������������������������������������������� O primeiro pro-texto que comenta é um testamento! 37������������������������������������������������������������������������������ Ver a esse propósito a resposta de Germano Almeida a uma pergunta de um jornalista: [Pergunta da jornalista]: «Essa sociedade cabo-verdiana que descreve nos seus livros é a verdadeira sociedade destas ilhas ou tem muito da sua imaginação?» [Resposta de G. Almeida]: «É como eu vejo e caricaturo a sociedade cabo-verdiana. Tenho consciência de que quando escrevo sobre a Boa Vista o meu olhar é particular, diferente do olhar que tenho de São Vicente. Tenho um grande carinho por São Vicente, gosto de viver nesta ilha, mas vejo São Vicente de fora, sempre. […] Eu penso que a ironia que eu sou capaz de ter sobre São Vicente não sou capaz de ter em relação à Boa Vista. Em relação a São Vicente sou um filho de fora que 41 Neste primeiro romance de Germano Almeida, publicado depois da independência, o projecto da literatura claridosa de salientar a especificidade da cultura cabo-verdiana, necessariamente por oposição à cultura imposta do colonizador português, já não é válido. Nessa época, distinguia-se um «Nós» – narrador, heróis e leitores – que implícita ou explicitamente se construía face a um «Eles» – portugueses, colonos. No período de luta pela independência, esta construção por oposição da identidade cabo-verdiana acentua‑se. Não há dúvida de que «o Outro» é aqui Napumoceno, cabo-verdiano sim, mas um mimic man 38, uma pálida imitação, primeiro, do colonizador, depois, do americano 39; um homem do passado desqualificado nos seus actos e discursos. Mas o «Nós» não é nenhuma das outras personagens: nem Carlos, por ser uma cópia de Napumoceno, nem Graça, por ser uma leitora ingénua; para falar apenas das mais novas que poderiam remeter para um Cabo Verde em formação. Convém aqui lembrar que o discurso irónico implica um esquema triangular baseado simultaneamente numa conivência e numa rejeição. Trata‑se, ao mesmo tempo, de denunciar o discurso do «Outro» mas também de estabelecer com um Parceiro-interlocutor uma comunicação de tipo fático. Quem é o «Parceiro» a não ser o leitor que entende a ironia, que é capaz de rir da sociedade retratada deste modo? A ironia é uma postura característica da classe dominante – ou que pretende dominar 40 – que implica por parte do interlocutor certa capacidade hermenêutica de «decriptagem», uma capacidade que determina a sua participação nessa classe. A questão final seria então saber como interpretar a ironia no romance: será a ironia do indivíduo Germano Almeida que vê o que os outros não vêem, isto é, a sua submissão a códigos que não são seus, o que poderia remeter para um certo cinismo ou a ironia dos cabo-verdianos que tendo finalmente uma identidade própria e já não uma identidade paródica (portuguesa ou americana) são capazes de se sente como filho de fora, mas na Boa Vista sou filho de dentro e sinto-me filho de dentro.» Kriolidade (2005): Suplemento de A Semana de Sexta-feira, 11 de Fevereiro, 3. Internet. Disponível em http://www.asemana.cv/PDF/4210e12973e6c.pdf (consultado em 26 de Fevereiro de 2007). 38�������������������������������������������������������������������������������������� Termo utilizado pelos autores pós-coloniais (por exemplo V. S. Naipaul) para falar do colonizado que adoptava o modo de vida, a cultura do colonizador. 39���������������������������������������������������������������������������������� A seguir à sua viagem aos Estados Unidos, de onde vem com ideias e objectos novos. 40 Hamon, Philippe (1982), «Analyser l’ironie», in: Discours et pouvoir, textes réunis par Ross Chambers. Michigan: Romance Studies, vol. II. 42 rir dessa identidade que se lhes quis impor? Parece-nos a nós ser esta a interpretação mais válida. E talvez seja este romance de Germano Almeida o primeiro romance cabo-verdiano pós-moderno que desmitificou a problemática da cabo-verdianidade. No caso do filme, a «redenção do herói» tem obviamente a ver com o próprio projecto do realizador. Ao tratar do «outro» cabo-verdiano, um dos seus objectivos foi, como dissemos, falar de um elemento de uma comunidade única, a lusofonia. É por isso que, num processo de assimilação, ele insiste sobre o que aproxima Napumoceno – por isso obrigatoriamente digno de certa identificação – dos espectadores lusófonos. Talvez pudéssemos aplicar, a Francisco Manso e através dele ao espectador lusófono do filme, esta frase de D. H. Pageaux: «O Eu olha para o Outro mas gostava de ver abolidas as diferenças, de criar novos conjuntos en vias de unificação ou de reconstituição de uma unidade perdida» (Pageaux, 1994: 72). E o conselho que Napumoceno dá à filha e que constitui as suas últimas palavras testemunha dessa vontade de aproximação universal, «Sê tenaz em tudo e ama» diz ele. «Ama» sem nenhum complemento restritivo. Revelam-se assim, no romance e no filme, duas comunidades diferentes. O romance remete para uma comunidade que desfruta do mesmo sentido de humor, da mesma autoderrisão que o autor. Esta comunidade não se limita aos seus potenciais leitores cabo-verdianos quando consideramos a recepção, em Portugal por exemplo, deste livro como também das numerosas obras que Germano Almeida continua a escrever. O filme remete, quanto a ele, para a lusofonia, mas uma lusofonia que o seu autor talvez julgue ainda pouco conhecedora das suas componentes heterogéneas (neste caso da sua componente cabo-verdiana) para lhe dar a ver uma obra mais ambiciosa. O último projecto de Francisco Manso 41 em que o cineasta diz abordar os temas das guerras liberais e da escravatura talvez apresente já um passo à frente nesse sentido. 41��������������������������������������������������������������������������� Trata-se de uma adaptação (que não pudemos ver) dum romance, considerado a primeira obra de ficção cabo-verdiana, O escravo, escrito em 1856 por Evaristo de Almeida. Este filme intitula-se A Ilha dos Escravos e foi rodado em Portugal, no Brasil e em Cabo Verde. 43 Referências bibliográficas Almeida, Germano (1991): O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo. 2.ª ed., Lisboa: Caminho. Canvat, Karl (2007): «Genres et pragmatique de la lecture», Fabula. Internet. Disponível em http://www.fabula.org/atelier.php?Genres_et_pragmatique_de_la_lecture. [Consultado em 27 de Fevereiro de 2007]. Frodon, Jean Michel (1998): La projection nationale, Cinéma et Nation. Paris: Éditions Odile Jacob, coll. «Le champ médiologique». Hamon, Philippe (1982): «Analyser l’ironie», in: Discours et pouvoir, textos reunidos por Ross Chambers. Michigan: Romance Studies, vol. II. Jauss, R. H. (1990): Pour une esthétique de la réception (traduction française de Jean Starobinsky). Paris: Gallimard, col. «Tel». Laban, Michel (1992): Cabo Verde – Encontro com escritores. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, vol. II. Pageaux, D. H. (1994): La littérature générale et comparée. Paris: Armand Colin Éditeur. Serceau, Michel (1999): L’adaptation cinématographique des textes littéraires. Liège: Éditions du CÉFAL. Testamento (1998), realização Francisco Manso, guião Mário Prata, com Nelson Xavier, Maria Ceiça, Chico Diaz, Zezé Motta, DVD. Col., 112 min. Todorov, Tzvetan (1971): «Les deux principes du récit», in: La Notion de littérature. Paris: Seuil. 44 Amour de Perdition, film de Manoel de Oliveira (1978) à partir du roman de Camilo Castelo Branco (1861) Entre «bien entendre» [un texte romanesque au cinéma] et malentendu [dans la réception portugaise du film] Jacques Lemière Université des Sciences et Technologies de Lille/Lille 1 CLERSE [email protected] Resumo: Em 1978, com Amor de Perdição, Manoel de Oliveira empreendia um diálogo, jamais interrompido, com a obra e a vida de Camilo Castelo Branco. No cotejo com o romance, a obra continua viva na consciência popular portuguesa, o cineasta revoluciona aquilo que, normalmente, se convenciona chamar «a adaptação cinematográfica» de uma obra literária. O filme dá então literalmente a entender o texto deste romance – e não apenas a «vê‑lo» encarnado pelas personagens nos respectivos lugares. Ao mesmo tempo, a recepção portuguesa do filme causou no país um mal-entendido maior sobre a arte cinematográfica de Manoel de Oliveira. Este mal-entendido, originado pela grande distância que o separa da recepção estrangeira do filme, não está ainda hoje completamente dissipado. Propomo-nos aqui apresentar elementos de descrição e análise, relativamente ao que este «caso» revela do curioso par formado por esta «criação» cinematográfica inventiva e pelos quiproquos impertinentes da sua «recepção» nacional, mas também sobre a contradição entre a recepção caseira e a recepção estrangeira. En 1978, avec Amor de Perdição, le cinéaste Manoel de Oliveira s’engageait dans un dialogue, qui ne cessa plus, et avec l’œuvre (Francisca, 1981) et aussi avec la vie O Dia do Desespero, 1992) de Camilo Castelo Branco, importante figure de la littérature romanesque portugaise. Dans sa confrontation avec le roman de « Camilo », comme on l’appelle familièrement au Portugal, Manoel de Oliveira, qui, en 1996, disait « en être venu » alors, pour la première fois dans son parcours de cinéaste, « à accepter le document littéraire en tant que tel », bouleverse radicalement ce que, 45 d’ordinaire, il est convenu d’appeler « l’adaptation cinématographique » d’une œuvre littéraire ; dans le même temps, il y invente un dispositif qui se met entièrement au service d’une fidélité au « texte même » de l’œuvre. Par l’effet des principes esthétiques qu’Oliveira soutient dans les années 1970 et qu’il y met en œuvre radicalement, ce film donne littéralement à entendre le texte de ce roman - et pas seulement à le « voir » par le biais de ses personnages incarnés et de ses lieux reconstitués – qui est le texte d’une œuvre restée vivante dans la conscience populaire portugaise, et considérée comme une pièce du patrimoine littéraire national. En même temps, la réception portugaise du film ouvrit dans le pays à un malentendu majeur sur l’art cinématographique de Manoel de Oliveira. Ce malentendu, sous l’effet d’un écart avec la réception étrangère du film qui mettra du temps à se clarifier, n’est pas encore, aujourd’hui, complètement dissous. On se propose ici de donner des éléments d’analyse de ce que cette « affaire Amour de Perdition », dans l’atmosphère révolutionnaire de cette époque, et bien encore après que cette atmosphère se soit dissipée, révèle du curieux couple formé d’un côté par cette « création » cinématographique inventive et de l’autre par les quiproquos grincheux de sa « réception » nationale, mais aussi ce qu’elle révèle du système des contradictions entre réception domestique et réception étrangère. Prologue 1992, Bruxelles. Amour de Perdition seul film portugais dans le concours européen EVE des « cent meilleurs films européens de toujours » Le 1er novembre 1992, le quotidien portugais Público annonçait le choix d’un jury du projet EVE (Espace Vidéo Européen) qui consistait à sélectionCes principes sont partagés par d’autres cinéastes dans les années 1970, comme Jean Marie Straub et Danièle Huillet, Jean-Luc Godard ou Hans Jurgen Syberberg, caractéristiques d’une phase de « seconde modernité » du cinéma, après une première modernité portée par le cinéma de Rossellini en Italie. Cette « seconde modernité », à rebours de la première, met en jeu des principes comme le primat du texte, la non linéarité des récits, l’artificialité des décors, et travaille la question de la « représentation » cinématographique en s’adossant à la forme théâtrale. De cette forme de modernité, Oliveira est un pionnier, dès 1963, dans son film L’Acte du printemps, alors que nombre de ses collègues sont encore dans une esthétique héritée de la Nouvelle Vague ou des cinémas « nouveaux » et néo-réalistes. 46 ner « les cent meilleurs films européens de toujours » : « la sélection », écrit le journal, « couvre soixante-cinq années de cinéma des douze pays de la Communauté, de 1914 à 1979, passant l’expressionnisme allemand, le néoréalisme de l’après-guerre, et jusqu’au ‘western spaghetti’ ». Le seul film portugais figurant dans cette liste de cent films était Amour de Perdition, de Manoel de Oliveira. 2007, Lisbonne. « Chariot fixe, comme Manoel de Oliveira » A la mi-mars 2007, à Lisbonne, à deux pas de la Cinémathèque portugaise, une équipe de production portugaise tournait devant l’hôtel Avis une séquence d’un film publicitaire pour le compte de la société russe qui exploite, en Russie, la marque de bières Carlsberg . Film publicitaire très médiocre, à voir « in situ » l’inspiration scénaristique de cette séquence autant que son décor: voitures de luxe devant un hôtel cinq étoiles, tapis rouge, plantes vertes et, devant l’entrée en carrousel, écrit sur un panneau cerclé de couleur dorée : « Réservé par Carlsberg ». Devant les commanditaires russes, qui suivent ce tournage qui doit permettre de transformer une rue de Lisbonne et des morceaux des stations balnéaires de Cascais et Estoril en représentation de Monaco et de Côte d’Azur, avec tous les clichés du « luxe » de la riviera méditerranéenne conformes au goût « nouveau-riche » russe du moment actuel, le réalisateur (portugais) donne, à un moment, à son équipe technique, la consigne : « Chariot fixe ! Plan serré sur la mention ‘Réservé par Carlsberg’ ! ». Un des machinistes chargé des mouvements de la grue, et du dit « chariot », élève alors la voix et lance à la cantonnade, sur le ton de la plaisanterie, et en accentuant délibérément une prononciation « à la française » du mot « chariot » : « Chariot fixe, como o Manoel de Oliveira !» [Chariot fixe, à la manière de Manoel de Oliveira]. Une équipe de production de films publicitaires, équipe portugaise se mettant, pour gagner sa vie, au service de films qui viennent de l’étranger profiter tout à la fois des paysages portugais, de l’excellence des techniCertes, une Europe alors limitée à la frontière des douze membres de l’Union euro péenne d’alors, ce qui excluait par exemple Dreyer et Bergman. Le jury était composé des responsables des archives cinématographiques de chaque pays membre, et l’enjeu du concours était de garantir l’édition cinématographique de ces œuvres en vidéo, par les bons soins du programme EVE. Observation du 14 mars 2007, à Lisbonne. 47 ciens portugais de cinéma, de leur francophonie et des plus bas salaires de l’Europe de l’ouest (quatre avantages réunis) , … une telle équipe est donc complètement poreuse à l’opinion commune qu’il est « de bon ton » d’exprimer, au Portugal, sur le cinéma d’Oliveira (la fixité des plans, le manque de mouvement…), en même temps qu’elle est coiffée et surplombée par la notoriété de son art cinématographique. On répète ainsi, sur les plateaux de tournage des films publicitaires, les plaisanteries basiques et les sarcasmes, sur le grand cinéaste national, sur le « génie national » universellement reconnu, qui font l’ordinaire des programmes humoristiques de la télévision, à la manière de l’animateur Herman José. C’est dans ce type de propos et d’attitudes que s’exprime, au risque du préjugé (quand ces jugements prolifèrent par la voix de locuteurs qui ne les ont pas vus) un solide fond de méfiance portugais contre un (certain) cinéma (portugais) décrit comme maçador [ennuyeux, « rasoir », voire « emmerdant »] à cause de sa lenteur et de sa fixité (peu d’action, peu de mouvements de caméra, un découpage qui donne place à de longs plans-séquences plutôt qu’à un montage champ/contre-champ) et de l’importance de son recours à des textes dits en voix-off. Amour de Perdition, film de 1978, tourné en 1976-1977 Amour de Perdition est un film de 1978, tourné de novembre 1976 à novembre 1977 , et totalement adossé sur le texte du roman homonyme de Camilo Castelo Branco, paru en 1861. Dans le domaine de la « délocalisation » cinématographique française, par exemple, le Portugal est en compétition avec la Hongrie, moins chère, mais non francophone. Et en deux jours et demi de tournage du film publicitaire russe pour Carlsberg, à Lisbonne, devant l’hôtel Avis, et à Cascais, un machiniste de l’équipe portugaise gagnait ce qu’il pourrait gagner en un mois dans un film portugais. Amor de Perdição, memórias duma família, (Portugal, 1978). Réalisation, d’après le roman de Camilo Castelo Branco : Manoel de Oliveira. Photographie : Manuel Costa e Silva (couleur, 16mm à l’origine, copie 35 mm depuis 1997). Décors et costumes : António Casimiro. Montage : Solveig Nordlund. Interprètes : António Sequeira Lopes (Simão), Christina Hauser (Teresa), Elsa Wallenstein (Mariana), António Costa (João da Cruz), Ricardo Pais (Baltazar), Rui Furtado (Domingos Botelho), Maria Dulce (Dona Rita), Maria Barroso (Prieure), Henrique Viana (Tadeu de Albuquerque) et Adelaide João, Lia Gama, Manuela de Freitas, Ana Colares Pereira, Ângela Costa, Duarte de Almeida, Agostinho Alves. Voix-off : Pedro Pinheiro et Manuela de Melo. Production : Institut Portugais de Cinéma et Centre Portugais de Cinéma, Cinequipa, Radio- 48 Avec Amour de Perdition, Manoel de Oliveira, en maître moderne, donne une leçon inouïe (au sens littéral : « jamais entendue ») sur les rapports du cinéma au roman, à partir de cet ouvrage, très populaire au Portugal, qui conte les « mémoires d’une famille » dans le nord du pays, au début du 19e siècle : la passion de deux amants persécutés jusqu’à la tragédie par des familles ennemies. L’art d’Oliveira a été contredit par une campagne très hostile contre le projet même du film, puis par une mauvaise réputation faite, au Portugal, au film, quand il est sorti dans une version télévisée un an avant sa sortie en salles . 1. « Bien-entendre » (au cinéma) un texte littéraire Quelles sont les conditions pour entendre, au cinéma, un texte littéraire ? Une médiéviste française, Irène Rozier, rappelle qu’en latin médiéval le mot « traduction » n’existait pas, mais seulement le mot « translation », dans son double sens de « transfert de sens » et de « passage ». Avec Amour de Perdition, on est au cœur de ces problèmes de translation entre cinéma et littérature, entre film et roman. Ce qu’en dit Oliveira lui-même : le cinéma comme théâtre moderne Oliveira lui-même, quelque temps après que le film ait engagé son chemin parmi les spectateurs, en analyse les conditions. Leur énoncé, qu’on se propose ici de reconstituer et d’exprimer en trois points, est radical : Télevision Portugaise, avec la participation de la Fondation Calouste Gulbenkian. Durée : version pour la télévision, 4h47, en 4 épisodes d’environ 70 minutes chacun ; version pour le cinéma, 4h25. Sortie à la télévision au Portugal : 19 novembre 1978. Avant-première en France : 1er mai 1979, semaine des « Cahiers du Cinéma ». Sortie à Paris : juin 1979. Sortie à Lisbonne et à Porto : 25 novembre 1979. Prix spécial du jury au festival de Figueira da Foz, 1979. On n’en rappellera pas ici l’histoire, si connue au Portugal. Amour de Perdition a été « grossièrement reçu au Portugal quand il fut montré par morceaux, sur de petits écrans, et en noir et blanc, à la télévision en 1978 », résume João Bénard da Costa (1991) : Histoires du cinéma portugais.Lisbonne : Comissariado para a Europália 91, Imprensa Nacional/Casa da Moeda. Dans une session de Cité-Philo, 8èmes semaines européennes de la philosophie, à Lille, consa crée en 2004 au Vocabulaire européen des philosophes, Dictionnaire des intraduisibles (2004). Paris : Le Seuil, sous la direction de Barbara Cassin. 49 1er point. Il ne s’agit pas de recréer un mélodrame. Pour moi, il ne s’agit pas de recréer un mélodrame pour que le public revive l’histoire racontée, qu’il s’implique et qu’il s’engage dans son déroulement en perdant tout sens critique (…). Au contraire, le film est plutôt une sorte d’analyse de la structure du roman qui vise à restituer dans leur nature originale l’état, les sensations et la position des personnages, en les faisant en quelque sorte dialoguer avec le spectateur. Ils parlent souvent pour la caméra, ils exposent ainsi leurs problèmes, laissant au public la faculté de juger, d’évaluer, de comparer . 2e point. Il n’y a aucune correspondance cinématographique à un texte littéraire de qualité. Avec Amour de Perdition, [c’est] un [autre] problème [qui] se posait 10 : comment passer au cinéma, rendre cinématographiquement la spécificité et les qualités littéraires d’un auteur ? Et je suis arrivé à cette conclusion : c’est impossible. Il n’y a aucune correspondance cinématographique à un texte littéraire de qualité. Mais il y a une certaine façon de la faire passer au cinéma : c’est de le faire lire par des spectateurs en photographiant le texte imprimé. Ou alors de le faire lire par un acteur et ainsi nous entendons ce texte dans toute sa richesse, en soulignant même certains points ici ou là … révélant ainsi le côté sonore du cinéma, aussi important que le côté visuel. Au cinéma, la bande son et la bande image jouent ensemble. C’est le cinéma d’aujourd’hui. Il n’est pas besoin de faire une gymnastique abstraite et inutile, difficile et herméneutique … pour faire la représentation du style et de tout ce qui est littéraire, si nous avons la possibilité de donner le texte, de le placer en situation dans le contexte et de le valoriser le plus possible à côté de l’image … et l’image à côté de lui. C’est le problème fondamental qui m’a conduit à réaliser Amour de Perdition tel que je l’ai réalisé 11. Manoel de Oliveira, dans un entretien avec José Vieira Marques, Le cinéma portugais (1982). Paris : aux éditions du Centre Pompidou et de l’Equerre. 10Quand il réalise Amour de Perdition, Oliveira sort de la réalisation de Benilde ou la Vierge Mère (1976), film qui prend pour base une pièce de José Régio. Dans ce dernier film, la question qu’il se posait était celle des relations du cinéma au théâtre : « Qu’est-ce que le cinéma ? Qu’est-ce que le théâtre ? Je me suis penché sur une pièce de théâtre en me demandant où se situait la différence, la distance … Je n’ai trouvé aucune différence. Alors j’ai fait une pièce de théâtre avec les possibilités du cinéma : les plus sobres et les plus épurées que j’ai pu trouver ». 11Manoel de Oliveira, novembre 1987, extraits de l’entretien avec Jacques Parsi. In : Lardeau, Tancelin et Parsi, Manoel de Oliveira (1988). Paris : Éditions Dis-Voir. 50 3e point. Ceci passe par un « retour aux sources », aux sources du théâtre. Par une refondation des rapports entre théâtre et cinéma. Ce retour aux sources, au théâtre, est donc un moyen d’atteindre à une certaine pureté, une certaine épuration. C’est une réaction contre un type de cinéma devenu trop technique. Je ne prétends pas nier les possibilités, les virtualités du cinéma … c’est même une manière de retourner aux virtualités cinématographiques que l’on peut alors utiliser avec la justesse qui convient vraiment. La concision et la rigueur ne sont pas une négation des virtualités du cinéma, qui sont elles-mêmes une sorte d’évolution, de développement des virtualités modernes du théâtre. Comme si le cinéma était notre théâtre moderne 12. Ce qu’en dit la critique du « cinéma moderne »: la ruine de l’idée d’adaptation C’est donc la ruine de l’idée d’adaptation, et c’est ce que relève la critique qui tient Amour de Perdition comme une œuvre représentative d’une phase nouvelle de la « modernité » du cinéma. Pour Denis Lévy, dans le cas d’Amour de Perdition, on ne doit plus parler d’« adaptation d’un roman au cinéma ». C’est « le film qui s’adapte au roman » : Plutôt que l’adaptation d’un roman au cinéma, on voit donc le film s’adapter au roman [écrit Denis Lévy 13] puisque, à peu de choses près, l’intégralité des épisodes y est respectée (y compris des digressions et certaines notes), les dialogues sont ceux de Camilo Castelo Branco, les lettres et les commentaires sont dits (par les personnages ou en voix-off), quitte à suspendre le mouvement le temps de les entendre jusqu’au bout. Oliveira garde le mouvement du roman, et comme dans le roman, le début du film est une préparation pour aller aux dernières lettres, les derniers actes et les dernières lettres tirant leur force du poids de tout ce qui précède. 12Manoel de Oliveira, 1988, op. cit. Mais Oliveira ajoute que dans Benilde, « le théâtre et le cinéma sont reconnus, mais séparément », d’où la présence à l’écran de panneaux signalant la fin et le début des actes de la pièce, « afin de forcer la vision théâtrale, pour voir une chose cinématographique », alors que plus tard, avec Amour de Perdition (et ce sera aussi le cas de Francisca), « théâtre et cinéma, il n’y a plus de distinction ». 13 Lévy, Denis (1998). Dans le numéro « Manoel de Oliveira » de la revue « L’art du cinéma », n° 21-22-23, Paris. 51 Il a en même temps du placer en voix-off ce qu’il appelle un « délateur » à qui échoit le rôle d’expliquer et de dire ce qui n’est pas mis en scène. Manoel de Oliveira radicalise ici le rapport du cinéma au roman qu’avait inauguré Bresson quelque vingt-cinq ans auparavant, où le cinéma renonce à sa « spécificité » et au lit de Procuste de l’adaptation, pour assumer sa dette en même temps que son autonomie. Le cinéma moderne, dans ce qu’on appelé quelquefois sa « seconde modernité », assume alors la positivité de son impureté, dans le rapport aux autres arts : Telle est dans doute la principale positivité du cinéma moderne : il ne s’agit plus de se soustraire à l’emprise ancestrale du roman ou du théâtre, mais d’accepter que le cinématographique soit aussi composé du romanesque et du théâtral, avec la force d’un métissage qui soit le résultat d’un ‘ montage’ inventé plutôt que d’une mixture qui chercherait à masquer une tare. Ainsi, comme Chronique d’Ana Magdalena Bach se tient en face de la musique de Bach, Amour de Perdition se tient en face du roman de Camilo, dans une frontalité qui suggère à la fois le théâtre et la peinture 14. Joao Bénard da Costa 15 rappelle que : Traditionnellement (…), ce qu’il est convenu d’appeler le cinéma de fiction, quand il prend comme point de départ une fiction littéraire, « l’a adaptée », comme on l’écrit dans les génériques, ou encore, pour le meilleur ou pour le pire, « l’a adoptée ». Il a transformé l’histoire racontée par des paroles en une histoire racontée par des images, écartant ou omettant tout ou presque tout ce qui constituait la plus difficile équivalence visuelle. Le livre était une espèce de synopsis développé, qu’il s’agissait d’expurger ou de ré-écrire, de sorte à appuyer ses côtés les plus spectaculaires (et les plus visualisables) et à éliminer ce qui se présentait comme discursif ou ‘abstrait’. Il rappelle aussi que divers cinéastes, et parmi les meilleurs d’entre eux (Hitchcock, par exemple), ont renoncé à adapter des œuvres célèbres de la littérature, devant la difficulté, ou l’impossibilité, de dominer les questions de la transposition du roman au cinéma. 14 Lévy, Denis (1998), op. cit. 15 João Bénard da Costa, Amor de Perdição, texte en portugais (traduction de Jacques Lemière) pour la projection du film le 7 novembre 2004 au Palais des Beaux-Arts de Lille, dans le cadre de Cité-Philo, 8èmes semaines européennes de la philosophie, « L’Europe, un lieu commun ? », avec Cineluso, pour la connaissance du cinéma portugais. 52 Il cite également le rêve formulé en 1966 par Joseph Mankiewicz, « un des réalisateurs qui a le plus et le mieux adapté et traduit », - puisque « les adaptations brillantes et antérieures à Amour de Perdition, exceptions qui confirment la règle, ne sont pas tant des adaptations, que des traductions, c’est-à-dire fidélité à l’esprit de l’œuvre originale, et non à sa lettre, comme quand Edgar Poe a traduit Baudelaire ou quand Fernando Pessoa a traduit Edgar Poe ». Ce rêve de Mankiewicz est celui d’un « cinéma total » («d’un cinéma qui exige tant une attention visuelle qu’auditive », souligne João Bénard da Costa,), dont Mankiewicz dit : C’est un objectif très difficile et que je n’ai pas la prétention d’atteindre. Mais la difficulté des objectifs ne doit jamais nous conduire à les abandonner. Pour moi, ce cinéma est le cinéma du futur et il sera beaucoup plus riche que les films appelés ‘purement visuels’. Ce sont ces problèmes soulignés par Hitchcock et Mankiewicz (mais ils le furent aussi par Buñuel ou Sternberg, ce dernier disant que « aucune grande œuvre littéraire ne peut être transférée pour l’écran sans perte de valeurs : les éléments visuels donnent une autre valeur à la parole écrite ») qu’Oliveira a résolus dans Amour de Perdition. Il les a résolus « non seulement parce qu’il a eu le courage d’oser un film de plusieurs heures (4 heures et 20 mn dans le cas en question pour un roman de deux cent et quelques pages), mais aussi parce qu’il a réfléchi ». Il y a réfléchi, comme on l’a relevé plus haut dans les propos d’Oliveira lui-même, « à partir des diverses adaptations théâtrales qu’il avait déjà faites : L’Acte du Printemps, Le Passé et le Présent, Benilde ou la Vierge-Mère », et bien que, dans une pièce de théâtre, à la différence d’un roman, les dialogues soient « la forme ultra-dominante de l’expression des personnages et du sens de leurs actes » 16. Faisant mouvement vers cet objectif, rêvé par Mankiewicz, d’un « cinéma total », Oliveira a ainsi réalisé un film qui est : (…) simultanément et au même niveau, ‘peinture’ (tableaux qui nous donnent l’image visuelle que le livre ne peut donner), ‘théâtre’ (action dramatique, conduite 16Outre que dans un roman il n’y a pas que des dialogues, le problème pouvait être, pour Oliveira, que dans le roman Amour de Perdition, les dialogues sont relativement rares. Les amants ne se parlent quasiment pas, mais s’échangent des lettres ; ce sont surtout les personnages secondaires qui parlent, et évidemment Camilo, « qui parle tout le temps, pour notre éclaircissement ou pour notre obscurité » (João Bénard da Costa, op. cit.). 53 par les dialogues) et ‘narration romanesque’ (par la succession temporelle de ces tableaux et de cette action, et par leur enchaînement). Mais comme le regard de la caméra est le regard qui commande tout (…), comme c’est au mouvement ou à la fixité de la caméra ou des personnages qu’est confié le mouvement radical, peinture, théâtre et roman se subsument dans la totalité du cinéma, unique art capable de les transfigurer ainsi et de les élever ainsi à la synthèse totale ». (…) De cette manière s’est reconstitué, dans ce premier film littéralement textuel 17, presque tout le texte de Camilo, sans que Amour de Perdition soit, à quelque moment, un film littéraire », de sorte que « plus jamais, depuis ce film, le cinéma ne peut rester le même, ni dans ses relations avec les autres arts, ni dans la signification qu’il s’est attribuée à lui-même 18. 2.Le malentendu Le malentendu, c’est celui de la réception du film au Portugal, où Amour de Perdition ne devint légitime qu’après avoir acquis sa reconnaissance comme chef d’œuvre à l’extérieur du Portugal, en même temps que cette légitimité internationale installait définitivement Manoel de Oliveira, non plus comme le premier des cinéastes portugais, ce qui était généralement son image antérieure, mais comme un artiste de référence inscrit dans l’histoire du cinéma mondial 19. Mais il est important de rappeler que ce malentendu pré-existe à la sortie et à la découverte du film par le public : il s’agit aussi d’un malentendu sur le projet même du film, dans le contexte du Portugal révolutionnaire. Le témoignage rétrospectif de Manoel de Oliveira : « Une lutte terrible » Amour de Perdition reste encore aujourd’hui, pour Manoel de Oliveira, le souvenir d’une « lutte terrible » au Portugal avant que son film ne bénéficie du soutien décisif de la la critique étrangère, et avant tout française. Écoutons ce qu’il nous en dit dans un entretien de 2003 20 : 17Souligné par nous. 18 João Bénard da Costa, 2004, texte cité. 19���������������������������������������������������������������������������������������� Sur les détails du mouvement « par étapes et par cercles concentriques » de la réception de l’œuvre de Manoel de Oliveira en France, on peut se référer à : Jacques Lemière (2002). « ������������������������������������������������������������������������������� Algumas notas sobre a recepção em França da obra de Manoel de Oliveira », in : Manoel de Oliveira, n° 12/13 de la revue Camões, Lisbonne. 20Entretien avec Manoel de Oliveira, Porto, 17 janvier 2003. 54 Amour de Perdition a été une lutte. Une lutte terrible ! Le film ne va pas finir, entendait-on partout. Et quand on pense que j’ai du le tourner en 16 mm ! … et avec deux versions, une pour la télévision, en cinq épisodes d’une heure, chaque épisode comprenant une présentation (…) et une autre pour le cinéma 21. Seule la critique étrangère, la critique italienne d’abord, puis française surtout, a sorti Amour de Perdition de cette malédiction, aux yeux d’Oliveira, lui apportant un soutien décisif au point de décider, ni plus ni moins, de sa carrière de cinéaste : C’est à Florence, d’abord, qu’Amour de Perdition a commencé à recevoir une critique extraordinaire, sans que cette critique italienne ait toutefois la même répercussion que, un peu plus tard, la critique française. A Paris, la critique fut magnifique, ce qui a enclenché un processus de reconnaissance mondiale 22. C’était la deuxième fois qu’un film portugais passait en Amérique, le précédent étant celui, déjà, de l’Amour de Perdition de Pallu 23. J’ai gagné cette lutte, et c’est grâce à la France que je l’ai gagnée 24. 21Entretien avec Manoel de Oliveira, 17 janvier 2003. 22Rappelons les dates « françaises » d’Amour de Perdition : avant-première française, à Paris, le 1er mai 1979 ; sortie commerciale en salles, le 13 juin 1979 ; nouvelles projections dans une rétrospective Oliveira à Paris, 23 janvier 1980. 23Avant l’Amour de Perdition d’Oliveira, le Portugal compte deux adaptations cinéma tographiques (au sens strict) du roman de Camilo Castelo Branco. La première adaptation, de 1921, est le film muet de Georges Pallu, un cinéaste français venu renforcer, avec une équipe technique venue de Pathé, la seconde mouture de Invicta Film, société de production par laquelle, de 1918 à 1924, Porto fut la capitale du cinéma au Portugal. « Les caméras d’Invicta Film sont à la Casa da Portela et à la Casa do Engenho Novo, à Paços de Brandão, dans les terres de Feira, dans les environs de Porto, à Viseu et à l’Université de Coimbra, avec Maurice Laumann pour la lumière et Georges Pallu pour la réalisation, pour enregistrer sur celluloid les images d’Amour de Perdition, le plus célèbre et populaire roman de Camilo, adapté par Guedes de Oliveira et avec une partition musicale d’Armando Leça », écrit Luis de Pina. « Après un litige avec les héritiers de Camilo, le film fut triomphalement montré, pour la première fois, au cinéma Olympia de Porto le 9 novembre 1921, puis à Lisbonne, au cinéma Condes, sept jours plus tard » (História do Cinema Português (1984) : Lisbonne. La seconde, de 1943, est le film parlant d’António Lopes Ribeiro, un des principaux cinéastes liés au régime salazariste, pour lequel il réalisa en 1937 le « film de régime » La Révolution de Mai, production directe du Secrétariat à la Propagande Nationale. Ce second Amour de Perdition du cinéma portugais (projeté le 12 octobre 1943 au Trindade à Lisbonne) « conduit plus à la logique de récit visuel qu’à la tentative de capter l’excès camilien », écrit Luís de Pina, qui relève, pour ajouter aux problèmes généraux de « l’adaptation » que « Camilo n’est pas un écrivain visuel ». 24Sans mettre en doute l’extrême sincérité de ce propos de Manoel de Oliveira, je ne mésestime pas que c’est, précisément, à un français admirateur de ses films qu’il l’adresse. 55 J’avais, en 1931, bénéficié du soutien apporté à mon premier film par Emile Vuillermoz, critique de cinéma et de musique au journal parisien Le Temps. Un deuxième soutien décisif est venu, de la France, pour Amour de Perdition. Sans ces deux cas, je ne sais pas si je serais là, devant vous, comme réalisateur. Et j’ai de la gratitude pour ceux qui savent et qui ont su reconnaître mon travail » 25. 1976-1978, la polémique portugaise qui précède la sortie d’Amour de Perdition Une campagne de presse, très hostile, précède en effet la sortie du film : ce qui est remarquable dans cette « lutte terrible » dont parle Manoel de Oliveira, c’est que les attaques contre le film commencent « dès que le film est en projet », et pas seulement quand il peut être découvert pour lui-même. Pour donner un exemple de la tonalité de cette campagne, relevons dans la presse de juillet 1977 26, soit 16 mois avant sa diffusion en version télévisée, ce type de commentaires, chiffres à la clé, sur le fait que le tournage s’en déroule « à une moyenne quotidienne de 3 minutes et 54 secondes de film utile », en semblant s’étonner qu’à ce rythme « le film ne soit pourtant pas arrêté » : Que se passe-t-il avec Amour de Perdition ? Les interruptions successives du tournage d’une des œuvres les plus dispendieuses de l’Histoire du Cinéma Portugais justifient la question. Jusqu’à présent, presque 10.000 contos 27, 80% du travail de tournage est déjà effectué, ce qui correspond à plus de quatre heures et demie de projection 28. 25Entretien avec Manoel de Oliveira, 17 janvier 2003. 26Le journal Opção, du 27 juillet 1977, en ouverture d’un entretien avec son réalisateur, qui paraît sous le titre « Amour de Perdition : un film tourné vers l’avant ou vers le passé ? » 27Le conto vaut 1000 escudos, monnaie portugaise d’avant l’adoption de l’euro (2.000.000€). 28Après montage définitif du film, sa version cinématographique durera 4 h25, et sa version télévisée à épisodes 4h47. 56 Dans combien de pays pense-t-on qu’un journal pas même spécialisé dans le domaine cinématographique puisse mobiliser et intéresser ses lecteurs, à la seconde près, sur le temps moyen quotidien de pellicule effectivement tournée d’un film en préparation sur un grand roman de la littérature nationale ? C’est en tous les cas possible au Portugal, où, dès le début de son processus, le film a été l’objet d’une campagne de presse très hostile, qui n’est pas qu’une innocente campagne menée par des journalistes, mais qui trouve aussi ses bases dans les rivalités qui traversent le milieu des cinéastes eux-mêmes : rivalités politiques et idéologiques autant que rivalités générationnelles, qui engagent les arbitrages, selon les rapports de forces, que peuvent imposer les cinéastes qui ont pu se placer en position de gestion administrative du jeune Institut du Cinéma Portugais 29. Cette campagne hostile combine deux axes centraux. Le premier axe est la mise en avant du coût du projet, au nom du tort que cette mobilisation de fonds provoquerait à l’égard de (plus) jeunes cinéastes qui cherchent à réaliser des films (quand il commence le projet d’Amour de Perdition, Oliveira a 68 ans), argument qui conduit à ces mises en causes corollaires qui portent (comme on vient d’en donner un exemple) sur les interruptions de tournage et les rythmes de tournage. On parle dans la presse du « plus grand budget jusqu’alors utilisé dans une production nationale de cinéma », avec « plus de 90 décors, 500 costumes, 60 acteurs, 50 techniciens, et des tournages en extérieur à Viseu, Coimbra, Porto, Vila Real et Lisbonne » 30. 29Institué par une loi de 1971 et créé en 1973, l’Institut Portugais de Cinéma, doté d’un système de financement des films « à fonds perdus » fondé sur une taxe sur la billetterie des salles, n’entre en fonctionnement véritable qu’après le 25 avril 1974, dans une conjoncture où sa commission administrative est soumise aux fluctuations des rapports de force entre les coopératives de cinéastes qui se sont constituées à partir d’Avril, et qui sont très politisées : certaines liées au Parti communiste, d’autres au Parti socialiste, d’autres à diverses sensibilités de l’extrême gauche révolutionnaire. Des cinéastes siègent à la direction de l’Institut Portugais de Cinéma quand le projet d’Amour de Perdition y est présenté. 30 O Jornal, 18 février 1977. 57 Le second axe est le doute jeté sur la légitimité même qu’il y aurait à prendre pour sujet et pour base du film le roman d’un auteur « que beaucoup de gens considèrent comme excessivement daté » 31 dans un pays qui, de surcroît, vient de connaître une sorte d’accélération du temps, du fait du processus révolutionnaire ; en clair, il s’agit d’accréditer l’idée que le projet du film soit contre-révolutionnaire, ou, a minima, non révolutionnaire. On voit bien cette combinaison des deux argumentations dans une question que pose le rédacteur du journal Opção à Manoel de Oliveira : Il y a la crainte que le choix d’un thème comme celui d’Amour de Perdition, un choix fait quelques mois après que se soit produite au Portugal une révolution démocratique et socialiste, constitue un recul. Ensuite, il y a ceux qui ne sont pas d’accord avec l’attribution de milliers de contos à ce projet, quand beaucoup de jeunes réalisateurs luttent dans les plus grandes difficultés pour faute d’argent 32. 1978. La polémique annoncée, avant même la diffusion télévisée Une des conséquences de la « lutte terrible » autour de la production du film fut que, en raison de la réduction du budget du film, et outre l’obligation de le tourner en format 16 mm, Oliveira fut contraint de passer un compromis avec la télévision, la RTP 33. Une sortie télévisée était donc prévue, dans une version différente, et par épisodes. Elle eut lieu le 19 novembre 1978. Le 22 juin 1978, le quotidien Diário de Lisboa (c’est un exemple, on pourrait en mobiliser bien d’autres, équivalents) annonce à ses lecteurs le projet de 31 Opção, 27 juillet 1977. A quoi Manoel de Oliveira répond sans se démonter que « s’il y a beaucoup de gens qui pensent cela, il y en a beaucoup qui ne le pensent pas » et que précisément, lui, appartient à la seconde catégorie : « Amour de Perdition est une œuvre exceptionnelle. Camilo est un écrivain exceptionnel. Le roman est extraordinaire et mérite, réellement, être repris ». Pour les ennemis de l’Amour de Perdition d’Oliveira, on renvoyait cinématographiquement Amour de Perdition renvoyé au passé, et aux deux versions existantes, la version muette de Georges Pallu (1923) et la version parlante d’António Lopes Ribeiro (1942), deux versions s’inscrivant dans une pure tradition d’adaptation cinématographique, au sens illustratif du terme. 32 Opção, Lisbonne, 27 juillet 1977. 33La RTP est entrée pour 3000 contos dans un budget prévisionnel de 12000 contos, qui s’est trouvé alourdi de 30%. Dans cet arrangement, elle impose au cinéaste une sortie télévisée, qui sera antérieure à la sortie en salle. 58 diffusion télévisée du film, en six épisodes, de 50 minutes chacun (en réalité, ce seront quatre épisodes, de soixante dix minutes chacun 34) et prévient: Malheureusement, le public de télévision sera privé d’un des attributs du film qui nous garantissent qu’il soit d’exceptionnelle qualité : la couleur 35. Mais attention, que ceux qui se réservent pour voir le film au cinéma ne pensent pas qu’ils assisteront à la re-position colorée de ce que la télévision va montrer, dès lors qu’il y a des différences entre les deux pellicules. Mais il ouvre en même temps, cinq mois avant la diffusion télévisée, une polémique sur la forme même du film. Après avoir reproduit les déclarations d’intention du réalisateur, qui fait état de son option pour la théâtralité et la picturalité, plutôt que pour le mouvement et pour l’action : J’ai autant que possible pris le parti de respecter le livre (…). Ainsi, il y aura des scènes assez longues et avec peu de mouvement, j’ai donc fuit presque complètement l’action extérieure, afin d’intensifier l’action intérieure, le journal les commente déjà comme un geste de « défiance implacable » du réalisateur vis-à-vis du public : Les affirmations du cinéaste nous donnent l’idée du chemin risqué qu’il a choisi dans la rencontre avec le public, lequel sera défié implacablement, à combattre les préjugés esthétiques acquis par le vice des effets faciles de la production cinématographique courante. Enfreignant la règle générale de l’apparence du mouvement à tout prix, Manoel de Oliveira s’obstine à ramer contre le courant, faisant de la caméra un œil pénétrant dont la fixité parvient à assumer un caractère provocateur, conduisant un type déterminé de spectateurs à l’exaspération 36. Des attaques internes au milieu du cinéma « Encore une lutte désespérée du cinéaste Manoel de Oliveira », titre le Jornal de Notícias, le quotidien de Porto, le 8 mars 1977, sous la signature d’Alves Costa, le critique de cinéma et animateur du Cine-Clube de Porto, 34Le film de télévision dure au total une vingtaine de minutes de plus (4 heures 47, contre 4 heures 25) que la version cinématographique. 35Les émissions de la RTP (la télévision publique, alors) sont restées en noir et blanc jusqu’au 7 mars 1980. 36 Diário de Lisboa, juin 1978. 59 dans un article de vif soutien à l’entreprise du cinéaste. C’est qu’il règne un grand climat d’hostilité au film, dans le milieu cinématographique lui-même. Rappelons le témoignage qu’en fait João Botelho : La moitié des gens du cinéma portugais étaient opposés au vieux maître quand il voulait faire Amour de Perdition et y mettre, à leurs yeux, tant d’argent. Ils n’avaient pas compris que la révolution, c’était aussi la forme 37. En effet, la polémique antérieure à l’approche de la diffusion télévisée n’aurait pas atteint cette vigueur si elle n’avait pas eu de bases internes à la profession du cinéma. C’est avant tout par des limitations économiques que sont organisés des obstacles à la réalisation du film, dans le contexte de la division du Centre portugais de cinéma désormais divisé en trois coopératives. On oblige le cinéaste à rétrocéder une partie du budget qu’on lui a attribué dans le cadre du Centre, de sorte que le milieu du cinéma, alors très politisé, n’est pas sans responsabilité dans le processus de la sortie préalable à la télévision, ce qui peut apparaître comme une trahison de ce projet cinématographique : J’avais le budget, et le Centre m’a dit qu’il fallait désormais répartir ce budget. Or c’était un budget qui ne suffisait déjà pas pour un film d’une durée de plus de quatre heures. Sur six millions d’escudos qui m’étaient attribués, ils m’ont retiré deux millions 38. D’autres moyens sont mobilisés pour faire obstacle au succès du film. Des cinéastes qui dirigent alors l’Institut portugais de cinéma ont pu être accusés de ne pas avoir soutenu la sortie du film à Paris. Un réalisateur qui fait face « Je me sens dans le plein droit de faire un film comme Amour de Perdition » : le réalisateur, ferme sur ses principes mais pédagogue dans ses arguments, fait face sur les deux fronts. Sur celui du coût présumé faramineux du film, d’abord, en défendant le caractère finalement artisanal et très économe de moyens de son film : 37Entretien 38Entretien avec João Botelho, 16 janvier 2003. avec Manoel de Oliveira, 17 janvier 2003. 60 Le pays est pauvre, le film est cher, mais le pays n’est pas pauvre par conséquence du fait que le film est cher. Le film est cher par conséquence du fait que le pays est pauvre, ce qui est différent. Par comparaison à un quelconque autre pays qui aurait monté un système de production, le coût de ce film est ridicule. Les conditions dans lesquelles ce film a été réalisé sont les plus modestes. Un film de ce type aurait exigé, pour le moins, d’être tourné en 35 mm : il est tourné en 16 mm. Les décors sont limités au strict nécessaire, et quasiment proches de l’improvisation. Tout est limité au maximum de l’économie. On ne pourrait faire meilleur marché. On doit éviter tout ce qui serait de grandes dépenses, contrairement à ce qui se dit ici et là 39. Il fait face sur le front du prétendu caractère « non révolutionnaire » de son projet, ensuite, en défendant le projet d’Amour de Perdition comme un projet interne à la réalité portugaise, - argument de fond dans une situation politique dans laquelle les artistes, et inclusivement les artistes de cinéma, se sont placés à la quête d’un Portugal réel qui aurait été caché par le folklore et la propagande salazariste, – et comme un projet d’artiste de fiction dont le devoir, comme artiste libre, est de ne céder ni à la démagogie ni à la tyrannie de la conjoncture, ou encore à l’indifférence aux œuvres du passé : Beaucoup de films ont été faits sur la révolution, et même pour la télévision, films qui ont beaucoup de mérites, jusqu’au mérite du document. Ils ont beaucoup d’intérêt. Mais on ne peut pas en rester à faire toujours la même chose. Ce serait fatigant, et il y a bien des manières de faire. Une d’entre elles est de faire contraster les époques, pour mieux les analyser. Indépendamment de cela, je suis la direction de ce pour quoi je me sens réellement incliné. Je ne fais pas des films pour ce qui se trouve être d’opportunité ou démagogique, ou plus avantageux, ou pour ce qui intéresse le plus dans le moment. Ce que je prétends faire dans mes films, c’est atteindre la réalité portugaise. Et j’entends que Amour de Perdition fasse partie de cette réalité. Nous avons besoin, souvent, d’aller un peu en arrière pour comprendre qui nous sommes 40. Il est très significatif que ce soit dans la suite immédiate de cette « défense » (et notamment de cet argument selon lequel « nous avons besoin, souvent, d’aller un peu en arrière pour comprendre qui nous sommes ») que Manoel de Oliveira présente, ce 27 juillet 1977, trois ans seulement après le 25 avril, ce qu’il annonce comme son projet suivant Não – qui ne sera réalisé que treize ans plus tard, en 1990, sous le titre Non, ou A Vão Glória de Mandar [Non, ou 39Manoel 40 de Oliveira, dans Opção, Lisbonne, 27 juillet 1977. Opção, 27 juillet 1977. 61 la Vaine Gloire de Commander], mais qui est déjà très précis dans son esprit, puisqu’il en parle déjà comme un : film de fiction qui repose sur des données historiques (…). Quatre guerres perdues, la guerre de Viriate contre les Romains, une guerre avec les Espagnols, la bataille de Toro, celle d’Alcácer Quibir et, ensuite, les guerres coloniales 41. C’est son film du bilan de deux mille ans d’histoire portugaise, en même temps qu’une intervention sur le 25 avril. Oliveira avec la présentation de ce projet de Non (il a déjà en tête, très précisément, la structure qui sera celle du film réalisé en 1990) administre, contre le jugement de conservatisme et de passéisme de son contradicteur, que son art cinématographique est complètement un art du présent. Oliveira fait face, enfin, dans l’exercice de ce qu’on appellera plus loin « les vertus paradoxales de la précarité ». Le cinéaste, qui doit résister aux interruptions que le manque d’argent provoque dans le tournage, tente de tirer un parti artistique de ces limitations économiques, c’est-à-dire de transformer la négativité de ces conditions économiques très serrées en exercice de l’imagination et en « trouvailles extraordinaires » : J’ai eu de très grandes difficultés pour finir la production de ce film. J’ai du ajouter au budget initial de l’argent que la Fondation Gulbenkian m’a donné pour le finir. J’ai du faire des réductions dans mes projets, et m’adapter aux conditions économiques très serrées. C’est très fécond. (…) Et j’aime bien faire le contraire de ce qu’on fait d’habitude. On montre d’habitude ce qui est le plus spectaculaire. Je fais le contraire, car je compte sur l’imagination du spectateur. Pour Amour de Perdition, il me manquait le bateau : pas de bateau sur le fleuve ! Et bien, on va montrer le ciel … 42. La diffusion télévisée d’Amour de Perdition : un crime contre le film Amour de Perdition, Mémoires d’une Famille, fut montré à partir du 19 novembre 1978, en épisodes, par la télévision (la RTP l’avait co-produit, elle en imposait la diffusion), un an avant sa sortie en salle de cinéma à Lisbonne, 41Manoel de Oliveira, dans Opção, 27 juillet 1977. avec Manoel de Oliveira, 17 janvier 2003. 42Entretien 62 le 24 novembre 1979. Les émissions de la télévision publique étant restées en noir et blanc jusqu’au 7 mars 1980, le film de Manoel de Oliveira y fut montré amputé de ses couleurs, ce qui ne manquait pas de faire problème pour un film qui emprunte à l’esthétique du tableau (dans le double sens théâtral et pictural). S’y ajoutait, pour le spectateur du petit écran, la difficulté d’affronter, à la télévision, de longs plans séquences, d’une dizaine de minutes quelquefois (les plus longs duraient l’entièreté du temps alors permis par un magasin de film 16 mm). Le film est donc d’autant moins compris et accepté que l’esthétique d’Oliveira est antagonique à celle du petit écran. Les conséquences en furent considérables et désastreuses pour le destin du film au Portugal, jusqu’à la découverte du film à l’étranger au printemps 1979 : On parla d’attentat à Camilo, d’outrage à la littérature portugaise ; on ne pouvait comprendre que l’homme qui avait tourné Aniki-Bobó tournait maintenant « AnikiGagá ». Peu de spectateurs s’élevèrent pour défendre le film jusqu’à ce qu’en 1979, il fut présenté à l’étranger et reçut des acclamations unanimes 43. L’accueil d’Amour de Perdition et la redécouverte d’Oliveira en France Une avant-première d’Amour de Perdition eut lieu le 1er mai 1979 à Paris, dans le cadre d’une « Semaine des Cahiers du Cinéma », et le film sortit commercialement le 13 juin 1979. Cette sortie, avec celle de Trás-os-Montes, provoque un véritable engouement de la critique pour le film. D’un côté, l’enthousiasme de la critique déborde largement le seul domaine des revues de la critique spécialisée et de la cinéphilie. La presse non spécialisée à grand tirage parle d’« événement cinématographique ». Le quotidien populaire France-Soir écrit : « C’est un chef d’œuvre ». L’hebdomadaire VSD dit « ne pas voir comment on pourrait faire plus beau qu’Amour de Perdition ». Le critique de cinéma du magazine féminin Elle écrit : Il s’agit de l’événement cinématographique de cet été et probablement de l’année et peut-être bien de quelques années encore ! (…) Je suis certain que comme moi, vous basculerez dans l’enchantement d’un cinéma qui ne ressemble à aucun autre parce que les sentiments y sont décrits dans leur nudité fascinante 44. 43 44 João Bénard da Costa, op. cit., 1991. Philippe Collin, Elle du 16 juillet 1979. 63 De l’autre côté, cet enthousiasme scelle, dans la critique spécialisée, qu’il s’agisse de la presse quotidienne ou des revues de cinéma, un véritable processus de re-découverte française d’Oliveira, à partir d’une reconnaissance de la novation que Amour de Perdition représente sur la question décisive des relations entre texte romanesque et cinéma. On voit la critique, pour la première fois sans doute aucun, inscrire Oliveira dans la grande histoire du cinéma mondial. Ainsi le critique du Monde écrit 45 : Oliveira réinvente un art perdu, celui des grands primitifs français, américains pour qui le cinéma était bien plus qu’un art, codifié, embaumé, promis à la sémiologie : une façon inimitable de regarder vivre les êtres et le monde, un battement de cœur, un élan vers les cimes. En France, le grand intérêt que l’opinion nourrit, depuis le 25 Avril, pour les événements révolutionnaires de 1974 et 1975 ne constitue nullement un obstacle, mais fonctionne au contraire comme un cadre favorable à la découverte de films portugais qui sont porteurs d’inventions formelles. A la différence de ce qu’on observe dans la presse portugaise, la nouveauté politique du Portugal révolutionnaire fait plutôt bon ménage avec l’image cinématographique renouvelée, et artistiquement réfractée, que les cinéastes portugais du moment en apportent : des films d’Oliveira sont présents à Paris dès 1974 (au cinéma Olympic de Frédéric Mitterrand), au festival de la Rochelle en 1975, à Poitiers en 1977, dans le cadre de cycles qui s’intéressent à la situation du cinéma portugais au lendemain du 25 Avril, et le succès d’Amour de Perdition ouvrira la route à une grande rétrospective de Manoel de Oliveira, en salles, à Paris, en janvier 1980 46. Le retournement critique, au Portugal, lié à l’accueil étranger du film C’est l’accueil d’Amour de Perdition à l’étranger (à Florence, puis surtout à Paris, et enfin au festival de Rotterdam) qui va obliger le regard portugais sur le film à se modifier. 45Louis Marcorelles, Le Monde du 16 juin 1979. 46Ce succès d’Oliveira à Paris n’empêche pas certains rédacteurs d’être imprudents, comme celui qui, en mars 1980, dans une revue spécialisée de cinéma écrivait : « La critique cinématographique d’aujourd’hui a besoin de têtes d’affiche, même cinéphiliques, sans cesse renouvelées. Hier c’était Ozu qui était mis en avant, aujourd’hui c’est Manoel de Oliveira. 64 En 1984, Luís de Pina, alors directeur de la Cinémathèque portugaise, parle des « grandes et curieuses manifestations d’opinion » que le film provoque au festival de Figueira da Foz, puis à sa sortie en salle à Lisbonne et à Porto : Présenté dans une atmosphère de polémique à la RTP en 1978, encore en copie noir et blanc, [le film] a scandalisé le pays, mais provoqué de grandes et curieuses modifications d’opinion quand il a été vu en 1979 au festival de Figueira da Foz [le festival portugais de cinéma indépendant, né dans la suite d’Avril], et un peu plus tard, à sa sortie en salle au Quarteto [la salle art et essai de Lisbonne, alors], le 24 novembre de cette même année 47. Le festival portugais de Figueira da Foz de 1979 est effectivement le premier lieu à se faire l’écho de la formidable réception française, et à procéder, en conséquence, à un renversement critique. En même temps, face à ce qui revenait de France, tous les ennemis du cinéma d’Oliveira ne désarmaient pas: Au Portugal, c’était le désarroi. D’aucuns prétendaient que c’était une ‘campagne payée’, et on insinua le nom de la Gulbenkian. D’autres continuaient sur le vieux refrain des critiques fous des Cahiers du Cinéma. Toujours est-il que lors de la première du film dans les salles de Lisbonne [et de Porto] en novembre 1979, beaucoup de gens virèrent de bord et découvrirent dans l’œuvre les mérites qu’ils lui avaient refusés un an avant 48. Il reste aujourd’hui quelque chose de cette mauvaise réputation qui fut alors faite au Portugal à Amour de Perdition. Le malentendu s’avère tenace, et persistant aujourd’hui, y compris dans les milieux cultivés. Conclusion D’une part, le malentendu de 1978 n’a pas empêché Amour de Perdition d’être le film de référence et de rupture esthétique décisives pour la relève de Du Monde à Télérama, on n’a plus que ce nom à la bouche. C’est un cinéaste de 71 ans. On ne risque plus de se tromper sur son compte ; l’essentiel de son œuvre, au moins quantitativement, étant derrière lui ». 47Luís de Pina, 1984, op. cit. 48 João Bénard da Costa, op. cit., 1991. 65 jeunes cinéastes qui a suivi les années d’Avril dans le cinéma portugais (João Botelho, João Mário Grilo, Pedro Costa) et d’exercer une influence profonde sur leurs aînés (par exemple, le Paulo Rocha de l’Ile des Amours). D’autre part, la persistance du malentendu n’empêche pas le film de prouver sa capacité d’être un grand film populaire portugais … dès lors qu’il est montré dans de vraies conditions aux portugais de condition populaire. Amour de Perdition a donc, historiquement, rempli pleinement la première fonction (film de référence pour le cinéma portugais de ces années), comme il est susceptible, aujourd’hui, trente ans après sa réalisation, sinon de remplir une seconde fonction, au moins de tenir la promesse d’une capacité (une capacité à être un grand film populaire portugais). Le film de référence pour le cinéma portugais d’après Avril João Mário Grilo (on pourrait aussi bien citer João Botelho ou Pedro Costa) exprime bien le point de vue des jeunes cinéastes de la génération d’Avril quand il fait de l’année 1978 celle de la « seconde révolution » par laquelle, avec Amour de Perdition, un film « totalement construit autour de la parole », Oliveira provoque, après « la photogénie révolutionnaire de la production du cinéma d’Avril » un « schisme esthétique » dont « vingt ans après, le cinéma portugais est encore héritier » : L’année dans laquelle, en grande partie à cause d’Amour de Perdition (l’extraordinaire transposition de Camilo faite par Manoel de Oliveira), commence à s’ébaucher un nouveau clivage qui, une fois de plus, va mettre tout en cause : projet, formes, systèmes de production. (…) De fait, Amour de Perdition vient ouvrir une nouvelle fissure dans les caractéristiques dominantes de la production portugaise de l’époque, dans laquelle la pratique de l’auteur avait momentanément cédé le pas à un engagement politique général. (…) Après la photogénie révolutionnaire qui, de façon compréhensible, marque la production militante du cinéma d’Avril, Amour de Perdition était un film totalement construit autour de la parole. Et cette fois, Oliveira non seulement surprenait, mais il provoquait une « seconde révolution » : vingt ans après, le cinéma portugais est encore héritier (en dépit de toutes les menaces) du schisme esthétique qu’Amour de Perdition a provoqué 49. 49 João Mário Grilo, « O cinema português na cultura portuguesa », Conférence au King’s College, Londres, 18 décembre 1996. 66 Une capacité à être un grand film populaire portugais Quant à la capacité d’Amour de Perdition à être un grand film populaire portugais, on l’a éprouvée, avec Cineluso, pour la connaissance du cinéma portugais, à Lille le 7 novembre 2004. L’hypothèse avait été faite que Amour de Perdition n’était pas seulement un film de référence pour comprendre et évaluer l’histoire des relations entre l’art du cinéma et l’art du roman ; mais que c’était un film susceptible de constituer un spectacle populaire pour des portugais de France, les hommes, qui exercent avant tout des métiers manuels de l’industrie, du bâtiment ou des travaux publics, mais surtout leurs épouses. Ils et elles, surtout, sont extrêmement attachés à l’histoire, cette « histoire sensible » comme disait l’une d’elles, que conte Camilo Castelo Branco, qu’ils en aient lu des extraits dans leur fréquentation de l’école, ou qu’ils aient lu le roman tout entier. Ces potentiels spectateurs populaires d’origine portugaise ont été contactés, non par le seul biais des courriers à leurs associations (qui ne quittent pas généralement la sphère de la direction de ces associations) ou seulement par une intervention sur leur radio associative (Rádio-Triunfo, à Roubaix), mais par la rencontre directe, dans certains lieux de leur sociabilité, comme les bars des associations sportives ou comme des fêtes de musique populaire, à Roubaix et à Hem. Le résultat fut que la moitié des plus de 120 spectateurs qui ont suivi la projection du film, entre 14h et 19h30, entracte compris, un dimanche aprèsmidi de novembre 2004, à l’auditorium du Palais des Beaux-Arts de Lille, étaient des familles ouvrières portugaises ; l’autre moitié étant composée de cinéphiles de toutes origines, mais appartenant à la classe moyenne diplômée. Cette projection apportait l’expérience, devenue bien rare (sauf dans des projections spéciales en plein air en milieu rural), de rassembler dans la même salle – fût-ce dans le fonctionnement, dans l’expérience du spectateur, de registres de lecture différents - des spectateurs habituellement séparés en fonction de la segmentation des publics de cinéma, elle-même réglée sur une segmentation des œuvres, qui affecte désormais les salles. En même temps, était confirmé le préjugé défavorable que le film traîne, depuis 1978, dans la petite bourgeoisie diplômée, d’origine portugaise, qui assure des fonctions d’enseignement ou d’administration consulaire autour de ce peuple d’origine portugaise, et qui en tient trop souvent encore pour le cliché du film maçador : les enseignants de portugais de la ville n’étaient pas 67 présents ce jour-là (et donc pas leurs étudiants), quand des ouvriers l’étaient, dans un lieu (l’auditorium du Palais des Beaux-Arts de Lille) qui pourtant leur était inconnu, et dans lequel qu’ils s’étaient donc aventurés pour la première fois. Il était alors montré que, pour le spectateur populaire portugais, entraîné par la grande popularité du roman de Camilo et la grande adhésion à son récit, les partis pris esthétiques radicaux du film de Manoel de Oliveira ne constituaient en rien un écran à sa lisibilité et à sa popularité. Et que le spectateur populaire portugais identifiait dans ce film « la réalité portugaise » qu’Oliveira disait vouloir atteindre, quand il défendait, « contre tous », comme le dit João Botelho 50, son projet de « porter à l’écran » le livre de Camilo : Ce que je prétends faire dans mes films, c’est atteindre la réalité portugaise. Et j’entends que Amour de Perdition fasse partie de cette réalité. Nous avons besoin, souvent, d’aller un peu en arrière pour comprendre qui nous sommes. Ce jour-là, le malentendu s’effaçait devant le « bien-entendre » le texte du roman de Camilo. Ce jour-là s’imposait l’idée – qu’on suggère vivement à ceux qui ne cessent de s’alarmer et de s’indigner du (chamado) « divorce entre le public et le cinéma portugais » ! – qu’il redevient urgent de montrer au spectateur portugais de tous âges et de toute condition sociale, Amour de Perdition. En salles de cinéma, et en couleur. 50Entretien avec João Botelho, 14 janvier 2003. 68 TRANSPOSIÇÕES FÍLMICAS: MULTIPLICIDADE, OPRESSÃO, AMOR, PAISAGEM E SILÊNCIO Auto da Compadecida: trois adaptations cinématographiques de la pièce de Ariano Suassuna Idelette Muzart-Fonseca dos Santos Université Paris X - Nanterre CRILUS (EA 369) [email protected] Resumo: Criada em 1955, a peça de Ariano Suassuna, então com 28 anos, torna-se um sucesso nacional a partir do ano seguinte nos palcos cariocas. Traduzida e adaptada em várias línguas: Auto da Compadecida é ainda hoje um clássico do teatro brasileiro. A peça foi adaptada três vezes ao cinema: por Geoge Jonas em 1969 (A Compadecida), por Roberto Farias em 1987 (Os Trapalhões no Auto da Compadecida) e mais recentemente por Guel Arraes em 2001 (O Auto da Compadecida). Mais do que a expressão de uma ‘fidelidade’ à obra de Suassuna, a comparação das adaptações põe em evidência a transformação narrativa e cultural operada pelas várias visões da peça original e revela a influência cada vez maior da estética televisiva. Il y a quelques années, un journal du Ceará publia, dans sa page de loisirs, un jeu de mots-croisés géants, de ceux qui laissent apparaître, lorsque la grille est entièrement remplie, le nom d’un homme célèbre ou d’une œuvre connue. La courte définition de l’homme célèbre précisait qu’il s’agissait d’un écrivain du XVIIe siècle, né au Brésil, dont l’œuvre laissait transparaître l’influence de Gil Vicente. Mort au Portugal, ses cendres auraient été rapatriées après l’indépendance du Brésil vers sa terre natale. Un lecteur habile remplit la grille et vit apparaître le nom de ARIANOSUASSUNA. Il ne résista pas au plaisir de raconter l’histoire au principal intéressé, preuves à l’appui. Ariano s’amusa beaucoup de cette gloire « posthume » et surtout du soin pris à rapatrier ses cendres ! Avec moins de détails mais autant d’ignorance, il n’est pas rare de surprendre l’étonnement de ceux qui assistent à une entrevue d’Ariano à la télévision : « Mais, quel âge ça lui fait ? » Car pour tous ceux qui ont lu, dit 71 quelques répliques ou joué un acte de l’Auto da Compadecida, à l’école ou au collège – et ils sont légion – cette pièce fait partie du patrimoine culturel du Brésil et ils peinent à ‘reconnaître’ son auteur, étourdissant de drôlerie dans le programme d’entrevues de Jó Soares ou chantant un air de carnaval avec Caetano Veloso et Antônio Nóbrega, sur une place de Recife . Alors précisons que Ariano Suassuna est un écrivain et un homme de théâtre vivant, qu’il est né en Paraíba, en 1927, qu’il a été professeur à l’université de Pernambouc, à Recife, pendant presque la moitié de sa vie. Qu’il a fêté son 80e anniversaire en juin et pendant toute l’année 2007 avec moult manifestations, représentations, fêtes et colloques, organisés par ses amis et par quelques-uns des très nombreux chercheurs qui ont consacré à son œuvre une partie ou l’intégralité de leurs recherches. La pièce dont je vous parlerai ici a été créée en 1955, par le Théâtre Adolescent de Recife, un groupe amateur ; elle devient un succès national dès l’année suivante sur la scène de Rio de Janeiro. Traduite ou adaptée dans plusieurs langues, Auto da Compadecida est aujourd’hui un classique du théâtre brésilien. Sans cesse rééditée par les Editions Agir , la pièce a fait l’objet d’une édition commémorative illustrée en 2005, pour son cinquantième anniversaire . L’action est portée par un personnage central, João Grilo, un pícaro populaire, dont le nom et le profil sont empruntés à l’univers des contes traditionnels et de la littérature de colportage brésilienne, la literatura de cordel . Avec son compagnon, Chicó, conteur d’histoires résolument invraisemblables, João Grilo, aussi malin qu’il est pauvre, passe son temps à imaginer des stratagèmes pour gagner quelques sous. Célèbre programme d’entrevues de la télévision brésilienne, réalisé par Jó Soares, qui est aussi acteur, journaliste et écrivain (Elémentaire, ma chère Sarah, 1997 ; L’homme qui tua Getulio Vargas, 2000). Information UOL en ligne, 26 février 2006. Suassuna, Ariano (2005): Auto da Compadecida, ilustrações de Romero de Andrade Lima, 35.ª ed. Rio de Janeiro: Agir. Suassuna, Ariano (2004): Auto da Compadecida, Edição comemorativa revista pelo autor, ilustrações de Manuel Dantas Suassuna, textos de Braulio Tavares, Carlos Newton Júnior, Raimundo Carrero. ��������������������� Rio de Janeiro: Agir. Muzart-Fonseca dos Santos, Idelette (1997) : La littérature de cordel au Brésil : mémoire des voix, grenier d’histoires. Paris : L’Harmattan. 72 Au premier acte, il parvient à satisfaire le rêve de la femme du boulanger, son patron, à savoir faire enterrer son chien ‘en latin’ par le curé du village, grâce à l’invention d’un ‘testament’ qu’aurait laissé l’intelligent animal au bénéfice du curé, du sacristain et bientôt de l’évêque. Au passage, João Grilo a bien l’intention de tirer lui aussi quelques bénéfices du testament du chien. Cette quête de l’argent est l’un des fils conducteurs de la pièce, de la première à la dernière scène. Une fois le chien enterré, grâce à ses subterfuges, João Grilo imagine de vendre à la femme du boulanger un autre animal de compagnie pour substituer le chien disparu, un chat qui ‘dévale’ [descome] de l’argent. Au moment où ce second stratagème est découvert, l’arrivée intempestive d’un groupe de cangaceiros dans le village réunit tous les personnages devant l’église et ils sont, l’un après l’autre, tués par Severino de Aracaju et son acolyte. João Grilo parvient à persuader Severino de se faire tuer à son tour en l’assurant qu’il pourra le ‘ressusciter’ grâce à un harmonica magique, mais João Grilo meurt à son tour, presque par accident. Au troisième acte, donc, les personnages, à l’exception de Chicó, se retrouvent dans l’au-delà. Le Diable, o Encourado, tente de les emporter tous en enfer, mais João Grilo demande à être jugé et il va l’être, avec les autres, par Manuel, le Lion de Judée, le Fils de David, le Christ. Hélas, le jugement ne leur est guère favorable. Cependant, João Grilo ne s’avoue pas plus vaincu dans l’au-delà qu’il ne l’était sur terre : après la Justice, il fait donc appel à la Miséricorde, la mère de la Justice, la Vierge Marie, appelée A Compadecida. Après un long marchandage, tous vont au Purgatoire, sauf les cangaceiros, qui sont sauvés par le Christ, et João Grilo, que l’on autorise à revenir sur terre pour tenter d’y vivre une vie plus vertueuse. Et de fait, pour honorer la promesse de Chicó à la Vierge Marie [Ah, promessa desgraçada, ah, promessa sem jeito, Chicó], João Grilo glissera tout l’argent du testament du chien dans le tronc de la chapelle de la Vierge à l’Eglise du village, concluant ainsi la pièce de Ariano Suassuna. Les didascalies nombreuses et détaillées de la pièce indiquent les coupures possibles selon les montages, plus ou moins réalistes, avec une séparation en actes ou une présentation continue : l’auteur propose, en quelque sorte, un texte et une pièce ‘ouverte’ aux adaptations possibles. Elles seront nombreuses au théâtre, bien entendu, et par trois fois au cinéma. 73 En 1969, sort une première adaptation cinématographique dirigée par George Jonas, un réalisateur hongrois venu vivre au Brésil. Ce film rassemble des artistes liés à l’œuvre originale: Suassuna lui-même co-signe le scénario, les costumes sont de Francisco Brennand et Lina Bo Bardi signe les décors. Plusieurs développements de la trame narrative – telles que l’arrivée de l’Evêque accompagné par un cortège de cavaliers habillés en bleu et rouge, comme les Pairs de France des cavalcades nordestines, arrivée surveillée du haut des grands rochers érodés qui caractérisent le paysage du Sertão par les cangaceiros – évoquent le livre Romance d’A Pedra do Reino, que Suassuna est en train d’écrire lorsqu’il élabore le scénario. Le film est bien reçu par la critique , moins bien par le public, malgré la présence de jeunes talents prometteurs parmi les acteurs – Regina Duarte, Antônio Fagundes, Armando Bógus. En 1987, une nouvelle adaptation de la pièce est filmée mais cette fois les acteurs sont plus connus que l’histoire elle-même. Il s’agit du film Os Trapalhões no Auto da Compadecida , dirigé par Roberto Farias, à partir d’un scénario écrit par le directeur avec la participation de Ariano Suassuna, pour Renato Aragão (Didi), Dedé Santana, Mussum et Zacarias, membres inoubliables d’un quatuor humoristique, créé par la TV Tupi, puis adopté par la TV Globo, qui battait tous les records d’audience et occupait les petits écrans tous les dimanches après-midi, dans les années 1980. Le quatuor occupe également les salles de cinéma avec 26 films entre 1973 et 1990 10, année de la dispari����������������� Titre original : A Compadecida (1969), direction de George Jonas, scénario de Ariano Suassuna et George Jonas, avec Regina Duarte, Antonio Fagundes, Ary Toledo, Armando Bógus, Felipe Carone, Jorge Cherques, Rubens Teixeira, Aguinaldo Batista, José Carlos Cavalcanti Borges, Paulo Ribeiro, Neide Monteiro, Zé Luís Pinho, Zózimo Bulbul. ��������������� Durée: 104 mn, disponible en VHS – COR et DVD. Céramiste, peintre et sculpteur, ami d’enfance de Suassuna. Mention Spéciale du IIe Festival International du Film de Rio de Janeiro, en 1969. Prix Coruja de Ouro (Hibou d’Or) de Meilleur costume de l’Institut National du Cinéma, à Rio de Janeiro, en 1969. ����������������� Título original: Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987), direction de Roberto Farias, scénario de Roberto Farias e Ariano Suassuna, avec Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum, Zacarias, Raul Cortez, Reanto Consorte, Claudia Jimenez, José Dumont, Emmanoel Cavalcanti. Durée: 96 mn, distribué par Globo Video/Som Livre, disponible en format VHS - DVD - COR. 10������������ Robin Hood, o Trapalhão da Floresta (1973) ; Os Desempregados (1974) ; Os Trapalhões na Ilha do Tesouro (1974) ; Simbad, o Marujo Trapalhão (1975) ; Os Trapalhões no Planalto dos Macacos 74 tion de Zacarias. Contrairement à la plupart des autres films, Os Trapalhões no Auto da Compadecida n’existe pas en DVD et nous n’avons pu le voir qu’en copie pirate de mauvaise qualité, enregistrée lors d’un de ses passages à la télévision brésilienne. Le film, comme la plupart de ceux des Trapalhões, a été passé sous silence ou même franchement méprisé par les intellectuels et les cinéphiles en particulier, avec quelque raison, toutefois il n’est pas inintéressant. En tant qu’adaptation, il reste remarquablement fidèle à la pièce dont il accentue volontairement le caractère farcesque et l’ambiance joyeuse. Comme le film de Jonas et sur la suggestion de Suassuna également, le film commence par l’arrivée d’un cirque ambulant qui présente comme spectacle la pièce Auto da Compadecida. Mais rapidement, l’histoire déborde de la piste et envahit tout l’écran. Chaque personnage est « calé » sur un des membres du quatuor, qui conserve ainsi une caractérisation très proche de son personnage dans le spectacle télévisé. La pièce est donc adaptée aux acteurs, à leur typologie. Le personnage de João Grilo, joué par Renato Aragão, assume des caractéristiques complètement étrangères au héros malin de Suassuna : il est amoureux d’une jolie servante du Major Antônio Morais et, avant de mourir, se comporte en homme courageux, qui manie le fusil avec dextérité et met en fuite les cangaceiros. Le texte est également remanié et actualisé : Manuel fait allusion à la théologie de la libération. Il est à remarquer toutefois que le directeur de la photographie s’appelle Walter Carvalho, celui qui deviendra quelques années plus tard le directeur célèbre de Central do Brasil, Abril Despedaçado ou encore Lavoura Arcaica. Il était venu au cinéma par le documentaire et avait une idée précise de son travail : (1976) ; Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão (1977) ; Os Trapalhões na Guerra dos Planetas (1978) ; O Cinderelo Trapalhão (1979) ; O Rei e os Trapalhões (1979) ; Os Três Mosquiteiros Trapalhões (1980) ; O Incrível Monstro Trapalhão (1980) ; O Mundo Mágico dos Trapalhões (1980) ; Os Saltimbancos Trapalhões (1981) ; Os Trapalhões na Serra Pelada (1982) ; O Cangaceiro Trapalhão (1983) ; Atrapalhando a Suate (1983) ; Os Trapalhões e o Mágico de Oroz (1984) ; A Filha dos Trapalhões (1984) ; Os Trapalhões no Reino da Fantasia (1985) ; Os Trapalhões no Rabo do Cometa (1986) ; Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986) ; Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987) ; Os Fantasmas Trapalhões (1987) ; O Casamento dos Trapalhões (1988); Os Heróis Trapalhões (1989) ; A Princesa Xuxa e os Trapalhões (1989) ; Os Trapalhões na Terra dos Monstros (1989) ; Uma Escola Atrapalhada (1990). ������������������������������������������������������������������������������ Il y aura d’autres films par la suite, avec les membres survivants du quatuor. 75 [Je cherchais] plutôt quelque chose qui maintienne les caractéristiques de l’espace, du lieu où l’histoire se passait. Je ne pense pas que l’on puisse intervenir beaucoup dans la Photographie, je crois que l’on doit TROUVER la photographie dans le scénario, sans essayer de l’inventer. Aujourd’hui, il semble que l’on cherche à créer du neuf dans un processus d’élaboration de l’image qui conduit chaque fois davantage à la banalité. […] [Le film utilise quatre palettes chromatiques pour distinguer les séquences qui se passent au ciel, en enfer etc] J’imagine, par exemple, que la lumière du ciel est bien différente de celle de l’enfer… c’est pour cela que j’adorerai voir la lumière de l’enfer ! Comme on dit qu’il y a beaucoup de feu là-bas, j’imagine que les tons soient chauds ! Le ciel, il suffit de lever la tête pour voir, il a des couleurs claires et bleutées, alors pour le purgatoire, qui n’est ni une chose ni l’autre, j’ai choisi un ton orangé, sans forcer le rouge, tirant plutôt vers les marrons. Quand au reste du film, c’est une photographie allusive au sertão de Paraíba, au sertão de Ariano Suassuna 11. La troisième adaptation cinématographique de la pièce, Auto da Compadecida, de Guel Arraes 12, sort en 2000 et présente une originalité rare, en dehors du Brésil : le réalisateur écrit le scénario d’une minissérie pour la télévision Globo. Il s’agit d’un format très utilisé au Brésil en particulier pour l’adaptation d’œuvres littéraires : l’encyclopédie Wikipédia propose pour ce mot anglais, directement adapté en portugais, pour désigner un feuilleton télévisé de courte durée et de peu d’épisodes, le nom de « télésuite »13. Guel Arraes adapte lui-même la pièce de Suassuna. Pour atteindre la taille qu’exige une télésuite, compte-tenu de la fragmentation en épisodes, aggravée par les intervalles commerciaux, le scénario exige une importante ‘expansion narrative’. Ainsi il emprunte des personnages et des éléments narratifs à d’autres pièces de Suassuna, avec l’accord de l’auteur, en parti- 11Entrevue de Walter Carvalho, en exclusivité pour le site http://www.sitedecinema. com.br/conteudo/entrev_25.htm 12����������������� Título original: O Auto da Compadecida (2000), direction et scénario de Guel Arraes, avec Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Marco Nanini, Diogo Vilela, Denise Fraga, Lima Duarte, Fernanda Montenegro, Luiz Melo, Mauricio Gonçalves. Durée : ������������������������������ 104 mn, distribué par Columbia, disponible en VHS - DVD - COR 13Au Brésil on a aussi créé un anglicisme, minissérie, pour désigner les télésuites, produi tes là-bas à partir de 1982. Quelques-unes d’entre elles ont été diffusées dans des pays francophones, comme par exemple Anarchistes, grâce à Dieu et Chiquinha Gonzaga. Le terme correct pourrait être mininovela, [tele]novela signifiant feuilleton, au Brésil (mais il est vrai que le mot telenovela est lui-même un hispanisme). http://fr.wikipedia.org/wiki/Minis%C3%A9rie 76 culier à l’intermède Torturas de um coração 14 (les personnages des deux rivaux en amour et l’intrigue amoureuse de Chicó) et à la pièce O Santo e a Porca 15 (le personnage de Rosinha, fille du Colonel Antônio Morais, et la porca, une grosse tire-lire remplie de pièces d’or), mais ces emprunts vont toujours dans le droit fil de la pièce. Un simple mot, une allusion de la pièce originale devient une séquence à part entière et entraîne la transformation presque complète d’un personnage. Ainsi, dans la pièce originale, la femme du boulanger, à la fin du 2e acte, dans une maladroite tentative de séduction du cangaceiro Severino, pour sauver sa vie, affirme : « É, sou casada com essa desgraça aí, mas estou tão arrependida! Só gosto de homens valentes e esse é uma vergonha » 16. Guel Arraes transforme ce « goût des hommes courageux » en un véritable cri de guerre et de séduction de la femme qui trompe son mari avec capitaines et matamores, et tente même de transformer Chicó - le doux rêveur, qui dans Auto da Compadecida, évoquait avec mélancolie la seule rencontre amoureuse que la femme du boulanger lui ait accordé - en un brutal ‘homme des cavernes’, dans une des rares séquences qui ne proviennent pas de Suassuna, mais qui est empruntée au Décameron, de Boccacio. De cette matière narrative, dont la version télévisée avait été suivie en janvier 1999 par plus de 30 millions de spectateurs, Guel Arraes tire l’année suivante un film, qualifié ‘techniquement’ par certains de « sous-produit » 17 de la série filmée en 35mm, film qui sera un des plus grand succès des dernières années au Brésil, avec plus de 2 millions d’entrées. Du fait de la réduction de la durée – des 160 minutes de la série au 104 minutes du film -, le réalisateur retire certains épisodes et de façon générale procède à une réduction de l’ensemble de la ‘télésuite’, ce qui revient à augmenter proportionnellement la visibilité des transformations narratives. O Auto da Compadecida de Guel Arraes, le film, apparaît donc comme l’adaptation la plus libre de la pièce de Ariano Suassuna. 14 Suassuna, Ariano (2007): Seleta em prosa e verso, 2.ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio. 15 Suassuna, Ariano (2002): O Santo e a Porca, ilustrações Zélia Suassuna. Rio de Janeiro: José Olympio. 16 Suassuna, Ariano (2005): Auto da Compadecida, 111. 17 Bezerra, Cláudio, « Três olhares sobre o Auto da Compadecida », in: communication audiovisuelle, IV° Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, 77 Paradoxalement, on peut cependant affirmer qu’elle est aussi la plus fidèle, grâce à un double mouvement: – d’une part, une caractérisation remarquable des personnages, dans leur apparence physique comme dans leurs vêtements, leurs mouvements et leur accent, de façon réaliste et parfois documentaire, qui se double d’un choix original et d’une préparation rigoureuse des acteurs, pour une parfaite intégration à l’esthétique du film. Guel Arraes n’hésite pas à ‘illustrer’ les paroles de la Compadecida plaidant pour les hommes, en insérant des photographies en noir et blanc du peuple du sertão18. Par ailleurs, il ne choisit pas pour jouer ce rôle une très jeune fille, comme dans les deux autres films, mais une femme mûre, dont le visage marqué et la voix chaleureuse traduisent la souffrance vécue, rôle confié à la très grande actrice qu’est Fernanda Montenegro. João Grilo est également fortement caractérisé : plus encore que Renato Aragão, le Didi des Trapalhões, Matheus Nachtergaele devient « le » João Grilo, avec une gouaille qui s’accorde à une gestuelle désordonnée, qui ‘occupe’ l’espace du film comme il occupe le récit, avec ses vêtements en haillons, ses dents abîmées et un accent qui n’est jamais caricatural. Il est à l’opposé du Grilo de 1969, un Armando Bógus, lisse et bien propre, vêtu comme son comparse, Chicó, joué par Antonio Fagundes, de polos rayés qui évoquaient des maillots de football; – d’autre part, un non réalisme affirmé dans les décors et ambiances, en particulier dans le 3e acte, où le jugement des âmes se place sans hésitation sur le terrain de l’image d’Epinal, avec des entrées en scène des personnages surnaturels, dignes des illustrations populaires. Au décor de rochers et lajedos dans lesquels les personnages apparaissaient et disparaissaient de façon assez caricaturale – qu’avait choisi George Jonas pour figurer l’au-delà – ou au cirque idéalisé d’Os Trapalhões no Auto da Compadecida, Guel Arraes préfère l’intérieur sombre d’une église, où les âmes passent comme dans les pèlerinages, où la bouche de l’enfer s’ouvre sur un monde de feu, mais où les fresques de l’Église s’animent pour se transformer en êtres vivants, sans perdre leurs angelots naïfs agenouillés sur leur petit nuage. 18Cláudio Bezerra rappelle que Guel Arraes a été proche de Jean Rouch, pendant sa jeunesse en France, où il vivait avec sa famille, son père, le gouverneur de l’État de Pernambouc, Miguel Arraes, ayant été exilé par la dictature militaire en 1964. 78 Conclusion La pièce de Suassuna et ses adaptations cinématographiques permettent d’illustrer, avec une pertinence indiscutable, l’évolution du cinéma brésilien des années 1960 à nos jours, avec d’une part la force croissante de l’esthétique et de la technique télévisuelle, qui conditionne à un point tel le regard qu’elle apparaît comme indispensable et ‘moderne’, d’autre part l’importance considérable de l’adaptation littéraire dans la production tant cinématographique que télévisuelle, qui permet au cinéma brésilien de connaître peut-être un nouvel âge d’or, tempéré cependant par les restrictions chroniques de financement, moins perceptibles dans la production télévisuelle. J’avais évoqué en commençant la fête des 80 ans de Suassuna pendant toute l’année 2007. J’y inclurai pour conclure une autre adaptation télévisuelle, pleinement cinématographique, réalisé par Luis Fernando Carvalho, à Taperoá, toujours, dans le sertão de Paraíba, à partir d’un magnifique scénario, issu du grand roman de Suassuna, Romance d’A Pedra do Reino e do Príncipe do Reino do Vai não Torna, qui est apparu sur les petits écrans en juin 2007 et dont le DVD était annoncé pour octobre 2007. Contrairement à Guel Arraes, Luis Fernando Carvalho ne semble pas avoir prévu de version ‘courte’. Mais là aussi, le lien entre littérature, cinéma et, dans ce cas, télévision, reste fondamental. 79 L’oppression mise à nu : Vidas Secas de Graciliano Ramos dans la vision de Nelson Pereira dos Santos Adriana Coelho Florent Université de Saint-Denis/ Paris 8, [email protected] Resumo: Vidas Secas de Graciliano Ramos (1892-1953) foi adaptado para o cinema por Nelson Pereira dos Santos (1928-) em 1963. A adaptação desta narrativa sóbria e fragmentária, que revelou uma nova visão da seca nordestina, apresentava algumas dificuldades: ponto de vista da narração, banda sonora, cores e luz, seleção de atores amadores ou profissionais. Quais foram as soluções encontradas pelo cineasta, um dos fundadores do Cinema novo? De que modo pode transmitir o valor crítico e engajado da estória de Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos em seu filme? Tanto o escritor quanto o cineasta buscam determinar através de suas obras o papel do artista frente à opressão. De l’avis unanime de la critique, l’adaptation cinématographique du roman Vidas Secas de Graciliano Ramos (1892-1953) par Nelson Pereira dos Santos (1928-) est l’exemple même de la transposition réussie. Son pouvoir évocateur fut tel que la plupart des lecteurs ayant vu le film en 1963 ne purent conserver du récit de Graciliano que des images en noir et blanc. Or, le paysage nordestin dépeint par le romancier est chargé de couleurs violentes … Publié en 1938, Vidas Secas reprend le thème de la sécheresse, phénomène qui se répète de façon cyclique dans la région nord-est du Brésil appelée sertão. La description de ce fléau et de ses conséquences tragiques sur la population fut entreprise par de nombreux écrivains brésiliens, du dix-neuvième siècle à nos jours. Huit ans avant la parution de ce récit, Rachel de Queiroz, originaire du sertão à l’instar de Graciliano Ramos, avait écrit son premier roman, O Quinze. La terrible sécheresse qui sévit au Ceará en 1915 était évoquée à travers le personnage d’une institutrice, alter ego de l’auteur. La compassion de la jeune fille à l’égard des victimes s’accompagne d’un total sentiment d’impuissance devant leur détresse. 81 Graciliano Ramos choisit quant à lui d’aborder le thème sous un autre angle. En 1937, ayant retrouvé sa liberté après avoir passé plusieurs mois dans les cachots de l’Estado Novo, dans un périple qui le transporta péniblement de Maceió à Rio de Janeiro, l’écrivain renoue peu à peu avec la littérature. L’expérience carcérale l’a rapproché des exclus – les prisonniers de droit commun, voleurs, escrocs et meurtriers qu’il dut côtoyer en prison, le poussant ainsi à approfondir son engagement auprès du Parti Communiste dans son combat contre la dictature fascisante de Getúlio Vargas. D’autre part, Graciliano décide de s’installer définitivement dans la capitale – il ne reviendra jamais plus dans sa région d’origine –; une mise à distance géographique et affective s’opère alors, qui le fera substituer dans son œuvre le sertão contextuel par le sertão des mémoires. Dans Vidas Secas, il parvient ainsi à un point d’équilibre entre la vision extérieure et scientifique d’un Euclides da Cunha et le regard intérieur empreint de «romantisme révolutionnaire» (Ridenti, 2000 : 23-59) d’un Jorge Amado. Comme Rachel de Queiroz, il choisit de raconter la sécheresse à la troisième personne, mais contrairement à elle, il adopte directement le point de vue des sertanejos, sans passer par l’intermédiaire du personnage « civilisé » de l’institutrice. Le recours au discours indirect libre et au monologue intérieur permet ainsi au romancier de donner la parole à tous les membres de la famille de paysans qui tentent de fuir le sertão sous les yeux du lecteur : Fabiano, sinha Vitória et leurs deux enfants, auxquels il faut ajouter la chienne Baleia, l’un des personnages les plus célèbres de la littérature brésilienne. Par ailleurs, des besoins financiers urgents poussent Graciliano à écrire d’abord des nouvelles, dont la rémunération est immédiate grâce à leur parution dans la presse. Pour composer Vidas Secas, l’écrivain fait ainsi un véritable travail de montage, en juxtaposant plusieurs nouvelles, dont la plupart furent publiées avant le récit dans son ensemble. Il fait ainsi avancer le texte en alternant les saisons, les points de vue des personnages, et l’espace – la campagne/le village. Dans un milieu où la communication entre les êtres se révèle ardue, le paysage s’impose dans le silence, au détriment du dialogue, souvent remplacé par des monologues intérieurs fragmentaires. Os Sertões, écrit par Euclides da Cunha (1866-1909) est un essai sur la Guerre de Canudos, révolte messianique d’un groupe de sertanejos contre le pouvoir républicain qui eut lieu en 1897. Organisé en trois parties – la terre, l’homme, le combat, l’essai est une des premières tentatives pour expliquer les modes de fonctionnement de la société du sertão de façon scientifique (Cunha, 1985). 82 A l’inverse du sertão gris peint par Rachel de Queiroz dans O Quinze, celui de Vidas Secas, fait vibrer, dès les premières lignes, des tâches de couleur intense, écrasées par la lumière : Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. […] A catinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo dos urubus faziam círculos altos em redor de bichos moribundos. […] [Fabiano] tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente. Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. (Ramos, 1993 : 9-10 et 13). Le bleu du ciel juxtaposé au rouge de la terre et du soleil forment les couleurs de fond où se détachent le vert des arbres, qui représente l’espoir de survie, mais aussi le noir des charognards et le blanc des ossements des bêtes moribondes, qui rappellent la mort omniprésente. L’impact pictural de l’impitoyable réalité du sertão surgit à partir d’un style sobre, aux phrases courtes, où les verbes remplacent le plus souvent les adjectifs. Le lecteur se voit saisi d’une émotion intense, mais maîtrisée, qui, au delà de la compassion, le pousse à la réflexion et à la révolte. Faut-il continuer à considérer la sécheresse comme une catastrophe naturelle et inévitable, qui condamne les sertanejos à être les éternelles victimes d’un milieu tragique ? Passé maître dans l’art engagé, Graciliano parvient à placer son engagement au cœur de son œuvre, sans asservir la littérature aux causes politiques, fussent-elles nobles. Pour quelles raisons Nelson Pereira dos Santos choisit-il d’adapter Vidas Secas en pleine période du Cinema novo ? Au début des années soixante, le metteur en scène part pour Alagoas afin de tourner un documentaire sur la sécheresse qui sévit encore une fois dans le sertão, sur fond de débat autour de la réforme agraire. Selon son propre témoignage, l’adaptation d’un récit littéraire surgit soudain comme une évidence : Em princípio não estava pensando em fazer uma adaptação de Vidas Secas. Estava querendo escrever um roteiro original. Na época eu fazia documentários e fui filmar uma grande seca em 1958, a chamada « Seca do Juscelino» [Juscelino 83 Kubitschek, alors président du Brésil]. Fui para Juazeiro da Bahia e vi os flagelados chegando, sendo abrigados nas escolas, hospitais e mercados. Eu só conhecia aquela realidade pela leitura, e vi com meus olhos o impacto da fome – as crianças ganhando cuias de farinha pura para comer. Naquele momento decidi que iria fazer um filme e comecei a escrever roteiros – um mais superficial que o outro (risos). Mas eu tinha um livro de consultas, o Vidas Secas, que utilizava a todo momento para saber como era o sertanejo, seu jeito… De repente me dei conta de que o filme já estava escrito (Santos, s./d.). De fait, le style de Graciliano possède bien d’affinités avec les principes du Cinema novo, résumés dans la formule bien connue de Glauber Rocha, « une caméra à la main, une idée dans la tête ». Les mêmes impératifs économiques qui avaient poussé le romancier à tenter des nouvelles formes littéraires poussent Nelson Pereira dos Santos à se passer de tournage en studio et d’acteurs professionnels. Il choisit de tourner son film à Palmeira dos Índios, dans une ferme qui appartenait d’ailleurs à la famille Ramos, en faisant appel à des sertanejos pour les personnages secondaires. Ses critères de sélection pour les rôles principaux sont tout aussi révélateurs de son souci d’authenticité, comme le montrent ces déclarations lors d ’un débat à la sortie du film: O caso da sinha Vitória : Maria Ribeiro mora no Rio, mas viveu sua infância e sua juventude na beira do rio São Francisco, onde pegou a água, de verdade, para beber, para a família, daquele jeito, compreende ?… E eu tinha muita preocupação pela interpretação física, pela maneira de carregar o pote na cabeça, a maneira de carregar a criança, a maneira de carregar o baú e andar. Eu dificilmente acharia uma atriz que tivesse o tipo físico de sinha Vitória e que pudesse viver a personagem com realismo (Santos e Souza, 1964). La technique de la caméra subjective pour rendre les points de vue des personnages principaux s’imposa d’elle-même, au lieu du recours à la voix off, lourde et maladroite dans un tel contexte. Ainsi, aux chapitres racontés selon le point de vue des deux enfants de Fabiano correspondent des scènes filmées à hauteur d’enfant. Même les monologues intérieurs de la chienne Baleia furent transposés sans autres moyens que la persévérance du metteur en scène et de son équipe, et les « talents » de l’animal : Muitas modificações no roteiro também foram determinadas pelo comportamento da Baleia. Eu não poderia nunca fazer um roteiro de ferro para as cenas das quais participasse a Baleia. Eu fui obrigado, por causa disso, a fazer a câmera também. Eu rodava o filme, acompanhando na câmera, toda vez que começávamos 84 com Baleia. No começo, o operador recebia instruções : « ela tem de sair da direita e ir para a esquerda ». Mas no meio do caminho decidia outra coisa, e voltava para a direita. Cortava-se. Repetição. E é nesta altura que surgem as dificuldades econômicas, as limitações materiais do cinema brasileiro. Não tinha muito filme pra gastar. A solução imediata foi eu mesmo fazer câmera e improvisar a continuidade, de acordo com o comportamento da Baleia. Se ela saísse para a direita e saísse bem, do ponto de vista da enquadração e composição, eu, imediatamente após, teria que compor o filme de acordo com a saída dela. O plano seguinte se fazia em função do movimento da Baleia. De maneira que a Baleia é co-roteirista do filme em várias seqüências (Santos e Souza, 1964). De même, le silence régnant tout au long du récit fut conservé dans le film, dépourvu de bande originale. Il s’interrompt uniquement quand la musique surgit dans le récit de manière diégétique, comme lors de la scène de la fête au village, ou celle du joueur de violon. Au début et à la fin du film, cependant, l’arrivée puis le départ de la famille de Fabiano dans le paysage aride du sertão s’accompagnent d’un bruit lancinant, dont l’origine demeure obscure pour un spectateur étranger à l’ancien monde rural. Il s’agit du grincement des roues d’un char à bœufs, invisible à l’écran, qui devient ainsi emblématique du parcours circulaire des personnages, qui semblent tourner en rond d’une sécheresse à l’autre. Ayant choisi de rétablir l’ordre linéaire dans le récit, afin d’éviter des retours en arrière qui auraient pu compromettre le processus d’identification créé par la caméra subjective, le metteur en scène cherche, à travers cet indice discret, à réintroduire l’idée de cercle dans son œuvre. A première vue, le choix du noir et blanc peut également paraître une infidélité faite aux descriptions de Graciliano. Nous avons vu cependant qu’il ne fut jamais signalé comme tel, ni par les spectateurs, ni par la critique. Au contraire, les couleurs du récit s’effacent au profit des images du film. De fait, en accord avec son photographe Luís Carlos Barreto, Nelson Pereira dos Santos décide d’accorder la priorité à la violence de la lumière, selon un procédé jusque-là inédit dans le cinéma brésilien. Dans une entrevue accordée à Sylvie Debs en 1996, le photographe déclare : Au Brésil, nous étions arrivés à la situation absurde d’éclairer les ombres à certaines époques. Nous utilisions la lumière pour diminuer les ombres, ce qui nous donnait un résultat photographique identique à celui des Américains ou des Européens […] Au moment de tourner Vidas Secas, nous avons beaucoup discuté de cet aspect […].. Tout le monde photographiait le Nordeste comme un jardin, 85 plein de nuages, des montagnes et des nuages … On utilisait des filtres jaunes, neutres pour diminuer les contrastes et le Nordeste restait ce paysage chargé de nuages fabuleux ce qui enlevait toute dimension dramatique au paysage. Je dis à Nelson Pereira dos Santos que j’aimerais photographier l’ombre et non pas la lumière. Et comme il était prêt à toutes les expériences, il m’a autorisé à le faire. […] Quand l’acteur commençait à jouer, je mesurais la densité de la lumière sur les parties les plus sombres de son visage. Et je réglais l’exposition sur cette mesure. La lumière du fond ne servait pas de référence pour le diaphragme, elle était donc tout à fait floue et donnait l’impression de chaleur, de soleil ardent. Nous n’avons utilisé aucun réflecteur et le film a acquis ainsi son authenticité. […] D’un point de vue économique, c’était aussi meilleur, car cela réduisait les frais tout en enrichissant l’esthétique (Debs, 2003 : 148,149). La transposition en images de l’impact émotionnel des couleurs qui, dans le roman, contrebalance l’aridité du style de Graciliano, pouvait rompre l’équilibre du ton propre à Vidas Secas, en permettant au lecteur de se réfugier dans le pathétique. En cherchant à atteindre le même but, cinéaste et romancier font ainsi des choix formels divergents. De la même façon, Graciliano ne fournit aucune précision chronologique dans son roman, qui aurait pu aussi bien se dérouler un siècle avant sa parution, alors que Nelson Pereira dos Santos décide d’insérer deux dates au début et à la fin du film – 1940 et 1942, montrant ainsi que vingt ans après, au moment du tournage, les conditions d’existence des sertanejos n’avaient guère évolué. Dans les deux cas, il s’agit de souligner le caractère permanent du fléau, dont le retour cyclique contribue à maintenir en place la loi du plus fort. Ainsi, sous prétexte de l’arrivée d’une nouvelle sécheresse, le patron de Fabiano expulse le vacher et sa famille de ses terres, en lui versant un salaire inférieur à ce qui lui était dû : Celui-ci ébauche un geste de révolte, puis se résigne : « quem é do chão não se trepa » (Ramos, 1993). Certes, dans cette scène, qui a lieu dans la maison villageoise du propriétaire rural, l’opposition de classe entre les deux personnages transparaît à travers le décor et leurs costumes, mais sans les monologues intérieurs de Fabiano qui les met en avant, les différences sociales s’atténuent. Nelson Pereira dos Santos introduit alors le personnage du professeur de violon, qui vient donner son cours à la fille du patron au moment où celui-ci s’apprête à payer Fabiano. L’apprentissage d’un instrument musical, signe de culture et de loisir, renvoie à cette aspiration impossible du vacher pour l’éducation, sinon la sienne propre – il est sans doute trop tard – au moins celle de ses enfants. Mais le caractère inévitable des phénomènes climatiques est implicitement attribué 86 aux lois sociales : servir les riches, se faire exploiter sans l’espoir de pouvoir s’en sortir est un bien grand malheur, mais on a dit à Fabiano que tel était son destin, comme celui de son père et de son grand-père avant lui. Y-a-t-il une chance pour ses enfants ? Si Nelson Pereira dos Santos a pu transposer si finement l’univers de Vidas Secas au cinéma, c’est que sa conception de l’art engagé converge entièrement avec celle de Graciliano Ramos. Ses déclarations à propos de son film concernent à la fois l’œuvre du romancier et son propre travail en tant que cinéaste : […] Vidas Secas […] est une prise de position de la plus grande importance sur la nécessité de la réforme agraire et l’exode de la population locale qui en découle, qui a toujours force de loi aujourd’hui, sans tout mettre sur le dos de la sécheresse […]. Le problème du Nord-est n’est pas tant le climat que la relation entre la force de travail et les possédants, qui est au cœur de la nécessité d’une réforme agraire. Tant que l’exode se poursuit, aucune vraie solution ne sera trouvée. […]. Filmer [Vidas Secas] était une manière de participer. […] Participer culturellement et politiquement veut dire filmer côte à côte et avec le peuple, pas lui enseigner mais apprendre avec lui, et la pratique de la réalisation. Mon intention n’était pas de renoncer à un point de vue politique. Bien au contraire. Mon intention était d’imprégner une activité culturelle d’une vue intérieure politique (Santos ,2006). La scène finale du film montre Fabiano, sa femme et ses enfants sur le chemin de l’exode, qui tournent le dos à la caméra s’éloignent, puis disparaissent, se faisant ainsi happer par le paysage aride du sertão au son lancinant des roues d’un char à bœufs. Les dernières phrases du livre surgissent alors sur l’écran : E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos na escola, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos (Ramos, 1993: 126). Affirmant leur espoir dans la force et la capacité de survie des sertanejos, les deux créateurs redonnent ainsi à des créatures réduites à l’état d’animaux toute leur dignité humaine. 87 Références Bibliographiques Cunha, Euclides de (1985): Os Sertões (édition critique). São Paulo: Brasiliense. Debs, Sylvie (2003): Cinéma et littérature au Brésil. Les mythes du sertão : émergences d’une identité nationale. Paris: L’Harmattan. Ramos, Graciliano (1993): Vidas Secas. Rio de Janeiro/São Paulo: Record. Ridenti, Marcelo (2000): Em busca do povo brasileiro. Artistas da revolução, do CPC à era da tv. Rio de Janeiro/São Paulo: Record. Santos, Nelson Pereira (1975): «Faire des films avec le peuple». FIPRESCI. Internet. Accessible dans http://www.fipresci.org/world_cinema/south/sud_francais_cinema_bresilien_ nelson_pereira_dos_santos.htm (consulté le 19 novembre 2006). ——— (s. d.) : « Graciliano por Nelson Pereira dos Santos ». Revista digital Sesc. São Paulo. Internet. Accessible dans: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/subindex.cfm?para mend=1&IDCategoria=2184 (consulté le 27 août 2007). Santos, Nelson Pereira; Souza, Pompeu de et Emílio, Paulo (1964): «Nelson Pereira dos Santos, Pompeu de Souza e Paulo Emílio debatem Vidas Secas». Contraponto. Internet. Accessible dans http://www.contracampo.com.br/27/debatevidassecas.htm (consulté le 14 novembre 2006). Références Filmographiques Vidas Secas (1963). Direction de Nelson Pereira dos Santos. Avec Átila Iório, Maria Ribeiro, Orlando Macedo, Jofre Soares, Gilvan Lima, Genivaldo Lima, Herbert Richards. 88 Uma lição de Brasil, uma lição de cinema: Mário de Andrade, Amar verbo intransitivo e Lição de Amor de Eduardo Escorel Claudia Poncioni Université Paris X - Nanterre CRILUS (EA 369) [email protected] Résumé : L’adaptation au cinéma par Eduardo Escorel en 1975 (Lição de Amor) de l’œuvre de Mário de Andrade (Amar Verbo Intransitivo, de 1922), est un bel exemple de dialogue entre littérature et cinéma. En effet, s’ils servent tous les deux à raconter des histoires, la littérature et le cinéma utilisent des supports et des ressources différentes et font appel à des expériences sensorielles forcément distinctes. Cet article a pour objectif, au-delà d’un quelconque souci de «fidélité», l’étude de la présence dans l’œuvre cinématographique du projet initial de Mário de Andrade. Il cherche, par ailleurs, à déterminer quel est le degré d’autonomie du film d’Escorel par rapport au projet de l’écrivain moderniste brésilien. A relação entre o cinema e a literatura existe desde que existe a Sétima Arte. « Leia o livro, veja o filme », era o que recomendavam os reclames das primeiras adaptações cinematográficas de obras literárias. É interminável a lista de escritores de todos os tempos e de todos os continentes cujas obras foram adaptadas ao cinema com maior ou menor êxito. Já nos primórdios do cinema brasileiro encontram-se adaptações de romances nacionais. Inocência, a partir do romance de Taunay, foi às telas em 1915, no mesmo ano o público assistiu a A Viuvinha, em 1916 a O Guarani, em 1918 a Iracema e em 1919 a Ubirajara; todas baseados nas obras de José de Alencar. A polêmica entre a literatura concebida como arte e o cinema qualificado de espetáculo é portanto tão antiga quanto o próprio cinema. Cada nova 89 adaptação provoca debate em torno da questão. Muitas vezes o filme é criticado por ter a superficialidade das imagens sido incapaz de traduzir a complexidade da obra escrita. É que traduzir num suporte visual e sonoro as emoções provocadas pelo texto literário, foi e continua sendo um dos maiores desafios de um diretor de cinema. A questão da «tradutibilidade» é a chave mestra da relação entre literatura e cinema, já que se trata de traduzir um suporte noutro, escrever num código de um enunciado que foi concebido noutro. É por isso que um bom livro pode dar um mau filme e um mau livro pode resultar num excelente filme. Não é raro que a adaptação cinematográfica decepcione o autor do romance. Muitos escritores, como por exemplo, Jorge Amado fazia, para evitarem dissabores, decidem não assistir à adaptação cinematográfica. Ocorre também que o próprio autor tome a cargo esta adaptação e acabe por chegar a um resultado que se afasta da obra de partida, o que diz muito sobre a dificuldade da questão. Deixando de lado, por ora, a discussão sobre a questão da fidelidade, lembremos que um dos principais interesses do estudo da adaptação de obras literárias ao cinema é o de permitir compreender a relação entre os dois meios e por isso grande número de estudiosos interessou-se pela questão. Os estudos publicados nas últimas décadas sobre esta relação privilegiam, ora o processo narrativo, ora o ponto de vista, a prática da adaptação, a semiótica fílmica e a literária, os elementos comuns aos dois sistemas e suas realizações, ou ainda, as relações gerais entre literatura e cinema, como também as possibilidades de translação de elementos comuns e de adaptação de elementos específicos. O que é certo é que muitas vezes o cinema pode, através de imagens e de sua conjugação com a trilha sonora, transmitir e despertar sentimentos até melhor que a literatura. Posto que o romance é um meio lingüístico e o cinema um meio essencialmente visual, é preciso levar em conta o fato de que esses dois meios têm origens diferentes, públicos diferentes e diferentes modos de produção. Destarte a adaptação cinematográfica do romance de Mário de Andrade, Amar verbo intransitivo de 1927, lançada nos cinemas brasileiros com o título de Lição de Amor, em 1976, foi certamente dirigida a um público diferente daquele visado pelo escritor modernista. Precisemos, antes de mais nada, que a obra de Mário de Andrade foi publicada às custas do autor, que se encarregou de sua distribuição, como 90 atestam diversas cartas enviadas a amigos . O fato testemunha não apenas a dificuldade de publicar e difundir livros no Brasil no início do século passado, mas igualmente o fato de que o público leitor potencial estava longe de ser aquele que consumia folhetins, mas sim a intelectualidade da época. Contudo, numa carta endereçada por Mário a Manuel Bandeira em 6 de Abril de 1927, o autor de Amar verbo intransitivo faz parte ao poeta pernambucano de sua mágoa em relação à leviandade das críticas que a obra despertara: … quem faz crítica nesse país? Crítica verdadeira? Só eu mesmo. Pode ser que erre porém faço crítica, livro para mim hoje não passa dum jeito da gente manusear um caráter, beijar na boca uma alma de gente como a gente e tão diferente no entanto. … Estou fatigado. A publicação dum livro da importância capital que nem Amar, verbo intransitivo, quem me percebeu essa importância? O livro cujo gênero é definido pelo autor como «idílio», conta a história da contratação de uma governanta alemã por uma família da burguesia paulistana. Sua missão, além de ensinar alemão e piano aos quatro filhos da família Souza Costa, era a de iniciar o único filho varão às alegrias do amor e do sexo. Esta iniciação, contratada por oito contos pelo chefe da família, tinha por finalidade o afastamento de Carlos Souza Costa de quaisquer influências perniciosas, como drogas ou jogo. Elza a governanta alemã, fora recomendada por uma família amiga, a quem anteriormente prestara serviços. Lição de Amor, com roteiro de Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho e dirigida pelo primeiro, obteve certo êxito junto aos freqüentadores das salas brasileiras de cinema em 1975-1976. Lembremos que, no período em que foi lançado o filme, o Brasil encontrava-se em plena ditadura militar, estando grandemente limitada a livre expressão. Paradoxalmente, neste mesmo período (1964-1985), o cinema brasileiro conheceu um período fausto. Com a criação da Embrafilmes em 1969, o Estado passou a financiar a produção, enquanto o Conselho Nacional de Cinema (Concine) ficou a cargo da legislação. Com o financiamento obtido, mediante a taxação das distribuidoras de Carta a Carlos Drummond de Andrade, de 19 de setembro de 1927 (2002), in: Carlos & Mário. Rio de Janeiro: Bem te vi, 291-292. In Correspondência, Mário de Andrade & Manuel Bandeira (2000). São Paulo: EDUSP-IEB, 340. 91 filmes estrangeiros no Brasil, eram produzidos filmes nacionais. É de notar que a atribuição de financiamento era totalmente centralizada. A adaptação cinematográfica de Amar verbo intransitivo ocorreu em seguida ao êxito logrado em 1969, pela adaptação para o cinema por Joaquim Pedro de Andrade, da mais conhecida obra de Mário de Andrade, Macunaíma. No início da década de 70, os cineastas brasileiros tinham-se afastado do projeto do Cinema Novo e decidido partir à conquista do mercado. Propunham-se a fazer com que o público de cinema assistisse a filmes nacionais. A realização de Lição de Amor, insere-se portanto dentro desta ótica. O elenco, principalmente composto por atores conhecidos através de suas atuações em telenovelas e uma cuidada produção de Luiz Carlos Barreto respondem a esta pretensão. O pudor natural de Mário de Andrade, que não descreve nenhuma cena capaz de chocar os leitores, convém aos censores moralistas de 1975. O filme, proibido para menores de 16 anos, obteve cinco premiações no mais importante festival brasileiro de cinema, o de Gramado . De saída a abertura do filme, reivindica fidelidade a Amar verbo intransitivo na medida em que mostra, sobre um fundo vermelho, linhas brancas que sugerem um livro aberto. Alusão não apenas às lições de Fräulein, como era chamada a governanta , como também ao livro do qual é uma adaptação. A seqüência inicial é a do contrato entre Sousa Costa e a governanta, vêm em seguida outros créditos. O filme encerra-se com outra seqüência de créditos igualmente sobre fundo vermelho e linhas brancas. Para além do tema amoroso e de uma crítica de Mário à hipocrisia da burguesia paulista, que já inspirara a famosa «Ode ao Burguês» . Amar verbo intransitivo é uma obra que se insere em seu projeto de «trabalhar a substância brasileira em todos os sentidos» . Com efeito, o autor procura não apenas valorizar uma temática nacional, e até mesmo nacionalista, como também aprofundar a pesquisa estética coadunante, que na obra se conjuga tanto a nível estilístico como lingüístico. Melhor atriz, Lilian Lemmertz, melhor trilha sonora, melhor figurino. Elza no livro e Helga no filme. Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, / o burguês-burguês! / A digestão bem feita de São Paulo! / O homem-curva! / O homem-nádegas! / O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, / é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! In: Paulicéia Desvairada (1922). Carta a Carlos Drummond de Andrade, datada de 20 de Fevereiro de 1927, in: Carlos & Mário, op. cit., 276. 92 A inteligência e o espírito crítico de Mário de Andrade evitam quaisquer ufanismos e a temática nacional desdobra-se na reflexão sobre a identidade brasileira. Situando a questão em seu contexto histórico, lembremos que a Primeira República (1889-1930) tinha por projeto a construção um país moderno, culturalmente ocidental. A herança africana e a indígena, eram ignoradas ou minimizadas. As culturas anglo-saxônicas e a francesa eram o modelo. Portugal deixara de ser referência, o passado colonial precisava ser «ultrapassado pelo progresso». São Paulo tornara-se já o principal centro econômico do país. Os capitais excedentes gerados pela exportação de produtos agrícolas, essencialmente pela produção de café, tinham permitido a criação de uma indústria florescente onde a mão de obra imigrante, muito mais qualificada que a dos descendentes de escravos libertos, constituiu o primeiro proletariado brasileiro. Os empregos domésticos qualificados eram também ocupados por estrangeiros, com exceção das cozinheiras, como vemos em Amar verbo intransitivo. Os empregos brasileiros rareiam, brasileiro só serve para empregado-público. Aqui o copeiro é sebastianista quando não é sectário de Mussolini (…) Porém se o copeiro não é fascista, a arrumadeira de quarto é belga. Muitas vezes suíça. O encerador é polaco. Outros dias é russo, príncipe russo. (…) Nas mansões tradicionalistas só as cozinheiras continuam ainda mulatas ou cafusas, gordas e pachorrentas negras da minha mocidade! Brasil, ai, Brasil! (Andrade, 1995: 87). Em Amar verbo intransitivo, o autor aborda a questão identitária sob o ângulo de um olhar externo. Aquele que, sobre a burguesia paulista, tem uma estrangeira, em situação social subalterna, porém culturalmente superior dentro dos parâmetros desta própria burguesia. Como dizia Fräulein: Estes brasileiros?!… Uma preguiça de estudar!… Qual de vocês seria capaz de decorar, que nem eu, página por página, o dicionário de Michaelis pra vir ao Brasil? (Andrade, 1995: 52). Assim neste idílio, para além de uma reflexão sobre o amor impossível – que nasce entre Carlos e Fräulein e que a pressão familiar e social inviabiliza – o projeto de Mário de Andrade é o de refletir sobre a cultura das elites brasileiras que detêm o poder de intervir no destino dos demais. O erudito autor de Macunaíma, grande conhecedor da cultura popular brasileira, vai em Amar verbo intransitivo construir uma crítica da desnacionalização cultural da burguesia brasileira, sem com isto afastar aquilo que 93 considera a influência benéfica e indispensável da cultura erudita ocidental. Uma cultura européia superficial e de fachada, uma burguesia ignorante e pretensiosa é o objeto da crítica de Mário de Andrade que descreve assim a biblioteca da mansão dos Souza Costa : Das lombadas de couro, os grandes amorosos espiavam, Dante, Camões, Dirceu. Não digo que pro momento fílmico do caso, estes sejam livros exemplares, porém asseguro que eram exemplares virgens. Nem cortados alguns (Andrade, 1995: 81). Daí a presença de referências culturais eruditas, tanto no que diz respeito aos autores europeus citados , que o leitor supostamente conhece, como também à música clássica que Fräulein ensina às meninas e à qual o narrador se refere criando múltiplas analogias entre obras, compositores e sentimentos. Essas referências servem de trilha sonora ao livro e dão o compasso à narrativa. No filme, a trilha sonora de Francis Hime, premiada em Gramado, obedece às referências de Mário, mas oferece ao espectador novas e sensíveis composições, que infelizmente não foram lançadas em disco. No livro, o compositor mais citado é Wagner cujo Idílio de Siegfried, fornece, segundo Telê Porto Ancona Lopez uma preciosa pista de leitura. A principal especialista da obra de Mário de Andrade propõe igualmente uma leitura do «Idílio» sob o signo da influência do expressionismo alemão e de Nietzsche . Com este fundo sonoro, a história é contada numa língua que Mário de Andrade quer híbrida e desgeografizada. Híbrida, posto que resultante do projeto de construção de uma «língua nacional» afastada da sintaxe lusíada, como queria o projeto modernista. Desgeografizada, pois integra modismos do norte ao sul do país. O mesmo método seria levado ao extremo em Macunaíma, publicado um ano depois, em 1928. A influência das técnicas cinematográficas na construção da narrativa já foi destacada por alguns estudiosos (Scorsi, 2005: 37), já que a ausência de capítulos que possam interromper o fluxo narrativo, o uso de frases inci Bernardin de Saint Pierre, Shakespeare, Goëthe, Schiller, Heine, Racine. No prefácio à edição de 1995, Telê P. A. Lopez põe em relevo o diálogo entre «o homem da-vida» e «o homem-do-sonho» na consciência de Fräulein e afirma que Mário de Andrade busca representar o caráter alemão que vê dividido entre um sentido prático, racional e a necessidade imperiosa de excesso, de sentimento, de transgressão. 94 sivas, curtas, de letras maiúsculas que, insistindo num detalhe, fazem evidentemente pensar num gros plan e são testemunho de um diálogo entre literatura e cinema no próprio corpo da obra. As citações de atores e filmes e o fato de que as personagens freqüentem as matinês dos cinemas paulistanos fortalecem os laços entre a obra e a cinematografia. Além disso a técnica narrativa fornece, em inúmeras passagens, indicações bastante preciosas para uma adaptação cinematográfica, mediante descrições minuciosas ou ainda enfoques que sugerem close-ups. O que mais atrai nela são os beiços curtos, bastante largos, sempre encarnados (…) O menino aluado como sempre. Fixava com insistência um pouco de viés… Seria a orelha dela? (Andrade, 1995: 50). Uma análise da adaptação cinematográfica de Amar verbo intransitivo deve, portanto, levar em conta estes elementos, que com exceção dos aspectos lingüísticos, facilitavam de certo modo a adaptação. A questão lingüística, contudo permite tecer alguns comentários que vão no sentido da famosa conferência pronunciada por Mário de Andrade em 1942, na qual faz a autocrítica de seu projeto de criação de uma língua brasileira. Se não vejamos : alguns dos brasileirismos introduzidos na língua de Amar verbo intransitivo, «a língua errada do povo, língua certa do povo» (Bandeira, 1925) eram em 1927 inovadores, mas em 1975 estes já estavam perfeitamente integrados na língua escrita, como o caso do emprego de «ter» por «haver» ou a colocação pronominal, além de gírias totalmente caídas em desuso, como o termo cotuba por exemplo. No entanto, outras inovações, como o emprego do pronome reto no lugar do oblíquo, corrente na língua falada «ele tirou os olhos da carta, ergueu a caneta vendo elas entrarem» (Andrade, 1995: 67) nunca pegaram na língua escrita do mesmo registro. Como nunca pegaram nem no português falado, e muito menos no escrito no Brasil, invenções «marioandradinas» como por exemplo quando Fräulein diz: «Vou escrever com a mão de você» (Andrade, 1995: 66). No entanto, se alguns diálogos soam falsos em Lição de Amor, Escorel só podia estar absolutamente consciente disto e a escolha da observância dos diálogos, praticamente idênticos aos do livro, só pode obedecer a um propósito de fidelidade ao texto de partida. Para além deste elementos, a principal questão que a adaptação coloca já era levantada por Mário de Andrade. Na carta escrita a 20 de fevereiro de 1927 dirigida a Carlos Drummond de Andrade, o autor revoltava-se contra 95 as críticas que punham em relevo aspectos que considerava secundários, deixando de lado o que para ele era essencial: a inspiração freudiana, por um lado; a filiação machadiana por outro: (…) as observações mais comuns e francamente burras são: que tem muito Machado de Assis e muito Freud no livro. (…) Ora, por que o senhor Mário de Andrade trabalhou Machado? Naturalmente porque quis tradicionalizar alguma coisa também a mais. (…) Ora, se o senhor Mário de Andrade se inspira em Machado de Assis é porque quis tradicionalizar a orientação humorística brasileira representada por Machado na literatura de ordem artística . A inspiração machadiana revela-se naturalmente no estatuto do Narrador que ao dialogar com o leitor, confunde-se com ele. É assim, por exemplo que Mário de Andrade presta homenagem ao insuperável estilo do «Bruxo do Cosme Velho»: Aquilo de Fräulein falar que «hoje a filosofia invadiu o terreno do amor» e mais duas ou três largadas que escaparam na fala dela, só vai servir pra dizerem que o meu personagem está mal construído e não concorda consigo mesmo. Me defendo já (Andrade, 1995: 70). ou ainda: Não vejo razão para me chamarem vaidoso se imagino que o meu livro tem neste momento cinqüenta leitores. Comigo 51. Ninguém duvide: esse um que lê com mais compreensão e entusiasmo um escrito é autor dele. (…) Cinqüenta exemplares distribuí com dedicatórias gentilíssimas. Ora dentro cinqüenta leitores presenteados, não tem exagero algum supor que ao menos 5 hão de ler o livro. Cinco leitores. Tenho salvo omissão, 45 inimigos. Esses lerão meu livro, juro. E a lotação do bonde se completa. Pois toquemos para a avenida Higienópolis! (Andrade, 1995: 49). A passagem que acabamos de ler ilustra bem a dificuldade que existe quando se trata de abandonar um meio lingüístico e transpô-lo para um suporte distinto, no caso audiovisual. Mudanças tornam-se evidentemente inevitáveis, mesmo que não impliquem forçosamente em perda de qualidade. Um filme pode e deve ser uma obra de arte autônoma mesmo se inspirada por uma obra literária. O processo de adaptação pelo cineasta passa evidentemente pela sua interpretação pessoal, pela sua leitura do texto, pela Carlos & Mário, op.cit., 277. 96 transcodificação e posterior recodificação num outro meio de comunicação que utiliza códigos e sistemas que lhe são inerentes. No caso de Amar verbo intransitivo e de Lição de Amor, Eduardo Escorel não optou pela presença de uma voz off que seria a do narrador. Esta solução, permitiria evidentemente uma maior proximidade com o texto literário mas tornaria a obra cinematográfica, pesada, indigesta, lenta, diminuindo assim sua chance de ser apreciada pelo grande público que visava. O desafio era o de encontrar soluções para recursos que são próprios à narrativa literária e difíceis de transpor às telas. O filme segue a ordem cronológica do texto de Mário de Andrade, respeitando ao pé da letra a maior parte dos diálogos e algumas cenas reproduzem à perfeição passagens do idílio 10. No entanto, a filiação à obra de Machado de Assis, que Mário reivindicava, deixa de existir no que diz respeito à narrativa. É contudo de notar, e a meu ver esta é a principal qualidade do filme, que a inspiração machadiana nele transparece na medida em que, como os livros do autor de Memórias Póstumas de Braz Cubas e também como Amar verbo intransitivo, Lição de Amor retrata de forma documental, perfeita, precisa, um momento dado da sociedade brasileira através da trajetória de suas personagens. No huis-clos do ambiente confinado em que se passa toda a ação – uma mansão do bairro de Higienópolis, então habitado pela burguesia paulista, o cineasta analisa em detalhe, à maneira de um entomologista, as relações sociais existentes na época e o perfil psicológico das personagens por elas condicionado. Em Lição de Amor o que temos é, evidentemente, a leitura que Escorel faz da obra de Mário de Andrade que, de forma premonitória, previa já diversas leituras de seu texto: Se este livro conta 51 leitores sucede que neste lugar da leitura já existem 51 Elzas. É bem desagradável, mas logo depois da primeira cena cada um tinha a Fräulein dele na imaginação. (…) Cada um criou a sua Fräulein segundo a própria fantasia, e temos atualmente 51 heroínas pra um só idílio. 51, com a minha, que também vale. Vale porém não tenho a mínima intenção de exigir dos leitores o abandono de suas Elzas e impor a minha como única existência real… (Andrade, 1995: 50). 10Um exemplo interessante é a cena do casal Souza Costa no quarto, na cama de lençóis de renda. Leopoldo Fróis, como Souza Costa chega a pôr a cara nas axilas de Irene RavacheDona Laura. Ver pág. 74. 97 A Fräulein de Escorel foi Lilan Lemertz. De origem germânica, dominando o idioma alemão, transformou com sua impecável interpretação a leitura de Escorel na personagem que vemos na tela. Doravante e para sempre encarna a Fräulein de quem viu o filme antes de ler o livro. Do ponto de vista ideológico, o filme lançado praticamente cinqüenta anos depois do livro retrata uma sociedade que pouco mudou na sua essência. Os preconceitos e limitações da burguesia, que Mário de Andrade satirizara em 1927, permaneciam, em 1976, nas mentes e comportamentos das elites brasileiras, apesar de uma grande liberalidade de costumes em certos meios «marginais». Assim quando Fräulein diz em 1927: «Mas é mesmo possível que uma pessoa olhe prós outros de cima, altivamente…? Só porque tinha dinheiro?» (Andrade, 1995: 75) o espectador sensível à realidade política nacional podia, em 1975 interpretar essa reflexão como uma crítica à desigualdade da sociedade brasileira. Não esqueçamos que no período, escritores e compositores manifestavam seu repúdio à ditadura através de uma linguagem quase cifrada. O título da obra de Mário de Andrade continha um paradoxo gramatical. Todos sabemos que o verbo «amar» é transitivo direto. Já um verbo intransitivo é o verbo que não pede objeto. No livro de Mário de Andrade, o único amor verdadeiro o que Carlos sente por Fräulein e o que nela desperta, é impossibilitado pelas contingências sociais. No filme, Eduardo Escorel opta pelo título Lição de Amor, sem dúvida para atrair o público às salas de cinema. Resta que ambos são uma verdadeira «Lição de Brasil». Referências Bibliográficas Andrade, Mário (1995): Amar Verbo Intransitivo, Idílio, 16.a edição. Belo Horizonte: Vila Rica. ——— (1942): O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil. ——— (2003): Paulicéia Desvairada, 1.a ed. 1922. São Paulo: Edusp. ——— e Andrade, Carlos Drummond de (2002): Carlos & Mário. Rio de Janeiro: Bem-te-vi. Bandeira, Manuel (1930) [1925]: «Evocação do Recife», in: Libertinagem. Rio de Janeiro: Pongetti. Chatman, S. (1986): «Characters and narrators: filter, center, slant and interest-focus», in: Poetics today 7, 189-204. ——— (1940) : Coming to Terms. The Rhetoric of Narrative in Fiction and Film. Ithaca and London: Cornell University Press. 98 Fleishman, A.: Narrated films, Storytelling situations in cinema history. Baltimore and London: The Johns Giddings Keith, S. Wensley, Ch. (1990): Screening the Novel. The Theory and Practice of Literary Dramatization. London: MacMillan Press, Ltd. Lopez, Telê Porto Ancona: «Uma difícil conjugação», in: Amar Verbo Intransitivo, op.cit., 25. MacFarlane, B. (1996): Novel to Film. An Introduction to the Theory of Adaptation. Oxford: Clarendon Press. Morrissette, B. (1985): Novel and film, Essays in two genres. Chicago: The University of Chicago Press. Rifkin, B. (1994): Semiotics of Narration in Film and Prose Fiction. New York: Peter Lang. Scorsi, Rosalia de Ângelo (2005): «Cinema na Literatura», in: Pro-Posições, v. 16, n. 2 (47), Maio/ Agosto, 37-54. 99 Paisagem e silêncio na colmeia dos Silvestres em Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira (1953) e sua transposição cinematográfica por Fernando Lopes ( 1971) José Manuel da Costa Esteves Cátedra Lindley Cintra Université Paris X - Naterre CRILUS (EA 369) [email protected] Para o Eduardo, para quem a literatura, o cinema, as artes e a vida foram sempre uma e única coisa, o amor pela cultura e o desejo de o partilhar. […] Fernando Lopes fez do seu filme uma espécie de arquitectura poética onde os efeitos de recorrência, as deslocações de sentido, os saltos narrativos, o jogo das proporções ou a nudez abstracta das paisagens constituem um verdadeiro texto de uma inesgotável densidade. Eduardo Prado Coelho Résumé: L’œuvre poétique et en prose de Carlos de Oliveira se fonde sur la reconstitution de l’espace de son enfance, la Gândara (Lande). Ces lieux d’autrefois, paysages délaissés ou contrées imaginaires ne sont plus considérés comme une simple entité géographique, mais comme le cadre d’un univers littéraire à la fois source et substance de l’œuvre d’Oliveira. L’espace d’isolement et de solitude dans lequel sont renfermés les personnages contribue ainsi à l’instauration du silence. Le couple central du roman, Maria dos Prazeres et Álvaro Silvestre, dignes représentants de cette atmosphère saccagée et ravagée par la haine, les remontrances et la violence incontrôlée, traîne dans leur abîme d’amertume ceux qui représentent le paradigme d’un amour immaculé. Dans cette étude des deux modes d’expression esthétique que sont le cinéma et la littérature, nous souhaiterions analyser la manière dont le langage cinématographique de Fernando Lopes 101 adapte et transforme le roman de Oliveira, marqué par le non-dit et ses tensions, mais toujours prêt à exploser comme une éruption volcanique. Au silence oppressant du livre, le film propose une alternative fondée sur la stylisation des images. Dans ses perspectives multiples, ce parti pris cinématographique sous-tend une esthétique des images dépurées, rythmée et rehaussée à l’aide de contrepoints perturbateurs. Les images semblent figées dans des tableaux qui cherchent à rompre avec la monotonie du paysage et des dialogues. Surgit donc un univers revisité, dans lequel les tableaux visuels reflèteraient l’immobilité d’un monde en constante désintégration qui se dirige à grands pas vers la fin d’un moment historique déterminé. 1.A obra de Carlos de Oliveira: uma poética como arte de imagens do mundo CINEMA I O écran petrificado, muros, ossos, o movimento áspero da câmara mergulhando no poços das leis universais, o rigoroso cálculo da luz em que a matéria já cansada, autómatos, metais, se envolve pouco a pouco no vagaroso amor que é o trabalho quase imperceptível das manchas de bolor, a ferrugem, o espaço rarefeito, e um relógio apressado no meu peito. II A lentidão da imagem faz lembrar o automóvel na garagem, o suicídio com o gás do escape, quer dizer, o coração vertiginoso e a lentidão do mundo a escurecer 102 nas bobines veladas dos suaves motores crepusculares ou, por outras palavras, flashes, combustões, entregues ao acaso das artérias, melhor, das pulsações. III Radioscopia incerta como nós, mas provável, exacta na dosagem da sombra com o cálcio da sua arquitectura milimetricamente interior, transforma-se o espectáculo por fim no próprio espectador e habita agora a fluidez do sangue : cada imagem de fora, presa ao fotograma que já foi, de glóbulo em glóbulo se destrói. Carlos de Oliveira, Sobre o Lado Esquerdo. Fernando Lopes realiza, em 2001, uma curta-metragem, sobre a morte de um cinema, no âmbito da programação «Porto - Capital Cultural Europeia» intitulada Cinema , transposição cinematográfica do poema epónimo Fernando Lopes nasceu em Alvaiázere em 1935, é considerado um dos pioneiros do chamado Cinema Novo. Como realizador, é autor de 34 filmes, sendo de carácter documental uma grande parte da sua produção. Além da curta-metragem Cinema (2001), realiza neste formato: The Bowler Hat, Interlud e The Lonely Ones (1960), filmes de estreia, Marinha Portuguesa, Ano Mundial do Refugiado, Domingos Sequeira, O Voo da Amizade e As Pedras e o Tempo (1961), A Cidade das 7 Colinas – Marçano Precisa-se, As Palavras e os Fios e Este Século em que Vivemos (1962), Verde, Amarelo e Verde e Cruzeiro do Sul (1966), Hoje, Estreia e Tejo – Rota do Progresso (1967), A Aventura Calculada (1970), Era Uma Vez Amanhã (1971) Nacionalidade, Português (1973), O Encoberto (1975), Habitat (1976), Sons e Cores de Portugal (1977), Lisboa (1979), Cantigamente – N.° 1 e Altitude 114 (1982), Se Deus Quiser (1996) e Gérard, Fotógrafo (1998). 103 de Carlos de Oliveira (acima transcrito) dito por Isabel Ruth. O poema inserido no livro Sobre o Lado Esquerdo» (1968), encontra-se incluído em Trabalho Poético II (1976) , obra – como se sabe – que recolhe toda a poesia que o seu autor considerou como definitivamente pertencente à sua obra. Ao colocarmos o poema de Carlos de Oliveira, à maneira de um preâmbulo, a este artigo que pretende abordar as relações entre o romance Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira (1953) e sua transposição cinematográfica por Fernando Lopes (1971), queremos antes de mais demonstrar como o universo literário de Carlos de Oliveira é atravessado por uma poética que desde sempre se pensou como um arte de imagens do mundo, transpostas e transfiguradas através de mecanismos de representação, que se afastam progressivamente dos códigos miméticos da tradição oitocentista e do neo‑ ‑realismo dos anos quarenta, ao qual está ligado geracionalmente, assim como na sua própria visão do mundo, profundamente marcada pelo marxismo e o materialismo dialéctico e histórico. O poema «Cinema», escrito vinte anos depois da publicação do seu primeiro livro de poesia, Turismo (1942), e após outros livros de poesia marcados pela infância, a paisagem gandaresa, na sua aridez quase lunar, a terra, o silêncio, a dissolução, a fome, a miséria, o sono da pátria que o poeta transmuta em pena, morte, desejo de voo e de libertação, aproxima-se cada vez mais de uma escrita depurada, reduzida à sua essência, reescrita, com quanto ardor e paciência – tantas noites de vigília e insónia – e rasurada, para assim chegar ao rumor das origens, descendo ao centro da terra para aí tocar as fontes da vida, a própria matéria. E, no entanto, toda a sua obra, em prosa ou poesia, porque de um universo se trata, é a reconstituição do espaço da sua infância, a Gândara, desde Turismo (1942) até Finisterra (1978), romance com o Carlos de Oliveira (1921-1981) nasceu em Belém do Pará, Brasil, dois anos mais tarde vai para Potugal com os pais que se instalam na região de Cantanhede, Gândara, onde o seu pai vai exercer medicina. Com efeito a obra poética do autor encontra-se reunida em Trabalho Poético I e II (1976). O primeiro volume inclui Turismo (uma nova versão), Mãe Pobre, Colheita Perdida, Descida aos Infernos, Terra de Harmonia, Ave Solar e Cantata. O segundo volume inclui Sobre o Lado Esquerdo, Micropaisagem, Entre Duas Memórias e Pastoral. A sua obra de ficção é constituída por cinco romances: Casa na Duna (1943), Alcateia (1944), excluído definitivamente da sua obra completa, Pequenos Burgueses (1948), completamente refundido a partir da 3.ª edição de 1970, Uma Abelha na Chuva (1953) e Finisterra, Paisagem e Povoamento (1978). 104 qual encerra a sua obra. A estreita relação entre a literatura e a realidade exterior é um dos pressupostos presentes em O Aprendiz de Feiticeiro (um conjunto de crónicas e de textos de reflexão sobre o trabalho do escritor, simultaneamente poeta, romancista e leitor), nomeadamente no texto intitulado Almanaque Literário: «(…) o meu ponto de partida, como romancista e poeta, é a realidade que me cerca; […] não concebo uma literatura intemporal nem fora de certo espaço geográfico, social, linguístico» (Oliveira, 1979: 70). A partir de Sobre o Lado Esquerdo, a sua poesia tende a rarefazer-se, a afastar-se cada vez mais de todo o lirismo, e a passar do mundo orgânico, vegetal e animal para o mundo inorgânico e mineral, eliminado de toda a ganga supérflua. Apaga-se a voz do canto para dar lugar ao som, à forma caligráfica desenhada, projectada e arquitectada no papel, écrã onde perpassam sombras, pequenos clarões represados, grânulos, sais de prata, materiais de construção, do poema e do mundo; o poema pensa-se e mostra-se na crueza rude e fria dos seus materiais, para assim originar um novo texto-mundo. O poema torna-se ‘bolor’, ‘estrume’, sedimentos de um mundo por vir. «Cinema» evoca o lento movimento da câmara e o «trabalho quase imperceptível / das manchas de bolor», que contrariam, no seu «vagaroso amor», «um relógio apressado», onde se fundem as artérias, o sangue, os muros, os ossos, as imagens do mundo nos fotogramas, no desejo de se habitar a próprio interior da matéria na sua versão mais ínfima e infinitesimal, visão de carácter cosmogenético que terá o seu auge em Finisterra. O poema apresenta-nos uma poética de «cinema do mundo», no dizer de Osvaldo Manuel Silvestre (Silvestre, 1996: 174), no qual a própria matéria se transmuta lentamente, sem precisar da mão do realizador, sujeito e objecto fundem-se num só, abolem-se as fronteiras entre espectador e espectáculo. Este poema nuclear na obra do autor e que precede Micropaisagem (1968) – que tanto influenciará Fernando Lopes na escrita do seu filme Uma Abelha na Chuva – assim como mais tarde em Finisterra, onde se projecta um filme numa parede da casa em destruição, carcomida pelo bolor, dá-nos bem a importância que Carlos de Oliveira dá a este modo de representação. Assim, ao longo da sua obra, em vários textos de O Aprendiz de Feiticeiro (1971), como «Serenata» (1965) a descrição de uma Antes de Uma Abelha na Chuva (1971), Fernando Lopes já tinha realizado a longa metra gem Belarmino (1964); seguem-se-lhes Nós Por Cá Todos Bem (1976), Crónica dos Bons Malandros (1984), Matar Saudades (1988), O Fio do Horizonte (1993), O Delfim (2002), Lá Fora (2004) e 98 Octanas (2006). 105 paisagem confunde-se com imagens cinematográficas ou em «Janela Acesa» (1964), onde são utilizados processos teatrais, pictóricos, e cinematográficos. A janela/écrã é a janela da infância gandaresa na casa do avô: «[…] dispostos os elementos da cena, procedo agora como se estivesse a filmar. A luz vem da janela. (…) Imobilizo outra vez o foco. (…) A mulher levanta-se da cadeira (ao retardador) […] O travelling acabou (…)» (Oliveira, 1979: 174-176). Natural, portanto, que Fernando Lopes, se tenha apropriado (as palavras são mais ou menos as suas) do poema «Cinema» de Oliveira, pois, de certa forma, ele constitui também uma poética cinematográfica para o realizador, através do papel dado à ética, ao rigor oficinal, à escrita e reescrita, equivalente à experiência do aprendiz de feiticeiro no trabalho com a câmara e na montagem, construção e desconstrução das imagens do mundo. No filme, a câmara afasta-se progressivamente do corpo do mundo que dá voz ao poema, para a tornar esfinge petrificada no branco do écrã, até se tornar num ponto imperceptível num universo de sombras onde só o rumor do mundo e da matéria têm lugar. Fernando Lopes declarou sempre, em várias entrevistas, não ter adaptado o romance Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira, mas ter chegado antes a ele através da poesia, sobretudo de Micropaisagem. Neste longo poema alia‑se a auto-reflexibilidade ao próprio movimento de refracção do mundo. Os poemas explicitam o seu modo e construção pondo em evidência a consciência das palavras como matéria significante constituída por uma forma sonora e uma forma visual, simultaneamente instrumento da representação e de transformação do mundo. O movimento desta consciência realiza‑se graças ao trabalho operado sobre as palavras, tornando-se também movimento do mundo no poema como o de uma constelação. Em «Estalactite» encontramo-nos em pleno mundo subterrâneo e mineral, no interior do lugar do silêncio e da imobilidade através do qual se acede ao longuíssimo e interminável processo do movimento e do som, movimento da matéria e da palavra, som do mundo, som do poema. A paisagem torna-se colina oca, com o seu calcário interior, com estalactites e corolas de cal, cristalizadas pela imobilidade do tempo. O poema procura compreender como se cristalizou a água em pedra, no passado, mas avança para o futuro para esse momento em que a pedra se dissolverá para dar nascimento às flores petrificadas, momento em que a gota se transformará em mar microscópico. O movimento de formação da colina situa-se no passado, mas é no presente que o poema fabrica as flores, o jardim, por um duplo movimento de concentração-explosão. 106 O poema é a própria alquimia, produzida pelo aprendiz de feiticeiro, capaz de purificar o mundo. O movimento não se cristaliza porque pressupõe o longo trabalho da leitura. Miniaturizada a paisagem do mundo (da Gândara), reduzido este ao seu elemento mínimo e mineral, o poema ao seu material verbal, fica um encontro com a primordialidade do mundo para o fazer renascer na sua vibração maior em pleno silêncio, pois, como diz Carlos de Oliveira no texto homónimo «Micropaisagem» (1969), incluído em Aprendiz de Feiticeiro: «Quanto mais depurada for a proposta (…), maior a sua margem de silêncio, maior a sua inesperada carga explosiva. A proposta, a pequena bomba de relógio, é entregue ao leitor. Se a explosão se der ouve-se melhor no silêncio» (Oliveira, 1979: 205). 2.O filme de Fernando Lopes: uma poética como arte de transfiguração Procuraremos agora ver o modo como Fernando Lopes lê e transfigura Uma Abelha na Chuva , a partir de uma matriz fundamental, que se desloca do romance, sem no entanto totalmente dele abdicar, para um universo poético, que confere uma grande unidade e coerência à obra do romancista e que Fernando Lopes parece perfilhar como arte cinematográfica. Tentaremos nesta breve incursão por dois modos de expressão estética diferentes, ver e analisar o modo como a escrita cinematográfica se apropria desta obra, minada pelo não-dito e suas tensões, mas sempre prestes a explodir em vulcões represados de lava, embora indiciados simbolicamente. Ao silêncio obsessivo que marca o romance, o filme parece propor uma alternativa, através de uma estilização das imagens e da banda sonora, que apontam, nos seus vários modos de leitura, para uma estética de imagens depuradas, sublinhadas e pontuadas por contapontos perturbadores, que ilustram o filme que, em última análise, poderia não conter diálogos. Aliás, em determinadas sequências, no longo e meticuloso trabalho de montagem, o cineasta cortou o som, vendo-se apenas imagens repetidas, petrificadas, reduzidas à sua ‘mineralidade’. As imagens transformam-se assim em quadros, quebrando a monotonia da paisagem e dos diálogos, estabelecendo uma estreita ligação com as telas que obsessiEncontra-se disponível no mercado uma nova versão do filme em suporte DVD, a partir do restauro feito pela Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, Madragoa Filmes, 2002. A mesma edição contém as curtas-metragens As Pedras e o Tempo, Cinema, assim como entrevistas com Fernando Lopes, Manuel Jorge Veloso, Laura Soveral e Jorge Silva Melo. 107 vamente se mostram no filme, como é o caso da figuração de um cocheiro escovando o cavalo. Nas últimas imagens do par principal, Maria dos Prazeres e Álvaro Silvestre surgem fixados e imobilizados como fotografias, acentuando-se assim um universo onde os quadros visuais parecem propor a fixação de um mundo, de um certo mundo, em desagregação, caminhando a passos largos para o fim de uma época, deixando para sempre em clausura aquelas personagens na sua casa/colmeia, produtoras de fel. 2.1. Uma Abelha na Chuva: o texto-mundo Toda a obra em poesia ou em prosa de Carlos de Oliveira constitui a reconstituição do espaço da sua infância, a Gândara, com o seus lugares, paisagens desoladas, imaginário, deixando de ser mero espaço geográfico para se tornar a paisagem de um universo literário, raiz e substância da obra. Como o solo areento e instável, cria-se um espaço de isolamento e de solidão onde as personagens se caracterizam num fechamento pela incomunicabilidade, ganhando volume um silêncio pesado e denso. Em Uma Abelha na Chuva, o par central constituído por Maria dos Prazeres (Laura Soveral) e Álvaro Silvestre (João Guedes), em sintonia com esse espaço de desolação que preenche a suas vidas cheias de ódios e recriminações, de violências incontidas, mas muito mais explícitas no filme (veja-se a cena da bofetada de Álvaro, farto de ser considerado «um cocheiro» por Maria) arrastam na sua voragem ditada pelo fel, os que representam o paradigma edénico, o par formado por Clara (Zita Duarte) e Jacinto (Adriano Reis), o par do amor sem mácula. O espaço referenciado na obra de Oliveira não sofre grandes variações. É sempre da Gândara que se fala, dessa faixa cujos limites se estabelecem normalmente entre o norte da Figueira da Foz e Aveiro, com a Bairrada a leste e as dunas do litoral a poente, privilegiando-se um ou outro local da Gândara em cada um dos romances. Evidentemente que ao ficcionar-se e reconstituir‑se esse espaço, a Gândara representada, os topónimos presentes nos romances não correspondem a topónimos reais, concretamente situáveis, como é o caso de Corgos, a vila onde Silvestre vai ao jornal local fazer a confissão que passou a vida a roubar, por conta própria e a instâncias da sua mulher, deslocação que está na origem do romance e do filme. A Gândara, dizíamos: um solo areento, seco, estéril, inconsistente, povoado de pequenas lagoas pantanosas, charcos, dunas instáveis, breves, 108 que se fazem e desfazem como as vidas dos homens que nelas se tentam fixar, com os seus campos de milhos, batatas e pinhais. As casas são isoladas, feitas de materiais pobres, insalubres, que duram o tempo de uma vida humana. Um espaço de isolamento, de solidão, de silêncio, apenas interrompido pelo coaxar monótono das rãs. Um universo de desolação, de pobreza e de miséria, onde grassam as doenças e a morte ronda a cada passo. Na paisagem, em desagregação, fervilha o pulsar da matéria orgânica, pútrida e fétida, em caminhada progressiva para o silêncio e morte. Em Finisterra, que constitui uma espécie de síntese de toda a obra de Carlos de Oliveira, o romance estabelece como que um roteiro da sua memória da infância gandaresa, de uma cartografia, na qual se conta também o processo de decadência de uma família da média burguesia rural. Aí o narrador apresenta mesmo uma hipótese explicativa da formação do solo da Gândara: este esconderia florestas gigantes, soterradas abaixo do nível do mar, em combustão lenta e larvar, misturadas com plantas de paúis submersos, sílica, caracóis, explicitando-se, assim, a lenta e gradual gestação da vida a partir da morte, homologando-se a transformação da paisagem, dos homens com a própria dialéctica do processo histórico. As dificeis condições climatéricas da Gândara, são extremamente postas em evidência no filme pela presença de chuvas diluvianas, lama, vento agreste em perfeita consonância com a violência que devora o par principal (com momentos de apaziguamento em certas sequências), destruindo as culturas e tornando mais pobres os pobres, sobre os quais se abatem com mais violência as forças da natureza, dão-nos uma dimensão quase apocalíptica desta terra violentada. Sobre estes recai também o trágico desenlace dos conflitos sociais, como acontece em Uma Abelha na Chuva. Mas a gândara na obra de Carlos de Oliveira não é um simples espaço geográfico, mas antes a paisagem de um universo literário : campos, temas, personagens (senhores da terra, comerciantes, camponeses, serviçais, médicos, padres, conflitos, imaginário), a própria linguagem ‘pobre’ como a paisagem que diz ou os estereótipos de D. Violante, erradicada do filme como todas as outras personagens (D. Violante e o seu irmão/amante Padre Abel, D. Cláudia e o Dr. Neto para citar apenas as principais). Neste romance assistimos à opressão mútua de um burguês, Álvaro Silvestre, que quis ascender à aristocracia pelo casamento, e de uma fidalga rural, Maria dos Prazeres, vendida para salvar a família e que jamais se submeterá à sua nova condição de classe. A relação que os une, casamento 109 de conveniência, é de opressão e de profundo ódio por parte de Maria dos Prazeres. Clara e Jacinto, o único par amoroso do romance, não conseguem sobreviver, vítimas da opressão de Álvaro (Jacinto é morto a tiro pela dupla Mestre António/Marcelo e Clara, no romance, suicida-se no poço, enquanto no filme é abatida a tiro pela Guarda). Dr. Neto e D. Cláudia, eliminados da leitura de Fernando Lopes, representam o amor impossível, ele fechado no seu saber científico, ela encerrada no seu alheamento da realidade. Mestre António e Marcelo, os executantes do crime, manietado por Álvaro, face às ameaças de pagamento de velhas dívidas representam o povo oprimido. Maria dos Prazeres e Álvaro Silvestre vivem e ocupam praticamente toda a narrativa a nível do tempo psicológico, instalam-se no tempo (não no cronológico que dura apenas três dias no romance) mergulham constantemente no passado através da memória, que nos é mostrada muitas vezes no filme através de vozes off das próprias personagens, por vezes antecedendo‑as, como se houvesse uma dessincronização, de modo a torná-las menos reais. É pela memória que Álvaro desenvolve os seus conflitos interiores ditados pelo medo, o remorso, a incapacidade de agir. Maria dos Prazeres socorre‑se dela para recordar o momento nuclear em que um grito fica para sempre reprimido quando é obrigada a casar-se com Álvaro e sempre que o desejo irrompe, através da carta do cunhado ou da fixação do cocheiro Jacinto. As personagens que constituem o par principal apresentam uma grande coerência entre o físico e o estado de espírito, traduzidos de forma magistral no filme, em contrastes de luz e sombra no caso de Álvaro, e numa sensualidade à flor da pele em Maria dos Prazeres, nas cenas do seu espaço íntimo, quando demoradamente se veste ou despe, na forma como passa a mão pelas suas blusas ou mantilhas ou quando, em diferentes momentos, acaricia um dos seus braços. 2.2. Uma Abelha na Chuva: o filme-mundo Fernando Lopes, na sua leitura do romance, vai reduzir a diegese à sua essência eliminando, como já dissemos, as personagens secundárias (é o caso, por exemplo, da voz que detém o saber científico, o Dr. Neto, o único que consegue ver e interpretar o apodrecimento da colmeia dos Silvestres – voz a quem o narrador delega uma certa visão do mundo, de forma a desempenhar uma função claramente ideológica). Mas o cineasta não só elimina e rasura de modo a deixar apenas o esqueleto da história, dando desta forma 110 um peso maior à sua universalidade de classes sociais em conflito, para a tornar, de alguma forma menos abstracta e mais próxima do real, acrescenta‑lhe também novos elementos, um deles nuclear para a sua leitura. É assim, que a meio do filme, lhe introduz uma terceira história: a da representação de extractos de O Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco (romance paradigmático, apresentado no filme na sua versão dramatúrgica, do romantismo português). As cenas que o cineasta retém são aquelas em que Simão vai ao encontro de Teresa no convento («Ó Teresa, Teresa, assim nos vão separar, quem sabe, para sempre!»), que se torna um leit-motif do filme a partir de então), e a cena em que dispara contra Baltazar. Sublinhado pelo tema musical da Força do Destino de Verdi, esta irrupção teatral vai empurrar o valor deste episódio para o melodrama, tornando-o, talvez, mais acessível para o público que assiste à peça, ao mesmo tempo que o filme contrapõe uma história típica de amores românticos em busca de um absoluto de modo a tornar aquelas personagens mais próximas de nós. Esta sequência nuclear da versão de Fernando Lopes, já estudada por Sérgio Guimarães de Sousa (Sousa, 2003: 137-148), foi filmada e adaptada a partir de uma representação ocorrida num pequeno teatro de província , permite ao cineasta manter, por um lado, a estratificação social entre plateia e camarotes, um deles ocupado pelos Silvestres; a cena do disparo contra Baltazar, por outro lado, funciona como detonador da vingança que Álvaro vai engendrar a partir dali para eliminar Jacinto, objecto do desejo da sua mulher, aquela que o oprime, o insulta e o repudia, fechando-lhe todas as noites a porta do quarto. Para complexificar este irrupção, Simão Botelho, o herói romântico, é interpretado em cena pelo cocheiro Jacinto (Adriano Reis) que Maria do Prazeres (Laura Soveral), do alto do seu camarote, olha compenetradamente sem querer trair o seu desejo, denunciado apenas por uma carícia no braço, sob o olhar de Álvaro, instalado a seu lado, e o de Clara (Zita Duarte), visivelmente inquieta e que da plateia olha para a sua patroa. Também Eduardo Prado Coelho se refere em Vinte Anos de Cinema Português 1962-1982 a este feliz achado do cineasta: A introdução da sequência teatral em Uma Abelha na Chuva é uma ideia de uma enorme força neste trabalho de adaptação ao cinema. De certo modo, ela faz A representação é feita pela Companhia de Teatro Desmontável Rafael de Oliveira, com a participação de Adriano Reis, intérprete de Jacinto no filme, no papel de Simão Botelho. 111 no filme uma história outra. E constitui, numa linha discreta de envolvente intensidade, uma espécie de orgasmo imaginário (por isso interfere na cena de amor entre Clara e Jacinto) para Maria dos Prazeres (Prado Coelho, 1983: 39). Na madrugada que antecede o crime, Álvaro rememora o tiro de Simão e em contraponto nas cavalariças, Clara sentada na charrete no lugar da patroa ouve as falas de Simão, ditas e representadas agora só para si, por Jacinto, ecoando uma vez mais a frase da separação de Simão Botelho e Teresa: «Ó Teresa, Teresa, assim nos vão separar, quem sabe, para sempre!», indiciando-se a separação de Clara e Jacinto. No final do filme, após a revolta abortada do povo, descoberta a manobra de Álvaro, tudo volta à monotonia e à normalidade onde nada acontece, aprisionados para sempre num mundo sem acontecimentos em total corte com a realidade. Maria dos Prazeres, condenada para sempre a viver em clausura, morta a chama do desejo, lê agora e comenta histórias de roman rose (a dos amores de Cécile e Armand que encontram a sua felicidade na renúncia) às suas amigas, enquanto lentamente borda. Esta passagem, inventada também por Fernando Lopes, vem na mesma linha da sequência da representação da versão teatral do romance de Camilo, sublinhado novamente com breves incursões da música de Verdi, e por um levantar da cortina do palco, como para se dizer que aquelas personagens ficam para sempre condenadas ao imaginário, ao desejo de tragédia, presas na teia urdida, como o bordado que se faz e que estabelece uma relação com as rendas da janela do início do filme, um mundo para sempre desligado do real. Fernando Lopes, através das suas escolhas, do tratamento das imagens, da banda sonora, da montagem, vai criando ao longo do filme um afastamento da narrativa de Oliveira, para a desconstruir e propor outras visões da mesma história. O filme lê, rasura, transfigura, criando efeitos de distanciação daquele universo fechado. As imagens rarefeitas, de grande contenção e poder de sugestão não descrevem, não contam, afirmam-se, antes como um puro objecto estético que se oferece à contemplação. O tratamento da imagem e da banda sonora tanto podem fazer referência a um certo cinema elíptico saído da Nouvelle Vague, como ao expressionismo alemão, ou parece ancorar‑se, na cena da lagoa, quando se ouve cair na água o cadáver de Jacinto, no ambiente fantasmático do filme Aurora de Murnau. Algumas sequências deste filme ficam na história do cinema português : a cena inicial e final de paisagem de Gândara, com casas de madeira varridas 112 pelo vento que indicia um universo de desolação; a fixação da câmara na roda da charrete, quando se ouve uma voz off que conta a história, como mise en abyme da própria câmara que se desloca sempre em contenção; a cena longuíssima em que se ouve a charrete ao longe, regressando de Corgos a casa, num ambiente de dilúvio, de vento e águas agitadas prenunciando um desenlace apocalíptico, mas no momento de aproximação da câmara, os cavalos que se esperem relincharem, são silenciados e reduzidos à impotência do grito, como no quadro Guernica de Picasso; a cena alucinante em que Maria dos Prazeres fustiga com o chicote os cavalos, descarregando toda a sua energia sexual; o constante martelar dos cascos dos cavalos que se ouvem no espaço de intimidade de Maria dos Prazeres remetendo metonimicamente para Jacinto; a sequência da fornalha, alimentada por Marcelo, onde a imagem se fixa no fogo, tornando-se no seu fulgor uma visão do inferno, ao mesmo tempo que o rosto do cego iluminado pelo ardor do fogo da vingança, arrasta Marcelo para o crime. De grande tensão são também as sequências do transporte do cadáver de Jacinto até ao mar, entrecortadas por sons metálicos estridentes, assim como a do desmoronamento de terra e o roncar que vem do interior da matéria, em descargas sucessivas de explosões, ao mesmo tempo que a imagem fixa as rochas petrificadas, numa sobreposição de painéis geológicos, tão ao gosto de Carlos de Oliveira, após a morte de Jacinto e a subsequente eliminação de Clara. A banda sonora de tal modo é trabalhada, que quase se torna autónoma no filme: a repetição de cenas com e sem som; a voz off; as vozes que se sobrepõem, trazidas do passado ao presente; a sobreposição de falas do texto camiliano com as vozes das personagens do romance de Oliveira ou ainda a voz indefinível, não identificável inicialmente, de um murmúrio ritmado, que se transforma progressivamente em ladainha, em deploração de vigília pelas vítimas da tragédia, em música. 3. «transforma-se o espectáculo / por fim / no próprio espectador» Rodado em 1968/69 e estreado em 1972, o filme de Fernando Lopes, adopta a versão do romance de 1969, reescrita por Carlos de Oliveira dezasseis anos após a sua primeira edição (1953). Como Carlos de Oliveira, Fernando Lopes apropria-se de uma realidade, não agora a Gândara e o seu universo transfigurado, mas sim de um texto-mundo, para o dissecar em vários planos, cortar, entrecruzar, interseccionar, recusando o mimetismo de uma simples transposição por códigos diferentes. Recusando todo o lirismo, 113 também Fernando Lopes nos apresenta uma visão crua de um mundo atravessado por conflitos sociais, através de uma fuga ou eco da narrativa inicial, eliminando elementos, assumindo as elipses, os saltos, para se concentrar no magma primordial, a própria matéria que dá origem ao cinema: sons e luzes. Tudo o mais é reduzido ao seu movimento mínimo e elementar, reduzido ao silêncio denso e pesado, desprovido de movimento ao ponto de as imagens finais serem planos fixos, mineralizados, petrificados, um mundo de assombramento, fantasmas, resíduos. Como Oliveira, Fernando Lopes escreve e reescreve, monta e desmonta a maquete, trabalha com ardor os materiais, criando por sua vez um filme-mundo, que se constrói e destrói, que se oferece à leitura, à interpretação, pois o ponto de contacto entre os dois passa forçosamente pelo mundo, o real em que nos inserimos, o lugar onde é possível a explosão, o lugar onde o leitor-espectador se funde no livro-filme. Se toda a obra de Carlos de Oliveira se deverá ler num movimento retroactivo, de modo a encontrar os sinais e pistas que permitam a leitura de Finisterra, também o filme de Fernando Lopes faz agora parte desse universo, porque uma mesma poética os une: o desejo assumido de literariedade, resultado de um longo e árduo trabalho, o desejo de desafiar o fluir do tempo para se inscreverem na durabilidade da matéria. A propósito deste filme, e numa belíssima homenagem a Carlos de Oliveira, declarou Fernando Lopes: Agora que Uma Abelha na Chuva aí está digitalizada (como é curioso que as novas tecnologias rimem tanto com as tansformações, transfigurações de Micropaisagem…) penso que o filme foi realizado pelo Carlos de Oliveira e que eu tive, graças a ele, o privilégio de o sonhar. Foi uma dádiva que só os Mestres podem conceder. Espero não o ter desapontado (Lopes, 2002: 142). Sabemos que Carlos de Oliveira, cuja obra contém imensas referências explícitas ou implícitas à sétima arte, escreveu o poema «Cinema» em 1968, ano de rodagem de Uma Abelha na Chuva, após ter visionado o filme, como que para o continuar à sua maneira, projectando no espaço com a câmara das palavras o «écran petrificado». Numa entrevista concedida por Fernando Lopes, no momento da estreia de O Delfim e a propósito dos seus próximos projectos, respondia: «ainda não perdi a ideia de fazer o Finisterra» (Lopes, 2002). O «Aprendiz» acedeu há muito ao estatuto de «Mestre» e esperamos que o «vagaroso amor» produza os seus efeitos para nosso prazer e alegria, a fim de termos de novo um verdadeiro texto, como diz lapidarmente Eduardo Prado Coelho. 114 Referências Bibliográficas Coelho, Eduardo Prado (1983): Vinte Anos de Cinema Português (1962-1982). Lisboa: Ministério da Educação/Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Esteves, José Manuel (2001): «La poésie de Carlos de Oliveira: une bombe prête à exploser». In: Gomez, Thomas (org.): Variations autour de la poésie. Hommage à Bernard Sesé. Nanterre: Publidix, 149- 170. Gusmão, Manuel (1981): A Poesia de Carlos de Oliveira. Lisboa: Seara Nova/Edit. Comunicação. ———��������� (2002): «Finisterra: tatuagem e palimpsesto. Apontamentos». In: Relâmpago, n.° 11: 51-81. Lopes, Fernando (2002): «Do rigoroso trabalho oficinal». In: Relâmpago, n.° 11: 142. ———����������������������������������������� (19/04/2002): Entrevista a Nuno Pacheco, Público. 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L’histoire de la jeune métisse presque blanche, élevée en jeune fille de bonne famille, mais condamnée par sa naissance à être esclave, fut la contribution du romancier Bernardo Guimarães à la lutte pour l’abolition de l’esclavage, qui atteignit son but treize ans plus tard. Le roman feuilleton romantique, adapté pour la télévision par Gilberto Braga en 1976, devint en peu de temps le soap opera le plus célèbre du monde. Dans quelle mesure peut-on attribuer à son adaptation télévisuelle le succès mondial atteint par un récit «typiquement brésilien»? Como outros gêneros populares de ficção, a telenovela foi durante muito tempo negligenciada pelos meios acadêmicos. Dando continuidade à grande voga dos folhetins literários do século XIX publicados na imprensa, a novela em capítulos, representada por atores, é inicialmente difundida pela rádio. O termo utilizado em inglês – soap opera – refere-se ao seu financiamento por empresas americanas de produtos de higiene, que encontram assim nas primeiras décadas do século XX uma forma eficaz de publicidade, particularmente nos países latino-americanos como Cuba. O sucesso constante deste novo gênero, adaptado em seguida para a televisão, tem levado ao crescente reconhecimento da novela como reveladora de traços culturais marcantes da sociedade que a produz. A Escrava Isaura, folhetim adaptado pela televisão brasileira, tornou-se um dos exemplos mais representativos deste processo graças ao seu sucesso internacional. Nascido em Minas Gerais, Bernardo Guimarães (1825-1884) foi poeta, contador e romancista. A Escrava Isaura, um dos primeiros folhetins brasileiros de sucesso, foi sua contribuição à causa abolicionista. Escrita em 1875, quatro anos depois de promulgada a «Lei do ventre livre», a obra de Bernardo Guimarães pretende antes de mais nada denunciar 117 o caráter absurdo da escravidão, do ponto de vista moral e jurídico. Retomando os argumentos utilizados por Joaquim Nabuco, Castro Alves, José de Alencar e outros grandes vultos literários da época, o autor pretende tirar proveito do gênero folhetinesco, que até então não fora utilizado nesta perspectiva, para comover e convencer os leitores de romance – em sua maioria leitoras. A grande voga de A cabana do pai Tomás de Harriet Beecher Stowe (1851), traduzida no Brasil cinco anos após a sua publicação nos Estados Unidos, levou Bernardo Guimarães a conceber a melodramática história de Isaura, tendo como principal pano de fundo uma fazenda de café no interior do Rio de Janeiro. A heroína é uma escrava «quase branca», cujos talentos, formosura e educação são dignos de uma donzela da mais fina sociedade. Por fatalidade do destino, e de suas origens – pois é fruto dos amores de uma mucama mulata e de um feitor português, Isaura passa a ser propriedade de Leôncio, um senhor perverso, libidinoso e casado, que a persegue apesar de ser virtuosamente repelido. Após vários lances teatrais, o puro amor de Álvaro, jovem e rico abolicionista, acaba redimindo-a de sua condição, quando lhe oferece ao mesmo tempo a liberdade e o matrimônio, o que causa de imediato o suicídio do vilão. Todos os ingredientes que dão sabor ao folhetim romântico encontram-se aqui: a idealização dos protagonistas, o contraste maniqueísta entre «os bons» e «os maus», os amores impossíveis, o erotismo e a violência encobertos por alusões e elipses que, em nome do recato devido ao público feminino, ainda mais exaltam a imaginação do leitor. Não faltam igualmente as descrições da paisagem tropical, tão ao gosto do romantismo nacionalista então em voga no Brasil,. Embora o seu impacto político não tenha sido tão evidente quanto aquele do romance americano, A Escrava Isaura logrou provocar um fenômeno de identificação que até hoje perdura. Terá ele contribuído para que a elite do país acabasse por aceitar o fim da escravidão, que ocorreu treze anos depois? Por outro lado, terá Bernardo Guimarães colaborado involuntariamente para impor o modelo ético e estético da elite branca à população negra do Brasil? O sucesso da obra impõe-se como dado imprescindível para a análise destas questões. A popularidade de A Escrava Isaura atinge de fato uma dimensão internacional quando é adaptada para a televisão em 1976. A poderosa Rede Globo, principal produtora de novelas do país, tinha dado início à programação da chamada «novela das seis», cujo conteúdo deveria participar do esforço de difusão da cultura nacional pelo governo brasileiro, através de adaptações 118 de obras literárias do século dezenove. Gilberto Braga, crítico de teatro e de cinema, que já havia dirigido Senhora de José de Alencar para a mesma faixa horária, é então escolhido pela emissora. Herval Rossano e Milton Gonçalves se encarregam da adaptação . As cenas exteriores, gravadas em autênticas fazendas do século dezenove, bem como a cenografia e o vestuário, baseados em pesquisas históricas, mostram o cuidado artesanal com que a novela foi feita. Por outro lado, influenciada pela cena teatral, de onde provêm aliás os principais atores que dela participam, mais do que pela linguagem cinematográfica, A escrava Isaura não se destaca por sua audácia formal. De fato, alguns close-ups interrompem a sucessão de planos médios e americanos nos momentos mais dramáticos, que marcam o fim de um diálogo, geralmente filmado através do «ping-pong» (champ/contrechamp). Com excessão das cenas de devaneio de Leôncio após a fuga de Isaura, o diretor evita recorrer a efeitos especiais de luz ou de câmara. A adequação dos atores aos seus papéis, consegue no entanto dar vigor à transposição do romance de Guimarães. Assim Leôncio, representado pelo excelente Rubem de Falco, permanece até hoje como um dos vilões mais convincentes da história da telenovela. No seu primeiro papel, Lucélia Santos, com dezenove anos – dois anos a mais do que a própria Isaura no início do romance, exprime de maneira autêntica a ingenuidade típica da heroína romântica. Destacam-se igualmente algumas figuras de escravos, representados por atores negros, cuja presença era ainda rara nas telenovelas brasileiras. Temos assim Zeni Pereira, no papel tradicional da cozinheira inculta, mas cheia de carinho e de sabedoria popular; Léa Garcia, que representa a mulata Rosa, rival de Isaura; e sobretudo Haroldo de Oliveira, no papel de André, escravo revoltado e abolicionista, personagem aliás ausente do romance de Guimarães. A composição da abertura da novela de Gilberto Braga, uma das mais notáveis do gênero, cria no telespectador atento a expectativa de uma transposição modernizada desta aliança entre arte popular e reelaboração literária que caracteriza o romance abolicionista de Guimarães. Vemos assim gravuras de Jean Baptiste Debret, datadas da primeira metade do século XIX, nas quais cenas de rua do Rio de Janeiro, esboçadas de modo bastante realista, têm Milton Gonçalves, ator e diretor de cinema, teatro e televisão, tem se destacado em sua participação ao movimento negro, em particular no Projeto Zumbi Vive! comemorativo do Tricentenário da República de Palmares, organizado pelo governo do Rio de Janeiro. 119 escravos por protagonistas. Formando uma espécie de teatro de marionetes, algumas figuras recortadas se movimentam ao som da canção «Retirantes», composta por Dorival Caymmi e Jorge Amado. Travellings e panorâmicas também contribuem para ritmar as imagens. Temos assim uma tripla referência destinada a legitimar culturalmente a novela histórica das seis: o romance de Bernardo Guimarães, as gravuras de Debret e a música de Caymmi. Devido às imposições do gênero, a expectativa despertada pela abertura fica parcialmente frustrada. A organização das sequências em torno dos chamados «ganchos» – momentos da narrativa que prendem a atenção do espectador, que anseia pela continuação da história, leva Gilberto Braga a multiplicar as peripécias de uma narrativa já quase saturada de reviravoltas e lances teatrais. Dos vinte e dois capítulos do romance, passamos assim aos cem da telenovela. No entanto, o problema central da transposição da voz narrativa omnisciente encontra por vezes soluções bastante convincentes. É o caso, por exemplo, da idealização da figura principal, fundamentada principalmente nas descrições e nos comentários do narrador na terceira pessoa. Eis como Isaura é descrita, logo nas primeiras páginas do romance: Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas mais negras do que ele. São tão puras e suaves estas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda a análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor de rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com graça inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos, e como franjas negras escondiam quase completamente o dorso da cadeira, a que se achava recostada. […] Os encantos da gentil cantora eram ainda realçados pela singeleza, e diremos quase pobreza do modesto trajar. Um vestido de chita ordinária azul clara desenhava-lhe perfeitamente com encantadora simplicidade o porte esbelto e a cintura delicada, e desdobrando-se-lhe em rodas amplas ondulações parecia uma nuvem, do seio da qual se erguia a cantora como Vênus nascendo da espuma do mar, ou como um anjo surgindo dentre brumas vaporosas. Uma pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta constituia o seu único ornamento (Guimarães, s./d.: 24-25). Alguns pormenores facilmente adaptáveis à linguagem visual, relativos aos cabelos e aos trajes da moça, foram fielmente conservados. A dificuldade 120 está em convencer o público de que o poder de sedução de Lucélia Santos pode revelar-se capaz de «paralisar toda a análise». De fato, numa entrevista comemorativa dos trinta anos da estréia da novela, Herval Rossano declara a respeito da escolha de Lucélia Santos: Começamos a gravar sem a protagonista, era o Roberto Pirillo (Tobias) e uma dublê. Até que encontrei um amigo, Milton Moraes, e ele me disse para eu ir ver uma atriz no teatro. […] Fui e encontrei uma moça baixinha, com uma verruga no nariz, vesga e sem nada de seio. Mas não sei o que me deu que eu a quis. Daí pedi para colocarem nela um salto alto e roupas apertadas. Deu certo (Gallo, 2006). Sem poder contar com recursos especificamente cinematográficos, Gilberto Braga opta por apoiar-se na direção de atores, criando a cena do primeiro encontro entre Leôncio e Isaura, que não consta no romance. O rapaz, que acaba de chegar de sua estadia em Paris, não reconhece em Isaura a menina escrava de seu pai. Isaura, pelo contrário, lembra ter sido perseguida desde a infância pelos caprichos do «sinhozinho». A cena tem lugar na cozinha, espaço íntimo que procura tornar verosímel o encontro a sós dos dois protagonistas. O jogo em torno da xícara de café, que Leôncio deixa cair ao deparar-se inesperadamente com Isaura, permite realçar a contradição essencial da «escrava branca». Assim, o filho do senhor revela estranheza ao saber das ocupações domésticas de Isaura, que seriam inabituais para uma «sinhazinha». Mas acima de tudo, através do processo de identificação, característico tanto da estética romântica quanto da dramaturgia das telenovelas, a emoção e a sensualidade demonstradas por Rubem de Falco no seu diálogo com a reservada Lucélia Santos despertam no telespectador o mesmo efeito produzido no romance: ao sentir Leôncio tão perturbado pela visão de Isaura, acabamos nos convencendo de que ela reúne de fato a candura de um anjo e a sedução de Vênus. A imagem final da sequência – o sorriso satisfeito e algo cínico de Leôncio em plano próximo – sintetiza a atitude da personagem durante toda a novela. Do mesmo modo, a educação esmerada de Isaura, na qual o narrador insiste ao longo de todo o romance, encontra sua tradução televisual num interessante jogo de intertextualidade. Logo no primeiro capítulo da novela, Isaura lê em voz alta para a sua madrinha e senhora trechos de Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco. Mais tarde, quando se encontra na corte, é convidada para assistir uma representação de Phèdre de Racine em francês, 121 durante a qual parece ser uma das únicas personagens da novela a entender o texto declamado em francês por Henriette Morineau . Uma curta sequência relativa à repressão exercida contra os escravos revela outro tipo de dificuldade a ser ultrapassada pelos adaptadores do romance: a censura. É preciso lembrar que, em 1976, o Brasil se encontrava em plena ditadura, iniciada com o golpe civil-militar de 1964. O sistema de censura organizado pelo governo federal controlava com particular cuidado o conteúdo das telenovelas, de grande impacto na população. Para além de aspectos que só poderiam aparecer de maneira velada, como na época de Bernardo Guimarães, a própria temática da novela, ao tratar da escravidão, foi colocada em causa pelos censores, que temiam acirrar o conflito racial – oficialmente negado num país apresentado como uma «democracia racial brasileira». A este respeito, Gilberto Braga, autor da novela, declarou em entrevista concedida à revista Playboy: Quando comecei a escrever Escrava Isaura, fui chamado a Brasília para conversar, porque eles achavam a novela perigosa. Então, na reunião com censores, ficou mais ou menos estabelecido que eu podia escrever A Escrava Isaura, mas que não poderia falar de escravo. Uma censora me disse que a escravatura tinha sido uma mancha negra na história do Brasil, e que não deveria ser lembrada – aliás, segundo ela, o ideal seria arrancar essa página dos livros didáticos; imagine então falar disso na novela das seis… […] Um censor falou que a novela podia despertar sentimentos racistas na netinha dele, porque ela via os brancos batendo nos escravos na televisão, e podia querer bater nas coleguinhas pretas dela. Aí eu disse ao censor que ele devia ver um psicólogo para a menina porque, se ela se identificava assim com os bandidos… De qualquer maneira, eu prometi falar o mínimo possível em escravo e falei o mínimo possível em escravo em A Escrava Isaura (Castro, 1980). Apesar da censura, devido à influência provável de Milton Gonçalves, Gilberto Braga conseguiu introduzir várias cenas relativas tanto à cultura afrobrasileira, como à violência exercida durante a escravidão. Além do mais, o discurso abolicionista ganha novo relêvo ao ser atribuído não apenas ao Henriette Morineau (Niort, 1908 - Rio de Janeiro, 1990) fez parte da Comédie-Française até 1930, quando se radicou no Brasil. Em 1942, participou da «tournée» de Louis Jouvet pela América do Sul, tornando-se em seguida uma das grandes artistas do teatro brasileiro. Participou também em alguns filmes a partir dos anos cinquenta. Gilberto Braga homenageia‑a em A Escrava Isaura, criando para ela o personagem de Madame Bensançon, atriz francesa, democrata e naturalmente abolicionista, que vem recitar os versos de Racine para o público carioca. 122 narrador omnisciente e ao personagem de Álvaro, o seu alter ego, como ocorria no romance, mas também à maioria dos personagens positivos da novela, inclusive a própria Isaura, muito menos submissa na tela do que nas páginas de Guimarães. No capítulo seis, o pai de Leôncio manda para a fazenda alguns escravos leiloados na corte, após a falência do seu antigo proprietário. Logo à chegada, André, escravo educado para ser doméstico, aprendendo assim a ler e escrever, entra em conflito com Francisco, o feitor. Após tê-lo deixado acorrentado, sem pão nem água durante toda a noite, para puni-lo por sua insolência, Francisco vem verificar pela manhã se o castigo produziu seu efeito. André, mesmo prostrado aos pés do feitor, demonstra no entanto mais uma vez a sua rebeldia. Furioso, o feitor atira um pontapé no escravo, atingindo-o provavelmente no rosto. Precavendo-se com relação à censura, o diretor filma a cena de maneira elíptica: Francisco aparece em plano médio, o que deixa fora do enquadramento o gesto e a própria vítima. A litote do processo acaba por ressaltar a violência do gesto censurado, acentuada pelo gemido de André. A sequência é curta, e não comporta nenhum «gancho», podendo passar quase despercebida em meio ao fio narrativo da novela. É difícil afirmar algo a respeito do possível impacto da cena junto a um público menos prevenido, mas sabemos que ela foi divulgada em horário de grande audiência. Seja como for, o sucesso imediato e constante da novela no Brasil, várias vezes exibida pela Globo, e retomada em nova versão pela Rede Record no início de 2004, pode ser explicado pelo impacto das cenas de escravidão em nossa história. Mas como justificar a projeção internacional de um soap-opera de características tão «brasileiras»? O fato é que, depois de ser adaptada para o teatro pelo próprio autor, A Escrava Isaura tornou-se uma narrativa amplamente divulgada, inclusive através do teatro de circo e do teatro amador . Foi também adaptada três vezes para o cinema mudo, em 1917 por Tarquínio Garbini, em 1922 por Luiz de Barros, e em 1929 por Antônio Marques da Costa Filho (Silvira, 2006). A quarta versão falada de 1949 incluía estrelas da famosa companhia Atlântida Cinematográfica, tendo Fada Santoro no papel de Isaura, e o galã Cyl Farney no papel de Álvaro. O filme em preto e branco e foi dirigido por Eurides Ramos. No dia da pré-estréia, 30 de dezembro de 1949, o Cine Odeon do Rio Uma das adaptações para o circo, feita por Antônio Ramos e Júlio Ozon, é de 1933 como consta nos arquivos da censura recolhidos por Miroel Silveira. 123 de Janeiro distribuiu convites gratuitos a todas as «Isauras» que se apresentassem com as devidas carteiras de identidade. Duas mil espectadoras homônimas da escrava compareceram. Enquanto o romance foi sendo constantemente reeditado, outras versões foram surgindo ao longo dos anos, através dos suportes mais variados, como a literatura de cordel, a história em quadrinhos, o álbum de figurinhas e a fotonovela. Tal sucesso pode ser justificado no âmbito nacional bem como em Portugal, devido às características históricas partilhadas pelos dois países. No entanto, a partir dos anos oitenta, A Escrava Isaura torna-se o folhetim televisivo mais visto no mundo, ultrapassando até mesmo o sucesso da série norteamericana Dallas (Xavier, 2003). Será que podemos ainda justificar os recordes de audiência da novela em toda a América Latina através de características culturais comuns? Países andinos, eles próprios produtores de novela e pouco familiarizados com a questão do tráfico de escravos vindos da África, acolheram Isaura de maneira triunfante. Em Cuba, a publicação de um álbum e figurinhas feito a partir da obra de Gilberto Braga revela um tal grau de adesão do público que o horário de racionamento da eletricidade na ilha teve de ser mudado por Fidel Castro. O líder máximo, ao que parece, também tornou-se «fã» da escrava, contribuindo sem dúvida para a sua divulgação nos países do leste europeu, alguns anos antes da queda do muro de Berlim. Na China, «Ninu Isola», como é conhecida até hoje Lucélia Santos em Pequim, reuniu 130 milhões de espectadores, transformando a tradução do romance de Bernardo Guimarães em best-seller, num dos raros exemplos em que uma adaptação para as telas deu impulso à publicação de uma obra literária. Na ex-URSS, onde a novela foi exibida em 1987, a carta de um leitor moscovita que protestava contra a «alienação» que atingia a sua neta de dez anos, desde que começara a assistir à novela, provocou uma chuva de protestos do público, em defesa dos «valores humanistas e autenticamente revolucionários» propagados pela obra de Gilberto Braga. Podemos ainda citar como prova de seu irresistível poder de sedução a trégua decretada na Bósnia em 1997 no horário de exibição da novela. Tal fenômeno não se deve apenas ao exotismo possivelmente veiculado por um produto cultural made in Brasil. De fato, podemos notar o impacto particular da obra nos países em fase de transição, submetidos a um poder autoritário já entrando em fase de decadência. 124 O melodrama característico dos culebrones latino-americanos ganha um sabor especial através da imagem contraditória veiculada por Isaura. A «escrava quase branca», cuja origem africana e bárbara é desmentida por sua aparência ocidental e refinada, cuja educação foi a de uma senhora mas cuja condição permanece servil, demonstra ser de uma pureza angelical, coerente com sua inabalável fé católica, mas revela igualmente um poder de sedução capaz de levar um homem à loucura. Como num conto de fadas – o que também explica o sucesso da novela entre as crianças – os conflitos mais exacerbados, tais como o racismo, a dominação da mulher pelo homem, ou a justiça exercida de modo arbitrário a favor dos ricos e poderosos, são resolvidos pelo amor sincero do jovem abolicionista Álvaro. Isaura e Álvaro casam-se e são felizes para sempre, e enquanto a abolição não chega, pelo menos os senhores cruéis morrem no fim da história. Contentando a gregos e troianos, Gilberto Braga, Milton Gonçalves e Hélio Rossano conseguiram equilibrar-se na corda bamba da censura, entre arte popular e alusões literárias, chavões ingênuos e, senão gritos, pelo menos alguns gemidos de rebeldia. E fazer surgir deste modo a imagem de um público – e talvez de um povo – torcendo unânime por uma Isaura livre. Referências Bibliográficas Abramo, Bia (2004): «Segredo de Isaura é disfarçar questão racial». In: Folha de São Paulo. Internet. 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Maria I em breve restauraria a influência da Igreja e recolocaria no poder essa nobreza sem ofício e menor préstimo; o país, no entretanto, continuava a divergir da Europa, económica, social e ideologicamente: Portugal procurava manter-se como último reduto de uma Igreja ultramontana e de resistência às ideias revolucionárias que mudariam o mundo. No rescaldo das grandes mudanças na Europa que a Revolução Francesa espoletou, Napoleão viria a ser o responsável por uma situação inédita que só Portugal viveu. As tropas – desorganizadas, esfomeadas, rotas e esgotadas, é certo – comandadas pelo general Junot aproximavam-se de Lisboa nos finais do ano de 1807 (Novembro) ao mesmo tempo que o Regente D. João, a tresloucada D. Maria I, quase toda a Corte e Administração Pública bem como grande parte da nobreza e religiosos mais importantes seguiam, em barcos sobrelotados, pouco seguros e carregados à pressa, para o Brasil, deixando o país entregue a uma Junta Governativa que nada governou e com a função de bem receber os invasores franceses, ficando a eventual resposta militar nas 129 mãos de oficiais ingleses, inimigos de Napoleão e aliados dos portugueses desde há séculos. Patrick Wilcken relata, deste modo, as consequências desta inusitada situação: Todos sentiam um temor respeitoso pelo que era um acontecimento único na história do colonialismo europeu. Até àquele momento nenhum monarca reinante tinha viajado até às Américas sequer em visita, quanto mais para instalar aí a sua corte (Wilcken, 2005: 39). O governo de Portugal, e o seu rei, governavam a partir do Brasil, isto é, a colónia tornara-se o centro do poder político português… graças a Napoleão! Após as invasões francesas (Soult e Massena também passaram por Portugal nos anos de 1808 e 1809, respectivamente), em vez de regressar o rei permaneceu no Brasil, uma situação que se manteria até 1821, data em que, pressionado pelos líderes da Revolução Liberal que tomaram conta da governação política em 1820, regressou a Portugal. Entre 1820 e 1851, Portugal viveu em convulsão política quase permanente: conheceu três textos constitucionais – a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838 –, reviveu por algum tempo o absolutismo régio com D. Miguel, esteve em guerra civil (1829-1834), conheceu revoltas à direita e à esquerda, lutas e alianças políticas contra natura, governos autoritários (Costa Cabral, 1842-46; Saldanha, 1846-49; 1849-51), governos de curta duração, enfim, o país percorreu trinta anos de intensa instabilidade política cujas provas mais evidentes foram as revoltas populares da Maria da Fonte e a Patuleia. II Alexandre Herculano nasceu em 1810 e se, como é óbvio, não participou na primeira fase da Revolução Liberal, a partir do final dos anos 20 viria a tornar-se num dos seus protagonistas e, principalmente, alguém que personificaria os seus melhores ideais, em particular a luta pela liberdade, até à sua morte em 1877. Durante a infância, Herculano viveu num país com um rei e corte ausentes; na juventude assistiu às convulsões que uma revolução sempre traz; na idade adulta foi uma participante activo no jogo político vindo, com 130 o tempo, a tornar-se numa espécie de consciência moral da vida política e cultural do país. Pela força das circunstâncias, o Portugal de Herculano é um país diferente, como vimos: diferente porque sem governação e autoridade política residentes; diferente porque, quando finalmente as tem, a nação vê-se amputada da sua melhor parte – o Brasil – que, em 1822, declara unilateralmente a sua independência pela voz do príncipe herdeiro do trono português, D. Pedro, uma independência aceite e reconhecida em 1826. Muitos anos passariam até à completa digestão desta nova realidade. Portugal recomeçava a reencontrar-se com as suas origens num movimento que o 25 de Abril de 1974 viria a encerrar. A independência do Brasil, trezentos e vinte e dois anos depois da sua descoberta foi o início irreversível do desmoronamento de um império que, ao tempo, se apoiava essencialmente nesse país da América do Sul já que a carreira das Índias só vivia dos enclaves de Goa, Damão e Diu e as colónias africanas funcionavam apenas como entrepostos de escravos. III Publicado inicialmente, em 1843, na revista Panorama – uma publicação que o próprio Herculano dirigia desde 1836 –, O Bobo é um romance histórico, tendo sido editado em volume único, após revisão e acrescentamentos, em 1878, um ano após a morte do autor. No quadro do que é a novelística histórica romântica, também O Bobo é, reconhecidamente, uma combinatória de erudição, lirismo e efabulação. Não por acaso, Alexandre Herculano afirma na Introdução ser «(…) o mister de recordar o passado (…) uma espécie de magistratura moral» que, portanto, reclama para si, expressando ainda o desejo de que «(…) o drama, o poema, o romance sejam sempre um eco das eras poéticas da nossa terra», numa linha de preocupação didáctica que espelha bem a orientação pedagógica e nacionalista do Romantismo português (vide, por exemplo, obras como O Arco de Santana e Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett). São visíveis as ligações ideológicas entre o historiador com rigor científico que é Herculano, e o romancista que usa os seus romances como forma de complemento da História, uma história de um povo e não de um herói particular – D. Bibas é o povo que é herói por sinédoque; Afonso Henriques pouco mais é que uma sombra que paira por todo o romance. 131 Nesta linha, O Bobo é um retrato singular da fase conturbada do início da nacionalidade portuguesa, «trabalhada» e vista por intrigas da aristocracia nacional. Romântico, Alexandre Herculano pinta a cor local e histórica em quadros nos quais apresenta festas, reuniões políticas, vestimentas, preparativos para a guerra. O castelo de Guimarães foi o local simbolicamente escolhido e nele ocorrem diabólicas intrigas políticas e paixões insustentáveis em ambientes recheados de portas secretas, caminhos escusos, traições, como convém a uma estética de filiação romântica. O autor articula a intriga política (do conde galego D. Fernando de Trava) com o enredo amoroso que envolve fatalmente dois cavaleiros rivais (um galego e um português) – Garcia Bermudes e Egas Moniz –, corteses e idealisticamente amorosos, e Dulce, uma verdadeira mulher-anjo romântica. Espectador omnipresente e conhecedor das intrigas políticas e amores secretos é D. Bibas, o bobo, elemento essencial de toda esta acção romanesca. É evidente que Herculano, homem e historiador do povo, burguês assumido, faz da vingança de D. Bibas, vítima da maldade do conde de Trava, a vingança de uma classe média contra o poder dos nobres. Uma coisa é certa: as personagens de O Bobo são anormalmente dominadas por um sentimento religioso, sagrado, que revela paixões extremas. Como notou Jacinto Prado Coelho «(…) anjos ou demónios todos eles fascinam, porque o seu extremismo sentimental tem qualquer coisa de abissal, de sagrado, que os isola numa zona inacessível à humanidade média» (Coelho, 1983: I, 114); Também Óscar Lopes e António José Saraiva alinham pela mesma bitola: As principais personagens dos romances de Herculano são como que encarnações dotadas de forças sobre-humanas, anjos ou diabos, consagrados a uma obra de maldição ou de santificação: (…) caso de Dulce, n’O Bobo, que consegue ser duas vezes santa, uma pelo amor imaculado (que é uma forma romântica de santificação) que dedica a um cavaleiro, outra pela perfeita fidelidade, em vida e na morte, a outro cavaleiro, quem a ligam os laços também santos do matrimónio (Lopes & Saraiva, 1979: 770). É isto que explica as vinganças – bobo, Egas, Fernando de Trava – e as renúncias – Dulce, Egas – que se integram como ritos sacrificiais numa concepção da vida romântica que é a do autor. 132 IV 1128 é a data dos acontecimentos narrados n’O Bobo, da batalha de S. Mamede que inaugura, na prática, aquilo que viria, em 1143, a ser declarado formalmente: a independência de Portugal. 1128 é, também, o primeiro marco de uma identidade que, não tendo nascido aí, viria, a partir de então, a forjar e percorrer um caminho só seu. «Tenebrosa e má foi essa infância [a da monarquia portuguesa]» escrevia Alexandre Herculano no final do texto primitivo do primeiro capítulo de O Bobo publicado n’O Panorama (II volume, 2.ª série, p. 10); e continua num desencanto amargo que o avanço da idade acrescentaria: «(…) porém não tanto tenebrosa e má como a sua velhice». Tempos difíceis, os de Herculano, tempos difíceis os da velhice da monarquia que o levam a considerar o país em situação preocupante para a qual O Bobo é, certamente, um grito de alerta, um contributo para um melhor (re)conhecimento da sua identidade. A independência de Portugal forjou-se num acto de rebeldia de um filho, Afonso Henriques, contra a própria mãe, D. Teresa. Na perspectiva romanesca de Herculano, que pensava que a revolução política e social se devia reflectir também na literatura, uma literatura verdadeiramente nacional, uma literatura para as multidões que fosse um produto natural da vida social, na perspectiva de Herculano, dizíamos, tal só foi possível porque um simples homem do povo, um «português da raça dos Godos», mais, um simples truão, teve uma acção decisiva na resolução desse conflito: o castigo que um galego fez infligir ao primeiro bobo português foi o momento-chave que fez pender a balança para o lado dos patriotas. D. Bibas, isto é, o povo, é o herói com aspecto de anti-herói: « (…) era um vulto de pouco mais de quatro pés de altura; feio como um judeu; barrigudo como um cónego de Toledo; imundo como a consciência do célebre bispo Gelmires, e insolente como um vilão de beetria»; é também a personificação da liberdade, um «(…) padrão levantado à memória da liberdade e igualdade e às tradições da civilização antiga», uma personagem que, pela sua função social, «(…) era um espelho que reflectia, cruelmente sincero, as feições hediondas da sociedade desordenada e incompleta». D. Fernando de Trava traiu os códigos cavaleirescos ao mandar castigar o truão; traiu e insultou os portugueses: não respeitou a liberdade de palavra que era admitida ao bobo e vai pagar o seu erro político porque este será o 133 agente que fará falhar os seus planos de aprisionar os patriotas presentes em Guimarães, ao fazê-los escapar por um túnel secreto. V Escrito em 1843 e marcado pela angústia que o cabralismo gerou no autor, O Bobo é também a expressão de um país à deriva em busca da sua identidade. Por tudo isto – um país desencontrado de si mesmo: guerra civil, instabilidade política contínua, falta de ética, ausência de rumo, etc. – por estarmos, seguindo as palavras de Herculano, «nestes tempos de perversão moral», se fala de uma busca incessante da identidade fundada pela lembrança da instauração da mesma. E nada melhor, para ilustrar esta perspectiva, que a figura do romeiro encapuçado, um mensageiro de Egas Moniz Coelho que é ele próprio disfarçado; tal como o romeiro do Frei Luís de Sousa, D. João de Portugal (um drama que Almeida Garrett publicou no mesmo ano de 1843), Egas desempenha o papel de espectro de si mesmo, visitando os lugares sagrados pelo seu amor, ao mesmo tempo que traz consigo a marca da verdade histórica. Numa outra perspectiva, é Herculano que convida Portugal (e os portugueses) a uma revisitação de si mesmo, a uma busca da sua identidade que em nenhum outro lugar se deve procurar que não o da sua própria história. Afinal, o romeiro é ninguém, e um ninguém que vive mais não é do que um alguém em incessante busca da sua identidade. Referências Bibliográficas Coelho, Jacinto Prado (1983): Dicionário de Literatura Portuguesa. Porto: Livraria Figueirinhas. Herculano, Alexandre (1977): O bobo. Lisboa: Livraria Bertrand. Lopes, Óscar & Saraiva, António José (1979): História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora. Wilcken, Patrick (2005): Império à deriva. Lisboa: Civilização Editora. 134 « Faire un contrepoint à l’éloquence grandiose d’Herculano »: O Bobo, film de José Álvaro Morais, 1979-1987 Jacques Lemière Université des Sciences et Technologies de Lille/Lille 1 CLERSE [email protected] Resumo : A obra cinematográfica de José Álvaro Morais é totalmente atravessada pela preocupação de pensar Portugal, não sendo assim de admirar que tenha encontrado sob as vestes de O Bobo, a prosa romanesca e histórica do romântico Alexandre Herculano. É interessante interrogar-nos sobre o que está em jogo quando, quatro anos após o 25 de Abril, um jovem cineasta português, desde a sua primeira longa-metragem, abraça a sua concepção moderna de cinema num diálogo com o « romance histórico » de Herculano, narrativa sobre a fundação de Portugal, texto genuíno da construção (ou da reconstrução) dos « romances nacionais » pelas burguesias liberais do século XIX, na hora da afirmação dos Estados-Nações. Em que circunstâncias, em que projecto e com que processos artísticos o cineasta se apropria « em cinema » deste romance histórico de 1843 ? L’œuvre cinématographique de José Álvaro Morais est toute entière traversée par la préoccupation de penser le Portugal, et il n’est finalement pas étonnant qu’elle ait rencontré, sous les espèces de O Bobo, la prose romanesque et historique du romantique Alexandre Herculano. Il est intéressant de se demander ce qui est en jeu quand, quatre ans après le 25 avril 1974, un jeune cinéaste portugais, dès le projet de son premier long-métrage, engage sa conception moderne du cinéma dans un dialogue avec le « roman historique » d’Herculano, récit de la fondation du Portugal, et texte si caractéristique de la construction (ou de la re-construction) des « récits nationaux » par les bourgeoisies libérales au 19e siècle, à l’heure de l’affirmation des Etats-nations. Dans quelles circonstances, dans quel projet et dans quelles procédures artistiques le cinéaste s’est-il emparé « en cinéma » de ce roman historique de 1843 ? 135 Questionné en 2001 sur la genèse de son chef d’œuvre O Bobo [Le Bouffon, 1979-1987 ], dont le projet remonte à la fin de ses études cinématographiques à l’INSAS de Bruxelles (1968-1974), et évoquant le moment où ce projet a croisé la re-lecture du roman homonyme d’Herculano, José Álvaro Morais répond : J’avais relu le roman [d’Herculano] à un moment donné, comme bibliographie pour un petit projet. J’y avais trouvé d’autres implications : travailler sur cette nation. Non comme une abstraction ou un exercice, mais comme incursion dans le processus de la formation d’un territoire et d’une nation . Rupture événementielle dans le pays et crise d’identification personnelle « Travailler sur cette nation », José Álvaro Morais n’aura cessé de le faire, l’interrogation sur le destin du pays se nourrissant aussi de sa biographie, lui qui, né en 1943 à Coimbra, dans le nord du pays, dit avoir eu à Lisbonne « le choc de la découverte du sud » quand il y est envoyé par sa famille comme collégien au Colégio Militar . Aux contradictions internes de la construction nationale, entre « Nord » et « Sud », dont la pensée ne cessera d’occuper son œuvre (Zéfiro et Peixe-Lua, Un film étant aussi une œuvre collective, rappelons-en, outre les principales caracté ristiques, l’équipe principale de réalisation : O Bobo. Année de production : 1987. Production : Animatógrafo. Scénario, réalisation et dialogues : José Álvaro Morais. Extraits du roman O Bobo de Alexandre Herculano, adaptés avec la collaboration de Rafael Godinho. Photographie : Mário de Carvalho. Décor et costumes : Jasmin. Musique : Carlos de Azevedo, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral. Son : Vasco Pimentel. Tournage : 1979/1980, puis 1985 et 1987. 16 mm et 35 mm, couleur, 127 mn. Première présentation : Festival de Locarno, août 1987, Léopard d’Or. Date de sortie (Portugal) : 31 août 1987 (Cinémathèque portugaise), 4 janvier 1991 (en salles). Interprétation : Fernando Heitor (Francisco, Le Bouffon), Paula Guedes (Rita Portugal), Luís Lucas (João), Isabel Ruth (la reine Teresa), José Eduardo, Glicínia Quartin, João Guedes, Maria Amélia Matta, Luís Miguel Cintra, Raul Solnado, Rogério Samora, Virgílio Castelo. Entretien avec José Álvaro Morais. Sauf mention contraire, toutes les citations de José Álvaro Morais, dans cet article, proviennent de deux entretiens que j’ai eus avec le cinéaste les 6 et 7 septembre 2001 à Lisbonne. L’intégralité de ces entretiens, jointe à un troisième entretien du 9 mai 2003, a été publiée, traduite en portugais, sous le titre « Conversa(s) com José Álvaro Morais - Jacques Lemière » (août 2005). In : Jos��������������� é Álvaro Morais, Faro : édité par Faro 2005 Capital Nacional da Cultura, Ministério da Cultura. José Álvaro Morais, né à Coimbra en 1943, est mort à Lisbonne à la fin de janvier 2004, emporté précocément par une maladie fulgurante. 136 surtout, sont des films sur le rapport du Portugal à la civilisation mauresque du sud de la péninsule ibérique) fait écho « une certaine incapacité d’identification, dont les raisons sont plus secrètes, plus profondes »: A quinze ans, j’ai cessé d’être catholique. J’ai connu à la faculté des mouvements étudiants, qui avaient déjà commencé quand j’étais au lycée. C’était difficile de cesser d’être catholique. C’est la première grande coupure que j’ai connue. Cette coupure a à voir avec une autre hémiplégie, celle des origines familiales, dans la Beira intérieure, et elle est aussi celle qui partage la vie politique portugaise sous le salazarisme : Je viens de deux familles, toutes les deux bourgeoises, mais différentes : la première, celle de mon père, est terrienne et de tradition démocratique : l’autre est celle de mon grand-père maternel, un industriel qui, dans un esprit de « socialisme national » avait dessiné sa propre usine, et qui était germanophile. J’avais donc un grand-père paternel qui fut arrêté par la PIDE, et un grand-père maternel dont les conceptions industrielles étaient tout à fait salazaristes … A la rupture événementielle qui va embraser toute la société portugaise dans « les années d’Avril » et à la politisation déjà inscrite dans la « crise académique » de la fin des années 1960, dont il perçoit les prémisses alors qu’il est à Lisbonne au lycée Camões, puis à la Faculté de médecine, fait écho une crise d’identification personnelle : « C’était difficile de cesser d’être catholique ». Naissance d’un cinéaste, c’est-à-dire d’un constructeur de formes L’ébranlement de la définition du pays et l’ébranlement de la subjectivité personnelle se répondent, faisant perdre au Portugal un médecin et lui faisant gagner un artiste : un cinéaste, car l’étudiant en médecine José Álvaro Morais a approché le cinéma, dans les années 1960, comme membre et spectateur du Cine-Clube Universitário, pour se rapprocher ensuite du groupe critique et créatif du « cinema novo » par le truchement de l’amitié avec l’un de ses membres, António Pedro Vasconcelos, dont il devient assistant de réalisation, avant de devoir quitter le Portugal comme réfractaire de la guerre coloniale . Comme en Argentine aujourd’hui (l’Argentine de la crise de la fin du vingtième siècle, crise qui suscité une réinterrogation de l’Argentine sur elle-même), dans le Portugal des années 137 Alors exilé à Bruxelles, de l’été 1968 au printemps 1974, il étudie la réalisation à l’INSAS, l’école de cinéma de Bruxelles, sous la conduite d’André Delvaux, Michel Fano et Ghislain Cloquet. Revenu au Portugal dès le 27 avril 1974 par le premier avion possible, il travaille comme cinéaste et monteur à la Télévision portugaise puis intègre, comme monteur, la coopérative du Centre Portugais de Cinéma (CPC). Son chef-d’œuvre et premier long métrage, Le Bouffon (1979-1987) fut le dernier film produit dans le cadre du CPC. Dans une œuvre qualitativement importante, mais finalement peu prolixe , il a développé, dans un parcours complexe, à jamais chevillé aux vicissitudes rencontrées dans la production de son chef d’oeuvre Le Bouffon, une voie très personnelle dans le cinéma portugais . Ce sont des scénarios aux constructions complexes (scénarios et dialogues toujours écrits par lui-même), et ce sont des films caractérisés par la virtuosité du montage (au point d’être quelque fois nommés comme « des films de monteur », ce que le cinéaste était d’ailleurs, pour ses propres films, comme il le fut aussi pour les films d’autres). José Álvaro Morais était un inlassable constructeur de formes. Ce « monteur », ce constructeur de formes était de ceux qui font confiance à l’abstraction, et aux médiations de la convention : « Il est toujours intéressant de ‘faire abstraction’ des choses, de pouvoir styliser des choses obscures ». soixante et soixante-dix, c’est une fraction de la jeunesse qui déserte les études d’ingénieur ou de médecine pour se diriger vers l’apprentissage du cinéma. Le José Álvaro Morais de la maturité gardera une vision très romantique de ce basculement vers le cinéma : « - Pourquoi fais-tu du cinéma ? », lui demandait-on en 1998. « - Parce que je n’ai pas résisté à l’attraction de l’abîme », répondit-il (« Entretien avec Ilda Castro Ferreira [février 1998].In : Obra cinematográfica de José Álvaro Morais. Lisbonne, Videoteca de Lisboa. ������������������������������������������������������������� Hormis deux films d’école, elle compte trois longs-métrages (O Bobo, Peixe-Lua et Quaresma) et quatre courts ou moyens-métrages (dont deux pour la télévision, notamment Zéfiro, en 1993) couvrant une période de 33 ans de travail, entre les débuts en 1975-1976 (Cantigamente n°3, un film pour la télévision sur les chansons des années 1940; Ma Femme Chamada Bicho, un film documentaire sur la peintre portugaise Maria Vieira da Silva et son mari Arpad Szenes, peintre également ; et Domus de Bragança, un « making off » de Trás-Os-Montes, de Reis et Cordeiro) et l’ultime film, de 2003 (Quaresma). En même temps, cette voie propre que José Álvaro Morais a suivie reste représentative de ce qui a requis la cinématographie portugaise dans ses inventions poétiques des années 1970 et 1980, et lui donne toute sa place au sein de la constellation d’artistes-cinéastes de cette période. 138 « Faire abstraction des choses », non au sens (littéral) de les absenter, de ne plus les prendre en compte, mais, au contraire, au sens de leur donner la puissance supplémentaire de l’abstraction : L’image filmée est utilisée pour montrer la réalité, et le spectateur est convoqué à l’examen de la preuve de la réalité. Quand on fait un film, il est très important d’établir la convention. Et de jouer avec la convention. Construire cette convention qui, au cinéma, à la différence du théâtre (« qui est d’emblée une convention »), ne va pas de soi. D’où la discontinuité narrative des récits, la construction complexe des temps, et le croisement de divers registres, dont le film Le Bouffon est un riche exemple : registre du passé et registre du présent ; registre théâtral et registre cinématographique fictionnel ; matériau historique et matériau littéraire ; films dans le film ; temps et espace ; trame fictionnelle et trame documentaire … D’où le jeu décidé avec l’artificialité des décors, « qui sont dénoncés comme tels », ou, quand ils sont naturels, avec la visée de leur transfiguration « en des lieux abstraits » : Une histoire est plus intéressante quand on sait qu’elle est une abstraction, une histoire de fées. Le cinéma est plus intéressant quand on le sait univers de merveilleux, plutôt que de réel . Le travail de José Álvaro Morais est, enfin, l’alliage très singulier d’un cinéma attentif au filmage des corps et du désir, et d’une pensée nourrie par De même, outre les « jeux de registres » déjà cités, Cantigamente croise images d’archives et images mises en scène, images filmées et matériel radiophonique ; Ma Femme Chamada Bicho croise images de Paris et images de Lisbonne, « prise » cinématographique de type documentaire et peinture. Et Zéfiro tisse le double matériau de l’exposé historique didactique et de l’insert de figures stylisées et rendues abstraites. Ce qui n’empêche nullement ce cinéma de nous parler du réel, et du réel portugais. On ne doit pas se tromper sur le sens d’une telle déclaration, surtout à l’heure où il est de bon ton, dans la critique portugaise de cinéma, de suivre la thèse, totalement discutable, selon laquelle le cinéma portugais, pendant de longues années, se serait « absenté du réel » portugais, « cherchant avec insistance des moyens de réinscription symbolique au Portugal dans la convocation de fréquentes références de l’histoire et de la culture » (Augusto M. Seabra (novembre 1999). « Ritos de passagem. Hipóteses sobre o recente cinema português », texte tapuscrit rédigé pour le catalogue de la rétrospective « Cinéma portugais, 1970-1999 » du 17e Festival du film de Turin, mais in fine non publié). 139 une réflexion sur l’Histoire, comme c’est le cas dans Le Bouffon avec la reprise du texte d’Herculano, et comme ce le sera dans les films suivants, dans son travail sur le Sud et la dimension « méditerranéenne » du Portugal, avec l’archéologie de Cláudio Torres sur l’Alentejo, la géographie d’Orlando Ribeiro sur le Portugal, et encore l’anthropologie ou « la philologie de la mer » du croate Predrag Matvejevitch, pour la Méditerranée, comme l’italien Claudio Magris aime nommer le Bréviaire méditerranéen de Matvejevitch . uand le cinéma moderne pratique la relecture du roman d’Herculano Q et du récit de la fondation du Portugal Le film O Bobo [Le Bouffon, 1979-1987] est construit sur le croisement de deux matériaux/récits principaux. D’une part, ce sont des extraits du roman historique et épique O Bobo, publié en 1843 par Alexandre Herculano, qui sont mis en scène au théâtre. Cette mise en scène commence dans le film par l’aube de la Pentecôte 1125, où Don Afonso Henriques, fondateur du royaume de Portugal, s’est fait lui‑même chevalier et a fait chevalier Egas Moniz Coelho. Au cœur des enjeux politiques de la fondation du petit royaume indépendant, à la cour, un bouffon, le Bouffon des cours du Moyen Âge, ainsi défini par Herculano le libéral : Dans la triste gravité portugaise à la Cour de Guimarães, il y avait un homme qui, libre comme sa propre langue, pouvait descendre et monter le raide escalier du privilège et sur chaque marche lâcher railleries et insolences. C’était le Bouffon, figure propre au Moyen Âge, monument élevé à la mémoire de la liberté et de l’égalité, en plein milieu des siècles de la hiérarchie et de la gradation infinie entre les hommes et les hommes 10. D’autre part, c’est une fiction contemporaine située exactement dans Lisbonne en juin 1978, engageant quelques jeunes gens (principalement, Francisco, Rita et João) et leurs parents, au cœur de laquelle se place un obscur trafic d’armes, dans lequel est impliqué l’un d’eux (João), et qui est Matvejevitch, Predrag (1992) : Bréviaire méditerranéen, [1987], introduction de Claudio Magris (Pour une philologie de la mer). ������������������������������������������������������ Paris : Fayard, traduit du croate par Evaine Le CalvéIvicevic. 10Extrait du roman historique Le Bouffon, d’Alexandre Herculano. 140 situé dans une atmosphère de désillusion de l’espoir révolutionnaire dans lequel se trouve alors le pays 11. N’oublions pas que, achevé en 1987 seulement pour des raisons de difficultés économiques indépendantes de la volonté de son auteur, Le Bouffon est un film mis en production en 1979, et donc écrit au lendemain immédiat de la séquence révolutionnaire : Le Bouffon est fondamentalement un film de la séquence de la fin de la révolution ouverte en 1974, c’est un film contemporain du moment de l’achèvement de cette séquence. Le croisement entre les deux matériaux passe, dans la construction du film, par le fait que les jeunes acteurs qui tiennent les rôles de la pièce qui se monte dans les studios Tobis sont aussi des personnages impliqués dans cette fiction contemporaine, et que le personnage du metteur en scène de la pièce est celui qui, dans la pièce elle-même, joue le rôle du Bouffon 12, cette figure « de liberté et d’égalité » empruntée à Herculano. Dès lors, souvenirs personnels des personnages et imaginaire collectif venu du récit national peuvent subtilement s’entrecroiser, comme s’entrecroisent les difficultés présentes de leurs relations interpersonnelles et la difficulté présente que traverse le Portugal dans l’épuisement de sa révolution. La reprise à Herculano de la thématique et de la figure du Bouffon vaut alors tant pour prendre acte de l’événement politique d’Avril que pour les conséquences qu’il a immédiatement pour l’art lui-même au Portugal (théâtre ou cinéma). C’est cette figure « d’égalité » du Bouffon que José Álvaro Morais convoque à nouveau, en écho de l’entreprise de redéfinition de lui-même que le 11Il faudrait, pour être complet, y ajouter un troisième matériau : une fiction cinématogra phique, qui pastiche le style de la revista portuguesa, en montrant la scène d’adieux à un militaire qui part pour la guerre coloniale (film dont un des personnages centraux, Rita Portugal, est actrice). Le film articule donc en vérité, à la fiction rendant compte des histoires personnelles et des relations inter-personnelles des protagonistes contemporains (et en son coeur le trafic d’armes qui implique João), la mise en scène théâtrale du texte d’Herculano (dirigée par Francisco) et un film académique « à la manière du vieux Portugal » (où joue Rita Portugal). 12 « Comment va le Bouffon ? », demande Rita Portugal (Paula Guedes) à João (Luís Lucas), à propos de leur ami commun Francisco (Fernando Heitor) qui joue le rôle du Bouffon dans la pièce mise en scène à la Tobis. 141 Portugal vient d’engager au bout des quarante années hiérarchiques et inégalitaires du salazarisme. Cette figure de « liberté » qu’il re-convoque après que le peuple portugais ait osé s’emparer de la parole qui lui a été confisquée pendant ces mêmes quarante années, et quand le cinéma portugais, selon le mot de João Botelho, est mis en situation de se livrer à une « prise de pouvoir dans la création » fondée sur l’exercice de la parole et sur l’affirmation du texte : Nous venons du fascisme ordinaire portugais, qui nous empêchait de parler ; trois personnes qui parlaient ensemble, c’était défendu : c’était un pays de silence ! Avec la chute de cet ancien régime, on pouvait parler : c’est pour cela que nos films ont soutenu le primat des textes, le primat des œuvres littéraires. On pouvait affirmer le son contre l’image. Affirmer le texte, le son, la poésie. Et affirmer aussi le temps et la durée. C’était permis par cette liberté énorme de faire les choses (…). Je dirai, au fond, que ce lien entre notre cinéma et la révolution se tient dans la capacité que nous avons eue d’affirmer sans contrainte 13. Les deux blocs de matériaux sont pour l’essentiel filmés chacun dans les studios de cinéma de la Tobis Portuguesa, à l’exception donc de quelques scènes d’extérieur : la ligne de train de Lisbonne à Cascais, une villa bourgeoise à Estoril, un bar populaire et à matelots au Bairro Alto, la place de l’Eglise São Vicente de Fora, l’esplanade du Monument aux Découvertes à Belém. Les studios de cinéma de la Tobis Portuguesa, que, dans la réalité, les cinéastes portugais d’après Avril ont pu réinvestir après qu’ils aient été nationalisés, et quoiqu’ils deviennent, dans la trame du film (en tant que supposés studios de cinéma désaffectés, « le vieux studio de cinéma de Lisboa Filmes ») le lieu d’une mise en scène de théâtre, y jouent le rôle de studio, si on peut dire, ce qui engage, dans le film, la réflexivité du cinéma sur lui-même : quelque chose est en train de recommencer, de l’art, dans ce que raconte la fiction du film, de même que réellement, après Avril, quelque chose recommence dans l’art du cinéma, dans les studios de la Tobis 14. 13Entretien avec João Botelho, 16 janvier 2003. 14Et c’est tellement vrai ! Dans le grenier des studios Tobis, où l’équipe de José Álvaro Morais a construit un « appartement » nécessaire à sa fiction, José Álvaro Morais tourne des scènes de son film pendant que les grands espaces des studios sont occupés par les grandes réalisations en cours du moment (Francisca, de Manoel de Oliveira – Conversa Acabada, de João Botelho – Silvestre, de João César Monteiro, qui seront les grandes sorties de l’année 1981. 142 Mais les deux blocs ne sont pas cinématographiquement traités à l’identique : à la mise en scène du texte d’Herculano sont réservés de longs plansséquences, pendant que les scènes contemporaines sont traitées par des plans courts et fixes. Deux dimensions contradictoires sont alors mises en jeu par le film : la dimension de re-fondation du Portugal, la révolution qui s’est produite à partir de 1974 étant l’ouverture possible d’un re-commencement ; et en même temps, contradictoirement, compte tenu de sa date d’écriture et de réalisation, la dimension de désillusion et de désenchantement liée au processus de démobilisation et de contre-révolution qui commence à être sensible depuis la fin de 1975. L’épisode historique de la fondation du Portugal, celui qu’Herculano conte et embellit, prend donc un relief tout particulier dans le dispositif fictionnel d’un film qui réinterprète, à la lumière de la chute du régime salazariste en 1974, non seulement cette fondation du Portugal, mais surtout son écriture romantique et l’utilisation de cette écriture romantique par le discours salazariste sur la nation portugaise. « Une fiction contemporaine qui essaie de faire un contrepoint à l’éloquence grandiose d’Herculano » Le cinéaste, dans sa première esquisse du projet du film, qui fut dessinée dans ses premiers traits à Bruxelles, à l’INSAS, n’avait pas encore intégré le recours au roman d’Herculano. Le premier bouffon alors imaginé n’est pas même le Bouffon d’Herculano : L’idée initiale du bouffon, dans le film, ne venait pas du personnage du bouffon dans le roman d’Herculano. La référence à Alexandre Herculano, et à son roman Le Bouffon, n’est venue que plus tard. L’idée première m’était venue de la volonté de faire des expériences proches d’un certain cinéma qui alors m’impressionnait, comme Nostra Signora dei Turchi de Carmelo Bene. J’ai pensé à un bouffon comme personnage inatteignable, comme une personne à qui le mal ne fait pas d’effet. José Álvaro Morais racontait que, sauf nécessaires précautions, on aurait pu entendre dans la bande-son de ces films des coups de marteau émanant de l’aménagement, pour Le Bouffon, de ce grenier de la Tobis. 143 Ce n’est qu’ensuite qu’est venu à mon esprit le souvenir du roman d’Herculano, que je n’avais d’ailleurs pas dans ma bibliothèque à Bruxelles. Et cela devenait tout d’un coup attirant. Faire appel au roman d’Herculano, non pas en 1972 ou en 1973 quand le film s’esquisse dans l’exil bruxellois, mais après 1974, quand le film s’écrit et se prépare à Lisbonne, c’est placer l’œuvre d’Herculano autant que son usage par Salazar sous le signe de l’effondrement d’une certaine définition du Portugal : Au cœur de l’expérience qui a conduit à ce qu’alors le projet du film reprenne le roman, il y a la volonté de parler sincèrement de quelque chose qui avait atteint son point final 15. Et articuler le roman d’Herculano à une fiction contemporaine située dans le Portugal de 1975, c’est accentuer le geste qui prend acte de l’événement politique qui vient d’avoir lieu : Si je reviens plus près de la genèse de mon film, je dirai que c’est quand Le Bouffon fut repris en production que l’histoire contemporaine du Portugal y a fait son entrée. C’est quand son projet a pris de la « structure-cinéma » que s’y est établie cette relation entre le texte romantique d’Herculano et une fiction contemporaine de l’époque de 1975. La « fiction contemporaine », second matériau du film, par rapport à l’autre matériau qu’apporte le texte romantique d’Herculano, n’est donc pas tant un « deuxième temps » dans la présentation du pays et de son histoire que, selon les mots du cinéaste, « un contrepoint à l’éloquence grandiose d’Herculano ». 1974-1975 a modifié la donne, et le film Le Bouffon s’inscrit alors dans l’idée que cet événement à double dimension, crise majeure de l’Etat colonialsalazariste et processus révolutionnaire populaire, ouvrait la question d’une « re-fondation » du Portugal. Il s’agit d’en finir avec « toute idée romantique » du récit national sur le Portugal et avec « la formulation idéologique de l’exaltation nationaliste » : 15 José Álvaro Morais n’omet pas de citer dans son film cette phrase du texte d’Alexandre Herculano : « Au sein d’une nation décadente, mais riche de traditions, la tâche de rappeler le passé est une sorte de magistrature morale, une espèce de sacerdoce ». 144 C’était la fin de toute idée romantique – romantique au sens de l’école de pensée –, la fin des nationalités, qui se terminait avec la décolonisation. Pour moi, c’est une idée essentielle (…). C’est la décolonisation qui a mis un point final à l’idée d’une patrie coincée dans son espace d’origine et agrandie vers l’extérieur. On est loin du roman d’Herculano qui « procède à une exaltation de la grandeur de la patrie, en reprenant l’histoire de ce jeune roi, Afonso Henriques, qui avait fait ce petit pays ». « Herculano était tout de même la cause de nos malheurs » Herculano et Salazar ne sont toutefois pas mis à égalité dans la construction boursouflée du récit de l’histoire nationale, mais, néanmoins, pour le cinéaste, c’est bien Herculano, par le biais des lectures obligatoires du lycée de l’époque salazariste, qui était « tout de même la cause nos malheurs »: Le texte du roman d’Herculano, qu’on étudiait au lycée, a ce type d’exaltation plus intelligente, plus solide et plus désespérée que celle des idéologues du régime de Salazar, mais il était tout de même la cause de nos malheurs. C’était le point de vue opposé, c’est cette position-là qui nous enfermait. Vis-à-vis du texte d’Herculano, à la fois lourdaud et intéressant, une certaine irritation était légitime … D’où l’opportunité d’une re-lecture de cette histoire, dans une perspective d’abstraction et de stylisation : Il est toujours intéressant de travailler l’abstraction des choses, de pouvoir styliser des choses obscures comme celle de la ‘vraie’ histoire de la fondation du Portugal. Qu’est-ce que cela veut dire, d’ailleurs, ‘la vraie histoire’ ? C’était plutôt la formulation idéologique de l’exaltation nationaliste. Il s’agit, sans renoncer « à être ému par ces accidents qui créent des nationalités » et qui finissent par doter certains peuples de certaines langues et de certaines caractéristiques culturelles, d’en finir avec « l’exaltation salazariste de la patrie » et d’en finir avec le récit d’une fondation du Portugal « en tant qu’histoire gonflée de partout »: 1974-1975 marque la fin du Portugal de Salazar, de l’exaltation de la patrie. C’est la fin de la domination d’une idéologie, morte avec le 25 Avril et la décolonisation : la fondation du Portugal, en tant qu’histoire gonflée de partout. Car, dans ce début du royaume de Portugal, il s’agissait au fond d’un roitelet, et de brigands, comme partout alors en Europe. Ce n’est pas la fondation telle que Herculano la raconte. 145 Ne pas renoncer à « l’émotion d’être portugais » et à « la forme de pensée » que cela induit « Mais ils sont très émouvants, ces accidents qui créent des nationalités, qui font que des peuples acquièrent des caractéristiques et des langues qui soient propres à un certain territoire. Il y a là un côté fatal », déclare le cinéaste. Alors, en même temps qu’il prend cette distance d’avec « l’exaltation nationaliste », José Álvaro Morais ne veut pas renoncer à une certaine émotion d’« être portugais » autant qu’à « la forme de pensée » particulière que cela induit : Le fait d’être portugais m’intéresse, m’émeut, je m’en sens solidaire. Je suis portugais, et cela correspond à une certaine forme de pensée. Il est sûrement plus grandiose d’être français, c’est en tous cas différent. Le Portugal a été très peu de temps une grande puissance, cela m’intéresse. C’est en ce sens qu’il éprouve cette proximité d’émotions et de pensée quand il voit des films de ses collègues qui mettent en jeu une lecture de cet « être portugais », par exemple le film Quem es-tu ? de Joao Botelho qui, étant une adaptation d’une pièce de Garrett, le rapproche du travail de José Álvaro Morais sur Herculano : Voir Quem és tu ?, le film de João Botelho, m’a touché. Frei Luís de Sousa, cette pièce de Garrett que Botelho y met en scène, est un texte qui me concerne directement. Je m’en sens très proche : me montrer ce film, c’est me parler de moi 16. « La tragédie portugaise » Le film Le Bouffon porte une préoccupation corollaire de la dimension, qui le traverse de part en part, de désenchantement sur la fin de la séquence révolutionnaire. Cette préoccupation vise à tenter de rendre compte, par les moyens du cinéma, de la difficulté intrinsèque aux Portugais d’habiter ce 16 « Ma démarche dans Le Bouffon était proche de celle de João Botelho dans Quem és tu ?. Herculano et Garrett sont les deux écrivains romantiques portugais. J’ai vraiment eu grand plaisir à voir le film de João : on y touche à mon histoire, et c’est aussi bien que L’Acte du Printemps et que Val Abraham, et en même temps si proche, pour le texte, du Bouffon » (Entretien avec José Álvaro Morais, 7 septembre 2001). Quem és tu ? est un film de 2001. 146 pays, du « mal-être » des Portugais à habiter le Portugal, et que José Álvaro Morais associe à ce qu’il appelle « la tragédie portugaise »17. Dans un propos de 1979, délivré au moment de la mise en production du Bouffon, le cinéaste analysait déjà les traits spécifiques du cinéma portugais dans les termes d’une relation « désenchantée, parfois profondément sceptique et parfois quasi-soumise » des cinéastes portugais au destin national : Je pense que, dans le cinéma fait par les portugais, on trouve des films qui laissent transparaître une attitude désenchantée, parfois profondément sceptique et parfois quasi-soumise, dans sa relation aux destinées de cette ‘patrie’. Et cette attitude est portugaise depuis plus d’un siècle, de ce temps où il n’y avait pas encore de cinéma ; de telle manière qu’elle ne peut être considérée comme un défaut. C’est une caractéristique de ‘peuple’, peut-être un symptôme majeur de sagesse. Et je ne sais si c’est par coïncidence, ces films sont les films portugais que j’aime le plus 18. Près de quinze ans plus tard, le cinéaste ne renie pas ces propos tenus par sur ce qu’il considère comme « le meilleur du cinéma » de son pays, quand on les rappelle à sa mémoire et quand on lui demande de les commenter, dans un entretien de mai 2003. Il les atténue à peine (« la tragédie du Portugal profond »), même si la référence filmographique à laquelle il attache rétrospectivement ces propos est celle d’un film situé dans le Portugal du salazarisme : Je trouve qu’ainsi le cinéma portugais n’est pas mal défini ! Je devais penser à la tonalité, celle d’un noir et blanc qui n’est pas « gris », de Une Abeille sous la Pluie [film de Fernando Lopes, 1971, adapté du roman de Carlos de Oliveira]. Une tonalité qui dit l’intériorité du Portugal, la tragédie du Portugal. L’intériorité du territoire de la Beira Baixa. Plus que l’intériorité, la tragédie du Portugal profond. 17Entretien avec José Álvaro Morais, 9 mai 2003. Ce thème du « mal-être » des Portu gais au Portugal, qui croise celui de l’exil, traverse toute l’oeuvre du cinéaste, dès Ma Femme Chamada Bicho et jusqu’à Peixe-Lua et Quaresma : « Disons que tous les films que j’ai faits parlent de cela (…). Je le constate ». 18Entretien de José Álvaro Morais, autour de Ma Femme Chamada Bicho, avec João Lopes et José Camalho, dans le quotidien Diário de Notícias, 24 mai 1979. Il ajoutait aussi, relevant avec lucidité la situation singulière dans laquelle travaillent les artistes du cinéma portugais : « Je pense aussi que, d’un autre côté, ce scepticisme est, à tous les niveaux, le principal facteur d’empêchement à ce que certains efforts solitaires parviennent à transformer le cinéma portugais en une cinématographie qui ait quelque succès ». 147 Mais l’époque a changé, la soumission est finie, la liberté a été comprise d’une certaine façon 19. Dans Le Bouffon – c’est la fin du film –, deux des personnages principaux du film (Francisco et Rita – Rita dont le nom de famille est Portugal : Rita Portugal), débattent de l’hypothèse, imaginée comme une issue possible, de quitter le Portugal pour New York, (…) dans une discussion où ces personnages jonglent avec eux-mêmes pour dire ce qu’ils feront, mais qu’on sait qu’ils ne feront pas, le plan final du film étant travaillé dans ce sens 20. Ces deux personnages sont respectivement, dans la fiction contemporaine disposée par le film Le Bouffon, le metteur en scène et acteur (Francisco) de la pièce portant au théâtre, dans ce Portugal de juin 1978, le texte d’Alexandre Herculano et une actrice (Rita Portugal, pas moins que cela !) du cinéma académique, qui joue alors pour un film dont il est dit qu’« il va faire cinq millions de spectateurs à la télévision ». Ce dialogue est le suivant, qui se tient à l’aube, à Lisbonne, Largo de São Vicente de Fora (la place de cette gigantesque église où se tient le panthéon royal de la dynastie de Bragance), et qui est relatif à un pays dont « le problème, c’est qu’on [y] attend toujours l’aide des autres »: Francisco : – Rita, tu deviens une caricature de ce pays. Rita : – (…) Et que crois-tu être, Chico, loin de ce pays, sinon une caricature ? Francisco : – Mais nous avons décidé de quitter le Portugal, non ? Rita : – Et cela vaut la peine d’être une caricature de ce pays dans un autre ? 19Entretien avec José Álvaro Morais, 9 mai 2003. Une Abeille sous la Pluie est sorti en salle à Lisbonne le 13 avril 1972. Le film, adapté du roman de Carlos de Oliveira (poète, puis romancier, né en 1921) se rapporte à un univers rural immobiliste et oppressif, traversé d’absences, de rencontres manquées et de silences, exerçant son emprise sur un couple de propriétaires fonciers, dominant socialement des personnages de domestiques, et dont la relation conjugale conventionnelle est mise en pièces par le conflit latent des passions, des faiblesses et des désirs refoulés. De ce film, le romancier dira : « Ce que Fernando Lopes appelle une ‘lecture critique’ de mon roman finit par être la lecture la plus profonde du roman ». V. dans ce même ouvrage l’article de José Manuel da Costa Esteves, « Paisagem e silêncio na colmeia dos Silvestres em Uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira (1953) e sua transposição cinematográfica por Fernando Lopes (1971) ». 20Entretien avec José Álvaro Morais, 7 septembre 2001. 148 Francisco : – Je ne sais pas, Rita, on pouvait essayer … Rita : – Oui, mais çà ne nous aiderait pas beaucoup. Francisco : – Je ne veux pas d’aide, Rita. Rita : – Mais tu en as besoin, comme tout le monde. Francisco : – Le problème, ici, c’est qu’on attend toujours l’aide des autres. Et je veux savoir si je suis capable de m’aider moi-même 21. Depuis qu’il y est revenu de son exil bruxellois, par le premier avion en partance pour Lisbonne après le 25 avril 1974, et qu’il a croisé son premier grand projet de fiction à la relecture de l’œuvre d’Herculano, José Álvaro Morais n’a jamais cessé de vivre et de travailler au Portugal. Et le cinéma qu’il y a fait n’a jamais quitté la préoccupation de penser le Portugal. Sans doute aucun, ni l’un ni l’autre, ni lui-même ni son cinéma, n’ont-ils jamais complètement quitté une certaine « attitude désenchantée, parfois profondément sceptique et parfois quasi-soumise, dans sa relation aux destinées de cette ‘patrie’ ». Mais ni l’un ni l’autre, jamais, n’en sont devenus des caricatures. 21Extrait des dialogues du film Le Bouffon, de José Álvaro Morais. A un autre moment du film, ce dialogue, aussi, entre les deux mêmes personnages, à propos du film dans lequel joue Rita Portugal : « [Rita] – C’est pathétique. C’est portugais. [Francisco] – C’est la peur du ridicule qui est portugaise. Et nous avons décidé de quitter le Portugal. [Rita] – Je n’avais aucune idée que le film allait plaire ». 149 O Bobo – Um exercício dramático: Rascunho de Intenções António Preto Daniela Paes Leão João Sousa Cardoso [email protected] Résumé: António Preto, Daniela Paes Leão et João Sousa Cardoso, trois plasticiens portugais, ont présenté à l’Université Paris X Nanterre, lors du colloque «Littérature, cinéma et multiculturalisme dans le monde lusophone», une adaptation scénique de O Bobo. Cette performance entrait, ainsi, en dialogue avec les deux communications sur le roman de Alexandre Herculano et le film homonyme de José Álvaro Morais tout en questionnant la démocratie portugaise d’aujourd’hui et sa relation historique avec la fondation nationale, le libéralisme et la période post-révolutionnaire qui suivit 1974. Rédigé à la suite de la Guerre Civile de 1832-1834, par Alexandre Herculano, le pionnier de l’Historique moderne au Portugal, O Bobo s’ouvre comme une large perspective sur la formation nationale et le devenir politique du Portugal. Cet ouvrage inaugure la narration historique portugaise, allant de la fiction au documentaire, entremêlant portrait historique, narration épique et fiction romanesque. José Álvaro Morais jouera de cette même stratégie dans sa version cinématographique de O Bobo, tournée juste après la Révolution des Œillets, qui reçut le Léopard d’Or au Festival de Cinéma de Locarno en 1987. O Bobo concerne l’usage public de la parole (indissociable de l’instauration du Parlementarisme au Portugal) et sa place au sein de l’activité politique. O Bobo é um exercício dramático concebido por três artistas portugueses – António Preto, Daniela Paes Leão e João Sousa Cardoso. Tendo desenvolvido, individual e colectivamente, uma série de experiências estéticas e de trabalhos de campo que convocam diferentes áreas disciplinares e se fundam no cruzamento das artes performativas com as artes visuais, a sociologia e a literatura, construíram em conjunto um projecto teatral baseado no romance histórico O Bobo, de Alexandre Herculano. O trabalho estreou em Paris no fim de Novembro de 2006, tendo ainda sido apresentado em Lisboa, no Teatro Taborda, em Coimbra, no Teatro Académico de Gil Vicente, no Porto, no Estúdio Zero e em Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor, em Janeiro de 2007. 151 Ao longo de um ano, o trabalho de pesquisa centrou-se na leitura colectiva e na reescrita do texto original de O Bobo, com vista à produção de uma versão cénica estabilizada que visasse a preservação da narrativa romanceada da História de Portugal (como a proposta por Herculano), a confrontação desta com uma perspectiva crítica sobre o Romantismo português (e respectivas revisões historiográficas) e, ainda, a construção de um jogo de inter-relações entre o luto da Revolução (assunto central no filme homónimo realizado por José Álvaro Morais) e a actualidade social e política do país. Nos meses de Outubro e Novembro decorreu o trabalho de transposição do texto escrito para o espaço cénico, num sistema partilhado de residências artísticas em duas instituições sediadas em Paris: os Laboratoires d’Aubervilliers e a La Genérale. O projecto cruzou a matriz dos happenings herdada das acções futuristas do início do século XX (onde a palavra é trabalhada no seu desdobramento sonoro, visual e espacial) e os fundamentos elementares do teatro de texto. O exercício dramático assentou no desempenho dos três intérpretes, no tratamento metalinguístico do texto (na senda do que Alfred Jarry defendia para o teatro, numa formulação proto-modernista) e na introdução de breves sumários no decorrer da representação (que sintetizassem e explicitassem cada cena, numa perspectiva pedagógica), recuperando alguns dos mecanismos teatrais teorizados por Bertold Brecht. Redigido pelo pioneiro da Ciência Histórica no nosso país e editado inicialmente em sucessivos números do semanário O Panorama, no rescaldo da ruptura traumática que representou a Guerra Civil de 1832-1834, O Bobo abre-se como uma ampla perspectiva sobre a formação e o desenvolvimento políticos de Portugal. O Bobo inaugura em Portugal, sob a confessa influência de Walter Scott, aquilo que, desde finais do século XVIII, se denominava por narrativa histórica. O texto herculaniano estrutura-se na confluência de diferentes géneros literários, do ficcional ao documental, fazendo confluir o relato histórico, a narrativa épica e a ficção romanesca num único discurso. Além deste polimorfismo literário, O Bobo convoca medievalismo e futuro profético, tradicionalismo e estrangeirismo, a veracidade como critério de qualidade estética, a cor local ou cor histórica na descrição exacta dos pormenores da época (as cenas da tourada, do torneio ou da Batalha de S. Mamede são disso exemplares) e o dialogismo que dita a evolução da acção e das situações. 152 Sendo a história, a história da escrita, e a literatura, o espaço de inscrição das modificações linguísticas, O Bobo prova que toda a transformação social é uma transfiguração retórica. O facto do texto ser polarizado entre figuras sociais contrastantes como Dulce – a típica mulher-anjo dos Românticos –, D. Teresa – a rainha sem trono –, Dom Bibas – o livre-pensador – e Egas Moniz – o cruzado traído – não será alheio a esta interdependência entre o lugar social, a possibilidade de uso público da palavra (que ecoa a novidade do parlamentarismo no Portugal oitocentista) e as formas de discurso. Um dos aspectos de novidade no texto de Herculano, prende-se com a perspectiva crítica que lança tanto sobre os episódios da História quanto, estabelecendo estreitas implicações recíprocas, sobre a sua contemporaneidade. A mesma estratégia será perfilhada por José Álvaro Morais, na sua versão cinematográfica de O Bobo, realizada entre 1979 e 1987, no luto da Revolução de Abril. A história moderna do casal Rita Portugal e Francisco Bernardes, tendo em paralelo o trabalho de uma encenação para teatro deste texto de Herculano, vive do mesmo jogo de espelhos usado pelo escritor. Resultam, portanto, tanto o texto original como a sua reescrita cinematográfica, num reenvio correlativo entre as imagens do passado, as do presente e as do devir, enfatizando aquilo que o autor apresenta como o programa político e cultural de O Bobo: Que todos aqueles a quem o engenho e o estudo habilitam para os graves e profundos trabalhos da história se dediquem a ela. No meio de uma nação decadente, mas rica de tradições, o mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem; porque não o fazer é um crime. Por tudo isto, O Bobo ofereceu-se-nos como um afinado instrumento para pensar o Portugal contemporâneo nas suas relações com o passado histórico e o mundo de hoje. A transposição cénica da narrativa herculaniana O Bobo obedeceu a alguns princípios orientadores que cumpre agora explicitar. Não se tratando de um texto dramatúrgico, mostrou-se necessário realizar uma adaptação da narrativa ao dispositivo cénico, procedendo a um trabalho de fixação de texto através da selecção, reorganização e redistribuição das passagens que considerámos mais significativas, no âmbito da perspectiva que adoptámos, preservando contudo, em todos os casos, a integridade do texto de partida. 153 A crítica de Herculano dos mitos da fundação da nacionalidade, nomeadamente o Milagre de Ourique, evidencia não só uma vontade de pôr em prática os princípios metodológicos da história moderna (que o autor, entre nós, inaugura), como também uma concepção muito particular da especificidade pátria: se a objectividade documental e material, a análise e enquadramento sociológicos dos acontecimentos e a problematização da própria disciplina histórica determinam a diferenciação e a separação entre a lenda e o facto histórico, denunciam, ao mesmo tempo, o peso institucional da Igreja Católica em Portugal. Recusando a intervenção divina na Batalha de Ourique e transferindo para a figura de D. Bibas, o Bobo, o papel decisivo na formação da nacionalidade, Herculano nega o determinismo próprio de uma concepção mítica, afirmando em seu lugar o primado da produção cultural fundadora e da participação pública: o ideário romântico (figurado no culto do individualismo e do subjectivismo, na sensibilidade, na ânsia de liberdade, no medievalismo, no nacionalismo, na veneração da natureza) é investido de atribuições políticas. Escrito a cavalo do Liberalismo e da introdução do Parlamentarismo em Portugal, O Bobo apresenta-se, antes de mais, como uma reflexão sobre o uso público da palavra, sobre o fazer político e sobre a responsabilidade cívica. Se todo o constrangimento intelectual anda a par de um constrangimento físico, pareceu-nos fundamental actualizar o texto herculaniano através duma implicação directa do corpo, pensando sobretudo naquilo que o teatro tem de agórico. Deste modo, estabelecemos, na versão fixada do texto, uma diferenciação entre a dimensão diegética da narrativa, traduzida cenicamente pelo desempenho de personagens, e as partes do texto que comportam observações de natureza política ou se referem a comentários próprios do que poderemos considerar uma «consciência pública», recorrendo, nesses casos, à leitura colectiva, como o «coro» no teatro clássico. A «leitura», naquilo em que esta se distancia da interpretação teatral, foi, de resto, a via de representação do texto que privilegiamos para, desse modo, materializarmos a historicidade da palavra, o peso da História na formulação do discurso. Numa cena particular do exercício convocámos, na íntegra, um diálogo extraído de O Bobo de José Álvaro Morais, onde se debatem os destinos a dar às armas que sobraram da Revolução de 74. Questionam-se, aí, a fragilidade das convicções íntimas e das tomadas de posição política, quando se torna previsível o resultado das lutas e já só resta o desejo de lucro de todos os despojos: os bélicos e os ideológicos. 154 OLHARES CRUZADOS: HERANÇAS PREVISTAS E PRESENÇAS INEVITÁVEIS Glauber Rocha leitor de Shakespeare: da tragédia de Macbeth à farsa de Cabezas Cortadas Maurício Cardoso Universidade de São Paulo e Univesité de Paris X (Nanterre) [email protected] Mateus Araújo Silva Université de Paris I (Sorbonne) e Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Resumé: Ce texte analyse le film de Glauber Rocha, Têtes coupées (1970), et en particulier le mode d’intégration d’éléments originaires de Macbeth de Shakespeare, en les redéfinissant en fonction de son propre univers dramaturgique (colonialisme et dictatures en Amérique Latine) et du traitement stylistique grotesque qu’il exigeait. L’appropriation biaisée de la tragédie de Shakespeare apparaît comme l’une des figures de la représentation grotesque des cercles du pouvoir, telle qu’elle apparaît dans tout le cinéma de Glauber, de Terre en transe à L’Âge de la Terre, et aboutit à un dialogue avec le travail de Carmelo Bene. Como todo criador verdadeiramente original, o cineasta brasileiro Glauber Rocha (1939-1981) nunca deixou que sua notória abertura aos estímulos externos – os do mundo que ele quer representar e transformar ou os da arte com a qual quer dialogar – restringisse a autonomia de sua própria poética. Ao responderem ao mundo e ao dialogarem com outros criadores, seus filmes nunca abriram mão de uma soberania que salta aos olhos. Assim, Este trabalho é resultado de uma parceria entre Mateus Araújo Silva e Maurício Cardoso, a partir da comunicação apresentada no Colóquio, em Nanterre, em 2006. Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) pela Université de Paris X (Nanterre). Atualmente é professor na FACAMP (Campinas, Brasil). Doutor em Filosofia pela Université de Paris I (Sorbonne) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil); ensaísta de cinema e tradutor de Glauber Rocha para francês. 157 ao invés de relativizar a originalidade do seu projeto estético, o exame de suas fontes e influências tende sempre a realçá-la, ao mostrar como o cineasta as integra ao seu próprio universo e as transforma numa matéria inteiramente sua. Isto fica claro quando observamos de perto suas relações com outros cineastas , mas podemos aplicar o mesmo raciocínio para pensar sua relação com a literatura ou o teatro. Entre outros exemplos possíveis, tomemos neste artigo o caso de Shakespeare, cujo Macbeth foi uma das fontes de inspiração do cineasta na concepção de Cabezas cortadas, seu filme espanhol de 1970. Sem pretender em momento algum apresentar uma adaptação fiel, o roteiro original submetido à censura franquista trazia no título («Macbeth 70») e nalguns elementos da sua dramaturgia ecos da tragédia shakespeareana, que permaneceram na versão final do filme. Mas o exame do filme pronto revela, como veremos, um uso oblíquo do texto shakespeareano, ajustado a preocupações e questões propriamente glauberianas, já manifestas em seu trabalho anterior (sobretudo em Terra em transe) e desdobradas em alguns dos seus filmes posteriores (notadamente Claro e A idade da terra). 1.Gênese, fontes e estrutura de Cabezas Cortadas Concebido e realizado no intervalo exato de um ano cheio de outras atividades (lançamento do Dragão da maldade contra o Santo guerreiro, preparação e realização de Der leone have sept cabeças), Cabezas cortadas foi o segundo dos quatro longas do auto-exílio de Glauber, que durou de 1969 a 1976. Ele pertence ao grupo dos seus filmes menos planejados. Embora não tenha nascido de um rompante criativo (como Câncer e Di) nem resulte de um projeto alheio assumido no meio do caminho por Glauber (como Barravento e, numa certa medida, História do Brasil), Cabezas cortadas tem uma gênese muito diferente das de Deus e o Diabo na terra do sol, Terra em Transe ou Idade da Terra, que o cineasta meditou longamente, escreveu e reescreveu várias vezes antes de conseguir filmar. Lembrar aqui tal gênese nos ajudará a entender como Shakespeare acabou entrando no projeto. Em maio de 1969, entre a primeira projeção e a premiação final do Dragão da maldade no Festival de Cannes que o consagrou definitivamente na Europa, Para uma comparação, deste ponto de vista, entre Glauber e outros cineastas, ver Mateus, Araújo Silva (2005 e 2007). 158 Glauber recebeu do crítico e distribuidor catalão Pedro Fages um convite de produtores espanhóis para fazer na Espanha um filme com um tema de sua livre escolha e um orçamento inicial de cem mil dólares. Aceitando o convite depois de refletir um pouco, Glauber hesita inicialmente entre uma adaptação do romance Tirano Banderas (1926) do escritor espanhol Ramon del Vale Inclán (1866-1936) e um projeto mais antigo inspirado em William Faulkner . Finalmente, decide abordar um personagem de tirano latino-americano exilado na Europa, integrando elementos de ambos os projetos, mas fundindo-os com outros vindos do romance hispano-americano, da dramaturgia de Terra em Transe e do Macbeth de Shakespeare, sem falar nalgumas reminiscências propriamente cinematográficas . Numa manobra destinada a conferir respeitabilidade cultural ao projeto (e a impedir o veto da censura franquista), Glauber batiza de «Macbeth 70» o roteiro inicial finalizado em agosto, desdobrando um primeiro argumento de algumas páginas que ele esboçara rapidamente em maio mesmo. Traduzido para espanhol e submetido no segundo semestre à censura, o roteiro acaba sendo, para surpresa de Glauber, aprovado por ela como um projeto de «interesse especial», o que deveria lhe assegurar uma subvenção do estado franquista de 25 a 50% do custo global do filme… Previstas inicialmente para 15/11/1969, as filmagens começam com algum atraso em 28/2 e vão até 24/3/1970, em Barcelona e noutros lugares da Catalunha (Monastério de San Pedro de Roda, Rosas, Castellò de Ampurias, Cadaqués, Cabo de Creus, Port-Lligat) . Montado entre Abril e Junho de 1970 na Espanha, o filme é projetado pela primeira vez em 7/7/1970 no Festival de San Sebastian, antes de ser mostrado no Festival de Pesaro e de estrear nas salas da Espanha, da Itália e da França, provocando polêmicas e reações – predominantemente negativas – nos três países. Neste projeto, que Glauber diz ter escrito antes de se tornar um cineasta, «o protago nista era um velho e poderoso fazendeiro norte-americano, que deveria ser interpretado por Robert Mitchum ou Orson Welles, fechado na velhice, com o olhar voltado para o passado» (Torres, 1970b apud Valentinetti, 2002: 132). Dentre as quais a de Ivan o Terrível, de Eisenstein, do qual Cabezas seria, segundo o próprio Glauber comentou no penúltimo dia de filmagem, uma versão latino-americana (Torres, 1970a: 98). Anos depois, em carta a Paulo Emílio Salles Gomes de 26/1/1976, Glauber volta a remeter Cabezas a Ivan, num paralelo mais amplo que ele sugere entre sua obra e a de Eisenstein (Rocha, 1997: 583-4). ������������������������������� Sobre a gênese e a produção de Cabezas cortadas, ver o precioso testemunho de Augusto M. Torres (1970a, esp. pp. 68-69), crítico espanhol que foi co-roteirista do filme. 159 Quando de seu lançamento parisiense em Março de 1971, o filme foi mal recebido pela crítica francesa com espaço nos jornais (ensaios mais longos e mais elogiosos só apareceriam mais tarde em revistas e livros), marcando o início do ostracismo francês de Glauber, agravado mais tarde por Claro. Os críticos franceses tenderam a considerar como um dos defeitos do filme certas influências do cinema europeu (dentre as quais eles invocaram Buñuel, Pasolini e Godard), que lhes pareceram nocivas . Influências literárias também foram detectadas pela crítica italiana, que além do Tirano Banderas, invocou a atmosfera de Divinas Palabras do mesmo Valle-Inclán, além de El Señor presidente (1946) de Miguel Angel Asturias , Bodas de sangre (1936) de Garcia Lorca, e Garcia Márquez (Valentinetti, 2002: 134-5). Ao falar de Cabezas cortadas, Glauber ao mesmo tempo proclama e relativiza suas influências. Ele tende a filiar o filme ao surrealismo do Buñuel de L’Âge d’Or, aceitando defini-lo como «um filme surrealista» 10, qualificando-o de «primeiro filme surrealista depois de L’Âge d’Or», ou de «uma iluminação surrealista na Espanha, em Cadaqués, onde Buñuel filmou o início de L’Âge d’Or», e sugerindo que sua «linguagem surrealista tenha chocado o racionalismo da crítica e do público» 11. No entanto, apesar de invocar o filme de Buñuel de 1928, Glauber tende a apresentar Cabezas cortadas como algo «muito original», um filme «de ruptura absoluta com a linguagem tradicional», e cujo «fluxo desestruturante» teria rompido com o «código cinematográfico» 12. Quanto à sua apropriação de Shakespeare, ele a qualifica de «antishakespearenana», sugere seu caráter oblíquo e sua inversão via Jorge Luis Borges. O filme seria, em seus próprios termos, «uma tragédia não shakespeariana, uma comédia não buñuelesca, um filme meu, livre, a política latino Dentre as duras críticas às influências do cinema europeu sobre Cabezas cortadas, podemos citar as de Michel Ciment (1970: 22), Marcel Martin (1971: 142) e Jean-Louis Bory (1974: 244). Cabezas cortadas parece integrar elementos de um projeto anterior de Glauber inspirado em Miguel Angel Asturias: «Entre outros projetos que tenho em mente para rodar em qualquer parte da América Latina há bons temas tirados dos romances de Miguel Angel Asturias (eu o conheço e posso obter os direitos facilmente)» (carta a Claude-Antoine de 1968. In: Rocha, 1997: 329). 10 Rocha, 1970: 9 apud Valentineti, 2002: 134. 11Cf. as cartas a Claude-Antoine (jan. 1971) e Alfredo Guevara (maio 1971). In: Rocha, 1997, pp. 390-1 e 410. 12Cf. respectivamente as cartas a Sylvie Pierre (29/4/1971), Alfredo Guevara (9/7/1971) e Raquel Gerber (20/7/1974). In Rocha, 1997: 397, 422, 494. 160 americana vista segundo Borges», ou ainda «um filme contra Shakespeare, contra a concepção clássica e imutável da tragédia, […] um filme irônico no fundo em relação a tudo isso» 13. Numa declaração desconcertante a E. Viani, Glauber sugeriu que o filme oscila entre uma noção arbitrária que possui do surrealismo espanhol e uma transparência temporal que, inconscientemente, absorveu de Jorge Luis Borges. Shakespeare, por exemplo, está presente em Cabezas cortadas na forma mais antishakespeareana possível, como se fosse citado insolitamente em um texto de Borges 14. À luz das observações da crítica, das declarações do cineasta e sobretudo da experiência direta do filme, podemos esquematizar suas principais fontes em torno de quatro pólos: 1) o teatro shakespeareano do poder, no Macbeth em particular; 2) a tematização da figura do ditador na literatura do mundo hispânico e sobretudo hispano-americano, com a qual Glauber foi estreitando seus laços ao longo dos anos 60 15; 3) o surrealismo, tal como percebido pelo cineasta em l’Âge d’Or de Buñuel, e temperado talvez com ecos do cinema de Pasolini 16; 4) a própria visão glauberiana da história política da América 13Cf. as cartas a Michel Ciment (1970) e a Claude-Antoine (1971). In: Rocha, 1997: 372 e 390-1. 14 Rocha, 1970: 19-20 apud Valentineti, 2002: 134. 15Em congressos e festivais de cinema, como um de 1964 no México e outro de 1965, em Gênova, Glauber se tornou interlocutor ou amigo de Alejo Carpentier, Nicolas Guillén, Gabriel Garcia Marquez e Carlos Fuentes, entre outros escritores latino-americanos. Em 1969, ele se dizia amigo de Miguel Angel Asturias, e durante as filmagens de Cabezas cortadas, lia com entusiasmo Conversas na Catedral de Mario Vargas Llosa, elogiava os contos de Cortazar e se reencontrava com Garcia Marquez. Ao lançar o filme, invocou Borges, que apontaria como um modelo estético no seu manifesto de 1971, «Estetyka do sonho». As relações de Glauber com a literatura latino-americana devem ter, de resto, se intensificado durante sua estada em Cuba (1971-2). 16No ensaio «A moral de um novo cristo» (1966), Glauber estabelece uma linhagem direta entre o surrealismo de Buñuel, o novo Cristo de Pasolini e a consciência revolucionária na América Latina, numa argumentação que privilegia uma dimensão irracional da consciência popular e parece antecipar o projeto estético e ideológico de Cabezas cortadas: linguagem por excelência do homem oprimido, o surrealismo de Buñuel exprimiria a pré-consciência do homem latino, ganhando um caráter revolucionário ao libertar pela imaginação o que a razão capitalista burguesa proíbe. A multidão de famintos que povoa o cinema de Buñuel desde l’Âge d’Or teria preparado o caminho para o novo Cristo revolucionário de Pasolini, as duas figuras encerrando uma lição fecunda para o intelectual revolucionário na América Latina (Rocha, 2006: 189-190). 161 Latina, já explorada na dramaturgia de Terra em Transe, com a qual Cabezas cortadas reata explicitamente. Deixando para outra ocasião o exame do diálogo de Glauber com Buñuel e com a literatura hispano-americana (questões vastas e ainda pouco exploradas nos estudos glauberianos), que, aliás, nos levaria possivelmente a conclusões semelhantes, vamos nos concentrar aqui no modo como o cineasta integrou os elementos shakespeareanos ao seu próprio universo de preocupações, desmontando-os e reorganizando-os numa direção nova para submetê-los ao seu programa estético e ideológico. Antes porém de passarmos a Shakespeare, convém descrever brevemente o filme de Glauber. Cabezas cortadas narra de modo fragmentado e elíptico o ocaso e a morte de Manuel Prado Diaz II (ou simplesmente Diaz II), um velho ditador latinoamericano de aspecto decadente (vemo-lo sempre de barba mal feita, cabelos despenteados e olheiras), interpretado por Francisco Rabal. Depois de governar o país de Eldorado várias vezes, Diaz II parece viver exilado num castelo em ruínas. Embora o país e a época exata de seu exílio naquele castelo permaneçam indeterminados, elementos do filme nos permitem situá-lo na Europa – e mais precisamente na Espanha 17 –, nalgum momento do século XX 18. Ali, a evocação de suas glórias e conquistas convive com a emergência de uma força de oposição, mística e incompreensível, encarnada num personagem masculino (interpretado por Pierre Clementi), que o filme não nomeia – e o roteiro designa apenas como «Pastor». Ele aparece fora do castelo, persegue Diaz II e, ao final, o aniquila. Um trânsito contínuo entre a realidade daquele Castelo e os delírios do seu ocupante vai se instalando desde as primeiras seqüências do filme, graças a dois procedimentos conjugados: a acumulação 17No meio do filme um jovem se refere às «terras distantes e longínqüas da América» e, mais tarde, uma cigana vê na linha do passado da mão de Diaz II «um homem muito poderoso de um país muito distante». Se a longa distância que separa este país da América nos faz situá-lo na Europa, uma série de elementos geográficos, históricos e culturais presentes no filme nos permitem identificá-lo à Espanha. 18O retrospecto da história de Eldorado e da dinastia dos Diaz, dito em over pela voz do próprio Glauber, nos informa que Diaz II fugiu de Eldorado (ainda criança ou muito jovem?) depois da Revolução Republicana de 1910, exilando-se na Europa onde estudou Direito e Filosofia, retornando mais tarde, à frente de um golpe de Estado organizado pela multinacional Explint e por um milionário californiano, e alternando desde então várias tomadas de poder e várias deposições. Ora, todo este trajeto biográfico a partir de 1910 não deve recobrir menos do que uns 30 ou 40 anos, o que nos permitiria situar as cenas do seu exílio no castelo depois de 1940 ou 1950. 162 de elementos cênicos de caráter simbólico e anti-realista, e o recurso da narração ao discurso indireto livre. «Contaminado» pelo ponto de vista de Diaz II (ao qual parece aderir por vezes, e do qual parece se distanciar noutras), o relato nem sempre nos permite distinguir, no fluxo das imagens e dos sons, o que está sendo realmente vivido pelos personagens e o que é mera projeção do imaginário do ex-ditador atormentado com a morte que parece rondá-lo desde o início do filme. A rigor, talvez não possamos nem mesmo determinar qual é exatamente o poder que ele ainda exerce, pois ele ainda se porta e fala nalguns momentos como rei de Eldorado, embora noutros pareça apenas acompanhar de longe o que se passa no seu país natal, falando por telefone com amigos e amantes que lá ficaram, e orientando-os sobre iniciativas e negócios cuja administração se limita a delegar. A morte de Diaz II é anunciada por um duplo movimento: de um lado, suas antevisões que o levam a preparar conscientemente seu funeral naquele Castelo; de outro, a presença crescente do Pastor que o matará no fim, para coroar uma camponesa e selar a ascensão do povo. Emoldurada simetricamente por planos gerais do Castelo que abrem, fecham e situam o filme ao som da canção mexicana «Alla en el rancho grande», a narrativa não avança de modo linear em seu miolo. As relações entre seus personagens e as conexões entre suas cenas nem sempre ficam claras. Algumas parecem mostrar a situação presente de Diaz II, outras tendem mais fortemente para a representação alegórica da formação histórica de Eldorado, ou para uma fantasmagoria em torno da ascensão e da queda do ex-ditador, tais como ele mesmo as enxerga. Neste ponto como em outros, a estrutura global deste filme parece responder, como um contracampo tardio (três anos e três filmes depois), à estrutura de Terra em Transe (1967). Se a narrativa quase inteira de Terra em Transe era acionada pela consciência agônica do poeta Paulo Martins, cujo ponto de vista o narrador tendia a assumir num longo discurso indireto livre 19, o relato de Cabezas cortadas é filtrado pela agonia (política, se não física) de Diaz II, cujo ponto de vista o narrador tende a assumir num outro discurso indireto livre, menos tumultuoso, mas não menos ambígüo. Se a iconografia e a dramaturgia de Terra em Transe se concentravam na abordagem da luta política imediata que precedeu o golpe de estado em Eldorado, abrindo parênteses aqui e ali para representações alegóricas menos realistas 19Neste breve paralelo com Terra em Transe, invocamos aspectos examinados em profun didade naquela que é a melhor análise de que o filme já foi objeto (Xavier, 1993: 31-70). 163 (a cena da primeira missa do descobridor na praia, a cena da coroação de Porfírio Diaz), Cabezas cortadas inverte a equação, deixando na sombra o presente ou o passado recente de Eldorado (ao qual Diaz II não tem acesso atual) e concentrando-se numa figuração da sua formação histórica ou da ascensão e da queda de Diaz II, num registro anti-realista. Se o ponto de vista do candidato a ditador Porfírio Diaz não aparecia em Terra em Transe, o ponto de vista de seu homônimo e homólogo Diaz II organiza em grande medida o relato de Cabezas cortadas. A tonalidade mudou, e o estilo também – a agilidade da câmera na mão e a montagem frenética dão lugar a planos-seqüências mais plácidos e contemplativos. Diaz II é mostrado não em sua ascensão tumultuosa como Porfírio Diaz, mas numa lenta decadência 20. Privilegiando as sugestões plásticas em detrimento do encadeamento narrativo, o filme atenta para a dimensão simbólica dos gestos, dos objetos cênicos, dos figurinos, da mise-en-scène. Em cada cena, vários elementos obscurecem a ação dramática: o ritmo lento dos gestos, a economia das falas, os silêncios, o uso dos ruídos e da música, a presença de objetos enigmáticos alheios à ação (um touro, uma harpa, duas maquetes de caravelas), as referências iconográficas e literárias explícitas ou subentendidas. Estes aspectos resultam numa sobreposição de códigos cinematográficos heterogêneos e convergem para um andamento formal que poderíamos descrever em três operações: 1) fragmentação da narrativa em episódios separados, diluindo mas não dissolvendo completamente a organização lógica da história, reduzida a uns poucos fios narrativos; 2) incorporação, também fragmentária, de várias formas narrativas, citadas, diluídas ou destiladas; 3) articulação entre as citações recorrentes e a narrativa episódica, que produz uma «sobrecarga simbólica», isto é, um painel de referências múltiplas e amplas, vinculadas à tradição cultural do mundo ibérico, reinterpretada numa perspectiva latinoamericana 21. 20A julgar pelos elementos biográficos de ambos que os filmes fornecem em parên teses narrativos comparáveis (a reportagem polêmica de Paulo Martins contra Porfirio Diaz em Terra em transe, e o relato em over da história de Eldorado na voz de Glauber em Cabezas cortadas), seus itinerários políticos não coincidem, mas sua mentalidade autoritária de matriz colonial e sua vocação golpista de direita tendem a situá-los numa mesma família política, se é que não pertencem à mesma dinastia de sangue. Levando em conta o conjunto das informações fornecidas pelos dois filmes, poderíamos talvez imaginar o Manuel Diaz II de Cabezas cortadas como o pai ou como um tio do Porfírio Diaz de Terra em transe. 21Uma análise mais detalhada da forma fílmica encontra-se em Cardoso, 2007. 164 Por isto, a interpretação se faz aos saltos, devendo relacionar elementos distantes na narrativa, mas concatenados por uma lógica de citação e reordenação das matrizes citadas. Concentremo-nos então numa destas matrizes, discutindo como o Macbeth entra na dinâmica geral do filme. 2.A Macbeth o que é de Macbeth Como a de Macbeth, a trama de Cabezas cortadas se passa quase toda no castelo de um tirano que chegou ao poder de modo ilegítimo, e que será assassinado no fim, depois do suicídio da sua esposa. Afora esta semelhança mais geral, o filme cita literalmente duas passagens da tragédia shakespeareana. A primeira citação corresponde à profecia da morte de Macbeth (que só seria morto por um homem «não nascido de mulher», quando a floresta de Birnam se movimentasse em direção ao seu castelo). A segunda é uma célebre fala de Macbeth sobre o significado da vida e da representação teatral: uma história «cheia de fúria e ruído, contada por um idiota… e que nada significa». Apesar de literais, as citações estão transformadas pelos procedimentos de linguagem cinematográfica capazes de operar um novo sentido, distinto daquele apontado pelo texto dramático. Vejamos como Glauber reconstrói estas referências, comparando peça e filme. Na primeira cena do Ato IV, um Macbeth atormentado pela culpa vai procurar as feiticeiras (que haviam profetizado, na cena 3 do ato I, sua coroação), para saber delas qual será seu futuro. Elas o revelam ao produzirem, por magia, três aparições. Na forma de uma cabeça com capacete, a primeira aparição lhe diz para ter cuidado com Macduff. A segunda, na forma de uma criança ensangüentada, diz que «ninguém nascido de mulher pode molestar Macbeth». A terceira, na forma de uma criança coroada com uma árvore na mão, diz que «Macbeth só será vencido, quando o grande bosque de Birnam, subindo a alta colina de Dunsinane, marchar contra ele» (Shakespeare, 1978: 165-166). Em momentos posteriores do Ato V (cenas 3, 5 e 7), Macbeth invocará estas profecias para conjurar o medo e se sentir ao abrigo da morte. Em Cabeças cortadas, as três feiticeiras são substituídas por uma cigana dançarina, e tudo sugere que ela é quem formula a Diaz a profecia sobre sua morte, mas tal formulação inicial da profecia não chega a aparecer, ela é objeto de uma elipse. Em todo caso, Diaz II se agarra a ela e a repete para se sentir 165 (como Macbeth) acima de qualquer perigo: «Nenhum homem que nasça do cântaro materno pode me matar, como tampouco pode se mover um bosque como um exército, ou as árvores se elevarem do chão! Não, não é possível…» (Rocha, 1985: 394). Nesta cena, Diaz está em companhia de sua esposa, D. Soledad, que o despreza e trata, sem constrangimentos, da morte e da herança do marido. Embora sombria e poderosa como Lady Macbeth, D. Soledad não nutre qualquer cumplicidade por Diaz, nem procura aplacar os sentimentos confusos do ex-ditador. Ferina e racionalista, ela desqualifica as profecias dizendo que elas não se realizam, que os mitos não existem e que a verdade não lhe interessa – «a única coisa que conta são os fatos. Eu te ajudei a subir ao poder e agora verei tua desgraça. Mandei chamar teus filhos bastardos para ver teu funeral». Diaz muda então de postura e, em sua resignação à morte, passa a relativizar os termos da profecia. Ele mantém uma empostação digna do atormentado Macbeth, mas sua fala se contamina de referências irônicas, no conteúdo e na encenação: «já espero a morte. Espero-a feliz, mas a espero com as armas, com a bomba atômica, com as metralhadoras, com qualquer arma… Mas com os bosques, jamais» (Rocha, 1985: 394). Assim, a tragicidade que a cena comportava em Macbeth se dissolve aqui, na descrença de D. Soledad e no desengano de Diaz, que desdramatiza sua própria morte. A segunda citação de Macbeth liquida definitivamente o acento grandioso e a crise moral que inspiram o rei impostor de Shakespeare. Este enlouquece progressivamente com as vilanias cometidas para usurpar e manter a coroa; suas mãos sujas de sangue não encontram a pureza necessária aos justos e ele se sente condenado a sofrer seus remorsos, desde o instante em que assassina o bondoso rei Duncan. No final da peça (Ato V, cena 5), no interior do castelo de Dunsinane, junto dos generais que lhe permaneceram fiéis, Macbeth prepara-se para enfrentar seus inimigos quando toma conhecimento do suicídio de sua esposa. A notícia e a iminente batalha o levam à seguinte reflexão, inspirada também na atmosfera de loucura que o envolve: Deveria ter morrido mais tarde. Haveria, então, lugar para uma tal palavra!… O amanhã, o amanhã, o amanhã, avança em pequenos passos, de dia para dia, até a última sílaba da recordação e todos os nossos ontens iluminaram para os loucos o caminho da poeira da morte. Apaga-te, apaga-te, fugaz tocha! A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se pavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais ouve dele. É a história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto, nada significando (Shakespeare, 1978: 186). 166 Diaz II é um ditador exilado, em cujos delírios se alternam momentos de culpa atroz e de cinismo cristalino: ele também tem remorsos, mas procura negá-los e vencê-los ao justificar suas ações: Uns me condenam porque sou cruel e outros porque sou humano. Padre, diga-me a verdade com a mão no coração. Um homem é julgado mais por seus crimes ou pelos atos de caridade que praticou? Diga-me, padre… Eu matei o rei, mas o rei era fraco. Era fraco e eu fiz tudo isso pelo futuro e pelo progresso […] do meu país (Rocha, 1985: 395). Depois de uma cena excepcional (uma das mais belas do filme) mostrando com alguma solenidade o seu próprio funeral, interrompido pela descoberta do Pastor no interior do Castelo, Diaz foge em desabalada correria, aos gritos de «morte ao usurpador». Ele se encontra com dois dos seus asseclas, o Médico e o Padre, mata-os a golpes de espada, depois continua a fugir, pára diante da câmera e canta em ritmo de bolero: A manhã avança a pequenos passos, de dia em dia, até a última sílaba dos anos transformados em lembranças. E estes deveres, que iluminaram os loucos caminhos, que conduz ao pó da morte. Apaga-te!… Apaga-te, fugaz tocha!… A vida não é mais que uma sombra que caminha… um velho cômico que se pavoneia e agita por uma hora sobre o palco, e já não se ouve mais… É uma história sem pé nem cabeça, cheia de fúria e de ruído cantada por um idiota… e que nada significa (Rocha, 1985: 400). No mesmo plano-seqüência, Diaz sai do quadro com Dulcinéia enquanto D. Soledad entra para encenar seu suicídio, comentado pela banda sonora com a música Fallaste Corazon, um sucesso popular mexicano de Cuco Sanchez: Maldito corazón me alegro que ahora sufras, que llores y te humilles ante este gran amor. La vida es la ruleta en que apostamos todos y a ti te había tocado no más la de ganar, Pero hoy tu buena suerte la espalda te ha volteado, Fallaste corazón no vuelvas a apostar. 167 O conteúdo da citação shakespeareana, apesar de certas transformações, não é muito diverso do original: expressa a idéia de que a vida (e, por extensão, o teatro e a própria representação) não tem sentido, pois, como se sabe, apenas os tolos encontram significado em suas memórias. Entretanto, na realização de cada obra, as diferenças entre as duas situações são grandes e poderiam ser resumidas em três pontos: 1) Em termos de enredo, Macbeth ainda não sabe que seus dias de reinado terminarão em breve, pois acredita que a profecia o tornará indestrutível, enquanto Diaz tenta escapar de seu algoz, numa fuga tão covarde quanto impossível; 2) Em Macbeth, a fala do protagonista o valoriza, aparecendo como um momento de lucidez nos delírios de um tirano consumido pelo remorso, ao passo que em Cabezas, pronunciada por Diaz II numa entonação entre o canto e o grito, a mesma fala tende apenas a desqualificar o tirano como mais um exemplo do seu universo grotesco e alucinatório. Nesta direção, a música do repertório popular melodramático produz o efeito de ironia que recai sobre Diaz e sua esposa; 3) finalmente, na cena equivalente da peça, que sucede ao suicídio de Lady Macbeth, há o prenúncio da batalha de morte entre o tirano e Macduff, ao passo que, em Cabezas cortadas, a cena precede o suicídio de D. Soledad e precipita uma morte sem luta de Diaz, facilmente dominado pelos gestos poderosos do Pastor. Completam o quadro das diferenças o cenário do castelo em ruínas, a presença de um touro no alto da escadaria e os gestos enigmáticos de D. Soledad que pisca para a câmera, toma uma taça de veneno, vira-se de costas, arranca os próprios seios e desfalece na escada. Em suma, do herói trágico em Shakespeare, conduzido à morte por sua falha moral (a ambição, o desejo pelo poder), mas capaz ainda de atos grandiloqüentes, passamos em Glauber a um ex-ditador canhestro, destruído pelo conjunto nefasto dos seus atos e princípios, capaz apenas de uma derradeira citação ridicularizada e esvaziada de sentido, num gesto decadente de quem sai de cena sem deixar saudades, numa espécie de «tango de uma nota só». Este reordenamento do texto citado produz um efeito paradoxal de presença e ausência simultâneas da matriz shakespeareana. Assim, o Shakespeare citado no filme surge de uma forma distorcida, quase irreconhecível. Transposto da Escócia do século XI para o mundo da colonização ibérica que desemboca nas ditaduras latino-americanas do século XX, Macbeth sai da esfera da tragédia e entra na da farsa. Nesta «dialética» entre incorporação, negação e diferença podemos entrever o poder e a atualidade atribuídos por Glauber ao teatro shakespeareano. O modo como o cineasta trabalha a sua herança no filme 168 traduz sua crença de que a melhor forma de apreender as lições do dramaturgo inglês era subvertê-las, incorporando-as numa outra perspectiva, mais compatível com a matéria histórica tratada em Cabezas cortadas. 3.A Glauber o que é de Glauber Depois de examinar os elementos do filme direta ou indiretamente inspirados em Macbeth, resta discutir em que eles servem aos propósitos de Glauber ou, dito de outro modo, qual é a sua função em Cabezas cortadas. Comentando em 1974 uma montagem teatral do Rei Lear dirigida por Giorgio Strehler em Milão, Glauber procura mostrar como a «máquina desteatralizante da História» de Strehler usa o texto de Shakespeare para trabalhar questões do presente: Rei Lear, de Giorgio Strehler, é uma treatralização antropológica que usa o texto de Shakespeare como documento histórico. Uma tribo transitando entre barbárie e civilização, um patriarca trágico, duas filhas ciumentas, ambiciosas e hipócritas casadas com dois genros corruptos, uma filha apaixonada rejeitada, um filho traidor, outro bastardo, súditos infiéis são signos de um modelo ainda vigente. A máquina desteatralizante de Strehler promove uma reveladora leitura de uma família patriarcal através da história de um homem chamado Lear. Circo crítico, museu catártico, História rediscutida à luz da psicolingüística, assembléia que vê, ouve e compara o passado ao presente, ritual coletivo espelhado pelos atores vivenciados pelo público, viagem concentrada ao desconhecido passado onde tempo e espaço unificam origens (Rocha, 2004: 260). Ora, este comentário à montagem de Strehler parece descrever também, ao menos em parte, o programa estético realizado em Cabezas cortadas: os personagens em torno de um «patriarca trágico», a oscilação entre civilização e barbárie, a história sob o crivo da «psicolingüística» e uma avaliação totalizante do passado coletivo. Para Glauber, aquela montagem atualizava a herança shakespeareana transformando a base social e ideológica da tradição clássica: A metáfora da sociedade regida por deuses é desmontada por uma abstração histórica que, deixando os personagens solitários, revela a pobreza da civilização da barbárie (Rocha, 2004: 260). Do mesmo modo, a referência de Cabezas cortadas à tragédia shakespeareana – focada na perspectiva individual do tirano que, num delírio de morte, 169 encontra-se numa queda sem retorno – pode ser vista como um deslocamento em relação ao modelo invocado: a noção de «lógica do destino» provocada pela falha de caráter do herói e regida por interesses supra-humanos se desqualifica no filme pela mesquinhez dos personagens: irremediavelmente pérfidos, cínicos e desonestos, politicamente condenados pela aspiração popular à liberdade. O tom ora melodramático, ora farsesco das ações de Diaz tinge de ironia o teatro shakespeareano do poder, buscando menos reinterpretá-lo em si mesmo do que interpelar, à sua luz, a herança colonial latino-americana desdobrada nas ditaduras do século XX. Para isto, porém, foi preciso «adaptar», no sentido estrito deste verbo, a tragédia de Macbeth, adequando seu registro e seu tom à matéria histórica da formação política da América Latina, como se esta transformasse em farsa, fatos e personagens que a Europa conhecera como tragédia. Retomando Macbeth não como objeto de Cabezas cortadas 22, mas como instrumento de uma abordagem cujo objeto principal era na verdade a figura dos ditadores latino-americanos, Glauber está apenas adotando sua postura mais freqüente diante de Shakespeare. Ao invocá-lo em seus textos, o cineasta raramente o discute enquanto tal, e quase sempre o utiliza para falar de outra coisa ou de outro criador. E sua invocação nos parece não raro abusiva ou imprecisa, quando o vemos associado por Glauber a cineastas tão diferentes quanto Eisenstein, Visconti, Fellini, Bergman e Godard 23. Mas há exceções a esta tendência, e alguns textos de Glauber trazem comentários mais específicos ao próprio Shakespeare. Num deles, um outro artigo de 1975 («Teatrobraz 75»), Glauber sugeria que uma das principais contribuições do dramaturgo inglês seria exatamente esta espécie de radiografia do «câncer na cama de ouro» (Rocha, 2004: 279), isto é, a habilidade incomum 22Que se afasta assim de outras adaptações cinematográficas desta tragédia, sejam elas mais fiéis (como as de Orson Welles em 1947 ou Roman Polanski em 1972), sejam elas mais livres (como Trono de Sangue / Kumonosu-Jo, de Akira Kurosawa em 1957). 23Num texto de 1975, recolhido em Revolução do cinema novo, Glauber diz que «Ivan I e II [no filme de Eisenstein] são personagens de Shakespeare reconduzidos à sua verdadeira história e mitologia» (Rocha, 2004: 284). Noutros de 1967 a 1981, recolhidos no Século do Cinema, chama Eisenstein de «Shakespeareyzensteyn», situa o jogo teatral de Visconti «entre Tchekhov e Shakespeare», assimila um personagem do Oito e meio (1963) de Fellini ao Caliban da Tempestade, qualifica Bergman de «Shakespeare do cinema» e diz que o cinema de Godard promove o «encontro […] de Shakespeare com a science fiction» (Rocha, 2006: 165, 239, 268, 289, 310 e 364). 170 de operar, no texto teatral, uma análise perspicaz das relações do poder palaciano, revelando as ruínas morais ocultas pelo gesto eloqüente dos tiranos: hipocrisia, culpa, traição, assassinato, usurpação etc. 24. Esta atmosfera trágica inerente ao poder envolve inúmeros aspectos de Cabezas cortadas: na tênue linha narrativa que opõe claramente o círculo restrito e decadente de Diaz à força do Pastor e do povo; num plano-seqüência, visivelmente teatralizado, há uma encenação dos personagens que representam o assassinato do rei (a cena termina com a frase «não há fortuna sem sangue»); em certos diálogos de Diaz, nos quais se entrevê sua derrota inevitável: a cigana lê a sua mão, D. Soledad lhe fala em testamento e queda, o Médico lhe informa de sua doença difícil de curar, pois «doença do espírito», «remorso da consciência», finalmente, o próprio Diaz sentencia: «porque já espero a morte, espero-a feliz». No filme de Glauber, a herança de Shakespeare se condensa neste teatro do poder por onde desfilam as figuras grotescas de Diaz II e sua família. Porém, eles estão submetidos a outra força, nascida nos arredores do castelo. Esta força, encarnada no Pastor, domina o discurso fílmico, impõe suas vontades e define a vitória final deste personagem que representa a mística dos empobrecidos do mundo. Ele entra em cena, invocado pelos cantos do povo e pelas súplicas do personagem cego e paralítico, restituindo-lhe a visão e a mobilidade, conferindo fertilidade a Dulcinéia e coroando-a no final. A referência formal à tragédia na «cama de ouro» é ainda mais nítida na trama familiar que envolve Diaz II, seus filhos bastardos e sobretudo D. Soledad – calculista e fiel a suas ambições e à conquista do poder. Além disso, Diaz foi casado com Beatriz que, segundo seus delírios, juntou-se aos revoltosos no seu país natal, Eldorado, e liderou uma rebelião contra o velho poder do tirano. Ocorre que este acento trágico, obedecendo à regra de composição do filme, nunca está sozinho, nem predomina na cena ou no conjunto do filme, que o submete a outras perspectivas, simultâneas e sobrepostas. Mesmo nas relações familiares de Diaz, o jogo de revelações que encena a traição de D. Soledad, além de confuso e obscuro, põe em xeque a própria lógica de 24Numa análise do universo político em Shakespeare e Maquiavel, Miguel Chaia nota que ambos concebem o poder como uma fonte de atração irresistível, na maior parte das vezes uma armadilha, pois, a «política constitui uma esfera com regras próprias, com uma tal intensidade […] que poucos resistem a seus efeitos» (Chaia, 1995: 176). 171 suas ações: se ela tanto fez para que Diaz assumisse o trono, como diz literalmente, porque não lhe deixou herdeiros, já que os filhos bastardos nasceram do adultério dela e não do marido? Mesmo Beatriz, apesar de ter se tornado uma líder rebelde, é vista como santa por Diaz que lhe mandou construir um monumento póstumo: ela chegou mesmo a trair Diaz ou sua traição foi um delírio do ditador após sua morte? Finalmente, num verdadeiro quiproquó de revelações dramáticas, o Pastor aparece como um dos filhos de Diaz, numa sugestão dos delírios do ex-ditador que associa seu carrasco à imagem dos próprios filhos. Assim, contrariado ou tensionado por outros elementos, o trágico acaba desqualificado, sem no entanto desaparecer. Daí, por exemplo, a conjugação da mise-en-scène trágica e do comentário musical irônico (Fallaste Corazon) no bloco em que a família e os aliados de Diaz são mortos. A banda sonora, por sua vez, retoma em chave jocosa, de apelo melodramático, o destino de Diaz já anunciado num registro mais sério pela presença do Pastor: este vai matar o tirano. A mise-en-scène em torno do Pastor indicava, desde o início do filme, sua força mágica e redentora. É a presença constante deste poder que desautoriza a leitura trágica dos destinos de Diaz: um ditador amedrontado e delirante, à beira da histeria que com muito custo mantém gestos frágeis de imperador, num teatro irresponsável, sem uma trama narrativa que lhe dê sentido. Inteiramente submetido a este poder que lhe é incompreensível e irracional, vindo de fora do seu castelo e do mundo que ele domina, Diaz está condenado à queda por ter despertado a ira dos pobres, o poder cósmico dos miseráveis e a sede de justiça deste personagem quase insondável. A tragédia de Diaz é, pois, redenção e glória de um novo mundo. O Pastor não é apenas um homem «não nascido de mulher» como o Macduff da profecia de Shakespeare. Ele simboliza também o poder sobre a natureza, com a qual ele realiza seus milagres, numa simbologia tradicional ligada à terra, fonte de sua força cósmica que opera uma nova relação entre os homens e o ambiente. O Pastor, como Macduff, desfere o golpe mortal contra o tirano. No final da peça de Shakespeare, Macduff retorna ao palácio carregando consigo a cabeça cortada de Macbeth, que ele mostra a Siward, saudando-o como novo rei. No filme, o Pastor comanda o ritual de coroamento de Dulcinéia, a camponesa-santa que o acompanhou, silenciosa, na luta contra Diaz. Este coroamento aponta o início de um novo reinado, pois, o fim do ditador não repõem 172 a velha ordem usurpada, mas instaura uma nova, nascida fora do castelo e, portanto, distinta do universo do poder palaciano. Trata-se, pois, de um novo reinado, dotado de racionalidade própria, cuja mística poderosa submete os interesses da política do velho patriarca e permanece indecifrável para os herdeiros da tragédia. Então, de onde nasce esta força que submete o decadente Diaz? Em 1971, Glauber publicou um artigo na revista francesa Positif sobre as condições políticas do Cinema Novo e as relações com o cinema moderno europeu. Ali, ele definia claramente o programa estético que teria pautado a realização de Cabezas. O título do artigo «Lumière, Magie, Action» era uma referência a célebre expressão «Luz, câmera, ação», mas introduzia um elemento essencial e exclusivo da experiência brasileira: a questão da «magia». O pano de fundo do artigo era a divergência de Glauber com certo cinema político que assumia posições de esquerda mas permanecia tributário do naturalismo do cinema clássico. Ele afirmava que o «velho cinema militante», cujo dogmatismo esquemático reduzia o homem a explicações «sócio-político-econômicas», não conduziria a uma estética verdadeiramente livre e revolucionária. O Cinema Novo teria rompido com esta tradição: Le fête des métaphores, des allégories, des symboles n’est pas un carnaval de la subjectivité; c’est le refus de l’analyse rationnelle d’une réalité déformée par la culture européenne et étouffée par l’impérialisme américain. Un cinéma qui s’oppose aux classifications de l’anthropologie coloniale. Sa vraie dimension est la «magie irrationnelle (Rocha, 1974: 23). Em Cabezas cortadas, esta «magia irracional» pode explicar a ponte imaginária construída entre Shakespeare e Borges, como se o teatro do poder do dramaturgo inglês sofresse um colapso cerebral que transformasse os pesadelos mais insondáveis do tirano em realidade. Assombrado por esta mágica incompreensível, o teatro elevado da tragédia sucumbiria ao reino da farsa e do melodrama, despido da roupagem moral. Glauber encontrou em Shakespeare a matriz que tornaria a queda de Diaz um ato de vilania e decadência à altura da tradição política dos tiranos latino-americanos. Ao mesmo tempo, submeteu tal matriz a um tratamento grotesco da decadência do poder que seu cinema já esboçara em Terra em Transe e desenvolveria mais tarde em Claro e A Idade da Terra. 173 4.Conclusão O cinema de Glauber sempre tematizou as relações de poder, e freqüentemente pôs em cena a própria luta pelo poder. Quando revemos o conjunto de seus filmes, percebemos em seu universo dramatúrgico e em sua iconografia não uma ausência do povo (sugerida por Deleuze e retomada vez por outra por intérpretes de Glauber), mas uma dialética entre as figuras do povo e as figuras do poder 25. Se Barravento e Deus e o Diabo se concentram nas figuras do povo e deixam na sombra as figuras do poder, Terra em Transe reequilibra a dialética mostrando de perto os círculos do poder. A partir de Terra em Transe, a representação da política e da história no seu cinema vai alternar imagens e sons das forças populares com imagens e sons das figuras palacianas do poder (tendendo sempre para o derrisório e o grotesco), numa contraposição sempre presente, ainda que sob arranjos variados. Porfírio Diaz, Vieira e mesmo o empresário Julio Fuentes apareciam em Terra em Transe de forma quase caricatural, assim como o coronel Horácio e seus asseclas (notadamente o delegado Matos) no Dragão da maldade, os imperialistas em Der Leone, o capitalista com seus dois filhos e seus convivas em Claro, e Brahms em A Idade da Terra 26. Cada um a seu modo, todos estes personagens aparecem de modo derrisório e grotesco. E é exatamente assim que aparece o tirano Diaz II em Cabezas cortadas, levando consigo ao terreno do grotesco os elementos trágicos tomados ao Macbeth. Transformado em farsa, este se integra a uma dinâmica interna ao cinema de Glauber, adaptando-se às necessidades estéticas e ideológicas do cineasta. Ora, ao deslocar Shakespeare para o terreno do grotesco e ao tratá-lo com derrisão naquele finzinho dos anos 60, Glauber encontra – ou antecipa – uma operação que marcaria a apropriação do dramaturgo por um outro grande artista da sua geração, o italiano Carmelo Bene (1937-2002). Àquela altura, Bene já montara duas vezes Hamlet no teatro 27, mas ainda não abordara Shakespeare no cinema. Ele o fará em 1973, no seu quinto longa-metragem, Un Amleto di meno, livremente inspirado num texto de Laforgue (Hamlet, 25Muito bem analisada por Ismail Xavier (2001: 134 ss), cujas observações retomamos aqui a nosso modo. 26Sobre a representação da decadência em A idade da terra, ver Ismail Xavier, 1998. 27Em 1961, «Amleto», a partir do texto de Shakespeare e, em 1967, «Amleto o le conse guenze delle pietà filiale», fundindo-o com o de Jules Laforgue, Hamlet, ou les suites de la piété filiale (1877). 174 ou les suites de la piété filiale) que retoma o de Shakespeare. E fará em seguida várias montagens de peças de Shakespeare para o teatro e a televisão, dentre as quais duas de Macbeth (em 1983 e 1996) 28, a segunda das quais transformada numa emissão de televisão exibida pela RAI em 1997. Em sua apropriação de Shakespeare como de outros autores clássicos e modernos, Bene tende sempre a «destrui-los» ou a torná-los em derrisão, transformando-os em matéria bruta para suas pesquisas de expressão da voz e do corpo do ator. Seu modo de integrar suas fontes de inspiração parece convergir com a postura de Glauber, e não foi à toa que os dois artistas se conheceram 29 e se admiraram. Duplicando e prolongando sua operação de integrar Shakespeare na sua figuração grotesca dos poderosos 30, Glauber parece integrar em Claro e na Idade da Terra elementos do trabalho do próprio Bene (que atua aliás numa sequëncia grotesca de Claro), num diálogo ainda não explorado pela crítica 31, mas que só faz confirmar sua postura autônoma discutida aqui neste ensaio. Referências Bibliográficas Araújo Silva, Mateus (2005): «Rocha et Rouch, d’une transe à l’autre». In: Bax, Dominique et al. (dir.). Glauber Rocha / Nelson Rodrigues. (Coll. «Théâtres au Cinéma», Tome 16). 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Some-se a todos estes trabalhos os discos Una nottata di Carmelo Bene con Romeo, Giulietta e compagni (1976) e Hamlet suite (1994), e as emissões radiofônicas Hamlet (1974), Romeo e Giulietta (1976) e Otello (1979). 29Salvo engano, no Festival de Cannes de 1969, onde Bene mostrava seu filme Capricci na quinzena dos realizadores, que programava também Barravento (1961) de Glauber, cujo Dragão da maldade concorria na mostra competitiva. 30A um dado momento de uma seqüência especialmente grotesca de A Idade da Terra em que o imperialista Brahms, sua mulher (interpretada por Danuza Leão) e o filho deles que é um Cristo guerrilheiro (interpretado por Geraldo Del Rey) se acariciam num ménage à trois incestuoso e canhestro, Brahms olha para a câmera e diz com malícia «William Shakespeare», como que sugerindo uma fonte daquele psicodrama degradado. 31Um dos raros textos sugerindo um paralelo entre o cinema de Glauber e o de Bene é o de Simsolo (2005). 175 ——— (2007): «Godard, Glauber e o Vento do Leste: alegoria de um (des)encontro». 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Costa e Silva Escola Superior Artística do Porto [email protected] Resumo: João César Monteiro, um dos nomes maiores do cinema português, construiu uma obra cinematográfica notável. Para além das qualidades resultantes duma inventiva desenfreada que elevou a estética da arte cinematográfica – no contexto de técnicas narrativas muito peculiares – a um patamar desconhecido do cinema português, ao seu processo criativo não é alheia uma arreigada herança cultural clássica que se manifesta de forma exuberante ao longo da sua obra, quer na selecção de um excerto musical, na citação de um poeta ou na contaminação estrutural de um diálogo. É objecto deste trabalho demonstrar a importância e profundidade daquela influência e o modo como se manifesta na obra do autor, privilegiando as motivações inerentes a um processo criativo na construção de uma obra dramática ao mesmo tempo irónica e surrealista. Abstract: João César Monteiro, one of the biggest Portuguese filmmakers, is the author of one astonishment and remarkable cinematography work. Besides the qualities resultant of an ingeniousness unbridled that raised the aesthetics of the cinematography art – in the context of very peculiar narrative structures – to an unknown landing of the Portuguese cinema, his creative process is not absentminded to a rooted cultural classic legacy which displays in an exuberant way throughout his work, either in the selection of a musical extract, in a poet citation or in a dialogue structural contamination. The purpose of this paper is to show the importance and thoroughness of that influence and the way it displays in the author’s work, privileging the inherent motivations to a creative process in the construction of a dramatic work at the same time ironic and surrealist. Há duas formas de considerar o tema deste trabalho, ambas, aliás, ligadas ao modo como se entende o conceito clássico. Por um lado, o período clássico, baseado na cultura greco-romana que emergiu do Renascimento; por outro, o conceito mais abrangente de cultura clássica, radicado num conhecimento sólido das obras literárias e artísticas de referência da humanidade. Ambas se reflectem na obra de João César Monteiro. Tentaremos demonstrar como é que essa influência se manifesta, num caso citando alguns exemplos do modo como os filmes ou mesmo o pensamento do realizador 179 se afirmaram sobre o manto dessa cultura, alicerçada nas grandes obras do génio humano; noutro, utilizando como objecto de análise dois filmes em particular, evidenciar o cariz aparentemente acidental da presença da cultura greco-romana, através de uma das suas manifestações mais universais, num pequeno exercício formal. Comecemos por afirmar, que predominam duas perspectivas, ambas radicais, diga-se, de considerar a arte cinematográfica: Poeticidade e Narratividade. Não que não haja poética em filmes narrativos, ou narração em filmes poéticos, excluindo-se aqui, bem entendido, os filmes de cariz experimental. Há dimensão narrativa, por exemplo em «Nostalgia», de Tarkovski e poética no «Titanic», de James Cameron e o mesmo sucede quando analisámos, pelo mesmo ponto de vista, filmes como «No quarto da Vanda», de Pedro Costa ou um qualquer filme de Joaquim Leitão. Mas isto deve-se à constatação, resultante da análise estrutural a que o cinema se sujeita, da existência destes dois níveis de leitura na génese da obra cinematográfica. Acontece que essa evidência manifesta-se de modo bem distinto na análise dos filmes enquanto objectos isolados, mas é sobretudo na análise do conjunto da obra dos realizadores que se torna evidente, quer na narração, quer na descrição, a sujeição a uma forma clássica de fazer cinema, baseada no modelo americano, ou, pelo contrário, a assunção de um olhar único, onde uma poética particular se manifesta exuberantemente em cada filme, assumindo-se este como único graças à sua independência de qualquer condicionalismo formal. João César Monteiro, cineasta maldito com uma genialidade única, como muitos se lhe referem, genialidade eloquentemente expressa na sua obra cinematográfica, literária e crítica, enquadra-se nesta tipologia, ainda que ele fosse, como se sabe, avesso a tentativas de encaixar a sua obra em qualquer género ou movimento. Sendo no cinema que a sua capacidade criadora mais se destacou, é daí também que se extraem múltiplas hipóteses de análise a nível poético – aquele que nos interessa – mas também histórico, sociológico, psicológico, semiótico ou mesmo estético. O facto da sua obra integral se encontrar editada, permite-nos uma visão completa e abrangente, quer dos filmes por si realizados, quer do conjunto de materiais diversos (entrevistas com o autor, depoimentos de pessoal técnico e artístico) de crucial importância para o entendimento do seu processo criativo. O cinema reúne em si mesmo um conjunto bastante diversificado de competências, genericamente organizadas naquilo que Jimenez (1993: 16.) 180 chamou, a propósito da morfologia narrativa audiovisual, de elementos de implicação obrigatória e elementos de implicação optativa, cada um deles susceptível de produzir conjuntos isolados de significações, ao nível do que Metz (2004) designou como factos cinematográficos e factos fílmicos. Ambos, elementos e factos, servem-nos como instrumentos de análise, não de forma sistemática, mas permitindo, no entanto, um conjunto de conclusões, algumas delas a justificar uma investigação futura em âmbitos diferenciados e que a obra do autor amplamente justifica. A primeira conclusão prova-nos a enorme influência dos chamados autores clássicos, profusamente disseminados pela sua obra, fruto de sólida formação cultural e artística, alicerçada num conhecimento profundo das obras clássicas de referência, manifestando-se exuberantemente nos seus filmes, a diversos níveis e em planos diferentes. Isto é visível, sobretudo, nas influências literárias e musicais, mas também na pintura e na arquitectura (à qual, aliás, Manuel Graça Dias prestou homenagem). Cite-se, apenas como alguns exemplos, os nomes de Ésquilo, Joyce e Breton, cujos textos podem ser encontrados em «Fragmentos de um filme esmola» a par com a música de Mozart, textos de Céline e Guerra Junqueiro e música de Vivaldi, nas «Recordações da Casa Amarela», textos de Strindberg, de Pasolini e de Teixeira de Pascoaes e música de Strauss e de Prokofiev em «Le Bassin de J.W», a lírica de Camões na «Comédia de Deus», a música de Wagner, Puccini e Bach em «Que farei eu com esta espada?», ou ainda de Schubert, em «A Mãe». A segunda conclusão evidencia outras influências, estas mais profundas e mesmo surpreendentes. Conhece-se a relutância – muitas vezes manifestada da forma irreverentemente insultuosa que o caracterizava – de João César Monteiro relativamente aos seus pares que privilegiavam o classicismo formal nas obras cinematográficas. Esse classicismo manifestava-se a diversos níveis sendo mais visível no campo estrutural, mas também nos mecanismos particulares de criação, desenvolvimento e desenlace da história narrada e na organização particular do universo espácio-temporal que serve de referente ao filme. Apesar daquelas posições de João César Monteiro e não sendo especialmente importante esta questão (todo o criador é contraditório) é curioso detectar ainda assim alguma contradição entre o pensamento crítico do realizador e a existência, ainda que residual, de aproximações ao modelo clássico de fazer cinema. 181 O conceito de cultura clássica, postulada no Renascimento, enquanto assunção dos valores da cultura greco-romana retomada pelos humanistas entre os séculos XIV e XVI corresponde a um ponto de partida já que nos permite descortinar aspectos na obra de João César Monteiro que servem de suporte a alguns dos princípios que emergiram no Renascentismo como o Racionalismo, o Individualismo e o Hedonismo, por exemplo, e na organização estrutural assente em alguns dos elementos que Aristóteles, baseado na tragédia grega, desenvolveu na Poética, (veja-se a propósito a estrutura e demais elementos do filme «Conserva Acabada»), mas não é menos certo que o autor evoluiu para uma concepção mais lata do classicismo, menos sectária e mais de acordo com as suas necessidades criadoras, profusamente manifestado no uso sistemático de citações de obras de referência, em diálogos em que a apropriação total ou parcial de autores clássicos é deliberadamente executada, na escolha de trechos musicais, ou mesmo no recurso a inspiração de outros realizadores que João César Monteiro publicamente admira. Comecemos pela questão do Individualismo enquanto assunção da responsabilidade individual que João César Monteiro sempre cultivou, como cidadão, mas sendo sobretudo enquanto artista que essa faceta se manifestou ao nível, por exemplo, da criação das suas personagens, de que são exemplo João de Deus e Lívio, personagens disseminados por vários filmes. Interessa ainda lembrar a ligação de João César Monteiro à Nouvelle Vague e portanto a um processo de criação centrada na teoria do autor, tão contestada a partir dos anos setenta por Roland Barthes e Michel Foulcault, que enfatizavam a perspectiva política na exaltação da importância das forças sociais em detrimento do criador individual. Basta-nos pensar no feroz individualismo da personagem de João, em «Fragmentos de um filme esmola», para percebermos o quão distante estava João César Monteiro dos princípios defendidos por Barthes e Foulcault. Também na função de realizador, o espírito individualista de João César Monteiro se manifesta. Isto porque sempre prezou a afirmação individual da sua arte o que conduziu à tentativa de exercer um controlo absoluto sobre os seus filmes, não admitindo intromissões que pusessem em causa a sua independência criadora e a opinião sobre aspectos que iam muito além de produção como, por exemplo, a selecção dos festivais de cinema para onde as suas obras eram enviadas. Isso é visível nas polémicas públicas e privadas, ora com os seus produtores (quando os tinha), ora com as instituições que tutelavam e financiavam a produção cinematográfica em Portugal. É disto 182 excelente exemplo a carta ao Instituto Português de Cinema publicada no Diário de Lisboa, a 28 de Agosto de 1982. Outro exemplo da influência clássica é o modo como a doutrina hedonista se manifesta (conscientemente ou não) na sua obra, caracterizada por um gosto sempre presente e refinado da transgressão, assumida permanentemente como desafio, através de atitudes (veja-se o João de Deus coleccionador de pêlos púbicos, na Comédia de Deus, e como provocador anticlerical almoçando e cantando obscenidades perante a Madre Superiora do convento – a qual, aliás, não dissimulava a volúpia que experimentava perante aquele chorrilho – em As Bodas de Deus), e através de textos polémicos que editou, imbuídos daquilo que Vítor Silva Tavares, seu editor e amigo, caracterizou de «volúpia e escarnho, ascese e escatologia numa ondulação de tal modo ritmada que é já êxtase erótico e cópula astral» (João César Monteiro, p. 63). Voltemos à cultura greco-romana e sobretudo ao princípio aristotélico da narrativa clássica, a propósito de 2 filmes, ambos já objecto de culto. Referimos atrás a existência de planos de narratividade e de poeticidade na obra cinematográfica sendo que, no caso de João César Monteiro, é exactamente a poeticidade que se situa sempre num plano superior de expressão artística, uma vez ser claro interessar-lhe o discurso em detrimento da estória, ainda que reconhecendo a esta a importância devida. É neste contexto que vamos encontrar, na figura de um filme-homenagem a um dos grandes nomes do cinema clássico americano, aquilo que parece ser uma curiosa concessão de João César Monteiro aos seus princípios de criação artística. Conhece-se o trabalho «renascentista», promovido nas páginas dos Cahiers du Cinema por Godard, Truffaut e Rivette e que conduziram, como se sabe, a uma redescoberta da obra de realizadores clássicos do cinema americano, como John Ford, Alfred Hitchcock ou Nicholas Ray, autores até então considerados menores, não apenas nos EUA, mas também em muitos países da Europa. A fidelidade destes autores ao modelo clássico do cinema americano, assente, em termos morfológicos, nos princípios estruturais da tragédia grega, sistematizados por Aristóteles no contexto das suas lições peripatéticas, e depois reunidas na Poética, é um dos seus traços característicos, sendo que um deles, Nicholas Ray, é objecto de culto, não apenas de João César Monteiro, mas de uma geração de intelectuais de variada proveniência, desde 183 cineastas, escritores e artistas que nunca esconderam a admiração pelo autor. Terá sido esse culto seguramente responsável por uma curiosa aproximação entre o cineasta clássico americano e o realizador português. Johnny Guitar, realizado por Nicholas Ray em 1954, é um filme de uma aura quase mítica, desde logo por ser um filme intelectual, o que é inédito num Western, e por virar do avesso todos os cânones do género, a começar pelos heróis a vestir de preto até à consciência de uma tensão sexual absolutamente incomum naquele tipo de películas e que perpassa sub-repticiamente em grande parte das cenas. Numa delas, Johnny Guitar e Vienna, antigos amantes reencontrados, recordam um tempo passado em comum, recriminam-se mutuamente pelas vicissitudes desses tempos marcados por dolorosas lembranças, e terminam nos braços um do outro. Trata-se de uma invulgar cena de amor, quer pelo conteúdo, quer pela dimensão poética dos diálogos - sem paralelo na história do cinema americano, filmada segundo o modelo clássico do cinema americano, com diálogos excepcionais pontuados por uma banda sonora fortíssima e em que cada plano, composto com um cuidado de mestres como Velazquez ou Caravaggio, cumpre rigorosamente o seu papel narrativo e dramático na micro-estrutura particular deste fragmento. No total a cena tem 23 planos para 4 minutos e 5 segundos de duração. Os planos cumprem o seu papel sintagmático, já que estão agrupados de modo a afirmar um devir narrativo e a exercer sobre o espectador uma função dramática. Neste caso, tanto a direcção de fotografia, como a música, evidenciam-se para além da sua função enquanto elementos de implicação optativa (na realidade o cinema não necessita para se afirmar enquanto meio de expressão artística, mais do que da imagem e do som directo) pelo facto de reforçarem o nível linguístico do discurso amoroso subjacente à interacção das personagens, com outras roupagens mais sedutoras. É o cinema americano no seu melhor, exponenciando os efeitos de uma pirotecnia das emoções alicerçada no efeito de hipnose que a sala escura sempre potencia. Aqui chegados, vejamos, em contraponto, um pequeno filme, realizado por João César Monteiro, com o objectivo anunciado de angariar dinheiro para «A Comédia de Deus». Intitula-se, exactamente, «Passeio com Johnny Guitar». Neste segundo caso, o filme tem 3 planos, para 3 minutos e 26 segundos de duração, com a particularidade de João César Monteiro, talvez por pudor 184 (um dos aspectos paradoxais da sua personalidade) dado o conteúdo dos mesmos, ter suprimido da acção alguns diálogos. Ora sendo o plano, para si, um fragmento sobretudo poético, muito pouco narrativo e absolutamente nada dramático (vale a pena ver, a este propósito, a entrevista de Mário Barroso, director de fotografia, a propósito do extremo condicionamento do seu trabalho em «As Bodas de Deus»), João César Monteiro, ao retirar os diálogos da versão original do seu contexto específico, e integrá-los, no plano da banda sonora, como pano de fundo a imagens por si dirigidas, retira-lhes a dimensão dramática e confere-lhes a carga poética que tanto privilegia, conferindo-lhe assim um novo nível de significação que vai muito além da carga dramática original, a um nível que naquela versão não era possível compreender. Portanto, e em conclusão, apesar da existência de material comum a ambas as obras, aquilo que em Nick Ray é emoção e paixão, em JCM é racionalidade e plasticidade. Se os planos da versão original, se assumiam na sua função de justaposição para criar uma narração dramática, em «Passeio com Johnny Guitar», a sua função é essencialmente estética, já que não procedem por justaposição, mas por acumulação de signos icónicos e sonoros, de proveniência diversa, aparentemente dissociados no plano da story, mas absolutamente justificáveis no plano do discurso, conduzindo o espectador por um processo mental, quase iniciático, de disparidades interpretativas, motivadas pelo que Anabela Oliveira (2007) qualifica de «vozes que se respondem mutuamente, que se concretizam reciprocamente, que se cristalizam continuamente provocando consciências independentes e distintas, grupos autênticos de vozes autónomas, numa interacção constante entre processos pluridiscursivos», remetendo contudo, e exclusivamente, para a óptica do autor que tem, como não podia deixar de ser, uma lógica inabalável e uma legitimidade – ainda que tal possa parecer difícil de justificar – absolutamente irrefutável. Cabe dizer, finalmente, que a influência clássica na obra e na personalidade de João César Monteiro, não tem repercussão particular, nem norteou particularmente o processo criativo do realizador. A sua obra, absolutamente única, como poucas na história, nada fica a dever senão ao génio do autor e este, como sempre fez, com uma citaçãozita aqui, uma reconversãozita ali, mesmo uma apropriaçãozita acolá, seguiu o seu caminho – como dizia – sem concessões e sem comichões. Não consta que Ésquilo, Camões, Joyce, Cesarini, Rimbaud, ou Junqueiro tenham lavrado qualquer protesto. 185 Referências Bibliográficas Aristóteles (2004): Poética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Gaudreault, André e François, Jost (1995): El Relato Cinematográfico. Barcelona: Paidós. Jimenez, Jesus Garcia (1993): Narrativa Audiovisual. Madrid: Cátedra. Metz, Christian (2004): A Significação no Cinema. S. Paulo: Perspectiva. Nicolau, João (org.) et al. (2005): João César Monteiro. Lisboa: Cinemateca Portuguesa. Oliveira, Anabela D. B. (2007): Entre Vozes e Imagens. Porto: Pena Perfeita. Referências Filmográficas – Filme ou Gravação Vídeo Johnny Guitar (1954). Screenplay by Philip Yordan. Dir. Nicholas Ray. Perf. Joan Crawford e Sterling Hayden. Universal Pictures. Nostalghia (1983). Sceneggiatura di Andrey Tarkovsky e Tonino Guerra. Regia. Andrey Tarkovsky. Int. Oleg Jankovski, Domiziana Giordano. Sacis. Titanic (1997). Screenplay by James Cameron. Dir. James Cameron. Perf. Leonardo DiCaprio, Kate Winslet. Fox. No quarto da Vanda (2000). Arg. Pedro Costa. Real. Pedro Costa. Int. Vanda Duarte, Zita Duarte, Lena Duarte. Atalanta Filmes. Integral João César Monteiro (1969-2003). Atalanta Filmes. 186 L’Empreinte de L’Univers Fellinien dans L’Explicação dos Pássaros D’António Lobo Antunes Catarina Vaz Warrot Doctorante à l’Université de Paris 8 cotutelle à L’Université Nova de Lisbonne [email protected] Resumo: António Lobo Antunes afirmou numa entrevista que o seu quarto romance Explicação dos Pássaros (1981) constituía uma homenagem a Federico Fellini. Contudo, ao lermos o romance e ao analisarmos o seu peritexto, não encontramos nenhuma referência explícita a uma qualquer intersemiologia. A afirmação de Lobo Antunes: «De certo modo, este livro é uma homenagem a Fellini» intrigou-nos e o nosso estudo pretende identificar os possíveis sinais fellinianos presentes neste romance o que nos permitirá num segundo momento reflectirmos sobre a razão desta homenagem. Para alcançarmos este objectivo analisaremos aquilo que na maneira de conceber a Arte poderá ter aproximado António Lobo Antunes de Fellini ao ponto que o escritor tenha querido prestar uma homenagem a este realizador. Dans plusieurs interviews, António Lobo Antunes fait référence au cinéaste Federico Fellini et il affirme que son quatrième roman Explicação dos Pássaros (Antunes, 1981) est un hommage à ce réalisateur: Explicação dos Pássaros seria um livro autónomo. Veio-me à ideia contar uma história de circo – encaro o suicídio como espectáculo de circo. De certo modo, este livro é uma homenagem a Fellini. Procurei fazer uma história o mais possível diferente das outras (Francisco Vale, 1982). Pour autant, aucune référence explicite n’est présente dans le livre. Comment identifier alors les marques de cet hommage dans le roman ? Pour ce faire, nous nous proposons, dans un premier temps, de nous plonger dans l’univers de ces deux artistes pour y déceler des ressemblances et des convergences entre ces deux personnalités, qui pourraient expliquer l’admiration de Lobo Antunes envers Fellini au point de vouloir lui rendre hommage par le biais d’un roman. Cette analyse, nous aidera, dans uns deuxième temps, 187 à découvrir comment l’auteur rend hommage à Fellini dans l’Explicação dos Pássaros. Est-ce que Lobo Antunes et Fellini partagent une vision de l’homme et de l’art qui présent des affinités ? D’après nos lectures d’interviews, de critiques et notre connaissance de leurs œuvres respectives, nous nous rendons compte de l’existence de points de ressemblance qui pourront être la source de cette admiration. Observons de plus près ces affinités. C’est surtout au niveau de leur quête artistique que nous identifions une façon de penser très proche. Par exemple, dans le film 8½, Guido, le personnage principal, un cinéaste en manque d’inspiration, que nous pouvons lier à une sorte d’alter ego de Fellini, confie à sa sœur sa véritable ambition : « Regarde, j’y mettrai tout dans ce film … ». Cette phrase nous semble bien proche de celle que Lobo Antunes a prononcé dans plusieurs interviews : (…) l’intrigue et l’histoire ont cessé de m’intéresser. Je n’ai rien contre et même, j’aime bien qu’on m’en raconte, mais j’ai compris qu’il s’agit pour moi, d’une manière facile de me débarrasser des problèmes que les livres vont me poser si je veux faire ce que je souhaite vraiment et qui relève de l’impossible : mettre toute la vie dans les pages d’un livre (Raphaelle Rérolle : 2005). Cinéaste et écrivain affrontent les mêmes difficultés et éprouvent les mêmes besoins. Leur quête se ressemble : mettre tout/toute la vie dans un film ou dans un roman. Jean Collet s’interroge à propos de cette question : Tout mettre dans un film – faire un choix. Voilà le conflit qui traverse, déchire l’œuvre. Voilà peut-être le germe, la contradiction fondatrice et féconde. L’art peut‑il tout rassembler, réconcilier ? Ou bien doit-il exclure, fonder son ordre, son harmonie sur un choix avec pour conséquence le rejet. L’expulsion de quelque chose ? (Collet, 1990 : 127). Nous pouvons poser exactement les mêmes questions à propos de l’affirmation de Lobo Antunes. C’est dans ce sens que nous identifions une convergence sur la façon de comprendre l’art. Et pour arriver à cet absolu, d’une certaine façon utopique, la forme, la façon de construire les films et les romans doit être à son service. Mikhail Bakhtine, dans son œuvre Esthétique et Théorie du Roman, a bien cerné cette relation : La forme, il faut que je l’« éprouve » comme étant ma relation active et axiologique au « contenu », pour pouvoir l’éprouver esthétiquement : dans la forme et 188 par la forme je chante, je raconte, je représente, au moyen de la forme j’exprime mon amour, ma certitude, mon adhésion (Bakhtine, 1978: 70). En effet, dans les films de Fellini surgissent des voix, d’histoires parallèles, ou superposées, et nous observons le même phénomène dans les romans de Lobo Antunes. Jean Collet définit ainsi la façon de penser et de structurer le récit par Fellini : Notre habitude de penser logiquement nous conduit à croire qu’une question doit être traitée, développée, par un processus linéaire. Une question à la fois. C’est si vrai qu’on cherche toujours « le sujet » d’un film, et malheureusement on le trouve … Je pense au contraire qu’une démarche artistique se caractérise par la rencontre de plusieurs sujets. Ceux-ci peuvent sembler sans lien les uns avec les autres. En fait, ils ont le pouvoir de se brouiller d’abord, ils produisent une discorde apparente. Il y a du bruit, du parasite. (…). Il y a tout cela dans 8 ½, au point qu’on ne sait plus où est « le sujet » (Collet, 1990 : 111). Cette analyse pourrait s’appliquer aux romans de Lobo Antunes. Comment les deux artistes envisagent-ils, alors, l’organisation de leur discours filmique pour l’un et romanesque pour l’autre ? Pour faciliter notre comparaison des manières de concevoir les liens entre l’art et la vie chez ces deux artistes, nous allons nous pencher surtout sur le film 8 ½, déjà cité et le roman l’Explicação dos Pássaros d’António Lobo Antunes, mais d’autres parallèles entre d’autres œuvres seraient également pertinents. 8 ½ a été tourné en 1962-1963 et il est apparu comme un film «moderne». Sur l’écran, les situations réelles s’enchaînent avec les rêveries ou les cauchemars de Guido. Les souvenirs viennent briser la linéarité de l’histoire. L’Explicação dos Pássaros est un roman publié en 1981 et il raconte le voyage de Rui, un professeur universitaire qui devrait se rendre à un colloque à Tomar, mais qui à mi-chemin décide d’aller à Aveiro pour annoncer à sa femme qu’il veut le divorce. Cependant, il termine par s’y suicider. Ce voyage est entrecoupé par les souvenirs de Rui. La façon de faire apparaître le passé et les souvenirs est assez proche chez Fellini et Lobo Antunes. Prenons un exemple : dans le film 8 ½, dont le rôle principal est joué par Marcello Mastroianni et après l’apparition de Claudia Cardinale dans les thermes qui lui verse un verre d’eau, s’ouvre le chemin de l’enfance à travers le personnage du magicien. Fellini ne nous 189 propose pas un classique «retour en arrière», il décrit plutôt une démarche mentale. Il s’agit d’une enfance heureuse, réinventée, avec deux scènes du quotidien – le bain et le coucher. Dans le roman de Lobo Antunes, le passé interfère aussi dans le récit, de façon inattendue, comme si nous, lecteurs, suivions le cheminement mental de Rui. Ainsi, pendant la visite que le personnage fait à sa mère qui se trouve à l’hôpital, il demande des nouvelles de son père. À partir de cette simple question, il se rappelle certains moments de son enfance : – O pai ? – perguntou ele, e as palavras pairaram muito tempo, adiante dos lábios, como uma escala de música. (…). – Muito trabalho no escritório – explicou a mãe. – Deve passar logo por cá. – A secretária dele já telefonou três vezes – esclareceu a prima –, mandou aquelas flores embrulhadas em celofane com uma fita cor-de-rosa nos pés. A jarra de vidro facetado aumentou subitamente de tamanho: o pai estendeu a mão para um reposteiro coçado e ele e as irmãs saíram lá de dentro a correr, vestidos de tártaros, num turbilhão de cambalhotas e de pulos. - Quietos – ordenou o pai –, estou a ler o jornal. A careca severa, a cara fechada, o odor de água de colónia e de tabaco americano da roupa: e depois de tempos a tempos, as viagens de negócios (…) (Antunes, 1981 : 14). Nous voyons que dans les deux cas les retours en arrière se font comme si le lecteur ou le spectateur suivaient les pensées, la conscience du personnage principal – Rui S. et Guido respectivement. La mémoire organise le discours. Tout repose sur une association d’idées. Même si nous avons comparé deux extraits, de façon à simplifier notre exposé, nous voulons souligner que, dans ce cas il ne s’agit pas d’influence ni d’hommage, car nous ne trouvons pas des scènes qui puissent avoir une correspondance directe entre les films de Fellini et les romans de Lobo Antunes. Nous croyons qu’il s’agit plutôt d’une convergence d’une manière d’exprimer son art. Cette manière de penser sera adoptée par Lobo Antunes dans la plupart de ces romans et sera complexifiée et enrichie au fur et à mesure que sa production romanesque augmente. Cette manière de concevoir l’art, qui se ressemble, est visible aussi par rapport aux thèmes choisis et traités dans les films de Fellini et les romans de Lobo Antunes. Si nous revenons à notre micro corpus de comparaison – Explicação dos Pássaros et 8 ½, nous nous rendons compte que l’enfance est présente dans les deux diégèses. Dans le film de Fellini elle est presque toujours vue comme un moment de bonheur – le bain et le coucher, comme nous l’avons déjà souligné. Dans le roman, il y a quelques moments de bonheur, mais 190 qui sont rapidement interrompus par les rapports distants entre parents et enfant. Le seul vrai moment de bonheur dans le roman est celui qui donne le titre au livre : (…) Um dia, em miúdo, ao fim da tarde, achávamo-nos na quinta e um bando de pássaros levantou voo do castanheiro do poço na direcção da mancha da mata, azulada pelo início da noite. As asas batiam num ruído de folhas agitadas pelo vento, folhas miúdas, fininhas, múltiplas, de dicionário, eu estava de mão dada contigo e pedi-te de repente Explica-me os pássaros. Assim, sem mais nada, Explica-me os pássaros, um pedido embaraçoso para um homem de negócios. Mas tu sorriste e disseste-me que os ossos deles eram feitos de espuma da praia, que se alimentavam das migalhas do vento e que quando morriam flutuavam de costas no ar, de olhos fechados como as velhas na comunhão. Imaginar que cinco ou seis anos depois o que te interessava eram as notas de geografia e matemática provocava-me uma espécie esquisita de vertigem, de impressão de absurdo (…) (Antunes, 1981 : 44). Un autre thème qui nous semble très présent dans les constructions diégétiques de Fellini et d’António Lobo Antunes est le sentiment d’abandon, de solitude et d’échec de l’individu. Prenons toujours les mêmes référents de comparaison : dans les deux diégèses, l’individu se sent seul, abandonné, sans force ni motivation. Ce sentiment est renforcé par le jugement du père. Dans le film, il y a une scène en quelque sorte irréelle où le père de Guido au milieu des ruines reçoit la visite du « commendatore » qui lui parle de son fils, en disant de lui : « c’est si triste de faire fausse route ». Ce passage reflète le malheur de Guido, son inconscient, qui sent qu’il n’a plus de l’inspiration pour faire un autre film. Dans le roman, ce sentiment de ne faire rien de bon, qui puisse faire la fierté de ses parents, est aussi présent : – Todos comigo – berrou o pai fazendo enormes gestos de maestro para o público da família. As abas da casaca, soltas, flutuavam. – Todos comigo quando eu disser três. A frase é: Já qualquer um lhe adivinhava as asneiras (Antunes, 1981 : 43-44). Le sentiment d’être « un bon à rien » est, donc, commun aux deux personnages. Les thèmes se répètent, dans les films comme dans les livres. Pourtant, nous estimons toujours qu’il ne s’agit pas d’intertextualité, ou d’influence. Lobo Antunes, en choisissant ces thèmes, ne fait pas d’allusion à Fellini, et nous doutons qu’il y ait même pensé. Il s’agit, comme nous l’avons dit aupa191 ravant, d’une convergence de conception du travail artistique et d’angoisses. À propos des thèmes de ses romans, Lobo Antunes réagit ainsi: Baptista Bastos: – Sexo, violência, perplexidade ante os desvios da História, desamor. Eis, entre outros temas, o que me salta da leitura dos teus livros. Que espécie de necessidade ou tendência é essa? A.L.A. : – Nunca tinha pensado muito nisso. Mas quando estavas a fazer a pergunta, lembrei-me de Fellini, o cineasta que mais me espanta, com as suas obsessões. O ser humano não é assim tão vário; tão vário como se pretende. Nota que os livros são sempre os mesmos, infelizmente. Pintores, cineastas, músicos, escritores, poetas tratam sempre os mesmos assuntos, tentam analisar, sempre, as mesmas obsessões (…) (Baptista Bastos, 1985). Inévitablement, nous retrouvons l’idée d’un rapport entre les différentes expressions artistiques, les motivations profondes et les thèmes qui en découlent. Pour terminer cette analyse des affinités entre les deux artistes, nous voulons souligner leur rapport à leur œuvre. Fellini affirme n’avoir jamais revu un de ses films dans une salle publique, le film commence à l’ennuyer et il l’abandonne (Fellini, 1980 : 224). Lobo Antunes, à son tour, dit ne jamais relire ses livres, ils ne lui appartiennent plus (Antunes, 2005a :163). Ayant terminé leurs créations artistiques avec le sentiment qu’elles ne leur appartiennent plus, les deux artistes n’aiment pas, en conséquence, parler de leurs œuvres. Fellini affirme : A la fin il faut que je m’éloigne du film. Gare si je ne m’en éloignais pas ! Je ne voudrais jamais en parler. Mais parler du film que l’on a tourné fait partie d’un rituel de caractère commercial auquel nul ne peut échapper (Fellini, 1980: 228). Lobo Antunes quant à lui déclare dans une interview : « Não sei de que tratam os meus livros, não sei para que servem. Não é isso que me interessa. Não falo sobre eles porque não me é possível falar sobre eles. São máquinas que me escapam (…) » (Antunes, 2005b : 283). Il nous semble donc que Lobo Antunes partage le même rapport avec la création artistique que Fellini. Nous pensons, alors, que c’est cette façon de comprendre l’Art - les thèmes de l’enfance, de l’abandon, l’utilisation de la mémoire comme pilier pour l’irruption du passé dans le présent et le désir de mettre tout dans un film, ou dans un livre - qui provoque l’admiration de Lobo Antunes par rapport au réalisateur. Cependant, il ne s’agit pas d’un hommage, car l’écrivain ne voit pas son œuvre comme une reproduction de celle de Fellini n’essayant donc pas de la reproduire dans ses livres. Ce sont 192 leurs points de vue généraux sur la conception de l’Art qui convergent et, épisodiquement, quelques traits de caractère qui se ressemblent. Par conséquent, c’est en utilisant au autre procédé que Lobo Antunes rend hommage à Fellini, spécifiquement dans ce livre. Comme nous l’avons dit précédemment, dans le roman de Lobo Antunes nous ne retrouvons aucune référence directe au cinéaste ou à sa production cinématographique. C’est seulement dans ses interviews que l’auteur mentionne Fellini. D’ailleurs, le titre du livre nous conduit beaucoup plus rapidement vers un autre rapprochement cinématographique qui est celui du film Les Oiseaux d’Hitchcok (Seixo, 2002 : 106-111). Quel est, donc, l’élément que Lobo Antunes est allé prendre chez Fellini pour lui rendre hommage ? L’affirmation de António Lobo Antunes que nous avons citée plus haut, nous ouvre un horizon de réponse – c’est le thème du cirque qui intéresse Lobo Antunes. En réalité, Fellini a introduit la thématique du cirque dans presque tous ses films et, d’une certaine façon, la première image que nous associons à ce réalisateur est le cirque ; il s’agit en quelque sorte, de sa signature, ou du stéréotype que le lecteur/spectateur associe à ce cinéaste . Le thème du cirque et des clowns est très présent dans le roman l’Explicação dos Pássaros, et c’est bien le seul roman où nous trouvons la thématique du cirque. Pourtant, il ne s’agit pas de prendre une scène précise d’un film et de l’adapter, c’est-à-dire d’en faire l’« hypotexte » du roman. Nous utilisons le terme « hypotexte » avec quelques réserves, car nous sommes conscients qu’il ne s’agit pas de la comparaison de deux systèmes de signes identiques. Cependant, les termes «hypotexte» et «intertexte» sont mentionnés par le Dictionnaire théorique et critique du cinéma (Aumont et Marie, 2001 : 112). La définition y proposée est celle de Julia Kristeva, couramment utilisée en narratologie et en théorie du texte : La théorie littéraire du XXe siècle (…) a en effet souvent considéré qu’un texte nouveau se rapporte à des œuvres antérieures, sur des modes variables qui incluent la citation, le plagiat, la parodie, le pastiche. Sous le texte il y a toujours, explicitement ou implicitement, «des textes, lacunaires, fragmentaires, diffus, précis, allusifs». Cette définition nous semble particulièrement adaptée à notre étude car les traces des films de Fellini dans le roman l’Explicação dos Pássaros sont ����� Voir Amossy, Ruth et Herscheberg Pierrot, Anne (1997): «Le stéréotype dans le procès de lecture», Stéréotypes et Clichés. �������������������� Paris: Armand Colin. 193 en effet diffuses et implicites. Dans ce sens, nous pourrons utiliser ici le terme d’intertextualité. Cependant, nous préférons utiliser le terme «intersémiologie» qui nous semble plus adéquat pour notre démonstration, car il renvoie clairement aux rapports entre signes de nature différente : dans notre cas, les images filmiques et les mots. Dans l’Explicação dos Pássaros, nous trouvons surtout des empreintes, des traces de l’univers Fellinien. Celui-ci est présent dans le livre de Lobo Antunes sans y être de façon explicite : il s’agit surtout d’impressions. La première irruption du thème du cirque dans le roman se fait à la page 14, c’est-à-dire 6 pages après le début du récit. Le personnage principal Rui S. est à l’hôpital où il rend visite à sa mère, et tout d’un coup le cirque fait son apparition : O cheiro das casas de saúde, pensou ele, põe-me um peso na testa, um desconforto, uma dor esquisita: quando fui operado às costas vi o meu pus num balde e apeteceu-me vomitar aos arrancos, de bruços na marquesa, o oco das tripas. O cirurgião conversava com o ajudante à medida que lhe remexia a sumaúma do corpo, e ele notava-lhes as botas de pano idênticas às dos burros a fingir, formados por dois comparsas, no circo. Uma menina de saia de lantejoulas e sombrinha passeava num arame altíssimo, iluminada por um foco roxo e amarelo. Na plateia deserta, um palhaço rico, de boca vermelha, experimentava o saxofone (Antunes, 1981 : 14). Le mélange de personnages réels et de personnages de cirque, imaginés, se produit tout au long du récit. Il est impossible d’oublier cette présence du cirque qui s’infiltre sans cesse dans la lecture et qui transforme la vie du personnage principal dans un grandiose spectacle de cirque, où ce qui est en train de se jouer est sa propre vie : – Senhoras e senhores, meninas e meninos, respeitável assistência, eis-nos prestes a alcançar o momento culminante do nosso espectáculo de hoje – urrou ele dando cambalhotas veementes ao redor da pista. – O Grande Circo Monumental Garibaldi oferece-nos ao vivo o número único, não televisionado, do suicídio do seu principal artista. A direcção recomenda aos cardíacos, às grávidas, aos depriLe terme « intersémiologie» est proposé par nous. La sémiologie surgit en France à partir des travaux de Saussure qui la définit comme «la science qui étudie les signes au sein de la vie sociale ; (…) elle nous apprendrait en quoi consistent les signes, quelles lois les régissent» (cité par Detrie, C.; Siblot, P. et Verine, B. (2001 : 310) et le terme sémiologie est utilisée par la plupart des auteurs qui s’occupent d’études inter artistiques. 194 midos e às pessoas sensíveis em geral que abandonem a sala a fim de obviar a incidentes emocionais desagradáveis. Como podem verificar, o inolvidável Rui S. procede neste momento ao seu último banho (Antunes, 1981 : 201). Nous voyons dans cette perspective du cirque, en tant que spectacle d’une vie, la vision de Fellini à propos de ce même sujet. Le cinéaste affirme : « Le cirque n’est pas un spectacle, c’est une expérience de vie, c’est une façon de voyager dans notre propre vie » (Fellini, 1980 : 139). Dans le roman de Lobo Antunes, nous assistons au voyage de Rui, voyage qui symbolise le dénouement de toute sa vie et qui est tourné en spectacle de cirque. C’est dans ce sens que nous pensons que Lobo Antunes rend hommage à Fellini : tout au long du roman le cirque est omniprésent, sans pour autant reproduire une scène, un plan d’un de ses films, et le numéro de cirque auquel nous assistons est celui de la vie de Rui S. et de son suicide. L’intersémiologie apparaît chaque fois que le cirque brise le discours. Le suicide du protagoniste est transformé en bouffonnerie et, à la fin, le roman quitte définitivement la réalité et plonge dans le fantastique (cf. Pereira, 1991). Rui S. se retrouve dans un cirque mettant en scène sa propre mort, au milieu de ceux qui l’ont connu : O cabo da faca apertava-lhe as costelas, o bico da lâmina picava-lhe a cintura: de pé no cascalho, à entrada da estalagem, escutava o rumor de tarântula do público, as suas tosses esparsas, o raspar dos sapatos, conversas, cochichos, alguns risos, esforçava-se em vão por distinguir as caras que a penumbra tornava anónimas, percebia a custo o jogo dos holofotes lá em cima, chovendo sobre ele a sua claridade impiedosa e excessiva. Junto à cortina dos artistas as irmãs acotovelavam-se com ansiedade, encorajavam-no com pequenos gestos da mão e a da música, de cara empastelada de pintura e de lágrimas, sorria-lhe. Não posso falhar, pensou ele, tenho de conseguir um número decente (Antunes, 1981 : 217). La vie de Rui se réduit à réussir son numéro de cirque et, donc, à se suicider. La mort est alors vue comme liée au cirque et n’oublions pas que les numéros de cirque les plus appréciés et risqués sont précisément ceux qui mettent en jeu la mort. Fellini partage également ce point de vue et affirme : Voici mon opinion : dans le cirque flotte un air d’abattoir ; il y a la folie, les expériences terrifiantes ; mais le chapiteau et cette odeur de bêtes ont pour moi quelque chose de familier. La menace de la mort, l’émotion qu’apportent de tels spectacles, se rattachent certainement aux expériences de l’antique « Cirque Maximus » romain (Fellini, 1980 : 139). 195 Le cirque comme moyen de réunir des personnages réels, fantastiques ou imaginaires fonctionne dans le roman de Lobo Antunes comme un procédé, qui organise la structure de son livre, dans le sens qu’il lui permet de mettre ensemble le présent et le passé, la conscience et l’inconscient, le réel et l’imaginaire. Cette mise en scène est faite tout au long de l’œuvre mais atteint son apothéose à la fin du roman quand la vie de Rui dans le paysage d’Aveiro rejoint la scène du cirque, réunissant autour de lui tous les personnages qui faisaient partie de sa vie. Ce procédé nous rappelle plus précisément le film de Fellini 8 ½ même si comme nous l’avons déjà souligné il ne s’agit pas d’une intersémiologie directe, car s’il y a des ressemblances, nous y trouvons aussi beaucoup de différences. Pourtant, il s’agit de l’empreinte de Fellini la plus directe, car nous arrivons quand même à détacher un plan qui se rapproche de l’univers romanesque de Lobo Antunes. Le film de Fellini se termine avec le rassemblement de toutes les figures qui ont été importantes dans la vie de Guido, le personnage principal : ses parents, sa femme, sa maîtresse, entre autres. Ils sont tous ensemble, défiant les lois de la temporalité, autour d’une scène de cirque. Ils sont presque tous habillés en blanc, comme pour montrer leur caractère fantastique et irréel. Guido est au milieu de la scène et, à ce moment là, il se sent plus fort, enflammé de vie et de volonté pour faire son film. C’est le moyen à travers lequel Fellini a eu recours pour mélanger l’imaginaire et le réel. Dans le roman, tous les proches de Rui – ses parents, sa femme et son exfemme, ses enfants, etc., se retrouvent dans le cirque pour se moquer et pour assister au numéro le plus impressionnant de ce spectacle : le suicide de Rui: (…) e à medida que os olhos se esvaziavam e deixara de escutar, progressivamente, os aplausos entusiasmados da assistência, conseguiu distinguir, para lá da pista do circo resplandecente de luzes, os contornos da cidade do outro lado da ria, que se apequenavam devagar até se sumirem por completo no nevoeiro descolorido da manhã (Antunes, 1981 : 246). Malgré le suicide, la fin du roman est un moment d’espoir, car Rui a rejoint les oiseaux, symbole du bonheur et de son enfance. Il s’agit également d’une sorte de renaissance. Nous pensons que cette scène achève l’hommage de Lobo Antunes à Fellini. Elle clôt le roman, comme elle clôt le film. Nous identifions cette empreinte comme étant la plus forte et la plus marquée, 196 parce que plus facilement repérable dans l’ensemble des films de Fellini, sans que pour autant Lobo Antunes en fasse une allusion directe dans son roman. En conclusion, nous avons pu repérer une convergence de points de vue concernant la quête artistique chez les deux créateurs. Ils partagent intensément le même objectif : mettre toute la vie dans leurs films ou dans leurs livres. Quant à Lobo Antunes, pour « mettre toute la vie dans les pages d’un livre » il a recours à des procédés d’ordre formel et de contenu liés à l’hétérogénéité et à la polyphonie. L’empreinte de Fellini dans Explicação dos Pássaros se trouve particulièrement dans le choix de la thématique du cirque, présente dans tout le roman. Comme nous l’avons démontré, le traitement de cette thématique reste diffus, car il nous est impossible de faire une liaison directe entre une quelconque scène du cirque dans le roman et dans un film de Fellini. C’est ce caractère parsemé qui nous amène à parler d’empreinte plutôt que d’intertextualité explicite. Références Bibliographiques Amossy, Ruth et Herschberg Pierrot, Anne (1997): Stéréotypes et Clichés. Paris: Armand Colin. Antunes, António Lobo (1981): Explicação dos Pássaros. Lisboa: Dom Quixote. ——— (2005a): «Crónica de Natal», Terceiro Livro de Crónicas. Lisboa: Dom Quixote. ——— (2005b): «O Passado é um País Estrangeiro», Terceiro Livro de Crónicas. Lisboa: Dom Quixote. Aumont, Jacques et Marie, Michel (2001): Dictionnaire Théorique et Critique du Cinéma. Paris: Nathan. Bastos, Baptista (1985: 19 a 25 de Novembro): «Escrever não me dá prazer». In: Jornal de Letras. Ano V: n.º 176. Bakhtine, Mikhail [1975] (1978): Esthétique et Théorie du Roman. Traduction du russe par Daria Olivier. Paris: Gallimard. Clerc, Jeanne-Marie (1993): Littérature et Cinéma. Paris: Nathan. Collet, Jean (1990): La Création selon Fellini. Paris: Éditions José Corti. Detrie, C.; Siblot, P. et Verine, B. (2001): Termes et Concepts pour l’analyse du Discours. Paris: Honoré Champion. Fellini, Federico (1980): Les Propos de Fellini. Paris: Éditions Buchet/Chastel. 197 Pereira, Acácio (1991: 20 novembre): «L’écheveau et les oiseaux»: Le Monde. Rerolle, Raphaelle (2005: 2 décembre): «Mettre toute la vie entre les pages d’un livre», Le Monde. Seixo, Maria Alzira (2002): Os Romances de António Lobo Antunes. Lisboa: Dom Quixote. Serceau, Michel (2001): Étudier le Cinéma. Paris: Éditions du Temps. Vale, Francisco (1982: 15 a 21 de Janeiro): «Explicação dos Pássaros no square Tolstoi». In: O Jornal. Lisboa. Références Filmographiques 8 ½ (1963). Realização Federico Fellini. Produção Angelo Rizzoli. Argumento Ennio Flaiano, Tullio Pinelli, Federico Fellini, Brunello Rondi. (2005) Costa do Castelo Filmes, SA. 198 Jacinto Lucas Pires, L’homme à la Caméra Anabela Dinis Branco de Oliveira Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – CEL [email protected] Jacinto Lucas Pires est un jeune écrivain portugais (né en 1974) qui parcourt les chemins de la fiction, du théâtre et du cinéma (côté scénario, côté direction de courts-métrages). L’Homme à la Caméra est le titre du documentaire du cinéaste soviétique Dziga Vertov (1929). Est-ce l’écrivain un homme à la caméra? Produit-il un texte littéraire ou texte filmique? Jacinto Lucas Pires ou Dziga Vertov? L’Homme à la Caméra est tout à la fois un documentaire et un film expérimental, énonce la suprématie de la caméra qui remplace l’oeil humain et est au-dessus du peuple. Enchaînement de séquences documentaires ordonnées en vue d’un montage rigoureux et signifiant, L’Homme à la Caméra c’est l’histoire de la vie humaine de la naissance à la mort. C’est la mise en abyme, le film dans le film, l’apologie de la technique cinématographique, le film qui montre sa propre réalisation, l’opérateur et ses méthodes de travail et le secret de chaque mouvement de la caméra. L’homme à la caméra, s’énivrant de vitesse, la caméra sur l’épaule, sillonnant la ville, célèbre le montage, la technique de la ville et de la révolution et la technologie du cinéma. Il établit le double mouvement métaphorique qui lie les techniques cinématographiques, le corps humain et le tissu urbanistique. L’image-clé du documentaire de Vertov est un oeil en très gros-plan en superposition avec celui d’un objectif de caméra. Suivant le rythme d’un pays (Portugal ou Japon) ou d’une ville, Jacinto Lucas Pires construit un parcours fictionnel autour de l’image et d’un regard où l’empreinte du cinéma se croise avec les objectifs de la littérature. Para Averiguar o seu Grau de Pureza (1996), Universos e Frigoríficos (1997), Azul-Turquesa (1998), Dois filmes e algo de algodão (1999), Livro Usado (2001) et 199 Do Sol (2004) sont la demeure d’un univers cinématographique. La mémoire esthétique de Jacinto Lucas Pires définit une éternelle passion du cinéma. Il construit des rapports dialogiques, des symbioses et une transmutation des matériaux filmiques et littéraires. Le cinéma devient l’espace d’interprétation savante et quotidienne des personnages qui projètent des imaginaires et se rejoignent à la splendeur des plans connus, des séquences inoubliables, des visages et des mythes cinématographiques. C’est le foisonnement des réalisateurs et des acteurs. Woody Allen parcourt les jeux humouristiques de Do Sol : Quem é o realizador do conhecido filme Música no Coração? Robert Wise? Woody Allen? Oscar Wilde? Herman José? (Pires, 2004: 78). Alfred Hitchcock raconte l’histoire écossaise des macguffins (Pires, 1998 : 69) dans Azul-Turquesa et identifie, avec Quentin Tarantino et Nanni Moretti, la cinéphilie de Gaspar dans Cinemaamor. Jean-Luc Godard, cible de cette cinéphilie, est aussi l’image d’une boutique au Japon « com o vidro coberto de cartazes de filmes de Jean-Luc Godard » (Pires, 2001 : 78) dans Livro Usado. Fellini est éparpillé mais toujours présent. Azul-Turquesa décrit les séquences initiales du film Otto et Mezzo (Pires, 1998 : 42-43), énonce la force du noir et du blanc, le jeu des couleurs et des ombres et les lignes grotesques de ses personnages: Num ermo entre arbustos e uma linha de comboio, uma rulote com um grande letreiro luminoso, «Um cachorro e uma metáfora». Dentro, ao balcão, um homem magro e muito sério, e cá fora, a beberem cerveja, um outro homem com o cabelo todo levantado, como se tivesse apanhado um choque, e um rapaz com a boca torta e uma tichârte com a frase «O amor usa lentes de contacto (Pires, 1998: 95). Para Averiguar o seu Grau de Pureza présente O Ciúme carrément fellinien (Pires, 1996 : 33-37) à travers le regard des espaces du cirque, l’ambiance clownesque, la création d’un adultère entre la femme du lanceur de couteaux et le magicien, à travers le rythme d’un acte sexuel, en même temps caché et ouvert dans une roulotte qui tremble, l’enfant qui diffuse le secret, le suspense et la prévision d’une vengeance: Agora sempre quero ver que abracadabras pés de cabras é que livram o sacana do feiticeiro da fúria afiada do cornudo (p. 37). 200 Les actrices de Amarcord ou de La Nave Va (Le Navire) sont dans la description de la mort: é uma bruxa de séculos e séculos, talvez de leque, a abanar-se de um modo negro, de trevas, as pálpebras pintadas de um violeta excessivo, como aquelas actrizes que, já gastas e esquecidas, se alimentam do passado, da ilusão de terem sido as maiores de sempre (Pires, 1996 : 68). Le défilé final des acteurs et des techniciens, le dévoilement des secrets du tournage, de La Nave Va et de Otto et Mezzo construisent les pages finales de Azul-Turquesa et représentent l’annulation structurelle du temps et de l’espace. Les personnages projètent les imaginaires et se rejoignent à la splendeur des visages et des mythes cinématographiques : «Humphrey Bogart, emoldurado fuma um infinito cigarro» (Pires, 1998 : 76) dans Azul-Turquesa et la femme de «A Realidade», dans Para Averiguar o Seu Grau de Pureza : Esperava porventura um tipo de chapéu à Humphrey Bogart e olhar de quem não quer a coisa à James Dean. (…) Porém, não tinha nada que se queixar, ela também estava a anos-luz de ser uma Ingrid Bergman ou uma Elisabeth Taylor, a primeira comparação tinha dois machos de Hollywood, esta tem duas fêmeas do mesmo bairro (Pires, 1998 : 43-44). Dans Azul-Turquesa, José, assis, tout près d’un poster de Rita Hayworth, observe une jeune fille blonde près d’un mur avec un poster « do James Dean de casaco de cabedal » (Pires, 1998 : 75) dans un café dont les murs sont pleins de photos de Marilyn Monroe, Marlon Brando et Groucho Marx. Dans Para Averiguar o Seu Grau de Pureza, le personnage observé lit dans le train « Marilyn Monroe – Biografia do Efémero » (Pires, 1996 : 19) et « os maus da fita (…) assim passariam o resto dos seus dias numa cela algures no meio de nenhures a imitar Marlon Brando de O Padrinho » (Pires, 1996 : 25). Audrey Hepburn devient la star des japonais dans Livro Usado. Lors de la description d’un petit tremblement de terre, le narrateur présente un Japon obsédé par Audrey Hepburn – « onde existe um anúncio com a Audrey Hepburn – é uma das fixações japonesas, por todo o lado há imagens dela, – e começo a sentir uma tontura» (Pires, 2001 : 54) et un vieil homme, personnage exquis, porte un chapeau «ligeiramente inclinado na cabeça, à Bogart» (Pires, 2001 : 87). 201 Le mythe cinématographique, la force magique du cinéma représente les émotions et les expériences du quotidien. Do Sol décrit un film à la télé utilisant tout un métalangage cinématograpique (Pires, 2004 : 120-121). Para Averiguar o Seu Grau de Pureza construit dans A minha vida, le regard d’un personnage, devant l’écran assis dans une salle de cinéma. Firmino de O Ciúme est décrit comme un dessin animé: De cabelo milimétrico, altariço e de óculos, e com tanto de absolutamente estranho quanto de absolutamente normal, qual personagem de um desenho animado (Pires, 1996: 35). Cinemaamor, scénario du premier court-métrage de Jacinto Lucas Pires, construit un cinéma de phrases et de citations à travers la présence du cinéphile Gaspar portant une t-shirt blanche avec la phrase, inspiré de Camöens, « cinema é fogo que arde e se vê » (Pires, 1999 : 49). La sphère transparente jouet-souvenir où il y a toujours une maison avec la neige qui tombe comme celle de Citizen Kane, entre dans la description de Aurora de Do Sol (Pires, 2004 : 61) et dans le regard du narrateur de Azul-Turquesa (Pires, 1998 : 35). Universos e Frigoríficos (pièce théâtrale) cite les mots de Jodie Foster à propos des crabes dans Taxi Driver (Pires, 1997 : 29), affirme « A minha vida é mais triste do que o Dr. Jivago e o E.T. juntos » (Pires, 1997 : 31) et présente Tiago qui déteste les anciens films en noir et blanc (Pires, 1997 : 48). Azul-Turquesa dévoile la jupe de Maria dont les mouvements sont pareils à ceux des films musicaux (Pires, 1998 : 24), Maria et José s’embrassent, à la fin du chapitre, comme à la fin des films romantiques, les roses éparpillées dans le sol (Pires, 1998 : 109), et « e agora, como num filme, a mulher beija o homem na boca » (Pires, 1998 : 115); « No meio de toda esta gente, debaixo da bola de espelhos que roda devagar, Maria e José, este coxeando ligeiramente» (Pires, 1998 : 120), finit l’histoire. Livro Usado, pendant le parcours japonais « como num filme romântico, o homem acena-lhe enquanto vai ficando mais e mais pequeno » (Pires, 2001: 18) et « os dois acabam por ir um contra o outro, surpresos e felizes (como num filme) » (Pires, 2001: 20). Dans Dois Filmes e Algo de Algodão, les personnages « desse momento em diante fingem os dois estar dentro de um filme de espionagem a preto e branco e divertem-se muito » (Pires, 1999 : 25). Le regard de Jacinto Lucas Pires est celui d’un de ses personnages dans A Casa de Para Averiguar o Seu Grau de Pureza : celui du regard picassien : « o teu olhar picassiano » (Pires, 1996: 49) et « os teus olhos enormes e cubis202 tas » (Pires, 1996: 52). Un regard qui, comme celui de Picasso, transforme le pinceau en caméra établissant la répétition de plusieurs angles différents choisissant chaque cadrage, chaque espace esthétique à la valeur nettement cinématographique. Para Averiguar o seu Grau de Pureza c’est un ensemble de « 13 prosas com janelas » (13 proses avec fenêtre), un ensemble de petites histoires où le cadrage des images devient fondamentale. C’est le cadrage des trous de la jalousie, le regard du voyeur à travers la fenêtre de la roulotte qui ne laisse entrevoir qu’un petit morceau du magicien dans O Ciúme (Pires, 1996 : 34). Le cadrage de Dlim Dlão souligne la porte de l’église : « Víamos a porta da igreja através do vidro, estava fechada, entre duas garrafas de vinho do Porto que se anunciavam na montra do café » (Pires, 1996 : 56). La fenêtre de A Realidade laisse voir l’image du professeur de maths désabillant la femme du detective narrateur « numa moldura de flores e véus e cortinas, por uma fresta bendita, revelava-se o pecado » (Pires, 1996 :45). Le regard picassien multiplie les miroirs et déclenche le foisonnement des ombres et des reflets. Azul-Turqueza énonce les miroirs de l’identité. Il questionne le reflet de l’homme qui, dans le métro, regarde José de l’intérieur: « na janela, o reflexo da sua figura, gabardine cinzenta, olhos simétricos, boca imprecisa, mãos vazias e a palavra AMOR » (Pires, 1998: 17). Maria s’identifie parlant à une femme devant le miroir. Au coiffeur, José regarde les trois chaises en face d’un grand miroir unique, le miroir qui lui rend sa tête aux cheveux coupés (Pires, 1998 : 57). José et Maria, identifient leur relation dans la salle aux miroirs de Feira Popular: Num espelho côncavo, um anão gordo muito parecido com José fala com uma mulher altíssima e finíssima muito parecida com Maria, num espelho convexo mesmo ao lado (Pires, 1998 : 106) Há agora um silêncio, e por fim o anão sai do espelho côncavo e entra no espelho convexo, transformando-se de imediato num homem muito muito grande. (…) Entretanto no espelho, o homem muito parecido com José e a mulher muito parecida com Maria, os dois altíssimos, beijam-se (Pires, 1998 : 107). Dois Filmes e Algo de Algodão énonce les miroirs de Armando, témoins des émotions, de l’amour qui existe de l’autre côté du miroir : « Do lá de lá do espelho o gerúndio e a capicua beijam-se boca na boca » (Pires, 1999: 21). « Florença-a flor-que pensa », seule dans sa chambre prenait tant de temps se regardant dans le miroir : 203 Não por vaidade, mas para saber quem era, porque de quando em vez a sua cara no espelho como que abria umas brechas, distraía-se num ponto, num músculo da maçã, numa narina, num piscar de olhos, e ela gostava de entrar por aí e ir roubar-se coisas (Pires, 1999 : 31). Almirante Reis – un autre scénario – présente le miroir d’identité de l’allemand, le miroir inévitable dans la définition du peuple: olha a sua cara no espelho por uns instantes – e olha-a com a estranheza e a atenção de quem olha para outra pessoa (Pires, 1999 : 68), Tal como eu o vejo, um povo é um corpo com um espelho no centro. Ora, se se põe este corpo a olhar-se ao espelho que ele próprio traz no seu centro vai gerar imagens de outros corpos com mais corpos no seu centro, e assim sucessivamente, até ao infinito (Pires, 1999 : 69-79). Les miroirs de Livro Usado exigent le regard vers la lumière et les reflets, entraînent les gestes et étant « espelhos convexos arredondam os cruzamentos » (Pires, 2001 : 13). Le métro qui traverse Shinjuku, Ueno, Ikebukuro, Shibuya et Ginza est, d’une certaine façon, le miroir de toute une ville, une autre partie de la ville (Pires, 2001 : 15). Les fenêtres deviennent miroirs dans le train, la vanité des femmes, la méfiance d’un homme et la lumière des avenues: um homem de preto urina contra a parede de espelho – olha a sua imagem invertida com desconfiança (Pires, 2001 : 40). As avenidas amplas e silenciosas, com reflexos nos vidros negros e uma ou outra bicicleta solitária (Pires, 2001 : 63). Do Sol est le foisonnement des reflets et des miroirs : c’est le miroir de Rita (Pires, 2004 : 129) et de l’auteur noir (Pires, 2004 : 133), celui au-dessus de la table aux légumes; le grand miroir de la salle de Marisa (Pires, 2004 : 139), le miroir déclencheur de la mémoire de Aurora (Pires, 2004 : 142); celui du plateau sous les ordres du metteur en scène devant l’acteur noir (Pires, 2004 : 133); le rétroviseur de Rita observant Pim (Pires, 2004: 200); le miroir de Pedro, « Alice do outro lado do espelho » (Pires, 2004 : 218), le miroir de sa vie, de la douleur et du fou rire – « olho-me no espelho a sangrar » (Pires, 2004 : 219). C’est le miroir de Haroldo, l’image aveugle réfléchie sur le miroir 204 d’en face; le miroir de Aurora qui découvre le secret de la mort et de l’indifférence : enquanto no espelho descubro um sinal na nuca, um sinal novo, na minha nuca por baixo do cabelo, num dos lugares secretos do corpo: vou morrer. E o coração pulsando, e tantas lembranças e imagens para a frente e para trás, tantas imagens sem explicação; e no espelho agora a minha cara forte (olhos abertos, lábios fechados), quase indiferente (Pires, 2004 : 49). La caméra à la main, choisissant la façon de regarder, construisant le montage interne et créant la syntaxe cinématographique, le narrateur fictionnel de Jacinto Lucas Pires énonce l’échelle des plans. Le narrateur crée le plan général de la ville japonaise qui s’éloigne – « A cidade deslizando, afastando-se, cada vez mais pequena e mais fácil de olhar » (Pires, 1998 : 67). Les gros plans présentent la statue toute blanche observée par José (Pires, 1998 : 80) et l’assiette de purée – un peu à la manière de Robbe-Grillet – (Pires, 1998 : 86-87) de Azul-Turquesa; et le corbeau de Livro Usado. Les très gros-plans définissent le gros-plan du visage d’un homme à Azul-Turquesa (Pires, 1998, 10). Do Sol présente la séquence de gros plans et de très gros plans, en plongée, des jambes, de la bouche ensanglantée et de chaussure seule et abandonnée, lors du viol de Rita (Pires, 2004 : 170). Le couple qui s’embrasse et le regard de José sont crées par des plans dont on choisit la durée: « a coisa dura uns bons dezassete segundos » (Pires, 2004 : 14) ; « José olha-a do lado de lá do vidro por um segundo e depois vai sentar-se » (Pires, 2004 : 58). Le narrateur construit, dans l’indiscutable différence entre l’oeil humain et la caméra, le vertige de l’énumération et, dévoilant les secrets des mouvements de la caméra, présente le plan panoramique. Celui des gens au métro et à la Feira Popular et ceux observés par Maria à travers la fenêtre du taxi (Pires, 1998 : 10, 14, 25) dans Azul-Turquesa et celui de la salle dans Os Olhos (Pires, 1996 : 64) de Para Averiguar o Seu Grau de Pureza. C’est le plan panoramique de Aurora devant l’étagère de la cuisine (Pires, 2004 : 20) dans Do Sol. Les plans panoramiques de la foule à Shinjuku (Pires, 2001 : 7-8) et à Ikebukuro (Pires, 2001 : 13) et les plans nocturnes de Livro Usado: Na noite dois rapazes de fato, dos que aliciam clientes para os bares e para as casas de prostituição, jogam às palminhas numa esquina enquanto não vem ninguém. Um homem de fato e gravata passa de bicicleta com uma nota de 1000 ienes na boca. No fim da rua um homem-sanduíche, com cartazes no peito e nas 205 costas onde, entre caracteres japoneses e pontos de exclamação, se lê amusement et apple, dá três passos, pára e volta para trás; depois mais três, pára e dá de novo meia volta (Pires, 2001 : 14). La fléxibilité du montage interne entraîne la séquence des plans et justifie le regard cinématographique du narrateur. Livro Usado présente la séquence du jardin du temple (Pires, 2001 : 24) ; de l’avenue Karasuma (Pires, 2001 : 38) et de la coline de Shiroyama (Pires, 2001 : 67). Para Averiguar o Seu Grau de Pureza présente le regard cinématographique de Palavras (Pires, 1996 : 15), l’échelle des plans pendant la description des gens au restaurant dans Dlim Dlão (Pires, 1996 : 54) et le mouvement de la caméra dans O Vazio pendant les funérailles de la mère (Pires, 1996 : 59). La caméra cherche un angle de captation, et énonce dans le texte littéraire, les plongées et les contre-plongées. Ce sont les plongées qui créent les corps: No écran uma mulher vista de cima, chega a sua casa no meio de uma vasta planície (Pires, 2004 : 58). olhada de cima, do que normalmente se chama o ponto de vista do pássaro, a multidão avança pela rua Augusta, em passo rápido (Pires, 2004 : 211). Maria (…) traz uma carteira ao ombro e olha para baixo, para os seus pés, a andar, esquerdo, direito, esquerdo, direito (Pires, 1998 : 87). Et ce sont les plongées qui énoncent les espaces: le parc de stationnement à Shiroyama (Pires, 2001 : 69) de Livro Usado et la ville « a terra, lá em baixo pequena pequenina, parecia-lhe um céu estrelado de uma noite de Verão, a cidade acendia-se » (Pires, 2001 : 41). La caméra se déplace, accompagne le personnage, traverse l’espace et trouve un nouveau regard optique : déclenche, dans le texte filmique et dans le texte littéraire, la création des travellings et des zooms narratifs. Le travelling est fait par Aurora pendant le voyage d’autobus dans Do Sol (Pires, 2004 : 194), par Maria à travers la fenêtre du taxi (Pires, 1998 : 25) dans Azul-Turquesa. A Casa de Para Averiguar do Seu Grau de Pureza énonce le travelling en arrière : ou, no sentido contrário, a estrada que entra pela terra que se vai repetindo em pinheiros mansos, talvez, um ou outro pinheiro bravo, postes de electricidade, algumas casas inevitavelmente (Pires, 1996 : 50). 206 Le zoom narratif présente les majuscules des affiches (Pires, 1998 : 19, 21); les titres des livres (Pires, 1998 : 61), des placards électroniques (Pires, 1998 : 66), des petits messages collées sur les portes (Pires, 1998 : 74), les noms des boutiques (Pires, 1998 : 92) de Azul-Turquesa et établit le regard soudain d’un détail inattendu dans Do Sol – « o rosto virado para a esquerda. Não se mexe. No pescoço o pormenor fortíssimo do tendão sob a pele » (Pires, 2004 : 18) – et dans Livro Usado – « em Nagasáqui (no chão escuro do cais um alfinete a brilhar) » (Pires, 2001 : 71); – « Hiroshima (…) Vem ali pela primeira vez desde esse dia terrível de 1945 (não sabe bem para onde dirigir o olhar e os dedos finos juntam-se e separam-se, nervosamente) e a filha, uma mulher de talvez quarenta anos, acompanha-o, vigiando-lhe as emoções » (Pires, 2001 : 84). Dziga Vertov énonce les merveilles et les secrets du montage cinématographique. Jacinto Lucas Pires construit la superposition, le croisement des images, la séquence de plans très courts, des petits flashes du montage impressioniste selon Marcel Martin, dans Livro Usado (p. 104), Para Averiguar o Seu Grau de Pureza e Dois Filmes e Algo de Algodão (Pires, 1999 : 27). Le foisonnement des voix simultanées définit les procédés du montage alterné dans Azul Turquesa e Do Sol. Film muet, sans titres explicatifs, L’Homme à la Caméra énonce les images, les plans fixes, les photogrammes et les affiches. Pour Jacinto Lucas Pires l’image est inévitable. Partout il y a des écrans géants, des images télévisées, des annonces, des slogans, des séquences filmiques dans des salles de cinéma ou devant la télé, des cartes postales, des photos et des dessins d’architecte. Jacinto Lucas Pires crée une image nourrisssante. L’aveuglement de Haroldo exige une obsessive description des images dans Do Sol, les sons de l’aveugle Haroldo sont, paradoxalement, le cadrage des images absentes et la création des images racontées par Aurora dans Do Sol. Passionné du cinéma, Jacinto Lucas Pires exige la présence d’une image créatrice. Dans Sombra e Luz (Para Averiguar o Seu Grau de Pureza) il accomplit la fusion sexuelle entre l’ombre et le reflet. C’est le moment où l’on tombe « […] le réalisateur cherchait à faire ressentir au spectateur des impressions pénétrantes en lui assénant des séries de flashes ultrarapides à la vitesse d’une rafale de mitrailleuse » (Martin, 1955 : 126). « Précisons cependant que la frénésie du montage dit “ impressionniste ” (par analogie avec la technique de fragmentation en taches colorées des peintres du même nom, mais plus encore par analogie avec la musique qui vise à produire une vive impression sensorielle) » (Martin, 1955 : 129‑139). 207 amoureux de l’image. C’est bien la passion de l’image, la fuite du réel, la création et la superposition des images: À minha frente estava um homem com duas caras. O comboio atravessava a noite escura. Uma cara olhava-me do vidro, por dentro dela passavam quintais, luzes, casas negras, pessoas, luzes, árvores de braços cortados luzes, a outra, que o homem tinha sobre o pescoço, via o que lá fora era de ver. Os dois olhares, não sei como, não se cruzavam. Era estranho aquilo. O reflexo era mais real do que a coisa reflectida (Pires, 1996: 19). A sombra do que eu era tinha-se apaixonado pelo teu reflexo (Pires, 1996 : 20). Daqui a três meses a minha sombra vai dar à luz. Um rapaz, foi o veredicto das máquinas que me viram por dentro, a noite escura, uma cara olhava-me do vidro (Pires, 1996 : 22). Dans Livro Usado, Jacinto Lucas Pires devient un homme à la caméra parcourant les différentes villes du Japon et les différents quartiers de Tokyo. L’expérience d’observation fait naître les rythmes, les gestes, les vitesses et les regards des personnages quotidiens d’une ville. Comme un film muet, il éprouve l’absence des mots car il est devant un alphabet et une langue totalement inconnus. Livro Usado c’est la construction des images et des regards sur le Japon. À la fin, la nuit qui tombe, forcée, noire est un véritable cut. Il parcourt le Japon, la caméra littéraire sur l’épaule et le cinéma dans la mémoire. Il établit, lui aussi, le double mouvement métaphorique qui lie les techniques cinématographiques, la magie des mots, le corps humain et le tissu urbanistique. Il affirme, pendant une interview accordée au recueil Literatura e Cinema: – « Sinto-me muito mais próximo dos cineastas que dos escritores (…) Talvez se não houvesse cinema eu não existisse. Interessa-me criar flashes de imagens » (Sousa, 2003). Il ne s’appelle pas Dziga Vertov mais il est un HOMME À LA CAMÉRA. Références Bibliographiques Martin, Marcel (1955): Le Langage Cinématographique. Paris: Éditions du Cerf. Pires, Jacinto Lucas (1996): Para Averiguar o Seu Grau de Pureza. Lisboa: Edições Cotovia. ——— (1997): Universos e Frigoríficos. Lisboa: Edições Cotovia. 208 ——— (1998): Azul-Turquesa. Lisboa: Edições Cotovia. ——— (1999): Dois Filmes e Algo de Algodão. Lisboa: Edições Cotovia. ——— (2001): Livro Usado. Lisboa: Edições Cotovia. ——— (2004): Do Sol. Lisboa: Edições Cotovia. Sousa, Sérgio Paulo (2003): Literatura & Cinema. Coimbra: Ed. Angelus Novus. Références Filmographiques Federico Fellini (1963). Otto e Mezzo. ——— (1973). Amarcord. ——— (1983). E la Nave Va. Dziga Vertov (1929). L’Homme à la Caméra. 209 BREVE APONTAMENTO SOBRE O CINEMA AVANT LA LETTRE Sérgio Guimarães de Sousa Universidade do Minho Un roman, c’est un miroir qui se promène sur une route. Stendhal Homero é cinematográfico, Dante é cinematográfico, Pound e Eliot são cinematográficos. Herberto Helder 1. A literatura e o cinema, salvaguardando peculiaridades irredutíveis, têm bastantes aspectos em comum. Compartilhando o facto de serem modos narrativos (o narrativo verbal e o narrativo audiovisual), embora com um suporte expressivo distinto (daí o recurso a procedimentos discursivos distintos – o discurso fílmico assenta na dimensão icónica, a literatura rege‑se pelo código verbal – e a níveis e processos de representação diferenciados), mas não isento de pontos de contacto, o texto literário e o texto fílmico consubstanciam um universo ficcional com perspectivas de narração e de axiologia. Ao invés do que sucede no texto pictórico ou musical, a vitalidade e as potencialidades de representação tanto da narrativa literária como da narrativa fílmica tecem-se a partir de dominantes funcionais que perfazem e configuram o relato: a personagem, o espaço e a acção. São estas três as categorias basilares e indispensáveis que regem a enunciação discursiva e que dão corpo à sintaxe narrativa . Ou, para tomar de empréstimo as palavras de E isto para não falar no recurso a inúmeros expedientes técnico-narrativos (como a paralepse, o sumário, etc.) que dinamizam uma narrativa, seja ela literária ou não-literária. 211 Vítor Aguiar e Silva, diríamos que o cinema é, «tal como a literatura e ao invés da pintura, […] uma arte temporal e por isso mesmo apta a construir e comunicar histórias, no seu fluir e nas suas transformações e não apenas numa das suas situações ou num dos seus estádios» . A vocação narrativa destes dois sistemas semióticos – o cinema e a literatura –, com as invariantes discursivas que o trabalho narrativo implica, aproxima-os, portanto, inegavelmente. Por exemplo, recorrendo novamente a Aguiar e Silva: «O texto narrativo, como é sabido desde a análise de Platão sobre a diegese e a mimese poéticas, pressupõe sempre uma instância doadora do discurso» . E se prestarmos atenção aos trabalhos narratológicos de François Jost , vemos uma tentativa de redefinir a perspectiva narrativa cinematográfica em termos de ocularização (ponto de vista visual) e auricularização (ponto de vista sonoro), e isso no sentido de circunscrever o ponto de vista perceptivo que mediatiza a representação, vale dizer, a localização do narrador perante o que narra. Não obstante as peculiaridades da literatura, esta reformulação é aplicável ao texto literário e não lhe desmerece pertinência . «No cinema» – escreve Lotman – « (e é aqui que surge a sua natureza narrativa), o ponto de vista como princípio de construção do texto é do mesmo tipo que o do romance, não se assemelhando ao da pintura, ao do teatro ou ao da fotografia» , mesmo tendo presente que as categorias narratológicas não se deduzem mecanicamente das propriedades semiológicas de uma matéria de expressão . Não é de estranhar, assim, que o cinema, como arte narrativa que é, receba um precioso legado discursivo da literatura (e vice-versa, se pensarmos nos autores da Lost Generation, nos autores surrealistas ou nos escritores afectos ao nouveau roman). Muito do valor estético de Intolerância, de Griffith, é, como sabemos, tributário das leituras que o realizador fez de Dickens; ou, só para mencionar outro exemplo da recepção da literatura num grande realizador, veja-se como Eisenstein, notável leitor de grandes textos literários, parece Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria e Metodologia Literárias. Lisboa: Universidade Aberta, 1990, p. 178. Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 225. Cf. François Jost, L’oeil-caméra. Entre filme et roman, 2e édition. Lyon: Presses Universi taires de Lyon, 1987. Cf. François Jost, op. cit., p. 105. Yuri Lotman, Estética e Semiótica do Cinema. Lisboa: Editorial Estampa, 1978, p. 84. Cf. François Jost, op. cit., p. 151. 212 colher ensinamentos de montagem – ou confirmar a sua genial intuição – em Bel Ami de Maupassant. O trecho reporta-se à cena em que Georges Duroy espera num fiacre por Susana, que prometera fugir com ele à meia-noite. […] Maupassant teve a necessidade de transmitir a tonalidade afectiva da meia‑noite, não se contentou em ter posto um relógio a tocar doze vezes e depois uma. Fez-nos reviver a sensação de meia-noite fazendo ecoar as doze badaladas em diferentes lugares e em instantes diferentes. À medida que se adicionam na nossa consciência, todos estes sons se organizam num sentimento global da meia-noite. As representações isoladas combinam-se numa imagem. E este resultado é obtido pelos mais rigorosos processos de montagem. O exemplo em questão é verdadeiro modelo de montagem requintada em que a sonoridade das doze badaladas vem inscrever-se sobre toda uma série de planos: «um relógio distante», «um outro mais próximo», «um último muito ao longe». Trata-se de badaladas de relógios tomadas a distâncias diversas, como que fotografadas em escalas diferentes e repetidas numa série de três sequências, em plano geral, em plano americano e em panorâmica… Além de que o som dos relógios, ou melhor, a sua dissonância, não é de modo algum escolhida aqui como um detalhe naturalista do Paris nocturno. Por meio dessa dissonância, o que permanece como obsessão é a imagem afectiva «meia-noite, hora do Destino», e não o simples aviso: «zero horas». Se tivesse simplesmente desejado trazer ao nosso conhecimento que era meia‑noite, Maupassant não teria seguramente recorrido a este rebuscado processo de escrita. E, paralelamente, sem o processo de montagem que escolheu, nunca teria obtido, com a máxima economia de meios, um efeito de emoção tão intensa . 2. Num texto notável de Bernard da Costa, com a lucidez iluminante que o caracteriza, descubro uma passagem de Diderot que não resisto a transcrever. Trata-se, como explica Bénard da Costa, de um texto escrito em 1775 – ou seja: aproximadamente século e meio antes dos irmãos Lumière –, no qual o filósofo traça um cenário que lembra, sem sombra de dúvida, o espectáculo cinematográfico. Querendo transmitir a um amigo, Grimm, um quadro de Fragonard («Le grand prétre Coresus s’imole pour sauver Callirhoé»), que teve a oportunidade de ver no «Salon de 1765», Diderot narra um sonho que terá tido na noite precisamente do dia em que contemplou a pintura, dia esse em que, além do quadro, também se ocupou com a leitura do Livro VII da «República» de Platão (onde temos a famosa alegoria da caverna). Pois bem, Serguei Eisenstein, Reflexões de um Cineasta. Lisboa: Arcádia, 1972, pp. 139-140. 213 a alegoria da caverna de Platão surge, com Diderot, enormemente aparentada (150 anos, repita-se, antes dos irmãos Lumière) a uma representação cinematográfica. Dizia o filósofo enciclopedista ao amigo Grimm isto: Pareceu-me que estava fechado no lugar a que se chama o antro desse filósofo. Era uma longa caverna escura. Eu estava sentado entre uma multidão de homens, mulheres e crianças. Estávamos todos de costas voltadas para a entrada do recinto e só podíamos ver o fundo do recinto, coberto por uma tela imensa. Sentado entre nós e à entrada da caverna estava um grupo de charlatães, de artistas de ilusões, com uma provisão de figurinhas transparentes e coloridas. Por detrás delas havia uma grande lâmpada suspensa, à luz da qual expunham as figurinhas, cujas sombras, projectadas por cima das nossas cabeças, se dilatavam e aumentavam até se imobilizarem na tela estendida no fundo da caverna, de modo a nelas formarem cenas tão naturais e tão verdadeiras que as tomávamos como reais e que tanto nos faziam rir a bandeiras despregadas como chorar a pedras da calçada. Por detrás da tela, coisa ainda mais estranha, havia funâmbulos subalternos, empregados dos outros, que davam às sombras as vozes, os discursos e os tons das personagens que as representavam . Este trecho de Diderot, é certo, não passa evidentemente de uma intuição visionária. Mas como não pensar, a este propósito, e para entrarmos directamente no assunto, em todos aqueles textos literários, bem anteriores à sétima arte, onde é possível detectar técnicas de composição e expedientes narrativos que, à primeira vista, parecem decalcados ou tributários da linguagem cinematográfica? Se é perfeitamente compreensível a influência, por vezes decisiva, que o cinema exerceu no domínio da criação literária, que dizer acerca dos processos de montagem, tal como os conhecemos do cinema ou muito afins do registo fílmico, que encontramos, por exemplo, nos textos homéricos? Como interpretar em Flaubert (ou porventura em Eça) lances descritivos que mais não parecem do que imitações dos movimentos de uma câmara cinematográfica? Ou, ainda, que pensar das palavras do realizador brasileiro Júlio Bressante, autor de uma transposição para o cinema de Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando afirma o seguinte: O filme se chama Brás Cubas. Não é um livro. É um filme. Desmembrei o livro e descobri nele o Brás Cubas-livro, o Brás Cubas-música, o Brás Cubas-pintura. Dessa dissecação nasceu o filme, fundamentalmente porque senti na prosa do escritor Apud Bénard da Costa, «Os Últimos ou os Primeiros Cem anos do Cinema?», in Senso, n.º 1 (1995), p. 10. 214 conceitos de montagem cinematográfica. Isso é fantástico. O livro é de 1880, antes do cinema.10 E note-se que a emergência de marcas presumivelmente atinentes à visualidade fílmica não é exclusiva da prosa. Também na poesia é possível achar dominantes do ecrã. Se por acaso abrirmos O Livro de Cesário Verde (como, de resto, poderíamos, um tanto ao acaso, folhear Os Lusíadas ou, quiçá, Les Fleurs du Mal), não é difícil ceder à tentação de descortinarmos nas hipotiposes prosopográficas e topográficas da poética cesariana efeitos (supostamente) específicos da linguagem da arte sétima (efeitos tão válidos como os que Bressane achou em Machado de Assis). É, por exemplo, notável (e notório) em Cesário Verde (poeta, por excelência, das sensações visuais) a presença – em 1887 – de escalas do olhar que parecem ter a ver com a transição de planos de detalhe para planos panorâmicos. Eis, para exemplo, uns conhecidos versos, onde isso parece justamente verificar-se: «E enfim calei-me. Os teus cabelos muito loiros / Luziam, com doçura, honestamente; / De longe o trigo em monte, e os calcadoiros, / Lembravam-me fusões de imensos oiros, / E o mar um prado verde e florescente» 11. Ora bem, convém assinalar que, entre os anos 40 e 60, surgiu um movimento crítico em torno desta questão do cinema avant la lettre (pré-cinema). Tratou-se, pois, decididamente de ler, com o fascínio que caracteriza a descoberta do aprioristicamente improvável, textos anteriores ao cinema, detectando e recenseado, nesses existentes textuais pré-cinematográficos, configurações típicas do discurso fílmico. Ou, se quisermos, tratou-se, em rigor, de ler visualmente narrativas que nunca até à data tinham sido objecto de tal interpretação. E foi assim que um certo conjunto de textos clássicos e canónicos voltaram razoavelmente a surpreender. Como nomes sonantes e de referência deste tipo de crítica literária, mencione-se Étienne Fuzellier 12, Paul Leglise 13, 10 Apud José Carlos Avellar, Literatur im Brasilianischen Film = Brazilian Cinema and Litera ture = Cinema e Literatura no Brasil. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro/Projecto Frankfurt, 1994, p. 122. 11Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde. Lisboa: Edições Ática, 1999, p. 100. 12 Cf. Étienne Fuzellier, Cinema et Littérature. Paris: Éditions du Cerf, 1964. 13Cf. Paul Leglise, Une oeuvre de pré-cinéma, l’Eneide – Essay d’analyse filmique du premier chant. Paris: Nouvelles Éditions Debresse, 1958. 215 Henri Agel 14, Pierre Francastel 15 ou, mais recentemente, Hassan El Nouty 16. Observava, a título de exemplo, Étienne Fuzellier, como quem reconstitui a arqueologia da linguagem cinematográfica: Les cinéastes ne sont pas étrangers à cette enquête. Ils peuvent y trouver la preuve que leur art, dans ses principes les plus profonds, est bien antérieur aux instruments et aux techniques qui lui ont donné la vie materielle; qu’il compte des précurseurs illustres à qui, certes, il a manqué une caméra pour être de grands génies du cinéma – mais à qui, si je puis dire, il n’a manqué que cela… 17 3. Retornemos à questão: como se explica o pré-cinema? Certamente por causa da capacidade intuitiva e inventiva dos escritores, sempre em busca de formas inovadoras para dinamizar o plano da expressão. Escreve Jorge Urrutia: Es claro que los autores anteriores a la segunda mitad del siglo XIX no hubieran podido nunca usar una forma de lenguage como el cinematográfico, pues hubiese sido incomprensible, no solo para sus contemporâneos, sino para ellos mismos. La própria necesidad de expresión que mueve al artista, el deseo de comunicación que experimenta, le lleva a utilizar médios asequibles para su público. Lo que no da pie para negar una oscura intuición, aunque desconociesen precedentes del cinematógrafo en la producción de imagenes (sombras chinescas, linterna mágica, etc.), puesto que la relación debería estabelecerse a una altura distinta, en línea mucho más de descubrimiento intelectual y expresivo que de realización visual 18. Pois bem, a capacidade dos escritores prévios ao surgimento da sétima arte intuírem (obscuramente ou nem tanto) modos de expressão inovadores, 14Cf. Henri Agel, «Sur l’utilization de la syntaxe cinematographique dans l’explication des textes classiques», in Revue Internationale de Filmologie, n.º 34 (1948). 15Cf. Pierre Francastel, Arte t technique. Paris: Éditions de Minuit, 1956. 16Cf. Hassan El Nouty, Théâtre et pré-cinema. Paris: Nizet, 1978. 17Étienne Fuzellier, op. cit., p. 240. 18 Jorge Urrutia, «El cine filológico», in Discursos, n.º 11-12 (1995/1996), p. 42. Refira-se também o que nos diz Herbert Read: «Reduza-se a arte de escrever a seus fundamentos e chega-se a esse simples objectivo: emitir imagens por meio de palavras. […]. Projetar naquela tela interior do cérebro um filme de objetos e fatos, fatos e objetos movendo-se na direção do equilíbrio entre um estado emotivo acima do comum. Esta é uma definição de boa literatura – da realização de todo bom poeta – de Homero e Shakespeare até James Joyce e Henry Miller. É também a definição do filme ideal» (Herbert Read, «A Poesia e o Filme», in José Lino Grunwald (org.), A Ideia do Cinema. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969, p. 46. 216 no âmbito do formato verbal, que remetem de maneira algo flagrante e, por isso, estupenda para a sintaxe do ecrã, correlaciona-se, com certeza, com as chamadas, como diria Umberto Eco, «homologias estruturais» entre a literatura e o cinema. Como sublinha Jorge Urrutia: «El conocimiento del cine ha permitido distinguir con nitidez ciertas construcciones literárias que, de hecho, existian ya anteriormente» 19. Esta pertinente afirmação faz-nos regressar à questão que focávamos no início do nosso artigo: a questão das semelhanças entre a narrativa fílmica e a narrativa literária. Umberto Eco fala, com inteira justeza, na existência de «homologias estruturais» a configurarem a acção e a circularem no contexto dos diferentes géneros artísticos 20. No que se refere concretamente à literatura e ao cinema, diz Eco: Voltando agora às relações entre cinema e narrativa, creio que entre os dois «géneros» artísticos se pode, pelo menos, assinalar uma espécie de homologia estrutural com base na qual se possa prosseguir; é que ambas são artes da acção. E entendo «acção» no sentido que Aristóteles confere à palavra na Poética: uma relação que se estabelece entre uma série de factos, um desenrolar de acontecimentos reduzido à estrutura de base. Que esta acção seja no romance «contada» e no cinema «representada» […] não elimina o facto de, em ambos os casos, ser estruturada uma acção (embora por meios diferentes) 21. E, mais adiante, Eco dá um exemplo de permutas entre a literatura e o cinema: […] o filme pode apresentar como contemporâneas duas cenas passadas em tempos diferentes. Habitualmente fá-lo com parcimónia (representação de recordação, por exemplo…), mas dois filmes como Rapina a mano armata e Salvatore Giuliano baseiam-se exclusivamente no uso intensivo de flash-back: no primeiro caso, para conseguir representar todas as acções paralelas realizadas ao mesmo tempo por diferentes personagens; no segundo, para deslocar a sucessão temporal de uma única acção e dar a sensação de uma verdade dos factos que é delineada confusamente e de modo contraditório, sob a forma de etapas de um inquérito. Ora, não há dúvida de que pelo menos numa medida tão rigorosa e intensa, técnicas deste género foram utilizadas anteriormente pela literatura (pense-se no exemplo […] de Joyce). O facto de serem tomadas de empréstimo à literatura não fez com que estes dois filmes fossem acusados de «literários»; e, de facto, não se 19 Jorge Urrutia, Imago Litterae. Sevilha: Ediciones ALFAR, 1984, p. 70. Umberto Eco, A Definição da Arte. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 190 e ss. 21Umberto Eco, A Definição da Arte, op. cit., pp. 191-192. 20Cf. 217 pode afirmar que os realizadores tivessem na cabeça modelos literários. A única coisa que se pode legitimamente afirmar é que existem homologias estruturais na maneira de estruturar a acção em filmes deste género e em obras narrativas como as de Joyce e de Robbe-Grillet 22. Parafraseando um tanto Umberto Eco, diríamos que o facto de livros anteriores ao cinema ostentarem procedimentos narrativos que lembram a estética cinematográfica (montagem de cenas, visualidade vincada, percepção do real em movimento, etc.) não significa, claro, que os escritores tivessem na cabeça modelos fílmicos. Existem é estruturas que o cinema, como arte narrativa que é, também passou a dominar e que a literatura, antes da linguagem fílmica, usava em seu benefício. Para terminar, assinale-se uma última ideia que, ao que creio, também é susceptível de ajudar a entender a presença de representações visuais, aparentáveis às do cinema, localizadas no contexto literário pré-fílmico (Cesário Verde, Machado de Assis, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, etc.). O texto literário, dotado que é de densidade e de espessura semântica, constitui-se, como nos ensina a praxis hermenêutica pluralista, como uma entidade pluri-isotópica e plurissignificativa 23. Isto significa que a literatura se presta, supondo que tem pela frente um leitor capaz, a uma constante actualização das suas virtualidade pragmo-semânticas e que essa actualização pode obedecer a uma perspectiva fílmica. Por outras palavras: o diálogo, que pode atingir a proporção de uma fascinante e inesgotável fecundidade, que se estabelece entre, por uma parte, o horizonte textual e, por outra parte, o horizonte de expectativas de um leitor arguto e competente, histórica e culturalmente contextualizado, efectiva-se a vários níveis, entre os quais possivelmente a dimensão visual do texto literário. E isso ainda que tendo pela frente textos anteriores ao século XX. De facto, não sendo despropósito ler (com uma leitura potencialmente feliz do ponto de vista narrativo), digamos, textos medievais pelo viés, por exemplo, da ‘vidência’ psicanalítica de Lacan ou com outra qualquer teoria interpretativa 24, sem que estas exegeses 22Umberto Eco, A Definição da Arte, op. cit., pp. 193-194. 23A literatura é, pois, como diria Umberto Eco, em Porquê «O Nome da Rosa»?. Lisboa: Difel, 1991, p. 10, uma «máquina de criar interpretações». 24Ou, o que é muitíssimo mais empolgante, dispensando grelhas de leitura, que não rara mente, até pela ilusão de inteligibilidade total de que se arrogam, se revelam desoladoramente estéreis. 218 desemboquem, por certo, em licenciosidade hermenêutica (ou pulverizações subjectivas), não o é menos aceitar que os leitores actuais, imbuídos que estão de imagens de cinema (e não me custa a crer que um bom leitor de literatura seja um razoável cinéfilo), leiam os textos literários, inclusive aqueles mais recuados que são extemporâneos à sétima arte, numa perspectiva privilegiadamente visual 25. Apetrechados de conhecimentos fílmicos, somos bem capazes de aumentar forçosamente o nosso grau de percepção do texto literário, ou seja, nutridos de sétima arte, potenciaremos, ao fim e ao resto, a nossa interacção com a literatura, prestando atenção a aspectos e valorações textuais que, caso desdenhássemos as técnicas que o ecrã ostenta, passariam certamente despercebidas. O cinema vem assim como que volver-se, na mente do leitor, em categoria heurística. É mais um instrumento ao serviço da busca e da indagação, constituindo uma perspectiva crítica suplementar para abordar o texto literário de um modo inteligente e sensível (nomeadamente em contexto de sala de aula). Como já dizia, com inegável justeza didáctica e pedagógica, Étienne Fuzellier: «une analyse cinematographique de la qualité et du rythme des images peut servir à les mettre en relief mieux qu’une autre analyse littéraire» 26. 25 Por outras palavras ainda (na esteira de Eco): que os passeios inferenciais que fazem, solicitando cooperações de sentido, e que as hipóteses de leitura que encetam, a despeito dos textos serem ou não posteriores à linguagem cinematográfica, não se furtem a quadros referenciais fílmicos. 26Étienne Fuzellier, op. cit., p. 277. Vide também, de Étienne Fuzellier, «De l’emploi du cinema dans l’enseignement littéraire», in Image et son, n.º 66 (1953). 219