full pdf

Transcription

full pdf
FIGURA
Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica
Nº 3 • 2015
FIGURA
Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica
Nº 3 • 2015
ISSN 2317-4625
www.figura.art.br
Editors
Cássio Fernandes
Patricia Meneses
Alexandre Ragazzi
Editorial Board
Evelyne Azevedo
Maria Berbara
Fernanda Marinho
Luiz Marques
Tamara Quírico
International Advisory Board
Jens Baumgarten
José Emilio Burucúa
Liana de Girolami Cheney
Gerardo de Simone
Maurizio Ghelardi
Claudia Valladão de Mattos
In copertina: Giovanni Francesco Romanelli, Putti che pescano, 1637, Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro.
_________________________________________________________________________
CONTENTS
DOSSIER “COLEÇÃO EVA KLABIN”
Apresentação ............................................................................................. 03
Marcio Doctors
O ideal da beleza apolínea: Considerações sobre
a noção de cópia na arte romana ............................................................... 07
Evelyne Azevedo
O Descanso na Fuga para o Egito de Adriaen Isenbrandt da
Fundação Eva Klabin: Notas sobre sua atribuição e iconografia ............... 23
Maria Berbara
Gianfrancesco Romanelli, a idade de ouro Barberini e
a pintura barroca em Roma no Seiscentos ................................................ 39
Elisa Byington
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo e
o debate em torno do Maneirismo .............................................................. 53
Fernanda Marinho
Devoção por imagens: Pinturas e culto privado na
Itália entre os séculos XIII e XV .................................................................. 79
Tamara Quírico
O Marte de Giambologna: Sobre o colecionismo de
modelos preparatórios e estatuetas de bronze ........................................ 107
Alexandre Ragazzi
ARTICLES
Bernardino Poccetti’s ceiling of the loggia in
Palazzo Marzichi-Lenzi: An iconological study ......................................... 135
Liana De Girolami Cheney
Titien, poète de l’entre-deux mondes:
Pour une nouvelle approche de la Vénus du Pardo ................................. 177
Emmanuel Ussel
The anthology of Mannerism and
the rhetoric category of Eugenio Battisti’s L’Antirinascimento .................. 201
Fernanda Marinho
À la recherche des Donatello perdus, de Florence à Berlin ..................... 227
Neville Rowley
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
d’Eugène Delacroix................................................................................... 255
Luciana Lourenço Paes
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
v
DOSSIER
FUNDAÇÃO EVA
KLABIN
1
Marcio Doctors
2
Apresentação
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
APRESENTAÇÃO
Marcio Doctors
Fundação Eva Klabin – FEK
A Casa-museu Eva Klabin tem por missão preservar, conservar e divulgar
a residência e a coleção de Eva Klabin, destacando as características
específicas de uma casa-museu de colecionador. A visão é torná-la
referência das múltiplas relações possíveis entre arte e vida (por ser
originalmente casa) e entre os diferentes tempos, estilos, culturas e
saberes abrangidos por seu acervo (por ser um museu). Seu compromisso
curatorial é manter os olhos voltados para a tradição da arte do passado e
atentos para as constantes transformações da arte do presente,
estimulando novas dinâmicas que rompam com o tempo engessado que
uma casa-museu pode desencadear por suas características específicas, e
estabelecendo relações entre o legado a ser preservado e os interesses
das novas gerações, que são os verdadeiros herdeiros desse legado.
A partir dessa visão, foi coordenado com o Instituto de Artes da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), através da professora
Maria Berbara, um curso denominado A Tradição clássica na Fundação
Eva Klabin, o qual teve como proposta e objetivo trazer o conhecimento da
academia para dentro do museu, tendo como ponto de partida obras da
coleção que serviriam como deflagradoras das conferências apresentadas.
Cada um dos professores escolheu obras que pudessem ilustrar e / ou
exemplificar os períodos da história da arte e os recortes temáticos ou
estilísticos abordados nas suas apresentações. Dessa maneira
procuramos, através das palestras, enriquecer as informações sobre o
acervo a partir das óticas dos estudiosos, acrescentando outras camadas
de leitura possíveis para a coleção, atualizando-a com o pensamento
produzido na universidade.
3
Marcio Doctors
Apresentação
O curso teve duração de sete meses, com palestras uma vez por mês, e
os professores desenvolveram leituras originais, buscando relacionar o
foco de suas pesquisas a exemplares da coleção.
Evelyne Azevedo tratou da escultura e do espaço na Antiguidade, no Egito,
Grécia e Roma. Em dois módulos, desenvolveu “diferentes aspectos que
envolvem a criação tridimensional da escultura, [...] tanto o próprio espaço
da peça, quanto o lugar do observador”, revelando questões pouco usais
para os leigos nas análises da escultura antiga e abrindo toda uma outra
percepção de como esses elementos eram pensados e vivenciados na
Antiguidade clássica. Obras de referência da coleção: Estátua de oficial,
Egito, Médio Império ao II período intermediário, c. 2040-1550 a. C. e
Estatueta de Vênus com diadema, Apolo arqueiro e Hércules com pele de
leão, Grécia/Roma, século I a.C. ao V d.C.
Fernanda Marinho apresentou palestra sobre o clássico e anticlássico na
iconografia mariana “através dos divergentes contextos artísticos de
Flandres e da Itália do século XVI”, e “as repercussões da crise políticoreligiosa do Renascimento e suas decorrências formais anticlássicas”. O
clássico e o anticlássico constituem uma pulsão que atravessa toda a
história da arte, criando uma dinâmica de rupturas que alimenta a arte
como processo constante de mudança e reinvenção. Obras de referência
da coleção: Andrea del Sarto, Nossa Senhora com o Menino e São João,
Itália, século XVI e Mabuse, Madona com Menino, Países Baixos, c. 1520.
Elisa Byington abordou em sua apresentação o nascimento do barroco,
destacando-o como “um momento em que a imaginação se aliou às
técnicas do ilusionismo espacial para encenar o espetáculo da natureza
em movimento”. Trouxe uma contribuição importante para o acervo da
casa-museu ao mostrar os outros cartões de tapeçaria de Romanelli da
série Meninos pescando, obra ícone da fundação. Obras de referência da
coleção: Giovanni Francesco Romanelli, Meninos pescando, Roma, Itália,
c. 1639 e José Ribera, São Jerônimo Penitente, Nápoles, Itália, 1620-1630.
4
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Maria Berbara analisou “as principais características da corrente pictórica
denominada, pela crítica, “tradição primitivista flamenga”. Foi uma
contribuição fundamental para a coleção Eva Klabin, já que havia um
déficit de informação grande a respeito das duas obras analisadas pela
professora e que são fundamentais para entendermos as características
estilísticas e o contexto histórico desse momento tão rico que foi a
Renascença do norte europeu. Obras de referência da coleção: Jan
Provost, Madona, Menino e dois anjos, Flandres, 1510-1520 e Adriaen
Isenbrant, Madona com Menino e paisagem, Flandres, c. 1530.
Tamara Quírico apresentou na sua palestra o uso da pintura como
devoção doméstica de imagens religiosas na passagem entre a Idade
Média e o início da Renascença. Além das análises estilísticas e formais
desses pequenos painéis religiosos, foi analisada uma característica pouco
conhecida de pinturas que cumpriam função religiosa privada na Itália
entre os séculos XIV e XV, revelando a origem dessa tradição, que se
mantém viva até os dias de hoje, de imagens religiosas de devoção
doméstica. Obra de referência da coleção: Sano di Pietro, Madona com
Menino, Itália, século XV.
Alexandre Ragazzi finalizou o curso falando sobre o “grande interesse por
estatuetas de bronze que surgiu entre os mais intelectualizados habitantes
de Florença” dos séculos XV e XVI a partir de uma obra importante da
coleção, a estatueta de Guerreiro de Giambologna. Desenvolveu sua
apresentação demonstrando como esse gosto foi desenvolvido ao longo
dos séculos seguintes, quando passaram a ser colecionados modelos
preparatórios para esculturas de grande porte. Obra de referência da
coleção: Giambologna, Guerreiro (Marte), Itália, 1565-1570.
A casa-museu Eva Klabin sentiu-se honrada de poder acolher um curso
sobre a tradição clássica que se utilizou de exemplares da sua coleção
como referência, e é imensamente grata pela generosidade com que os
palestrantes dividiram seus conhecimentos com o público interessado e a
maneira como suas leituras da história da arte enriqueceram o acervo.
Gostaria de agradecer à professora Maria Berbara por ter aceito o convite
5
Marcio Doctors
Apresentação
para estruturar esse curso e a todos os palestrantes pela excelência de
suas contribuições.
Tenho a convicção de que a parceria entre museu e universidade é a
maneira mais positiva de fazer os museus retornarem a uma de suas
funções primordiais que é a de ser um centro de estudo e pesquisa da
história da arte a partir de suas coleções. Quanto mais conteúdo for
produzido, mais próximo estaremos da realidade do museu como
ferramenta de vivência pedagógica da maior importância para o universo
da educação e mais próximos estaremos da ideia de que uma coleção é
uma obra em processo, passível de desdobrar-se em múltiplas camadas
de leitura, revitalizando sempre seu sentido, ideias e percepções de acordo
com sua época, como um grande dicionário vivo e pulsante do passado no
presente.
6
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
O IDEAL DA BELEZA APOLÍNEA:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A NOÇÃO DE
CÓPIA NA ARTE ROMANA
Evelyne Azevedo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
“... por este lugar passa toda a história do mundo” 1 . Quando Goethe
escreveu estas palavras, em Roma, no dia três de dezembro de 1786, ele
estava inspirado pelas concepções artísticas de Winckelmann e pela ideia
de que os romanos haviam copiado o que havia de melhor entre os
gregos. Ao falarmos sobre a arte romana, a primeira noção que deve ser
abordada é a de que, durante muito tempo, ela foi considerada pelos
estudiosos como uma mera continuidade da arte grega, quando não um
reflexo decadente da segunda2. O que Goethe ignorava, no entanto, é que
a imensa maioria daquilo que ele via, tinha sido apropriado pelos romanos
na Antiguidade. Além das famosas “cópias romanas” de “originais gregos”,
eles levaram para o território italiano objetos, materiais e mão-de-obra de
todos os lugares dominados por eles.
No entanto, estabelecer que a arte romana centrava-se apenas na ideia de
copiar tudo aquilo que não pudesse ser apoderado por eles, implica em
estender àquela a noção moderna de invenção artística e autenticidade3.
Desta forma, acreditava-se que a cópia servisse para dar conta da
ausência de originais e que quanto maior o seu número, maior o sucesso
do seu modelo. Como, por exemplo, o amplamente citado caso do
Discóbulo – de cujo tipo são conhecidas quatro esculturas; ou ainda do
1
GOETHE, J. Viagem à Itália. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2001, p. 182.
2
De acordo com Ward-Perkins, foi apenas no início do século XX, com os estudiosos da Escola de
Viena seguidos pelos italianos, que essa noção começou a mudar e se começou a falar em uma
“romanidade”. WARD-PERKINS, J. D. “Greek and Roman Art: contrast and continuity.” In: Ata do XI
Congresso de Arqueologia Clássica. Londres: 1978, p. 105.
3
ANGUISSOLA, A. Difficillima Imitatio. Immagine e lessico dele copie tra Grecia e Roma. Roma:
L’Erma di Brestchneider, 2012, p. 15.
7
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
Diadoumenos, cujo número de peças conhecidas indicaria seu sucesso de
público4.
A Cabeça de Apolo [Fig. 1] pertencente à coleção greco-romana da
Fundação Eva Klabin consiste em um bom exemplo para levantarmos
algumas destas questões. Seria ela um original grego ou uma cópia
romana? Qual a sua procedência? Existem outras esculturas que
representem este mesmo modelo? Segundo Luciano Migliaccio, no
Catálogo da Fundação:
A escultura grega da segunda metade do século V a. C.
representa um momento fundamental na história da arte
ocidental, constituindo durante séculos modelo de
perfeição pelo seu equilíbrio entre um sistema de
proporções baseado em sofisticados conhecimentos
geométricos e matemáticos e verossimilhança na
representação da natureza. A Grécia saindo vitoriosa
sobre os persas exaltou os próprios ideais de liberdade,
força e heroísmo individual na figura do jovem herói e do
atleta e condensou o supremo ideal de perfeição e beleza
além do humano na imagem de Apolo, deus do sol, da
música, símbolo da luz da razão, que guia o pensamento
e a razão humanas à compreensão do mundo. O
fragmento da Fundação Eva Klabin é identificado como
sendo o rosto de uma estátua dessa divindade. O estado
de conservação da obra permite apenas perceber uma
sombra dessa síntese única entre o elemento ideal,
abstrato, no volume sólido e na proporção da cabeça que
devia governar as proporções do todo, e o naturalismo da
execução, que traduz a maciez e a sensualidade da pele
juvenil, quase feminina, através do controle da passagem
da luz nas superfícies. As esculturas gregas executadas
em mármore eram freqüentemente pintadas e destinadas
a ornamentar a arquitetura dos templos: o fragmento
Klabin possui um encaixe na parte superior do crânio que
4
8
Noção essa que aparece ainda na obra de Zanker, A arte romana, publicada originalmente em
alemão em 2007, entre as páginas 40-41 da edição italiana de 2012.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
faz pensar que pudesse servir de apoio para uma cornija
ou um entablamento. No entanto, os globos oculares são
vazados para permitir a colocação de olhos de vidro,
como era praticado no caso das esculturas em bronze.
Esse detalhe e o material utilizado, que não parece
mármore pentélico ou de Paros, faz pensar que possa
tratar-se de uma cópia realizada na Magna Grécia, já na
época romana, a partir de um original grego da época
áurea da escultura5.
Seria ela então fragmento de uma escultura utilizada na decoração de um
templo, datada do período áureo da arte grega? Ou tratar-se-ia de uma
peça realizada em solo italiano, na região da Magna Grécia, produzida
para os mercados das colônias gregas do sul da Itália? Ou ainda, uma
cópia romana, realizada na Grécia? Ou então uma cópia romana realizada
em solo italiano por artistas gregos? Outro topos frequente no estudo da
arte antiga é a definição cronológica dos diferentes períodos. Comumente,
estabelece-se que a Arte Grega é definida pela sucessão de seus períodos
artísticos, sendo eles o Arcaico, o Clássico e o Helenístico cujo fim se dá
com a dominação romana. Já a arte romana abarcaria toda a produção
artística desenvolvida dentro de seu limis até a divisão do Império Romano
em Ocidente e Oriente.
Devemos a Johann Joachim Winckelmann esta divisão. Considerado o pai
da História da Arte e da Arqueologia, ele lançou as bases do
Neoclassicismo, influenciando escritores como Goethe e artistas como
Canova. Foi ele também quem primeiro articulou a diferença entre arte
grega, greco-romana e romana. Para ele, no entanto, a arte grega do V e
IV séculos a.C. deveria ser considerada o ápice da produção artística
antiga criando assim uma noção evolucionista, cuja decadência se
expressava na arte romana. Justamente por isso, ele considerou o Apolo
Belvedere o ideal da arte grega. A obra representa o deus Apolo
disparando uma flecha. Não se sabe, no entanto, se o momento
5
MIGLIACCIO, L. A Coleção Eva Klabin. Apresentação de Israel Klabin, prefácio de Max Justo
Guedes e texto introdutório de Marcio Doctors. Petrópolis: Kapa Editorial, 2007.
9
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
representado é aquele que antecede o disparo, ou o retorno à posição de
repouso. A escultura é considerada uma cópia romana do século II d.C. de
um original brônzeo de Leocares de cerca de 330 a.C. O Laocoonte, por
outro lado, foi considerado pelo arqueólogo alemão o mais precioso
monumento da arte grega. A obra é vista tanto como um original grego dos
anos 40 a 20 a.C. – de acordo com Salvatore Settis, como, na opinião de
Bernard Andreae, uma cópia romana do século I d.C., datada
possivelmente da época de Tibério, segundo um original brônzeo
pergameno dos anos 140 a.C.
Sua datação problemática nos remete à cabeça de Ulisses pertencente ao
Museo Archeologico Nazionale di Sperlonga e Villa di Tiberio. A obra fazia
parte do grupo escultórico encontrado na Gruta de Tibério na mesma
cidade, que representava a passagem na qual Ulisses e seus
companheiros, após embebedar o gigante Polifemo, cegam-no a fim de
fugir da caverna. O grupo, muito danificado, foi encontrado em 1957, junto
com partes de outros quatro grupos escultóricos, entre eles o de Cila, do
qual fazia parte o fragmento com a inscrição em grego: Atenodoro, filho de
Agesandro e Agesandro, filho de Paionio e Polidoro, filho de Polidoro
6
[escultores] ródios fizeram . Os mesmos artistas que, segundo Plínio, o
Velho, esculpiram o Laocoonte. A semelhança entre os rostos de Ulisses e
Laocoonte e a mesma possível autoria faz com que se acredite que os
artistas ródios tenham migrado para a capital do Império, após o saque à
ilha de Rodes comandado pelo general romano Cássio em 42 a.C, cujas
7
possibilidades de trabalho seriam muito maiores , exemplo este do trânsito
de artistas no Mediterrâneo.
Ao lado do Apolo, o Laocoonte representa um dos maiores ícones da
Tradição Clássica, tendo ambos sido fundamentais para o entendimento
da arte tanto grega quanto romana. As diferentes hipóteses de atribuição
6
BURANELLI, F.; LIVERANI, P.; NESSELRATH, A. Laocoonte: alle origini dei Musei Vaticani. Roma:
L’Erma di Brestchneider, 2006, p. 119.
7
Idem.
10
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
estão ligadas ao fato de que a literatura artística outorgava, até muito
recentemente, apenas à retratística o direito de ser verdadeiramente
considerada como arte romana. A veracidade e o consequente realismo
com que eram representados os retratos de Imperadores, de nobres ou
ainda aqueles de desconhecidos, eram marcados pelas rugas e linhas de
expressão, formato da boca, do nariz e das orelhas, penteados e barbas
que rendiam ao retratado um ar solene, mas sobretudo, davam-lhe
individualidade. Considerava-se, portanto, que apenas os retratos estavam
imbuídos de originalidade enquanto todo o restante da produção não
passava de uma forma de conhecer a arte grega perdida. Contudo, as
ditas cópias romanas tinham significado específico e estavam associadas
a contextos também específicos, que ultrapassam a noção de mera cópia8.
O conceito de cópia, inclusive, deve ser visto sob diferentes aspectos, pois
engloba tanto a noção de réplica9, a qual se associava o verbo imitare,
quanto a de cópia com engenho10. A réplica não se iguala tecnicamente ao
seu original, ela copia fielmente seu modelo mas não se equipara a ele,
sendo, portanto, uma cópia exata. Copiar estava associado a aemulare, à
ideia de igualar em excelência e técnica e por extensão, qualificar a cópia
exata do original 11 . À emulação pertence a noção do engenho, do
acréscimo, mas sobretudo do diálogo com a auctoritas grega.
Outros dois famosos exemplos de cópias são as esculturas do Gálata
moribundo e do Gálata suicida, a primeira pertencente aos Musei Capitolini
e a segunda ao Museo Nazionale Romano Palazzo Altemps. As peças
8
É preciso ressaltar ainda que, além da produção artística, a produção literária era vista também
como cópia da grega, o que não acontecia. Por exemplo, a poesia lírica antiga, na Grécia, era
recitada ao som da lira e abordava diversos assuntos, enquanto que, em Roma, a poesia lírica
enfatizava os sentimentos pessoais do poeta e nem sempre era acompanhada da lira.
9
À noção de réplica pertencem ainda os conceitos de matriz e exemplar. O primeiro sendo aquele
de quem o outro será derivado e portanto, igual, uma vez que estes conceitos envolvem ainda a
questão técnica de reprodutibilidade.
10
A ideia de cópia com engenho aparece em Vasari, para definir a imitação de modelos antigos aos
quais o artista acrescentava algo da sua experiência: o engenho.
11
ANGUISSOLA, A. Difficillima Imitatio. Immagine e lessico dele copie tra Grecia e Roma. Roma:
L’Erma di Brestchneider, 2012, p. 71.
11
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
foram encontradas durante as escavações para a construção da Villa
Ludovisi no Seiscentos na área em que se encontravam os Horti
Sallustiani, vila que pertenceu primeiro a Júlio César e depois a Salústio,
de quem herdou o nome. As duas esculturas, somadas ainda a uma
terceira que representaria uma mulher ferida amamentando uma criança,
pertenceriam a um único grupo brônzeo encomendado pelo rei Átalo I de
Pérgamo para decorar o Santuário de Athena Nikephoros em memória de
seu triunfo sobre os gauleses. As cópias romanas foram encomendadas
por Júlio César para serem colocadas no jardim da sua vila no Quirinal
para celebrar sua conquista da Gália12.
Por outro lado, um famoso exemplo de emulação é o grupo escultórico
representando Orestes e Electra, pertencente ao Museo Archeologico
Nazionale di Napoli. Nele Orestes é representado segundo o modelo do
atleta de Estefano (hoje na Villa Albani, em Roma), aluno de Pasíteles,
ativo em Roma no século I a.C., cuja escultura combina traços do estilo
severo com as proporções lisípeas, combinando assim diferentes obras do
“classicismo romano”13.
A Cabeça de Apolo da Fundação Eva Klabin poderia tratar-se então de um
original grego clássico, uma cópia magno-grega ou ainda uma cópia
romana de um original grego do V ou IV séculos a.C. Se considerada um
original grego, restaríamos com a pergunta de por que realizar uma
escultura em outro mármore que não o de Paros. Típico da Grécia
continental, as esculturas gregas, assim como a Arquitetura, empregavam
o mármore pentélico, a despeito do uso da policromia. Por outro lado, a
obra poderia ser uma peça produzida na região da Magna Grécia ou
etrusca. A civilização etrusca foi fortemente influenciada pelos gregos,
mantendo grande contato com as colônias do sul da Itália. No entanto, o
mármore era um material escasso e, sobretudo, o mármore branco não era
12
SOPRINTENDENZA ARCHEOLOGICA DI ROMA. Museo Nazionale Romano Palazzo Altemps.
Roma: Electa, 1997, p. 44.
13
ANGUISSOLA, A. Difficillima Imitatio. Immagine e lessico dele copie tra Grecia e Roma. Roma:
L’Erma di Brestchneider, 2012, pp. 20-21.
12
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
encontrado facilmente, de maneira que eram comuns as esculturas
acrolíticas, cujas extremidades e, portanto, a sua carnatura, eram de
mármore branco e o corpo em outro material, como outros tipos de rocha
ou madeira. Mas ainda precisaríamos perguntar por que realizar uma
escultura em mármore, ou, muito possivelmente, em calcário, com olhos
incrustrados, técnica, por outro lado, comum à produção brônzea. A fim de
conferir um aspecto natural à escultura, os olhos eram, muitas vezes,
14
incrustrados com vidro colorido e rochas , o que reforça uma procedência
itálica para a nossa escultura, que poderia ser inspirada em uma obra em
bronze como o Apollo Kitharoedus [Fig. 2].
Devemos, no entanto, considerar a tipologia de representação de Apolo. O
deus é representado com o cabelo arrumado em grandes ondas divididas
ao meio e presas na parte de trás por uma faixa que perpassa toda a
cabeça, fazendo ainda com que o cabelo longo fosse arrumado da nuca
em direção ao colo. O rosto oval tem lábios, nariz e sobrancelhas bem
delineadas que lhe conferem uma expressão severa. A obra se assemelha,
portanto, a um tipo escultórico conhecido como Apolo de Kassel [Fig. 3],
cujo nome refere-se ao exemplar mais bem conservado até os dias de
hoje, que se encontra na cidade de Kassel na Alemanha. A escultura,
encontrada em 1721, na Villa do Imperador Domiciano, representa o deus
com as mesmas características faciais da peça da FEK, com a diferença
de que o cabelo está arrumado em cachos. Os ombros são largos e a
musculatura bem definida. Todo o corpo está levemente voltado para a
esquerda, na direção da perna estendida, em resposta ao movimento
incipiente da perna direita, pois o calcanhar não deixa de tocar o solo.
Trata-se, portanto, de uma composição anterior à solução do contraposto,
desenvolvido por Policleto. Pausânias menciona duas esculturas de Apolo
que se encaixam nesta descrição: o Apolo Parnopios de Fídias e o Apolo
Alexikakos de Kalamis. Contudo, grande parte dos especialistas tende a
atribuir as diversas cópias romanas existentes a um original perdido de
Fídias, uma vez que o grande número de reproduções – são conhecidas
14
BOARDMAN, J. The Oxford History of Classical Art. Oxford: Oxford University Press, 1993, p. 135.
13
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
mais de vinte peças, entre elas a escultura do deus do Museu do Louvre,
na França, e as Cabeças de Apolo pertencentes ao Museo Barracco, em
Roma, e ao Museo Archeologico Nazionale di Napoli, ambos na Itália –
deveria estar associado a um original famoso.
Partamos da possibilidade de que se trate então de uma cópia romana. O
ethos da emulação grega deve ser visto como o conjunto de práticas
culturais e comportamentos romanos que se apoiam sobre a técnica da
repetição para produzir um efeito determinado. A repetição não é apenas
uma ferramenta da imitação, mas é parte essencial da expressão da
emulação de um modelo ou exemplum. A kopienkritik é uma forma de
ressignificação do exemplum e sua revalidação em uma nova imagem e
contexto. Repetir pode significar tanto replicar como também citar e esta
última envolve tanto a comparação quanto a competição consciente com
modelos anteriores com o objetivo de superá-los. A imitação destes
modelos anteriores assume, portanto, dois caracteres: o de imitatio e
aemulatio como forma de comunicação visual, conectando a escultura com
o conjunto do repertório visual de imagens daquele contexto cultural. Nas
palavras de Hölscher,
Primeiro, devemos começar do fato de que ambas as
formas de recepção, na verdade, existem. Em seguida,
temos de reconhecer que a referência consciente ao
"período clássico", no sentido mais restrito, é um
fenômeno muito diferente do uso abrangente de
diferentes estilos dentro do repertório da arte grega. No
primeiro caso, nos é oferecida uma atitude intelectual
consistente, um esforço para a escala e a ordem, um
programa - em suma - que evoca valores "atemporais",
estabelece normas, elimina as atitudes contraditórias e
faz exigências pedagógicas. No segundo caso,
encontramos uma resposta para o passado, que registra
e refere-se ecleticamente a uma variedade de tradições
14
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
históricas, uma resposta direcionada a um ideal educativo
mais difuso15.
Qual era o significado, portanto, de criar imagens idênticas? Em que
medida o protótipo, ou seja, o original, era reconhecido, acumulado e
investido de valor estético e ideológico? De acordo com Hölscher, ainda, a
arte romana servia não apenas para rememorar uma realidade histórica,
mas para exemplificar ideias intelectuais. O termo exemplum transmite
bem a combinação de atribuição de significado, esteriotipação, abstração e
resistência à mudança que caracterizam esse fenômeno16.
Os comitentes romanos consideravam a arte grega um patrimônio e, por
isso, buscaram, nos diferentes períodos, aspectos que atendessem às
necessidades funcionais de um determinado momento, que respondesse a
questões espaciais e arquitetônicas. Muitas vezes, as cópias não
funcionavam efetivamente como cópias de um tipo escultórico específico, o
qual servia mais como repertório visual do que como modelo, como no
caso da escultura de Orestes e Electra, citado anteriormente. A criatividade
não excluía o uso extensivo de fórmulas correntes, familiares ao autor e
seu público17. O patrimônio iconográfico e estilístico grego era empregado
frequentemente como ponto de partida para criar imagens adaptadas ao
seu novo contexto, cuja paternidade não era necessariamente
reconhecida 18 . Estes valores idealizados eram expressos por meio da
relação entre tema e forma, de maneira que os deuses deveriam ser
15
“First, we must start from the fact that both these forms of reception actually exist. Next, we need to
acknowledge that the conscious reference to the ‘Classical period’ in the narrower sense is a very
different phenomenon from the all-embracing usage of different styles within the repertoire of Greek
Art. In the first case, we are offered a consistent intellectual attitude, a striving for scale and order, a
programme – in short – that evokes ‘timeless’ values, establishes norms, eliminates conflicting
attitudes and makes pedagogic demands. In the second case, we find a response to the past that
registers and refers eclectically to a variety of historical traditions, a response directed of a rather
more diffuse educational ideal.” HÖLSCHER, T. The language of images in Roman Art. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004, p. 10.
16
HÖLSCHER, T. op. cit., p. 89.
17
ANGUISSOLA, op. cit., p. 114.
18
ANGUISSOLA, op. cit., p. 173.
15
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
imbuídos de características como a maiestas (grandeza), pondus
(dignidade, solenidade), eximia et veritas pulchritudo (atratividade)
expressas por meio das formas de Fídias. Os heróis e as figuras humanas
deveriam ter decor supra verum (elegância acima da verdade) e veritas
pulchritudo (beleza verdadeira) representados por Policleto, Lisipo e
Praxíteles. Os animais deveriam ser representados com veritas por meio
das formas de Lisipo ou Míron19.
Havia, por outro lado também, o efetivo interesse pelas opera nobilia e a
reprodução de grandes obras de artistas famosos, como Zêuxis, Praxíteles
e Fídias. As cópias fiéis garantiam a circulação das formas, produzindo um
fluxo de esquemas, iconografias e detalhes necessários para o jogo
combinatório20. Criou-se assim a codificação de um repertório de fórmulas,
que eram utilizadas para criar composições variadas, tanto do ponto de
vista figurativo, quanto do uso de fórmulas “às vezes para toda a
composição, às vezes para figuras e grupos individuais, às vezes para
detalhes ainda menores”21. O uso de modelos, no sentido de exempla, é
conhecido na literatura22. Na Villa Adriana, residência oficial do Imperador
Adriano (117 – 138 d.C.), por exemplo, foi encontrado um exemplum em
mármore para um estádio na região entre o Pretório e as Grandes Termas,
onde funcionava um último canteiro de obras para os marmoreiros que
cortavam ali as pedras em processamento23.
As obras copiadas tinham seu valor originário esvaziado, muitas vezes
difícil de receber e distante do comitente e por isso, ele era recuperado
mediante a transformação conceitual da figura, em um processo de
emaranhamento na construção da imagem. Tratava-se de inventar um
19
HÖLSCHER, op. cit., p.120.
20
ANGUISSOLA, op. cit., p. 175.
21
“sometimes for the whole composition, sometimes for single figures and groups, sometimes for yet
smaller details.” HÖLSCHER, op. cit., p.16.
22
Vide ANGUISSOLA, op. cit., pp. 120-125.
23
ANGUISSOLA, op. cit., p. 122-123.
16
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
novo sistema capaz de transmitir claramente o significado dos elementos
que compunham a estátua, tornando-a parte da comunicação visual de
uma narrativa. A colocação das esculturas no espaço obedecia, portanto, a
uma narrativa construída de acordo com a função de cada ambiente,
concebendo assim uma forma mentis de maneira a criar uma linguagem
artística. As escolhas se davam baseadas nos temas e as esculturas
passavam a constituir um grupo, não de forma a que cada uma tivesse um
significado complementar a outra, mas pensadas de forma a ter uma
correspondência recíproca, constituindo um elemento do espaço narrativo.
As esculturas eram eleitas de acordo com a noção de proprietas, pela qual
se identificava a pertinência do conjunto escultórico aos locais que
ocupavam. Além disso, a posição em que elas eram colocadas era de
grande importância, pois em alguns casos, por exemplo, a colocação de
frente para espelhos d’água, buscava a duplicação do efeito escultórico,
reforçando a construção retórica do conjunto.
Pensar a arte romana implica pensarmos também o local para o qual as
esculturas estavam destinadas. Se a sua localização está diretamente
atrelada ao seu efeito narrativo, outro dado importante que deve ser
considerado é a sua colocação no espaço. Segundo Migliaccio, a cabeça
de Apolo da FEK possui um encaixe que sugeriria a sua utilização como
elemento arquitetônico, uma vez que a parte superior do crânio é plana,
com um entalhe quadrado ao centro. Segundo ele, portanto, a cabeça faria
parte de uma escultura destinada a uma composição arquitetônica. Esta
hipótese, no entanto, não encontra, até o momento, outro paralelo na
iconografia do deus, o que poderia significar que o encaixe não serviria a
um elemento arquitetônico, mas sim, que a cabeça tivesse sido esculpida
em partes separadas.
Seria possível, desta forma, sugerir que a cabeça fizesse parte de um
Apolo Lykeios [Fig. 4], modelo no qual o deus repousa o braço sobre a
cabeça, justificando assim a execução da peça em duas partes, a fim de
ajustar o braço ao ombro. A utilização de diferentes modelos para compor
uma única escultura baseava-se em paradigmas visuais de conteúdo e
17
Evelyne Azevedo
O ideal da beleza apolínea
24
assunto, e não em considerações de estilo ou gosto . A arte romana
possuía uma grande variedade de iconografias e estilos, que eram usados
de forma a criar um efeito narrativo no espectador, que a reconheceria e a
completaria a partir de informações fornecidas e juízos sobre indivíduos e
circunstâncias atuais.
Figura 1
Cabeça de Apolo
Fundação Eva Klabin
24
18
HÖLSCHER, op. cit., p. 21.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figura 2
Apolo citaredo
Museu Arqueológico Nacional de Nápoles
19
Evelyne Azevedo
Figura 3
Apolo Kassel
Museu de Kassel
20
O ideal da beleza apolínea
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figura 4
Apolo lício
Museu do Louvre
21
Evelyne Azevedo
22
O ideal da beleza apolínea
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
O DESCANSO NA FUGA PARA O EGITO DE ADRIAEN
ISENBRANDT DA FUNDAÇÃO EVA KLABIN:
NOTAS SOBRE SUA ATRIBUIÇÃO E ICONOGRAFIA
Maria Berbara
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
O pintor flamengo Adriaen Isenbrandt (1480-80 ca. - 1551) pintou diversas
versões da Fuga ao Egito, uma das quais se encontra atualmente
conservada na Fundação Eva Klabin. Há poucos registros documentais
que possam esclarecer a biografia de Isenbrandt (também grafado
Isenbrant, Ysebaert, Ysenbrandt ou Hysebrant). Não são conhecidos o
local e data exatos de seu nascimento, mas sabe-se que, a partir de 1510,
vivia em Bruges, então um dos maiores centros comerciais e artísticos da
Europa. É nessa cidade que Isenbrandt estabelece seu ateliê, o qual se
especializa, provavelmente, na produção de pinturas religiosas de pequeno
porte destinadas à devoção privada.
De acordo com fontes contemporâneas, Isenbrandt foi, em seu tempo, um
pintor de grande renome e bem-estabelecido1. Sanderus, em seu Flandria
illustrata, afirma que era discípulo de Gerard David2; a semelhança formal
entre diversas obras atribuídas aos dois artistas, de fato, atesta, se não
necessariamente a existência de um vínculo do tipo mestre-discípulo, a
forte influência de David sobre a produção artística de Isenbrandt.
A partir de 1516, segundo os registros cíveis, o pintor ocupou diversas
posições na guilda de pintores de Bruges. Faleceu em julho de 1551, e, em
1
VAN PASSEL, V., Entrada Isenbrandt em The Dictionary of Art editado por Jane Turner (Nova
York: Macmillan, 1996, vol. 16, pp. 69-71). As fontes relativas a Isenbrandt foram reunidas por
James Weale em Le Beffroi, vol. 2, pp. 320 e seg. (apud FRIEDLÄNDER, M., Early Netherlandisch
Painting (traducão inglesa do original alemão publicado em Berlim (vols. I-XI) e Leiden (XII-XIV)
entre 1924 e 1937). Leiden: Sijthoff, 1974, vol. XI, p. 53, nota 1).
2
SANDERUS, A., Flandria illustrata. Haia: 1732, vol. 2, p. 154 (apud Van Passel, p. 69, e
Friedländer, p. 53).
23
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
sua certidão de óbito, consta como meester – título outorgado somente aos
mais destacados pintores3.
Isenbrandt pertence à corrente que, ao longo de século XX, ficou
conhecida como "pintura primitiva flamenga". O termo faz referência ao
trabalho pictórico de artistas ativos nos Países Baixos - sobretudo em seus
grandes centros urbanos, isto é, Bruges, Gante, Bruxelas e Tournai - no
século XV e primeira metade do século XVI. O termo "primitivo", nesse
âmbito, não alude a uma falta de sofisticação ou rudimentariedade, mas à
ideia - fortemente elaborada, entre outros, por Erwin Panofsky - de que
artistas como Van Eyck ou Campin estiveram na origem de uma nova
forma de expressão artística.
No início do século XX, de fato, começa a formular-se a tese da existência
de um renascimento nórdico não subserviente ou derivativo, mas
autônomo e concorrente do italiano. Um dos pontos de partida desta
discussão parece ter sido a megaexposição realizada em Bruges, em
1902, sobre os assim chamados primitivos flamengos. A exposição gerou
inúmeras resenhas – entre as quais as de Max Friedländer, Hugo von
Tschudi, Roger Fry e Adolfo Venturi – e catapultou definitivamente a arte
flamenga dos séculos XV e XVI a uma posição de centralidade nos
estudos de história da arte globais4.
Em meados do século XX, quando o Isenbrandt da FEK (Fundação Eva
Klabin, Rio de Janeiro) é adquirido, a assim chamada arte primitiva
flamenga encontrava-se firmemente estabelecida como um dos pontos
altos do Renascimento europeu. A tela representa o momento em que a
virgem, São José e o menino fogem para o Egito depois de saber, por
intermédio da mensagem de um anjo aparecido em sonho a José, que
Herodes pretendia assassinar Jesus. De acordo com Mateus (2:16),
Herodes, percebendo que havia sido enganado, ficou tão furioso que
3
Friedländer, op. cit., p. 53.
4
Cf. HAYUM, A., “The 1902 exhibition, Les Primitifs flamands: scholarly fallout and art historical
reflections”. Journal of Art Historiography, v. 11, 2014, pp. 1-20.
24
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
ordenou a morte de todos os meninos com menos de dois anos que
vivessem em Belém e nas proximidades.
O episódio da fuga para o Egito é representado inúmeras vezes na
iconografia. Tradicionalmente, a virgem aparece, com o filho ao colo,
montando um burro conduzido ou acompanhado por São José. Quase
sempre, esse momento forma parte de um ciclo pictórico figurando a vida
de Cristo e/ou da Virgem – como, por exemplo, no caso da Capela
Scrovegni, em Pádua.
Nos Países Baixos do século XV, porém, surge uma forma alternativa,
não-bíblica, de referir-se ao episódio: a representação da sagrada família
descansando durante a fuga. Nessas imagens, a virgem costuma aparecer
em primeiro plano, amamentando o menino ou tendo-o em seu colo, em
um cenário rural, enquanto ao fundo são figurados outros momentos da
narrativa 5 . Nos séculos XVI e XVII, esta variante pastoral da história
populariza-se também na Península Itálica.
O célebre pintor flamengo Gerard David pinta diversas vezes essa versão
da fuga para o Egito – ou, mais apropriadamente talvez, do descanso
durante a fuga para o Egito. A tela atualmente conservada no Metropolitan
Museum de Nova York [Fig. 1], por exemplo, exibe, ao fundo esquerdo, a
vista de uma cidade flamenga contemporânea ao pintor, e, ao direito, a
conhecida cena da virgem com o menino montando um burro
acompanhada por São José caminhante. Ao lado da virgem vê-se um
ramo de macieira. Sua presença, assim como a de outras frutas, como a
romã ou cerejas, alude, em imagens da virgem com o menino, ao futuro
sacrifício de Cristo, mas também, provavelmente, à passagem do
Evangelho de Pseudo-Mateus (20) segundo a qual, no terceiro dia da
viagem, a Virgem descansou sob uma palmeira, e o menino
miraculosamente fez com que a árvore se curvasse para oferecer-lhe seus
frutos.
5
Esses outros momentos derivam de fontes apócrifas, como, por exemplo, o Evangelho de PseudoMateus e a Legenda Áurea.
25
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
Figura 1
Gerard David
Descanso na Fuga para o Egito, ca. 1512-1515
Óleo sobre madeira, 50,8x43,2 cm.
Nova York: Metropolitan Museum
Uma versão muito semelhante a essa, igualmente atribuída a David e
conservada no Museu do Prado [Fig. 2], substitui, curiosamente, o ramo de
26
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
maçãs por um cesto de frutas, e uma terceira versão, pertencente à
Washington Gallery [Fig. 3], inclui o cesto – deslocando-o, porém, para o
chão – e insere, nas mãos do menino, um ramo de uvas. As uvas
constituem um símbolo ainda mais direto do sacrifício de Cristo e sua
renovação eucarística. Na tela estadunidense, ademais, David pinta José,
em segundo plano, aparentemente colhendo nozes – uma provável
variante do milagre da palmeira referido pelo Pseudo-Mateus6.
Figura 2
Gerard David
Descanso na Fuga para o Egito, ca. 1515
Óleo sobre madeira, 60 x 39 cm.
Madri, Museu do Prado
Figura 3
Gerard David
Descanso na Fuga para o Egito, ca. 1510
Óleo sobre madeira, 42 x 42 cm.
Washington: National Gallery
O Museum voor Schone Kunsten, de Antuérpia [Fig. 4], possui uma versão
da fuga para o Egito atribuída a Isenbrandt muito próxima às de David –
sobretudo a do Museu do Prado7. Como dito anteriormente, Isenbrandt é
6
Cf. HAND, J.O., e WOLFF, M., Early Netherlandish Painting. The Collections of the National Gallery
(catálogo). Washington: National Gallery of Art, 1986, pp. 63-68.
7
A obra da Antuérpia é atribuída a Isenbrandt por Friedländer, opus cit., fig. 182.
27
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
com frequência associado a David; além de Sanderus, de fato, outras
fontes – entre as quais Dionysius Hardwijn – mencionam-no como
discípulo do mestre8. Por ocasião da supracitada exposição de 1902, em
Bruges, o historiador da arte Georges Hulin de Loo identificou Isenbrandt
com o assim chamado Mestre das Sete Dores da Virgem, atribuindo-lhe
diversas obras até então consideradas de David e Jan Mostaert9. Em seu
monumental Die altniederländische Malerei, Max Friedländer, na trilha de
Hulin de Loo, atribuiu um vasto corpus de pinturas a Isenbrandt,
destacando, contudo, a dificuldade em diferenciar obras da mão do mestre
daquelas realizadas em seu ateliê10.
Figura 4
Isenbrandt?
Descanso na Fuga para o Egito
Óleo sobre madeira, 81 x 99 cm.
Antuérpia, Museum voor Schone Kunsten
8
Para a citação latina de Hardwijn (Harduinus), contida na de Sanderus, cf. Friedländer, op. cit., p.
53.
9
DE LOO, H., Bruges 1902: Exposition de tableaux flamands des XIVe, XVe et XVIe siècles,
catalogue critique. Gante: 1902, pp. lxiii-lxvii, nrs. 177-85.
10
Friedländer, Early Netherlandisch Painting, vol. XI, pp. 47-52.
28
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Há controvérsia, entre os estudiosos, relativamente à atribuição de
quaisquer obras a Isenbrandt. Nenhuma pintura é documentalmente
vinculada a ele de modo firme; sua datação, igualmente, é incerta e pode
ser apenas inferida. O fato de que algumas dessas obras façam referência
tão evidente a outras, de grandes mestres, não é, em absoluto,
extraordinário; nos Países Baixos, como em outras partes da Europa, o
conceito de emulação, longe de desmerecer o artista, atestava sua
erudição e a solidez de sua formação11. Além do empréstimo bastante
evidente do grupo central, figurando a virgem e o menino, Isenbrandt
revela a influência de outros célebres mestres flamengos - notadamente,
na criação da paisagem, de Joachim Patinir, que pertencia à geração
anterior.
Isenbrandt, como quer que seja, tem sido identificado individualmente pela
crítica – sobretudo a partir da exposição brugense de 1902 – e diversas
obras têm sido atribuídas a ele ou a seu ateliê. Entre estas contam-se, ao
menos, cinco representações da fuga ao Egito: trata-se, além da
supracitada pintura conservada no Prado, de obras pertencentes à Alte
Pinakothek de Munique [Fig. 5]; Museum voor Schone Kunsten de Gante
[Fig. 6] Kunsthistorisches Museum de Viena e National Gallery da Irlanda,
em Dublim.
As obras dividem-se, do ponto de vista da representação da virgem, em
dois tipos: ora figuram-na tendo ao colo o menino com gesto bendizente
(Munique), ora amamentando-o (Gante, Antuérpia). A sua estrutura formal,
muito semelhante, representa o grupo em forma piramidal, ao centro da
composição, tendo ao fundo uma paisagem alla fiamminga.
11
É famosíssima a passagem de Cennino Cennini, em seu Libro dell'Arte (publicado pela primeira
vez em 1400), na qual o pintor encoraja jovens artistas a copiar os grandes mestres uma e outra
vez, até conseguir replicar fielmente suas criações (cf. KLEINER, F., Gardener's Art Throught the
Ages: The Western Perspective, vol. 2, 13a edição. Boston: Wadsworth, 2010 (primeira edição:
2005), p. 431).
29
Maria Berbara
Figura 5
Adriaen Isenbrandt
Descanso na Fuga para o Egito, 1520-1530 ca.
Óleo sobre madeira, 49,5 x 34 cm
Munique, Alte Pinakothek
O Descanso na Fuga para o Egito
Figura 6
Adriaen Isenbrandt
Descanso na Fuga para o Egito, s/d
Óleo sobre madeira, 38,1 x 28,5 cm.
Gante, Museum voor Schone Kunsten
Os dois modelos remontam a tradições distintas, bizantinas na origem, da
representação da virgem com o menino: de um lado a assim chamada
virgo lactans (isso é, amamentando), e, de outro, a madona hodegetria
("aquela que aponta o caminho"). Nesse último tipo de imagens, a virgem,
quase sempre sentada ou em meia-figura, segura o menino em seu colo,
apoiando-o com a mão; este, com frequência, realiza um gesto de
bendição, enquanto a mãe fita o observador e aponta em direção ao filho.
Com a ocidentalização deste tipo, durante o Renascimento, o formato e
gestos tradicionais da madona hodegetria flexibilizam-se: surgem
variações no recorte da composição, nos gestos e mesmo no contexto
30
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
narrativo. Guido da Siena, por exemplo, insere uma típica madona
hodegetria em uma representação da fuga para o Egito [Fig. 7]12.
Figura 7
Guido da Siena
Descanso na Fuga para o Egito
Têmpera sobre madeira, 13,4 x 46 cm.
Altenburg: Lindenau-Museum
A Fuga ao Egito atualmente conservada na Fundação Eva Klabin [Fig. 8],
atribuída a Isenbrandt, encontra-se perfeitamente inserida na
representação deste tema nos Países Baixos entre os séculos XV e XVI.
No óleo da FEK a virgem aparece, sentada, tendo ao colo o filho, que
realiza um gesto de bendição. Com a mão direita ela segura um cacho de
12
Originalmente concebida para o altar da catedral de Siena, a obra se encontra presentemente no
Lindenau-Museum de Altenburg.
31
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
uvas - símbolo da paixão de Cristo e alusivo à Eucaristia13. Aos seus pés,
à esquerda, vê-se o cesto de frutas, o qual aparecera igualmente, por
exemplo, nos supracitados óleos de David. Ao fundo, à nossa direita,
vislumbra-se a virgem, que, com o menino, monta um burro conduzido por
São José. A dupla narrativa, como dito anteriormente, não era infrequente;
sobretudo em composições deste tipo, a inserção de outras cenas relativas
ao episódio da fuga para o Egito – fosse o grupo da virgem montando o
burro ou episódios apócrifos, como, por exemplo, a colheita milagrosa dos
frutos – apareceria quase sempre.
Figura 8
Adriaen Isenbrandt
Descanso na Fuga para o Egito, 1530 ca.
Óleo sobre madeira. 106 x 75 cm.
Rio de Janeiro, Fundação Eva Klabin
13
32
Em diversas outras representações da virgem com o menino, de Isenbrandt, aparece o motivo do
cacho de uvas; cf., por exemplo, Friedländer, op. cit., figs. 183 (Virgem com o Menino da National
Gallery da Irlanda, em Dublim); 183a (Nova York, coleção R. Lehman); 183b (Moscou, Museu
Nacional Pushkin).
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
O manto da virgem faz jus à alta qualidade do colorido de Isenbrandt.
Mesmo Friedländer, para quem os méritos do mestre mal transcendiam os
de um hábil imitador, concede-lhe a palma na execução original das cores.
O artista, de resto, caracteriza-se por uma paleta particularmente cálida,
com abundância de tons vermelhos e marrons. Como era comum em
obras de muitos de seus conterrâneos, a paisagem ao fundo aparece
povoada por edifícios contemporâneos a ele. Embora a composição geral
do óleo, como dito anteriormente, revele indubitavelmente a influência de
David, Isenbrandt distancia-se deste último ao representar a virgem
ligeiramente di sotto in sù, elevando a linha do horizonte e,
consequentemente, aumentando e aprofundando o espaço destinado à
paisagem e seus acidentes – montanhas, rochas, estradas, etc. O quadro
da FEK, nesse sentido, aproxima-se aos óleos de Munique e Gante.
Do ponto de vista da iconografia, um elemento chama particularmente a
atenção: o pequeno macaco que aparece em segundo plano, à direita da
Virgem. Embora o animal pudesse parecer apropriado em uma
representação do Egito - ou do caminho para o Egito – tudo na pintura
parece querer figurar os Países Baixos dos séculos XV/XVI, prescindindo
completamente de quaisquer intentos reconstitutivos de uma arqueologia
antiga ou paisagem exótica. O que poderia, portanto, explicar a presença
do macaco na imagem de Isenbrandt? Trata-se de um exemplo isolado?
Teria algum significado simbólico?
Durante a primeira época moderna, animais, com frequência, podiam
oferecer um sistema de convenções válido para a descrição de qualidades
ou defeitos humanos; podiam, similarmente, simbolizar vícios ou virtudes14.
Dificilmente, porém, eles se conectavam a um só símbolo, mesmo em uma
coordenada histórica comum. Embora o macaco fosse um animal
14
Para a zoologia e suas interseções com teologia, política, filologia e ciência durante a primeira
época moderna cf. ENENKEL, K. E., e SMITH, P. J., Zoology in Early Modern Culture. Intersections
of Science, Theology, Philology, and Political and Religious Education. Leiden: Brill, 2014.
33
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
conhecido, na Europa, desde a Antiguidade15, o fortalecimento de rotas
comerciais entre portos europeus, asiáticos, africanos e, a partir do século
XVI, americanos que se observa na primeira época moderna propiciou
uma presença ainda maior do animal na Europa. Nas grandes cidades,
macacos de diversas espécies passam a ser vendidos nos portos e
adquiridos, como animais de estimação, por membros de aristocracias
locais 16 . Sua potência simbólica é particularmente abrangente 17 ; entre
manifestações demoníacas ou vinculadas a pecados e vícios, alusões ao
poder imitativo da arte (ars simia natura), ou símbolos de ostentação e
riqueza, a enciclopédia de símbolos animais de S. e L. Dittrich lista não
menos que dez possíveis interpretações simbólicas do macaco detectáveis
na primeira época moderna18. Essa variedade interpretativa vinculava-se
certamente, como mencionado anteriormente, ao fato de macacos terem
se tornado animais muito frequentes na esfera doméstica naquele período;
além disso, porém, sua semelhança a seres humanos, assim como sua
ontologia incerta, permitiam interpretá-lo fosse como a regeneração ou
degeneração da humanidade19.
15
Há somente uma espécie de primata que se pode encontrar em liberdade na Europa: o assim
chamado “macaco-de-gibraltar” (Macaca sylvanus), que, como o próprio nome diz, vive no extremo
sul da Península Ibérica.
16
Entrada Affe em DITTRICH, S. e L., Lexikon der Tiersymbole. Tiere als Sinnbilder in der Malerei
des 14. – 17. Jahrhunderts. Petersberg: Michael Imhof, 2004, p. 23.
17
JANSON, H.W., Apes & Ape Lore in the Middle Ages and Renaissance. Londres: The Warburg
Institute, 1952, p. 13, pp. 287-300. O macaco não apenas era frequente no ambiente doméstico
europeu da primeira época moderna, como, também, na maioria das vezes podia locomover-se
livremente, sem estar preso a grilhões ou coleiras. Já antes da chegada de europeus ao Novo
Mundo era possível encontrar macacos em ambientes domésticos – Petrarca, por exemplo, em seu
De Remediis I.61: 180, queixa-se dos macacos, os quais considera animais horríveis e
bagunceiros – mas as grandes navegações e o fortalecimento de rotas comerciais entre portos
europeus e não-europeus durante a primeira época moderna incrementa notavelmente e o seu
comércio. Janson analisa diversos aspectos do simbolismo quase sempre desfavorável do
macaco. O animal, com frequência, simboliza o pecado e a pecamenosidade. Devido a sua
semelhança com o homem, ainda, podia ser considerado uma degeneração.
18
Dittrich, op. cit., pp. 22-37.
19
KNOWLES, J., "'Can ye not tell a man from a marmoset?': Apes and others on the early modern
stage". In FUDGE, E., Renaissance Beasts: Of Animals, Humans, and other wonderful Creatures.
Urbana/Chicago: University of Illinois Press, 2004, p. 139.
34
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
O macaco, significativamente, surge em outras imagens representando a
Virgem, Cristo ou santos. Em uma pintura realizada em Bruges por Hans
Memling em 1485 -90 ca. – isso é, entre duas e três décadas antes da
Fuga ao Egito de Isenbrandt – São Jerônimo aparece em primeiro plano,
ajoelhado diante de um crucifixo e em ato de penitência [Fig. 9]. Ao seu
lado, um pouco atrás, vê-se o leão, atributo do santo, e, ao fundo, um
cenário rochoso e uma caverna – morada do eremita. Sobre as rochas,
camuflado e sorrateiro, discerne-se, não sem certa dificuldade, a silhueta
de um macaco20.
Figura 9
Hans Memling
São Jerônimo, 1485-90
Óleo sobre madeira, 87,8 x 59,2 cm.
Basileia: Öffentliche Kunstsammlung
20
O macaco aparece em outras representações de São Jerônimo penitente, como, por exemplo, na
pintura de Jacopo Bellini no Museo di Castelvecchio, Verona; Marco Zoppo na Walters Art Gallery
de Baltimore (na qual é figurado três vezes) e Giovanni Mansueti em Bergamo, Accademia Carrara.
Para a simbologia animal em representações de São Jerônimo cf. FRIEDMANN, H., A Bestiary for
Saint Jerome. Animal Symbolism in European Religious Art. Washington: Smithsonian Institution
Press, 1980. Para representações do macaco cf. especialmente pp. 270-71.
35
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
O mesmo artista pintou, nesses anos, um tríptico representando, ao centro,
o descanso durante a fuga ao Egito [Fig. 10]. Como em outras imagens
figurando o tema, a virgem aparece – nesse caso, de pé – em primeiro
plano, enquanto, ao fundo, São José colhe os frutos da palmeira. Sobre a
montanha rochosa que surge à esquerda, de modo semelhante ao São
Jerônimo, vislumbram-se dois macacos – um sentado, o outro escalando a
rocha – ainda melhor camuflados do que no óleo representando o santo
eremita.
Figura 10
Hans Memling
Descanso na Fuga para o Egito, São João Batista e Maria Madalena, 1475-80
Óleo sobre tela, 47 x 26 cm (painel central)
Paris, Museu do Louvre
36
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figuras 9 e 10, detalhes
Em Memling, o cavalo aparece com um claro significado pejorativo em sua
Alegoria com dois Cavalos e um Macaco, no Museu Boijmans van
Beuningen (Roterdã). A pintura, muito provavelmente, tinha como pendant
a Jovem com Cravo no Metropolitan Museum de Nova York, constituindo
ambas um díptico de temática nupcial [Fig. 11]. Segundo Panofsky21, tanto
o macaco - personificando, segundo ele, o temperamento sanguíneo quanto o cavalo branco em que está montado representam a esfera mais
básica e primitiva da natureza humana – por oposição ao cavalo alazão,
que ergue o olhar fiel para a jovem noiva segurando o cravo – símbolo da
fidelidade e compromisso nupcial.
Do ponto de vista formal e iconográfico, portanto, o Isenbrandt da FEK está
em consonância com outras obras realizadas no mesmo período nos
Países Baixos. O macaco, apesar de menos frequente, comparece
diversas vezes na iconografia contemporânea, vinculando-se, em telas de
temática religiosa, a significados negativos – o mal, o diabo, a luxúria, etc.
A tela em exame, seguramente, foi realizada, como outras tantas de
Isenbrandt e/ou seu ateliê, tendo em vista a devoção privada. O tipo da
virgem, o cacho de uvas, a composição geral da tela, entre outros
elementos formais e iconográficos, correspondem à tradição de
representação do descanso durante a fuga ao Egito, a qual era comum na
21
PANOFSKY, E., Early Netherlandish Painting. Its Origins and Character. Cambridge: Harvard
University Press, 1953, pp. 506-507, n.7.
37
Maria Berbara
O Descanso na Fuga para o Egito
Bruges contemporânea ao mestre. Assim como em outras obras
pertencentes a essa tradição, Isenbrandt transforma o episódio em uma
delicada e serena pastoral pontuada pelo expressivo cruzamento de
gestos e símbolos vinculados à divindade e sacrifício de Cristo – as uvas, a
benedictio – e pela inserção sotto voce do macaco, elegante alusão ao mal
que o desafia.
Figura 11
Hans Memling
Díptico com alegoria do amor, 1485-90 ca.
Óleo sobre madeira, 43 x 18 cm (por painel)
Metropolitan Museum of Art, Nova York, e Museum Boijmans van Beuningen, Roterdã
38
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
GIANFRANCESCO ROMANELLI, A IDADE DE OURO
BARBERINI E A PINTURA BARROCA EM ROMA NO
SEISCENTOS
Elisa Byington
Figura 1
Giovanni Francesco Romanelli
Putti che pescano / Meninos que pescam, 1637
Encáustica sobre cartão colado sobre madeira, 159 x 310 cm.
Rio de Janeiro, coleção da Fundação Eva Klabin
O propósito do nosso texto é situar historicamente e contextualizar, no
âmbito do mecenato artístico que o originou, o belo cartão preparatório em
encáustica com Giochi di putti – “Jogos de putos”, seria em português
castiço. Na língua inglesa são chamados de Putti’s games ou Games of
putti. Nós os chamaremos de “Jogos Infantis”. Putti são figuras infantis,
geniozinhos que se originam no repertório da arte clássica grega ou
romana, encontrados na arte Renascentista e Barroca tanto com o papel
de espíritos angélicos quanto de arqueiros do amor profano, dotados ou
não de asas.
39
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
O cartão dos Meninos que pescam [Fig. 1] que pertence à coleção da
Fundação Eva Klabin, situada no Rio de Janeiro. é parte de uma série de
sete, destinados a análogo número de tapeçarias com “Jogos Infantis”
realizadas para o cardeal Francesco Barberini, Cardeal Nipote do papa
Urbano VIII, em Roma, 1637. É obra bem documentada, apesar de não
contar com estudos específicos e da apresentação lacunosa do catálogo
da Fundação. Os cartões foram inspirados no conjunto de 20 tapeçarias
desenhadas por Rafael e seu atelier, sob encomenda do papa Leão X
Medici mais de um século antes, para decoração da faixa inferior das
paredes da Sala de Constantino na ocasião dos banquetes, amenizando
com estas imagens leves e jocosas a gravidade da temática tratada nos
afrescos de tema histórico na parte superior das paredes1. O projeto tinha
sido concebido como celebração alegórica da “Idade de Ouro sob os
Medici” e encomendado ao atelier de Peter van Aelst em Bruxelas2.
A família Medici havia gerado três papas e, além disso, os Medici eram os
grão-duques da Toscana, referências importantes para a imagem e
legitimidade social dos Barberini, família de origem florentina sem muitos
lustros. Foram inspiração constante para a atuação cultural dos Barberini.
Do ponto de vista artístico, Rafael era referência absoluta, o modelo de
classicismo mais desejado, eleito como o mais perfeito pelas doutrinas
estéticas daquele momento.
1
A Sala de Constantino, decorada com a batalha com a Batalha da Ponte Milvia (852x376cm), é a
última das célebre quatro Stanze realizadas por Raphael de Urbino e seu atelier, entre 1508-1524,
no Palazzo Apostolico Vaticano. Raphael morre precocemente em 1520 e a decoração deste
ambiente é terminada por seus assistentes.
2
Vasari atribui a paternidade dos cartões das tapeçarias a Giovanni da Udine, hipótese corroborada
pelos frisos de sua autoria na Villa Madama em Roma, muito semelhantes. Mas há os desenhos de
Tommaso Vincidor e uma carta deste ao papa Leão X de Bruxelas, datada 20/07/1521, referindo
sobre a conclusão das tapeçarias. A. Gnann argumenta que a paternidade das invenções seria do
próprio Raphael. Cf. Roma e lo stile classico di Raffaello (1515-1527), catálogo de exposição em
Mântua e Viena (Org. K. Oberhuber e A. Gnann). Milão: Elekta, 1999, p. 238-239. (Há na coleção
da Biblioteca Nacional uma xilogravura do Mestre do dado baseada nos desenhos de Tommaso
Vincidor para uma das tapeçarias de Raphael perdidas. Cf. BYINGTON, Elisa. Giorgio Vasari,
invenção do artista moderno, catálogo da exposição. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional,
2011, fig.76, p. 115.
40
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Infelizmente, a série de tapeçarias do século XVI não sobreviveu.
Provavelmente pela quantidade de metal precioso empregado, que fez
com que muitas fossem queimadas para extraí-los. Mas delas foram feitas
muitas cópias. Até mesmo pela Arazzeria Barberini, instituída pelo papa
em Roma, em 1627, onde trabalhavam tecelões vindos de Flandres,
origem de uma cópia datada possivelmente de 16353.
O cartão realizado em encáustica por Gianfrancesco Romanelli possui
ainda hoje cores frescas e vivas. É obra muito bela e sedutora na graça
dos movimentos, na variedade de posição das figuras, dos corpos bem
torneados, na harmonia das cores claras – o azul claro, o rosado das
vestes e da pele dos meninos, o amarelo dourado predominante na
paisagem que ambienta a cena. A beleza dos rostos e dos cabelos
cacheados são características diretamente devedoras do mestre Pietro da
Cortona, o maior pintor do barroco italiano, grande estudioso de Rafael, o
“Bernini da pintura”, de quem Gianfrancesco Romanelli, autor do cartão,
era “discípulo e êmulo” – como definiu Giovan Battista Passeri, biógrafo de
ambos os artistas e teórico da época4.
As poses variadas dos meninos, entretidos com as armadilhas para os
peixes, seguem uma linha ondulada segundo o movimento natural e
harmonioso das figuras, postas em planos sutilmente distintos no espaço
do quadro. No primeiro plano, temos a margem na qual estaria situado o
espectador da cena, diante das águas, no ponto em que o riacho faz a
curva. A paisagem natural – terra, rochas e árvores de folhagem variada –
é muito bem descrita, gênero pictórico que tem grande revival no gosto do
século XVII em Roma. A fieira com os peixes no canto direito mostra o
resultado da pesca no mesmo ponto de onde parte o grito de dor do
menino menor que tem seu dedo mordido por um caranguejo. A imagem
3
A tapeçaria do Metropolitan Museum, Nova York, Two putti trying to stop a monkey, pertence a
uma série de 8 tecidas na Arazzeria Barberini, reproduzindo parte das 20 encomendadas pelo papa
Leão X a Rafael de Urbino em 1520.
4
PASSERI, Giovan Battista, Vite de’pittori, scultori ed architteti che anno lavorato in Roma, morti dal
1641 al 1673, ed. Gregorio Settari. Roma, 1772.
41
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
bucólica, densa de significado alegórico, adverte sobre as insídias que se
escondem sob a aparente calma e os prazeres da vida, mensagem
moralizante presente em outros quadros da época, como, por exemplo,
Ragazzo morso dal ramarro de Caravaggio, entre outros deste mesmo
ambiente cultural.
Figura 2
Meninos que pescam, 1637
Tapeçaria em lã, seda, ouro e prata
Museu do Palácio Veneza, Roma
O “cartão” de autoria de Gianfrancesco Romanelli (Viterbo 1612- Roma
1662) é obra preparatória para a tapeçaria que aqui vemos [Fig. 2],
realizada em lã, seda, ouro e prata pela Arazzeria Barberini, em Roma,
manufatureira destinada à tecelagem de obras preciosas para o papa
Urbano VIII Barberini e sua corte, instituída por este em 1627. A iniciativa
de fundar a Manufatura é possivelmente inspirada por um outro Medici,
42
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Cosimo I Medici, primeiro grão-duque de Toscana que, por volta de 1540,
havia instituído uma tecelagem nos mesmo moldes em Florença,
empregando mestres flamengos.
Em 1637 Romanelli realizou sete cartões para a série de tapeçarias com
os “Jogos Infantis”, além de cinco frisos, que retomavam o modelo das
tapeçarias de Rafael, simplificando a temática e apenas reproduzindo o
esquema compositivo. Nos desenhos rafaelescos, cupidos alados jogam
com grandes guirlandas de frutas e flores, diferentemente da série
seiscentista onde os jogos infantis são ambientados em belas paisagens,
de acordo com o renovado prestígio que o gênero gozava em relação à
época do modelo quinhentista. Os outros cartões em encáustica, análogos
ao presente, encontram-se na Villa Lante em Bagnaia, célebre residência
renascentista nos arredores de Viterbo, terra de Romanelli, na região do
Lácio.
Da série de sete tapeçarias, apenas cinco se conservaram e desde 1933
estão na coleção do Museu Nacional do Palácio Veneza, em Roma. Eram
parte da coleção de três mil obras reunidas pelo diplomata americano
George Washington Wurts e doadas pela viúva Henriette Tower 5 .
Observem a posição invertida da cena na tapeçaria em relação ao cartão
que lhe serve de modelo. À exemplo das gravuras, para as quais acontece
o mesmo, a posição da cena resulta invertida em relação à matriz.
O tema da série nos remete à Idade de Ouro da Civilização, Era da
Inocência primordial, recurso metafórico muito apreciado para mitificar
pontificados e reinos. Celebrava o momento em os homens viviam em
harmonia com seus semelhantes e com os animais, alimentando-se
simplesmente do que lhes era oferecido pela natureza, não só os peixes,
mas também o mel das abelhas ao qual alude a colmeia pendurada em um
galho de oliveira no canto esquerdo, o qual, por sua vez, é envolvido por
5
Por motivos de espaço, a série completa das tapeçarias atualmente não está exposta no Palácio
Veneza. Apenas Meninos que jogam petanque e Meninos que brincam com a coruja estão
expostos no corredor de comunicação entre o Museu e as Salas Monumentais – segundo fui
informada pela diretora do Museu, Dra. Andreina Draghi.
43
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
um galho de parreira, ambas árvores eloquentes nesta espécie de
gramática simbólica. Sob o aspecto alegórico, o mel era distintivo da Idade
de Ouro. Mas era também símbolo da fala harmoniosa e da eloquência,
enquanto as abelhas eram elemento heráldico do brasão dos Barberini –
grupos de três sobre o campo azul – exibido repetidamente nas bordas das
tapeçarias.
A cena ambientada na luz dourada, consoante o tema, a beleza dos
meninos entretidos na pescaria, comunicam imediata sensualidade,
empatia, harmonia, felicidade, características que fizeram de Pietro da
Cortona o mais importante pintor em Roma a partir dos anos 30.
Nos mesmos anos em que realiza os cartões com os “Jogos Infantis”,
Gianfrancesco Romanelli trabalhava como assistente de Cortona na
abóbada do Palácio Barberini. A grande abóbada de 14,5 x 24m é um
marco para a estética barroca e toda a pintura do período6. Uma pintura
altamente ilusionista e de grande complexidade temática que demonstrava
a extraordinária capacidade que possuía Pietro da Cortona de traduzir
ideias em imagens: era a celebração sem precedentes do poder espiritual
e temporal do papado romano e, ao mesmo tempo, a glorificação da
família Barberini.
A abóbada foi louvada pelo papa e comparada por ele à excelência das
Stanze de Rafael no Vaticano. Não pela semelhança estilística, mas para
promover a ideia de que, no seu pontificado, as artes haviam alcançado a
qualidade da época áurea do Renascimento, correspondente ao papado
de Leão X, quando vivia o chamado “trio de ouro”: Leonardo, Rafael,
Michelangelo7.
6
C. Strinati aponta para a influência imediata de Pietro da Cortona sobre todo o ambiente. O
“cortonismo” captura também Andrea Sacchi além de todos os pintores que trabalhavam em sua
proximidade a partir do final da terceira década. STRINATI, Claudio. “L’Influenza di Pietro da
Cortona nell’ambiente romano”. In: Pietro da Cortona (1597-1669), catálogo da exposição. Milão:
Elekta, 1997, p.174-178.
7
O conceito é de Paolo Giovio, médico e historiador de grande erudição e influência, que elege e
escreve pela primeira vez, entre 1525-27, as biografias dos três artistas.
44
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Gostaríamos de alargar o foco para uma visão do contexto, falando
brevemente sobre as tendências artísticas contrastantes que convivem em
Roma nas primeiras décadas do século XVII e sobre o mecenato Barberini
que encomenda a obra em questão.
A reação ao chamado Maneirismo, a seus excessos artificiosos, ocorre no
que podemos imaginar como um campo de forças em tensão, na busca
comum de renovação da linguagem artística: os artistas trabalhavam entre
a admiração pelo repertório da arte clássica e o compromisso com a
observação da natureza, o gosto pela erudição antiquaria e pela
experimentação de novas formas, a ostentação espetacular e o realismo
engajado de interpretação pauperista. Não, o barroco não possui uma raiz
unívoca. Tendências opostas contavam com artistas excelentes, presentes
em Roma naquele momento de grandes transformações, portadores de
distintas visões de mundo.
O início do século XVII viu surgir a arte revolucionária de Caravaggio, com
sua dramaticidade e realismo que trazia os episódios sacros para as ruas
do presente; as quadraturas vertiginosas de Agostino Tassi, que
descortinavam um espaço além; as grandes cúpulas ilusionistas de
Giovanni Lanfranco, influência para todas as cúpulas barrocas que vieram
depois; a perspectiva aérea e luminosa de Pietro da Cortona, sobre quem
falamos, a ousadia compositiva de Francesco Borromini, que parecia
desafiar as leis da estática em suas arquiteturas, combinando côncavo e
convexo no lugar do clássico percurso retilíneo (imagem da
impermanência, diríamos hoje) e as realizações de incomparável inventiva
plástica de Gianlorenzo Bernini (1598-1680), o mais longevo de todos,
arquiteto, escultor, pintor, teatrólogo, cuja atuação atravessa o século
quase inteiro.
Uma brilhante geração de artistas cuja singular energia e força criativa os
impeliu a lutar contra os limites da matéria até conseguir dobrá-la, segundo
a própria imaginação. Os materiais pareciam transfigurar-se no seu oposto,
de modo que o mármore parecia macio como a cera, as fachadas dos
edifícios pareciam estar em movimento, a pintura persuadia o espectador
45
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
de sua realidade e oferecia um espaço imaginário verossímil, fundia
espaço real e espaço pictórico em uma nova unidade espetacular,
suntuosa.
O pontificado Barberini (1623-1644) – mecenas do cartão que motivou este
texto – durou 21 anos, marcando de maneira indelével o panorama
artístico italiano e europeu. Urbano VIII era poeta e intelectual refinado,
quando cardeal, foi amigo de Galileu Galilei, frequentador do ambiente do
cardeal Borghese, colecionador ávido, artífice da incomparável coleção de
arte que admiramos ainda hoje na Galleria Borghese, em Roma, ambiente
superlativo de convívio entre intelectuais e artistas, considerado o berço da
arte barroca8. Gian Lorenzo Bernini cresceu ali.
Antes de ser eleito papa, o Cardeal Barberini participou ativamente da
idealização do grupo escultórico Apolo e Dafne de Bernini (1598-1680)
quando o escultor tinha pouco mais de 20 anos. Sugeriu o tema e escreveu
os versos que comentavam a metamorfose da ninfa Dafne, transformada
em árvore de louro para fugir ao amor de Apolo. A escultura eterniza o
instante da metamorfose, o momento em que os dedos dos pés se
transformam em raízes, as mãos em galhos e folhas de louro, enquanto
Apolo, ao abraçar a ninfa, toca a casca da árvore, não mais o seu corpo.
Nos versos de Ovídio que descrevem a metamorfose, Apolo ainda sente
as batidas do seu coração sob a superfície inumana.
“Quem no amor persegue as alegrias da beleza fugaz, enche as mãos de
galhos e colhe frutos amargos” – diziam os versos de Maffeo Barberini
postos no pedestal que registrava a leitura alegórica moralizante daquelas
imagens de nudez que, de outro modo, poderiam parecer estranhas na
casa de um cardeal em plena Contrarreforma. Dada a presença constante
da coroa de louros nas obras do mecenato Barberini – distintivo de Apolo e
dos poetas, símbolo de virtude –, presente inclusive em algumas das
8
46
STRINATI, Claudio. “Presentazione”. In: Bernini Scultore. La nascita del Barocco in Casa
Borghese, catálogo de exposição, Roma, 15 de maio a 20 de setembro 1998 (Org. Schutze
Sebastian e Coliva Anna). Roma: De Luca, 1998, p.12 e 13.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
tapeçarias que tratamos, este grupo escultórico deve ter tido lugar
relevante no seu pensamento.
A escultura de Bernini é de 1622. No ano seguinte, Urbano VIII foi eleito
para um dos pontificados mais longos da história. Marcado por realizações
artísticas grandiosas, por uma cenografia urbana assinada por grandes
gênios como Bernini, Borromini e Pietro da Cortona, o pontificado de
Urbano VIII consegue projetar internacionalmente a imagem da Igreja
Triunfante na batalha da Contrarreforma. Tal imagem é fruto de intenso
mecenato promovido pelo Pontífice e seus três nipoti, os sobrinhos
Francesco, Taddeo e Antonio, nomeados cardeais pelo tio papa após sua
eleição. Sobre a duração deste grupo no poder e seus inevitáveis abusos,
um cronista da época comentou irônico sobre a saúde do papa: “tivesse
morrido da primeira vez que adoeceu, teria deixado saudade”9!
Inegavelmente, é um período de luz e trevas. Quando cardeal, Urbano VIII
havia defendido seu amigo Galileu Galilei, conseguindo que suas teses
não fossem condenadas como heresia. Como papa, era o chefe da Igreja
que processou e condenou Galileu à prisão domiciliar e à proibição de
publicar seus “Diálogos sobre os máximos sistemas”. Fatos que iluminam
com luz sombria a imagem de nova Idade de Ouro para as artes e ciências
que seu papado queria projetar.
A partir da terceira década do século XVII, principalmente, a arte em Roma
segue o princípio do docere, delectare e muovere. Ou seja, desenvolve os
elementos da retórica visual tanto nos temas profanos quanto nos
religiosos e devocionais, segundo o objetivo comum de envolver o
espectador através do deleite e da maravilha. Ensinar, deleitar, mover,
con-muovere, mover junto. Nas ruas ou nas capelas, a arte passa a ser um
espetáculo carregado de ressonância emocional.
Romanelli foi o mais talentoso dos pintores cortonescos de primeira
geração. Assimilou a linguagem do mestre muito rapidamente e passou a
9
GIGLI, G. Diario di Roma (1604-1670), II volume. Roma: Colombo, 1984, p. 625
47
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
desempenhar papel importante nos canteiros dirigidos por Pietro da
Cortona 10 . Teve a sorte da proteção do Cardeal Francesco Barberini,
homem culto e influente junto à nata da intelectualidade da época, que,
tendo sido um dos sobrinhos mais ativos na cena artística, chamou-o para
todo e qualquer retábulo ou teto que houvesse para ser pintado nas igrejas
que dele dependiam11.
Por intermédio do cardeal Francesco, Romanelli obteve a encomenda da
série de tapeçarias à qual pertence o cartão que discutimos. Mas foi
também encarregado da Arazzeria Barberini como um todo, para a qual
realizou outras duas séries de tapeçarias: Vida de Cristo e Eneias e Dido.
Em 1637, data deste cartão, Gianfrancesco Romanelli, ainda trabalhava na
pintura da abóbada Barberini como assistente de Pietro da Cortona, mas já
procurava afirmar a própria autonomia aproveitando, para tanto, a
ausência do mestre em viagem por Veneza e Florença12. Na ocasião, ele
assume compromissos por conta própria até mesmo no Vaticano, devido a
favores do Bernini, supõe-se, que ocupou lugar central nas artes do
pontificado, sendo considerado uma espécie de ministro da propaganda. O
aspecto mais clássico e pacato no andamento horizontal da composição
das tapeçarias foi considerado algumas vezes como sinal deste
distanciamento em Cortona. Na verdade, as características previstas na
encomenda – derivada do modelo rafaelesco de “giocchi di putti” de cem
anos antes – requeriam este tipo de equilíbrio, buscado agora novamente
pelas correntes classicistas muito atuantes, que se antepunham à cena
mais dinâmica e movimentada que distingue a arte de Pietro da Cortona.
10
Anna lo Bianco analisa dois desenhos de Romanelli conservados na Biblioteca Vaticana referiveis
à pequena Galleria do Palacio Barberini, dado que leva a hipotizar que tivesse papel relevante no
atelier de Pietro da Cortona já em 1634. Cf. “Pietro da Cortona e gli allievi: l’uso del disegno tra
progetto e esecuzione”. In: BERNARDINI, M.G., SQUARZINA, S.D. e STRINATI, C. (org.). Studi di
storia dell’arte in onore di Denis Mahon. Milão: Elekta, 2000, p. 276.
11
HASKELL, F. Patrons and Painters, Art and society in Baroque Italy. New Haven e Londres: Yale
University, 1980, ed.cons.1998, pgs. 53ss.
12
Schleier Erich observa que a ausência de Cortona de Roma entre 1639 e 1647 beneficiou Sacchi e
Poussin. Cf. “La pittura del seicento a Roma”. In: SCHELEIER, Erich e GREGORI, Mina (org.) La
Pittura Italiana. Il Seicento, II vol. Milão: Elekta, p. 448-453.
48
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Digamos que são obras que colhem a inspiração classicista do ambiente e
a liberdade de execução da pintura barroca.
Figura 3
Meninos que jogam pétanque, 1637
Tapeçaria em lã, seda, ouro e prata
Museu Nacional do Palácio Veneza, Roma
Entre as cinco tapeçarias ainda existentes, quatro conservam as temáticas
da série rafaelesca como a dos “meninos que pescam”, sobre a qual já
falamos. Os Putti che gioccano a bocce / meninos que jogam pétanque
[Fig. 3], se curvam às regras e medidas na cena central do quadro
enquanto um deles, de pé, faz o sinal de três com os dedos, símbolo
trinitário. Na cena dos Putti che gioccano con la civetta / Meninos que
brincam com a coruja [Fig. 4] todos estão ocupados na construção de
elaboradas armadilhas para os pássaros, mas a coruja, símbolo de
49
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
sabedoria ancestral, permanece livre sobre um pedestal. Entre os Putti che
giocano a moscacieca / Meninos que brincam de cabra-cega há um cupido
em repouso com o arco apoiado no chão e as flechas guardadas no coldre.
Do lado oposto da cena, o cão, símbolo de fidelidade, parece confirmar a
mensagem e afastar as ameaças representadas por cupidos mais
inquietos.
Figura 4
Meninos que brincam com a coruja, 1637
Tapeçaria em lã, seda, ouro e prata, 530 cm.
Museu Nacional do Palácio Veneza, Roma
A maior tapeçaria de todas é a dos Putti che giocano con un’arnia e il leone
vinto dalle api/ Meninos que jogam com a caixa de abelhas e o Leão
vencido pelas abelhas [Fig. 5]. Nesta, a celebração da família Barberini de
Urbano VIII é evidenciada pela presença das abelhas e do sol do brasão
Barberini, além das coroas de louros pontuando os quatro cantos.
50
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figura 5
Meninos que jogam com a caixa de abelhas, 1637
Tapeçaria em lã, seda, ouro e prata, 530 cm.
Museu Nacional do Palácio Veneza, Roma
O título, provavelmente posterior, não parece congruente. O papa foi eleito
no dia 6 de agosto, sob o signo de Leão, domicílio astrológico do sol,
empresa Barberini, logo acima. A imagem parece transmitir a ideia de
convivência harmoniosa entre os opostos, onde a força se une à
mansidão. A finalidade encomiástica desta tapeçaria é aumentada por sua
dimensão superior em relação às outras – mede mais de cinco metros –
característica que aponta para o papel proeminente dentro da série e da
arrumação original. Entre as tapeçarias que se conservaram, somente
nesta os putti estão caracterizados com asas e a vegetação se limita às
exuberantes guirlandas de frutas e flores que atravessam o quadro,
segundo o esquema rafaeliano.
É preciso não desperdiçar nada nesta arte que ensina, deleita e comove.
Há dois animais colocados nos dois lados da cena, um cervo e uma
galinha d’angola – faraona, em italiano, feminino de faraó. Os animais
51
Elisa Byington
Gianfrancesco Romanelli
estiveram presentes em todas as tapeçarias, personificando virtudes e
qualificando as cenas de acordo com os ensinamentos já explicitados por
Plinio, o velho, na sua História Natural, livro de grande influência para o
pensamento sobre a arte no Renascimento 13 . O cervo, devido às
características de seus chifres que crescem depois de cortados, tem sua
imagem ligada à capacidade de regeneração e à árvore da vida. Enquanto
a faraona, com seu corpo feito de incontáveis pequenas pintas brancas,
pode ser lida em algumas circunstâncias como imagem da fraternidade.
Em 1638, após o importante feito das tapeçarias, é também graças à
influência do cardeal Francesco que Romanelli, aos 26 anos, torna-se
Príncipe da Academia de São Lucas, instituição que reunia os maiores
pintores, escultores e arquitetos em Roma. Segundo o biógrafo G.B.
Passeri, Romanelli era veloz no trabalho e fazia poucos retoques no final.
Era um artista útil na corte e, além das obras que citamos, o cardeal
Francesco, assim como o papa Urbano VIII, serviram-se dele também para
a realização de presentes diplomáticos.
Mais tarde, quando nos primeiros anos do pontificado Pamphilj a familia
Barberini cai em desgraça, o cardeal Francesco leva-o consigo para a
corte francesa e consegue para ele os favores do cardeal Mazzarin,
primeiro ministro e regente durante a menoridade de Luís XIV, para quem
Romanelli decorou os aposentos em 1646. Retorna a Roma após a
reabilitação dos Barberini mas volta a Paris dez anos depois para pintar os
aposentos da Rainha Anne no Palácio do Louvre14. Conquista assim a
apreciação de um público refinado e exerce notável influência sobre a
pintura francesa, além de papel importante na difusão da linguagem
barroca.
13
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in art, 2ª edição. Nova York: Westview, 2008.
14
Cf. “La pittura del seicento a Roma”. In: La Pittura Italiana. Il Seicento, Opus cit.
52
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
A ICONOGRAFIA MARIANA NO CINQUECENTO
ITALIANO E FLAMENGO E O DEBATE EM
TORNO DO MANEIRISMO
Fernanda Marinho
Pós-doutoranda UNIFESP – FAPESP
As visitas à Fundação Eva Klabin (FEK) são iniciadas, superado o hall de
entrada, pela sala Renascença. Duas barulhentas portas corrediças se
abrem, como cortinas de boca de cena, anunciando o amplo cômodo
preenchido por um exasperado gosto clássico. Entre pinturas religiosas,
esculturas egípcias, arcas renascentistas, tapetes persas, cerâmicas de
Urbino, objetos decorativos e um grande retábulo maneirista ao fundo, a
sala Renascença cumpre um papel introdutório no percurso do visitante
assim como o conceito de clássico nos estudos de história da arte. Tratase de um organizado Wunderkummern1 no qual constam duas pinturas que
serão aqui analisadas – Nossa Senhora com o menino e São João criança
e Madona com Menino – e a partir das quais proponho uma breve reflexão
sobre o renascimento italiano e flamengo e o conceito de maneirismo.
1
Segue a definição do termo segundo The Dictionary of Art. Jane Turner (ed.) Macmillan Publishers
Limited 1996, pp. 520-21: “The word [Kunstkammer] is firstly reported in 1550 in connection with
Emperor Ferdinand I, describing a self-contained collection of paintings, precious objects, goblets,
games and natural history specimens located somewhere unspecified in Vienna. The term
Wunderkammer (collection of curiosities) occurs a little later, in the chronicle of the Grafen von
Zimmer (1564-6), describing a room containing rare natural history specimens such as corals, but
above all abnormalities such as mandrakes and misshapen antlers. [...] In 1594 the terms were
combined in the expression Kunst- und Wunderkammer in the will of Archduke Ferdinand II, with
regard to his collection at Schloss Ambras. Von Schlosser, writing in 1908, established this
description of a certain kind of collection as a historical concept, and the German-language term
remains generally accepted”. / “O termo [Kunstkammer] aparece pela primeira vez em 1550
atrelado ao imperador Ferdinand I, descrevendo uma coleção independente de pinturas, objetos
preciosos, cálices, jogos e espécimes da história natural localizada em algum lugar não
especificado em Viena. O termo Wunderkammer (coleção de curiosidades) aparece um pouco
depois, em uma crônica de Grafen con Zimme (1564-6), descrevendo uma sala que continha
espécimes raras de história natural como corais, mas principalmente anormalidades como
mandrágoras e chifres deformados. […] Em 1594 os termos foram combinados na expressão
Kunst- und Wunderkammer no testamento do arquiduque Ferdinando II, em relação à sua coleção
em Schloss Ambras. Von Schlosser, escrevendo em 1908, estabeleceu a descrição de um certo
tipo de coleção como um conceito histórico, e o termo alemão permaneceu geralmente aceito”.
53
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
A primeira pintura [Fig.1], do século XVI italiano e de origem florentina, é
disposta ao lado de um grande arcaz sobre o qual vemos um conjunto de
esculturas da família Della Robbia2 e um relevo de Benedetto da Maiano3,
entre outros objetos. A pintura italiana que iremos aqui analisar representa
os personagens no primeiro plano de uma paisagem montanhosa: no
centro, a Virgem no gesto de redenção; ao lado esquerdo, o menino
apoiado sobre o globo; e São João Batista que desponta timidamente no
lado direito da cena.
A segunda pintura [Fig.2], do século XVI flamengo e de dimensões
menores, é disposta no canto direito de um nicho que acolhe uma
representação da Madona da escola de Sandro Botticelli 4 . Na pintura
flamenga, diferentemente da italiana, a paisagem cede lugar ao fundo
escuro, destacando a intimidade da relação materna através do véu de
Maria que envolve o menino, e aludindo à dramaticidade do destino
sacrifical de Cristo através das cerejas dispostas sobre a bancada que
remetem a gotas de sangue.
A escolha das pinturas a serem aqui analisadas, entre tantas outras –
Madonas ou não – que compõem a coleção5, foi motivada pela análise
comparativa que instigam a respeito do desenvolvimento e/ou da absorção
do classicismo entre Itália e Flandres e suas decorrentes noções de
maneirismo. Tais diferenças aparecem reforçadas pela museografia da
sala Renascença que localiza a vivaz composição italiana entre o grupo de
obras que centraliza a sala, disposto em frente aos sofás e poltronas que
acolhiam os convidados de Eva Klabin; enquanto que a pintura flamenga é
2
um par de anjos ajoelhados e uma moldura redonda, de Andrea e Luca della Robbia (século XV)
3
Relevo de terracota policromada, Virgem com menino (1487-1493)
4
Madona com menino e São João Batista (1490-1500). No inventário da FEK consta a atribuição a
Sandro Botticelli, mas Luciano Migliaccio (2007) sugeriu a atribuição a Filippino Lippi.
5
Indico a seguinte leitura da dissertação de mestrado: CORREA DA SILVA, Fernanda. Arte e
dovoção: a maternidade da Virgem Maria no acervo da Fundação Eva Klabin. Séculos XV e XVI.
Universidade Federal do Rio e Janeiro. Instituto de História. Program de Pós-graduação em
História Social. Rio de Janeiro, 2014. Orientador: Prof. Dr. William de Souza Martins.
54
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
resguardada no único nicho da sala, sob uma luz de penumbra,
enfatizando a sua composição intimista e devocional.
Figura 1
Andrea del Sarto (atribuição da FEK)
Michele del Rodolfo del Ghirlandaio,
dito Michele Tosini (atribuição Luciano Migliaccio)
Nossa Senhora com o menino e São João criança
c. 1570, óleo sobre madeira, 50,5 x 41,5 cm.
Rio de Janeiro, Fundação Eva Klabin
Figura 2
Jan Gossart, dito Mabuse (atribuição da FEK)
Madona com Menino, c. 1520
Óleo sobre tela, 31,0 x 22,8 cm.
Rio de Janeiro, Fundação Eva Klabin
A iconografia mariana esteve sempre muito atrelada ao debate em torno
da santificação de Maria. Enquanto o cristianismo do oriente defendia o
título de Theotokos à Virgem – “aquela que deu luz à Deus” – enfatizando
a sua qualidade divina, o patriarca de Constantinopla, Nestório, designoulhe o título de Chrisatotokos – “aquela que deu luz a Cristo” – enfatizando a
sua qualidade humana. O impasse foi abordado no Primeiro Concílio de
Éfeso, em 431, quando o título de Theotokos foi retomado e consolidado
com a construção da basílica de Santa Maria Maggiore6, em Roma. Tal
6
A basílica romana começou a ser construída durante o papado de Sisto III (432 - 440).
55
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
debate ilustra a paradoxal simbologia mariana, como podemos notar em
ambas as pinturas que iremos aqui analisar, nas quais a Virgem é
representada como a conexão entre o mundo divino e o humano, entre a
vida e a morte de Cristo, entre o sagrado e o profano, configurando-se
como a narrativa central em ambas as composições.
As autorias das pinturas em questão são desconhecidas, ou melhor, não
existe uma documentação ou assinatura que as confirmem. No entanto, a
FEK mantém as atribuições do inventário, ou seja, tal qual foram vendidas
à Eva Klabin, a saber: Andrea del Sarto7 (1486 - 1530) à pintura italiana; e
Jan Gossaert, dito Mabuse8 (c. 1478 - 1532) à pintura flamenga.
Em 2007 foi publicado um catálogo com os destaques da coleção, no qual
o autor Luciano Migliaccio9 manteve a atribuição da pintura flamenga, mas
atrelou aquela italiana ao círculo florentino de Giorgio Vasari (1511 - 1574)
e Agnolo Bronzino (1503 - 1572), sugerindo a atribuição a Michele del
Rodolfo del Ghirlandaio, dito Michele Tosini (1503 - 1577). É válido
abrirmos um parênteses afim de esclarecer que a discussão de autoria
neste artigo, quando abordada, terá fins nela mesma, ou seja, não se
pretende com ela alcançar os objetivos desse estudo, mas sim os meios.
Faço minhas as palavras de Bernard Berenson: “o método me interessa
mais do que os resultados, o funcionamento da mente muito mais do que o
funcionamento do objeto efêmero” 10 . Assim sendo, serão levadas em
consideração tanto as atribuições do inventário quanto os estudos de
Migliaccio, sem, no entanto, restringir-se a tais.
Uma das principais características do renascimento foi a autoconsciência
da sua superioridade. Francesco Petrarca (1304 - 1374) foi um dos
7
Pintura comprada em Buenos Aires, em 1963.
8
Pintura comprada em Madrid, em 1958.
9
MIGLIACCIO, Luciano. A Coleção Eva Klabin. Destaques da Coleção. Petrópolis: Kapa Editorial,
2007.
10
BERENSON, Bernard. The sense of Quality. Study and Criticism of Italian Art. New Yor: Schocken
Books, 1962. (Facsim – 1901), p. IX. / “method interests me more than results, the functioning of
the mind much more than the ephemeral object of functioning”.
56
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
primeiros humanistas a registrar o testemunho do nascimento de uma nova
era, marcada pelo resgate do esplendor de outrora – o período clássico –
em detrimento do fim da decadência medieval. Lionello Venturi11, ao criticar
a superioridade autoconsciente dos renascentistas, lembra-nos que
Petrarca encontrou em Simone Martini (1280-85 - 1344), seu
contemporâneo, a perfeição divina da arte; que para Giovanni Boccaccio
(1313 - 1375), a arte de Giotto di Bondone (1267 - 1337) consistia no início
de uma nova era e na origem da “glória florentina”; que Cennino Cennini
(1370 - 1440), no Libro dell’Arte, reverenciou não apenas a Deus e a todos
os santos, mas também a Giotto; e que Leon Battista Alberti (1404 - 1472)
reivindicou a originalidade de sua teórica em detrimento às de Plínio (séc. I
d.C.) e Vitrúvio (séc. I d.C.).
A Florença dos séculos XIII e XIV contribuiu significativamente para o
desenvolvimento, não apenas, da arte renascentista, mas também de um
primeiro esboço de identidade cultural que antecipava a ideia mesma de
identidade nacional italiana (distante ainda de cinco séculos da sua
unificação - 1861). Nas palavras de Eugenio Battisti:
[...] surge na Toscana o conceito de uma educação, ou
melhor, de uma cultura humanista, compreendida nem
tanto como aperfeiçoamento espiritual privado, quanto
como preparação e participação na vida política. Em
outras palavras, a Florença comunal faz pela primeira
vez, talvez com o único precedente de Cola di Rienzo, o
sistema moral do império [...]12.
Nas artes, o nascimento dessa identidade cultural é recorrentemente
atrelado à figura de Giotto. Interpretação esta devida principalmente a
Giorgio Vasari (1511 - 1574) que em As Vidas dos mais excelentes
11
VENTURI, Lionello. Il gusto dei primitivi. Bologna: Zannichelli Editore, 1926.
12
BATTISTI, Eugenio. L’Antirinascimento. Con un’appendice di testi inediti. Garzanti Editore, 1989, p.
22. / “[...] sorge, in Toscana, il concetto di una educazione, o meglio, di una cultura umanistica,
intesa non tanto come perfezionamento spirituale privato, quanto come preparazione e
partecipazione alla vita politica. In altri sensi, Firenze comunale fa proprio per la prima volta, forse
con l’unico precedente di Cola di Rienzo, il sistema morale dell’impero [...]”.
57
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
arquitetos, pintores e escultores italianos organizou cronologicamente a
história da arte através das biografias dos artistas renascentistas,
estruturando uma crítica de arte pautada na evolução da forma. O grupo
das biografias escrito por Vasari é divido em três fases: a primeira identificada como infância - encontra em Giotto a sua máxima
expressividade, e se caracteriza pela imitação das cores e formas da
natureza;
a segunda - a juventude - representada por Masaccio,
caracteriza-se pelo desenvolvimento da perspectiva e dos estudos
anatômicos; e a terceira - a maturidade - representada por Rafael,
Leonardo e Michelangelo, caracteriza-se pela superação das artes em
relação à natureza.
Florença, portanto, consistia, já no início do século XIV, em um potente
centro humanista e artístico. Era a cidade da monumental cúpula de Filippo
Brunelleschi (1377 - 1446), das inúmeras torres que despontam no
panorama geral, como a torre de Arnolfo, do Palazzo Vecchio, e a
Volognana, do museu Bargello; e os campanários da basílica de Santa
Croce, de Santo Spirito, da Santa Maria Novella e, claro, aquele de Giotto.
É a cidade da teorização das artes, da primeira publicação de De Re
Aedificatoria, tratado da arquitetura de Leon Batista Alberti e da Accademia
delle arti del disegno. Mas essa Florença comunal foi também cenário de
uma importante resistência à ditadura formal religiosa, mais evidente no
século XVI, quando se fortaleceu uma natural tendência anticlássica.
A datação de 1570 para a pintura italiana, sugerida por Migliaccio, implica
em duas principais conjecturas: a rejeição à atribuição a Andrea del Sarto,
morto em 1530, e a ligação da qualidade alegórica e formal da sua
composição a uma geração posterior. Mesmo sugerindo a atribuição a
Michele Tosini, Migliaccio reconheceu que a pintura da FEK apresenta
“lembranças das numerosas obras de tema semelhante” de Andrea del
Sarto. De fato, o gesto de Maria, a torção corporal do Menino e a iminente
participação de São João Batista, aludem à movimentada composição de
Caridade (Andrea del Sarto, 1518, Museu do Louvre), ou mesmo à lúdica
interatividade dos personagens em Madona com Menino e São João
58
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Batista (Andrea del Sarto, 1518, Galleria Borghese). A sinuosa paisagem
da pintura da FEK, por sua vez, apresenta forte conexão com a paisagem
do afresco A punição dos pecadores (Andrea del Sarto, 1510, Santissima
Annunziata, Florença), destacada pela direção da estrada, pela presença
da primeira árvore, à esquerda, e da segunda, à direita, que reforçam a
profundidade da composição e pelo seu fundo montanhoso. No entanto, o
autor percebe que além das “lembranças” a Andrea del Sarto, o caráter
alegórico da pintura da FEK reclama que a aproximemos à “arte florentina
do tempo do grão-duque Cosimo I, dominada pelas personalidades de
Giorgio Vasari e do pintor Ângelo Bronzino”13.
Em Vênus, cupido e Tempo (1540-1545; National Gallery, Londres), por
exemplo, conferimos o profundo investimento alegórico de Bronzino: a
deusa do amor e da beleza carrega uma maçã de ouro (remontando ao
julgamento de Páris) enquanto é abraçada pelo cupido; uma criança
carrega pétalas e celebra a união desses personagens; atrás dela, uma
figura feminina possui em uma mão um favo de mel e na outra, esconde o
ferrão; no canto inferior esquerdo, a personificação do Ciúmes ou da Sífilis;
e acima dela, o Esquecimento que tenta conter o Tempo que cobre toda a
cena com seu manto azul. O caráter alegórico dessa composição expande
o significado da obra para além das suas qualidades formais. Na pintura da
FEK, contudo, ele aparece mais tímido do que no caso de Bronzino,
devido, segundo Migliaccio, à tendência de Tosini em simplificar os
rebuscados esquemas maneiristas em prol da estética contrarreformista.
Tratando-se principalmente de temática religiosa, a liberdade de criação do
artista confrontava-se com os decretos impostos pela Contrarreforma. Em
1562 e 1563, durante o Concílio de Trento, foram estabelecidas as
resoluções aos problemas que abalavam a união do império católico
romano. Contra a posição iconoclasta do Calvinismo, determinaram-se as
seguintes cláusulas: 1) A produção e a adoração de imagens não
transgridem nenhum mandamento bíblico. As imagens são úteis para
13
MIGLIACCIO, Luciano. Op. Cit., 2007, p. 74.
59
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
recordar aos homens de imitar Cristo e os santos. 2) As imagens
pertencem a um poder autônomo e incorporam uma divindade. 3) Existe
uma hierarquia religiosa que deve esclarecer que Cristo experimentou uma
adoração maior do que os santos.
Não se pretendia com esses decretos, no entanto, limitar o
desenvolvimento das artes, mas evitar os inconvenientes correntes. As
composições religiosas, portanto, passavam a ser iconograficamente
enriquecidas, investindo nos atributos que reforçavam as identidades dos
personagens e seus valores religiosos. A esse respeito, Heidi J. Hornik
afirma que Michele Tosini...
[...] foi um artista muito pio e astutamente religioso. Sua
iconografia é biblicamente rica e precisa. O conhecimento
bíblico de Michele, combinado ao simbolismo
iconográfico, produziu arte cristã que pode ser
interpretada através de uma análise que usa obras como
uma exegeses visual do texto14.
Na pintura da FEK notamos que o menino se apoia em uma esfera que
pode ser identificada como o globo terrestre. Este atributo, vastamente
difundido tanto em representações religiosas quanto seculares, é
recorrentemente relacionado ao poder político ou divino. A representação
conhecida mais antiga é da estátua de Zeus, como podemos ver na
reprodução de Maerten van Heemskerck (1498 - 1574), na série de
gravuras das Sete Maravilhas do Mundo, na qual Zeus segura o raio na
mão direita e o globo, na esquerda – dois poderes conjugados, o político e
o divino.
Nas representações cristãs, o globo terrestre aparece atrelado a duas
iconografias: Cristo como criador do mundo e como Salvator Mundi. No
14
60
HORNIK, Heidi J. Michele Tosini and the Ghirlandaio workshop in Cinquecento Florence. Sussex
Academic Press, 2009, p. 54. / “[...] was a very pious and religiously astute artist. His iconography is
biblically rich and accurate. Michele knownledge of the Bible, combined with iconographic
symbolism, produced Christian art that can be interpreted through an analysis using the works as a
visual exegesis of the text".
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
livro das Sete Idades do Mundo, de 1455 (Bibliotéque Royale de Belgique,
Bruxelas), Simon Marmion (1420 - 1489) representou Cristo sentado em
seu trono, com o globo na mão esquerda, e sobre ele, a cena de Adão e
Eva no paraíso. A narrativa bíblica dessa composição remonta à criação
divina e fornece ao atributo do globo terrestre uma denotação de objeto
manufaturado, remontando à criação no seu sentido mais primitivo.
Diferente é o globo terrestre representado no painel central do tríptico do
Juízo Final (1467-1471; Muzeum Naradowe, Gdansk), de Hans Memling
(c. 1440-1494). Cristo não mais aparece perante Adão e Eva, mas sim às
almas danadas, entre apóstolos, santos e anjos. Ao invés de segurar o
globo, ele apoia seus pés sobre ele, destacando a sua soberania. O globo,
destarte, deixa de ser símbolo da criação, e passa a ser símbolo do juízo
de Cristo, um atributo da salvação humana.
Na pintura Madona com Menino abençoando (1449, Santa Maria sopra
Minerva, Roma), de Benozzo Gozzoli (1420-1497), o Menino segura um
globo onde lemos os nomes dos três continentes conhecidos até então –
África, Europa e Ásia –, levando-nos a considerar o globo na sua dimensão
geográfica e humana e, portanto, mais atrelado à simbologia da salvação
do homem do que de criação divina. Na pintura da FEK, por sua vez, o
atributo é representado em um contexto ambíguo: a interação do menino
com o globo enfatiza a atmosfera lúdica da composição, remetendo a um
jogo infantil que pode ser relacionado ao símbolo da criação. No entanto, o
olhar do menino direcionado à Virgem, que por sua vez faz o gesto da
redenção, alude à salvação humana.
Atribuir a pintura da FEK a Andrea del Sarto seria desconsiderar a
possibilidade de interpretá-la a partir do seu caráter alegórico
contrarreformista. Do mesmo modo que relacioná-la a uma geração
posterior (não necessariamente atribuindo-a a Michele Tosini) significa
ressaltar sua subversão formal atrelada à geração dos considerados
maneiristas. Estamos a tratar, de um modo ou de outro, de uma pintura da
terceira idade vasariana, ou seja, da geração representada, como vimos
acima, pelos três grandes mestres do renascimento – Leonardo da Vinci,
61
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
Rafael e Michelangelo – artistas que, no entanto, se diferenciavam
enormemente entre si, principalmente no que concerne aos seus
respectivos ideais de modelo artístico. Para melhor compreendermos essa
diferença, comparemos Leonardo da Vinci, o ápice da corrente naturalista
florentina, às chamadas tendências maneiristas, ditas insuperáveis depois
de Michelangelo.
Leonardo desenvolveu grande parte de sua produção em Milão, sob o
governo dos Sforza, e legou aos seus discípulos milaneses diversos
escritos que vieram a constituir o Tratado da Pintura. Em uma passagem
intitulada Dell’imitare pittori, lemos:
Digo aos pintores que ninguém nunca deve imitar a
maneira do outro, porque será chamado de neto e não de
filho da natureza; porque, existindo as coisas naturais em
tanta abundância, deve-se, principalmente recorrer a
essa natureza do que aos mestres que dela aprenderam.
E digo isso não para aqueles que desejam através dela
alcançar a riqueza, mas para aqueles que através dessa
arte desejam fama e honra15.
Observemos nessa passagem o destacado papel da natureza na
inspiração artística: quanto mais fiel ao modelo natural maior é a fama e a
honra do pintor, e o que pode prejudicar a sua fortuna é a própria arte.
Leonardo cria aqui uma escala de valores na qual o modelo natural é a
principal inspiração e a obra de arte é a sua consequência, denominando o
bom artista como filho da natureza e o mau artista, que se inspira em
outras obras, como o neto da natureza. Atento a este modelo natural
supremo, Leonardo estudou o funcionamento da visão humana para
desenvolver na sua pintura os efeitos naturais, como o sfumato que
consiste no esmaecimento das cores de modo a demarcar o
15
62
Citação extraída de: DA VINCI, Leonardo. Trattato della pittura. Introduzione e apparati a cura di
Ettore Camesasca. 1a ed. Milano: TEA, 1995. / “Dico ai pittori che mai nessuno deve imitare la
maniera dell’altro, perché sarà detto nipote e non figliuolo della natura; perché, essendo le cose
naturali in tanta larga abbondanza, piuttosto si deve ricorrere ad essa natura che ai maestri, che da
quella hanno imparato. E questo dico non per quelli che desiderano mediante quella pervenire a
ricchezze, ma per quelli che di tal arte desiderano fama e onore”.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
distanciamento dos planos. Em Anunciação (1472-75; Galleria degli Uffizi)
podemos perceber a aplicação dessa técnica na paisagem que, ao definir
diferentes graduações cromáticas, acentua o primeiro plano em cores mais
vivas que esmaecem até nos fazer perder de vista o horizonte. Igual efeito
é percebido também em A Virgem das Rochas (1483-86; Museu do
Louvre), na qual a ambientação interna da gruta contrasta com um
horizonte que nossa visão não alcança, como se a pintura continuasse a
existir em uma dimensão mística.
Bernard Berenson definiu essa tendência naturalista como uma “instintiva
inclinação à ciência, aplicada, no entanto às artes” 16 e a exemplifica
através da representação do Onipotente de Paolo Uccello (cena do
Sacrifício de Noé, 1447-1448; afresco de Santa Maria Novella, Florença): o
artista “parece não ter tido outra intenção que demonstrar cientificamente
de que modo apareceria um homem precipitante de cabeça para baixo se,
em um determinado momento da queda, permanecesse congelado e
pendurado no espaço” 17 . E ao falar de Leonardo da Vinci, Berenson
conclui: “mas todos os seus esforços artísticos de qualquer natureza, não
absorveram, na sua carreira, momentos que não fossem roubados da
investigação de ciência teórica e prática”18.
Retomando a pintura italiana da FEK, percebe-se a influência do sfumato
leonardesco demarcando a profundidade dos planos, apesar de não ser
aplicado tão sutilmente como em Virgem das Rochas. No entanto,
enquanto a paisagem da pintura do Louvre desloca o espectador a uma
dimensão mística da narrativa religiosa, a paisagem da pintura da FEK,
nos impele a uma dimensão sensível, pois o caminho sinuoso se perde
16
BERENSON, Bernard. Op. Cit., 1948, 73. / “[...] naturalista è chi abbia una instintiva inclinazione
alla scienza, e si sia invece applicato all’arte”.
17
BERENSON, Bernard. Op. Cit.,1948, p. 73. / “sembra non aver avuto altra intenzione che
dimostrare scientificamente in qual modo apparirebbe un uomo precipitante a capofito se, a un dato
punto della caduta, rimanesse congelato ed appeso nello spazio”.
18
BERENSON, Bernard. Op. Cit., 1948, p. 88. / “ma tutte le sue fatiche artistiche , di qualsiasi natura,
non assorbirono, nella sua carriera, che i momenti rubati as investigazioni di scienza teorica e
pratica”.
63
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
entre as montanhas, fazendo-nos percorrer ativamente a paisagem com os
olhos ao invés de contemplá-la, como entre as rochas da gruta de da Vinci.
Esse efeito lúdico da paisagem da pintura da FEK se repete na
representação das figuras da Virgem e do Menino: a sinuosidade da
estrada é associada à torção do corpo da Virgem, cujo joelho direito é
tombado para o lado esquerdo, confundindo o seu pé esquerdo com o que
poderia ser o pé direito do Menino. Do dedão do pé até a última curva da
paisagem, essa pintura é um jogo fantasioso que descarta a escala das
qualidades artísticas acenada por Leonardo. Podemos dizer que o artista
da pintura da FEK, mesmo não distante do legado de Leonardo,
transcendeu as diretrizes teóricas do grande mestre renascentista,
assumindo-se neto da natureza e filho legítimo da própria arte. E esta
deserdação da arte em relação à natureza, devia-se tanto ao
esmaecimento das tendências naturalistas do meio florentino, quanto ao
fortalecimento de outra tendência chamada maneirismo.
Na passagem supracitada do Tratado da Pintura, notamos que Leonardo
menciona a “maneira do outro” para indicar uma fonte de inspiração
diferente da natureza. Giorgio Vasari, em Le Vite, também utilizou, e
inúmeras vezes, o termo – buona maniera, cativa maniera, bella maniera,
alla maniera, etc. –, mas nunca empregado como uma declinação do
método artístico e sim indicativo da engenhosidade técnica do artista ou de
uma qualidade estética individual. O uso pejorativo do termo surge mais
determinantemente com Giovanni Pietro Bellori (1613-1696) que se referia
à maneira como um vício que tornava a pintura vulgar, e se legitima com
Luigi Lanzi (1732-1810) que traduz o termo maniériste para tratar de um
grupo de artistas criticados por Bellori.
Foi apenas a partir do início do século XX que o uso do termo sinalizou as
primeiras mudanças. Artistas até então relegados ao limbo ganharam
maior atenção entre os historiadores da arte, implicando por consequência
em uma nova concepção do próprio renascimento. A justificativa desta
alteração é recorrentemente atrelada a uma inspiração expressionista e
surrealista que teria despertado entre os estudiosos do Norte europeu uma
64
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
nova sensibilidade na compreensão da história das formas, e
redirecionando assim o olhar dos historiadores da arte italianos a artistas
inseridos no contexto do Cinquecento italiano, que ainda não haviam sido
bem explorados.
Podemos apontar três momentos cruciais para a mudança de perspectiva
historiográfica que fez emergir o maneirismo entre as reflexões da história
da arte. O primeiro localiza-se nas três décadas iniciais do século XX,
tendo com Alois Riegl a nova leitura do maneirismo como um objetivo
artístico positivo em prol de um efeito decorativo, afastando-se das
interpretações pejorativas até então ainda sustentadas pela crítica, como
se vê em Il Cicerone (1855), de Burkhardt. Junto a Riegl, apresentam-se
outros dois nomes fundamentais para este primeiro momento: Max Dvořák
e Walter Friedländer19. Os três exprimem divergentes perspectivas sobre o
assunto, pois enquanto Dvořák procura compreender o maneirismo mais
como uma concepção universal de mudanças espirituais, do que a partir
de suas novidades formais, Friedländer busca mapear o fenômeno,
criando pela primeira vez uma sistematização histórica consistente sobre o
maneirismo, localizando-o entre 1520 e 1590, e encorajando novas
reflexões sobre as reações ao estilo clássico do alto renascimento. Apesar
de divergentes, estes três estudiosos possuem em comum a proposta de
revisão interpretativa do Cinquecento italiano, partindo de perspectivas
menos fundadas nas premissas clássicas e mais atentas às qualidades
intrínsecas à época em questão.
O segundo momento é compreendido entre 1940 e 1950 e se distingue,
entre outras questões, pelas conjecturas relativas ao lugar histórico do
maneirismo na arte do século XVI. Uma vez acordadas as premissas
embrionárias da natureza do maneirismo (no sentido amplo das definições
desse fenômeno, pois os debates a seu respeito nunca deixaram de ser
19
As novas leituras sobre o maneirismo foram inauguradas através do seguintes textos: RIEGL,
Alois. Die Entstehung der Barockkunst in Rome, 1908; DVORÁK, Max. Geschichte der ital. Kunst
im Zeitaler der Renaissance, 1928; FRIEDLÃNDER, Walter. Die Entstehung des antiklassichen
Stiles in der ital. Malerei um 1520, 1925.
65
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
polêmicos), os estudos começavam a se aprofundar na compreensão das
suas definições territoriais. Roma e Florença se configuram como os dois
polos das opiniões divergentes: entre os grandes mestres, destacando-se
sempre Michelangelo, e outros como Rosso e Pontormo. A localização do
seu surgimento em Roma sugere um maior estreitamento com os motivos
da crise religiosa, da Contrarreforma, enquanto o maneirismo, quando
concebido como um fenômeno originado em Florença, é definido quase
como um desenvolvimento natural da arte renascentista, mesmo que
partindo de uma reação às suas configurações clássicas.
Tais questões foram abordadas por muitos historiadores, mas podemos
destacar, como representantes deste segundo momento, Roberto Longhi,
Luisa Becherucci, Giuliano Briganti e S.J. Freedberg. Longhi identifica o
surgimento da maniera já com o Tondo Doni de Michelangelo, de 15061507, abreviando ao máximo o ápice clássico. Becherucci20, ao contrário,
defende a restrição do uso do termo maneirismo às artes de meados e fim
do século XVI, enquanto que Briganti propõe uma reavaliação históricocrítica, tratando o maneirismo exclusivamente como uma componente
formal e figurativa. Freedberg diverge por completo da concepção de
Briganti ao considerar o maneirismo como uma atitude e não a partir de
aspectos exteriores, como demonstra ao comparar Parmigianino a
Pontormo, evidenciando um maneirismo “decorativo” atrelado ao primeiro,
e outro de corrente “expressiva”, atrelado ao segundo. Também será
assunto destas reflexões o papel de Veneza no desenvolvimento da
maniera que, por não ser considerada um centro produtivo tal qual Roma e
Florença, permanece fruto de divergentes opiniões a respeito da
participação de seus artistas como expoentes do maneirismo.
O terceiro momento se estende entre as décadas de 1960 e 1970, tendo
como maior expoente uma nova publicação-chave de Briganti, La Maniera
Italiana, de 1961. Segundo Giusta Nicco Fasola, Briganti inaugura a
20
66
BECHERUCCI, Luisa. I Manieristi Toscani. Bergamo: Ist. Ital. D’Arti Grafiche, 1944.;
BECHERUCCI, Luisa. “Momenti dell’arte Fiorentina nel Cinquecento”. In: Il Cinquecento, 1955, pp.
159-183.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
supremacia da historiografia italiana sobre a alemã, tida por muitos
estudiosos como a responsável pelo “resgate” do maneirismo e pela sua
inserção na história da arte. A importância deste livro reside na legitimação
do maneirismo como um período artístico de diretrizes históricas bem
fundamentadas: seguindo as indicações de Longhi, Briganti aponta os
anos de 1503 a 1506, em Florença, como os decisivos para a mudança de
rumo da história da arte, principalmente com as batalhas de Anghiari e
Cascina, pintadas no Palazzo Vecchio por Leonardo e Michelangelo,
respectivamente. Divide a maniera em duas correntes, entre Roma e a
Toscana, não diferenciadas cronologicamente, mas sim por seus
horizontes mentais.
Segundo Pinelli, Briganti inicia uma nova época historiográfica na Itália.
Tais contribuições foram logo sentidas, principalmente nos dois seguintes
congressos internacionais: Manierismo, Barroco e Rococo: concetti e
termini, ocorrido em 1960, em Roma; e XX Convegno Internazionale di
Storia dell’Arte, ocorrido em 1961, em Nova Iorque. Deste segundo,
destacam-se John Shearman e Craig Hugh Smyth que apresentaram os
respectivos títulos, “Maniera” as an aesthetic ideal, e Mannerism and
“Maniera”. Ambos os autores percebem o maneirismo como uma mudança
de “gosto figurativo” atrelado a uma sociedade sofisticada, elegante.
Shearman vai além ao destituir da maneira o caráter expressivo,
considerando-a um equivalente ao que chama de stylish style, uma
estilização exacerbada em prol da sofisticação do gosto.
Retomemos agora a nossa análise. Para passarmos à pintura atribuída a
Mabuse - Madona com Menino - deixemos a vertiginosa paisagem da
pintura italiana e adentremos no reservado ambiente interno da
composição flamenga; sensibilizemo-nos não pelo gesto de redenção de
Maria ao menino ou pela troca de olhares entre eles, mas sim pelo contato
físico, reforçado pelo véu que os envolve como uma conexão uterina; não
restrinjamos a nossa análise a referências bíblicas, mas a contagiemos
pela memória afetiva materna e, portanto, por uma dimensão não apenas
religiosa, mas também humana.
67
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
Jan Gossaert, nasceu na cidade de Maubeuge (de onde vem a derivação
Mabuse, nome pelo qual o artista ficou conhecido) por volta dos anos
1475-78. Formou-se em 1503 na guilda de São Lucas, na Antuérpia, e foi
um artista de grande fama no norte da Europa, tendo recebido a
denominação de “Apeles do nosso tempo” 21 . Trabalhou para a família
Borgonha, para a arquiduquesa Margarida da Áustria e seu chanceler Jean
Carondelet. Em 1508-09 acompanhou Felipe de Borgonha à Itália em uma
missão diplomática, onde, por encomenda de seu patrão, executou
diversos desenhos das esculturas e monumentos romanos adquirindo a
fama de primeiro artista nórdico a levar à Antuérpia uma nova forma de
pintar figuras mitológicas nuas.
Francesco Guicciardini (1483-1540) declarou que Mabuse “foi o primeiro
que trouxe da Itália a este país, a arte de pintar Historie, e poesia com
figuras nuas”22. Karel van Mander (1548-1606), por sua vez, ao comparar a
capacidade pictórica dos italianos à dos holandeses, discorre a respeito da
importância dos modelos antigos encontrados em Roma e sua introdução
na arte flamenga através de Jan van Scorel, um discípulo de Mabuse:
[os modelos antigos] iluminaram a nossa pintura e
abriram os olhos dos artistas sobre as diferenças, tanto
na vida quanto na natureza, entre o feio e o belo, entre o
belo e o extremamente belo, concernente às formas
humanas e animais. Os italianos, mais esclarecidos,
descobriram anteriormente a boa e correta maneira de
fazer imagens, enquanto que os nossos holandeses...
com conhecimento incompleto, contentaram-se em seguir
a vida vulgar e permaneceram... em relativa escuridão...
até que Jan van Scorel trouxe-lhes da Itália o
21
Denominação que aparece na biografia de Filipe de Borgonha, publicada por Gerardus
Geldenhauer em 1529.
22
Citação retirada em: FRIEDLÄNDER, Max J. The Adoration of The Kings in the National Gallery.
The Galley Books, n°19: Percy Lund Humphries & Company LTD, pg 4. / “Il quale fu il primo che
portò d’Italia in questo paesi, l’arte del dipingere Historie, e poesie con figure nude”.
68
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
conhecimento das melhores maneiras ou formas da
nossa arte e colocou-lhes diante aos olhos23.
Até mesmo Vasari se pronunciou a respeito de Mabuse:
E Giovanni di Malengt (Jan Gossaert – Mabuse) foi quase
o primeiro que levou da Itália à Flandres o verdadeiro
modo de fazer histórias plenas de figuras nuas e de
poesia, e da sua mão, em Silanda, há uma grande tribuna
na abadia de Midelburgo24.
Nessas passagens, percebemos como os autores ressaltam a capacidade
de Mabuse de representar o nu como uma qualidade inédita em Flandres,
classificando a maneira italiana como “o verdadeiro modo”, como dito por
Vasari. Em contrapartida, estudos mais recentes têm procurado destituir a
fortuna crítica de Mabuse da sombra da arte italiana. Gustav Glück, por
exemplo, afirma que os interesses de Mabuse voltavam-se mais às ruínas
romanas do que a Michelangelo e Rafael, e ressalta que suas figuras
sempre permaneceram mais caracteristicamente flamengas do que
italianas:
Mas devemos questionar: Mabuse realmente trouxe seu
novo estilo da Itália, como os antigos escritores
afirmavam? Nós vimos o que ele realmente ganhou
visitando a Itália: um tipo de liberdade generalizada,
nenhum conhecimento especial da forma humana nua.
Imediatamente após sua volta, ele não procurou retratar
23
VAN MANDER, Karol. Het Schilder-Boeck. Haarlem, 1604, f. 234. Traduzido do francês do seguinte
artigo: CAMPBELL, Lorne. Renaissance Portraits. New Heaven e Londres, Yale University Press,
1990, p. 227. / “[...] ont jeté une vive lumière sur notre art de peindre et ont ouvert les yeux des
artistes sur les différence, dans la vie comme dans la nature, entre le laid et le beau, entre le beau
et le suprêmement beau, touchant les formes humaines et animales. Ainsi éclairés, les italiens ont
découvert plus tôt la bonne et correct manière de faire des images, tandis que nos Néerlandais...
avec leur savoir incomplet, se sont contentés de suivre la nature vulgaire et sont demeurés... dans
une obscurité relative... jusqu’à ce que Jan van Scorel leur apportât d’Italie la connaissance des
meilleurs manières ou formes de notre art et les leur eût mises sous les yeux”.
24
“E Giovanni di Malengt fu quasi il primo che portasse d’Italia in Fiandra il vero modo di fare storie
piene di figure ignude e di poesie, e di sua mano in Silanda è una gran tribuna nella badia di
Midelborgo”.
69
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
temas repletos de figures nuas, como Vasari declara de
maneira inadequada, mas ainda seguiu a tradição dos
Países Baixos tanto nos temas quanto no estilo, até 1515
(…) não podemos dizer que ele dependeu dos exemplos
italianos. Nenhum dos grandes mestres italianos daquela
época, nem mesmo Michelangelo ou Rafael, podem ser
considerados como influências. A arte fraca e instável de
Jacopo de Barbari, que se tornou mais nacional do que
italiana durante sua longa estadia nos países nórdicos,
pode ter significado algo para ele. Mas não devemos
exagerar esta influência, que provavelmente foi apenas
algo relacionado às teorias de Jacopo sobre proporção
humana25.
O autor não somente procura valorizar as raízes flamengas nas formas de
Mabuse como chega a questionar a influência da arte italiana na sua obra:
Na arte dos Países Baixos, anterior a Mabuse, o estudo
do corpo humano nu era, se excluirmos o tema do
Salvador morto e do Último Julgamento, quase que
inteiramente limitado ao assunto de Adão e Eva. Quando
Mabuse pintou Adão e Eva pela primeira vez, ele não
tinha se inspirado nos exemplos italianos, mas em Dürer,
o maior artista então vivo no Norte26.
25
GLUCK, Gustav. “Mabuse and the development of the Flemish Renaissance”. In: The Art
Quarterly. Detroit: Metropolitan Museum of Art; Founders Society Detroit Institute of Arts, 1938; pp.
132 e 133. / “But we must ask, did Mabuse really bring his new style from Italy as the old writers
assert? We have seen what he actually gained by his visit to Italy: a Kind of general freedom, not
any special knowledge of nude human form. He did not, immediately after his return, contrive
stories full of nude figures, as Vasari inaptly says, but still followed the Low Countries’ tradition both
in subjects and in stile until 1515 (…) we cannot say that he depended upon Italian examples. None
of the great Italian masters of that time, not even Michelangelo or Raphael, can justly be said to
have influenced him. The rather weak and unsteady art of Jacopo de Barbari, who had become
more international than Italian during his long stay in Northern countries, may have meant
something to him. But we ought not to exaggerate this influence, which was probably only a matter
of Jacopo’s theories about human proportions”.
26
GLUCK, Gustav. Op. cit., 1938; p. 133. / “In the art of the Low Countries preceding Mabuse the
study of the nude human body was, if we except the subjects of the dead Savior and of the Last
Judgment, almost entirely limited to the subject of Adam and Eve. When Mabuse first painted Adam
and Eve, he was inspired not by Italian examples but by Dürer, the greatest artist then living in the
North”.
70
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
A pintura da FEK, datada de 1520, dialoga em muitos aspectos com duas
representações da Madona atreladas por M. J. Friedländer27 às atividades
de Mabuse pós 1520: uma conservada no The Art Institut of Chicago; e a
outra na Gemäldegalerie der Staatlichen Museen, de Berlim. A
característica que as acomunam, segundo Friedländer, é a similaridade
com a figura do menino da pintura Madona da pera (Kunsthistorisches
Museum, Vienna) de Dürer, que teria sido levada com o pintor na sua visita
à Holanda em 1520-21. Walter S. Gibson28 também ressaltou a conexão
entre ambos os artistas ao associar a posição da Madona, de Mabuse, que
apoia a cabeça em sua mão (Cleveland Museum of Art) ao São Jerônimo
em meditação, de Dürer (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa):
Essa imagem melancólica deve ter atraído imensamente
o gosto contemporâneo pelos assuntos da vanitas e
momento mori, pois a pintura de Dürer foi copiada
repetidamente e com muitas variações em diversos
ateliês da Antuérpia durante a terceira e a quarta década
do século. No entanto, que Gossart era familiarizado com
a pintura original é demonstrado pelo fato que ele incluiu
o bloco onde o santo apoia o braço direito, um detalhe
omitido em todas as cópias posteriores à pintura de
Dürer29.
A pintura da FEK, diferentemente, da Madona da coleção Cleveland, mas
similarmente às outras duas Madonas das coleções de Chicago e Viena, é
caracterizada pela ausência de paisagem. Considerando o contexto
artístico norte-europeu de então, representado tanto por grandes artistas
27
FRIEDLÄNDER, M. J. Early Netherlandish Painting. Jan Gossart and Bernart van Orley. VIII, n. 31,
pl. 31., 1972.
28
GIBSON, Walter S. “Jan Gossart de Mabuse: Madonna ans Child in a Landscape”. In: The Bulletin
of the Cleveland Museum of Art, Vol. 61, No. 9. Nov., 1974, pp. 287-299.
29
GIBSON, Walter S. Op. Cit., 1974, p. 292. / “This somber image must have appealed greatly to the
contemporary taste for vanitas and momento mori subjects, for Dürer’s painting was copied
repeatedly and with many variations in several Antwerp workshops during the third and fourth
decades of the century. That Gossart was familiar with original painting, however, is demonstrated
by the fact that he included the block supporting the saint’s right arm, a detail omitted in all the
copies after Dürer’s picture”.
71
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
como Joachim Patinir (1480-1524) quanto pela legitimação teórica de
Domenicus Lampsonius 30 , Mabuse foi um pintor atípico devido ao seu
escasso interesse pela representação de paisagem, substituída, quando
não pela completa ausência de cenário, por impressionantes motivos
arquitetônicos góticos, como o tabernáculo Virgem com menino e anjos
musicais (1510, coleção privada) e Sagrada Família (1510, J. Paul Getty
Museum, Los Angeles). Percebe-se assim que, na medida em que o artista
se desinteressava pelo fundo da composição, ele enfocava na
representação da cena principal, ou seja, o esvaziamento da ambientação
exterior e mundana era preenchido pelo enriquecimento na representação
da relação materna humanizada. Na pintura Sagrada Família, de Los
Angeles (1510), o menino se apoia no seio de Maria em uma pose ainda
rígida e muito distante da conexão afetiva representada em Virgem com o
menino, do Museu do Prado (1527).
Esta reclusão à qual Mabuse destinava Maria alude à simbologia da
virgindade da santa e aos estudos de São Jerônimo que associou a
seguinte passagem do livro do Cântico dos Cânticos à sua castidade:
“Hortus conclusus soror mea, sponsa, hortus conclusus fons signatus”
(Jardim fechado é minha irmã, esposa, jardim fechado fonte selada). Santo
Ambrósio no tratado De Virginibus também escreveu a respeito: “O
segredo da modéstia, a bandeira da fé, o silêncio da devoção, a Virgem
dentro de casa, a companheira para o mistério [de Cristo], a Mãe no
templo”. Na pintura da FEK não vemos paisagens, janelas e nenhuma
menção ao exterior. A reclusão na qual Maria é representada corrobora a
sua santificação ao passo que não a conecta a nenhum indício da vida
mundana. A representação arquitetônica e paisagística é substituída pelo
simples fundo escurecido. A sua atmosfera é reduzida à sobriedade
intimista e ao eco do ambiente vazio, abreviando a religiosidade ao
30
72
Lampsonius (1532 - 1599) foi um humanista dos Países Baixos que publicou em 1572 Pictorum
aliquot celebrium Germaniae inferioris effigies, no qual escreveu: “A glória própria dos belgas é
bem pintar os campos; a dos italianos, homens e deuses; é por isso que se diz, com razão, que o
italiano tem o cérebro em sua cabeça, e o belga, em sua mão”. Esta análise traçada por
Lampsonius polariza a capacidade conceitual da escola italiana de um lado, e a capacidade técnica
da escola belga, de outro.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
sentimento da devoção. O contexto religioso atrelado à imagem de Maria,
antes sustentado pelas elegantes colunas góticas do tabernáculo da
Virgem com menino e anjos musicais, da coleção privada (1510), na
pintura da FEK aparece desfeito pela fluidez do drapejamento do véu da
santa.
Assim como percebemos a tendência de Mabuse em destacar a
representação da cena em detrimento da representação da sua
ambientação, podemos também perceber que essa mudança de ênfase
será marcada por uma crescente dramaticidade conferida na
representação das paixões da relação humanizada entre a Virgem e o
menino, e ecoada na teatralidade da representação das vestes. Tal
qualidade técnica se faz presente no desenho Virgem da humildade (15201525; Staatliche Graphische Sammlung, Munique); e nas gravuras Virgem
com menino sentados ao pé de uma árvore (1522; The Metropolitan
Museum of Art, NY); e Virgem com menino sentados em um banco (1522;
Albertina, Viena).
A pintura da FEK, nesse sentido, dialoga com uma série de pinturas de
Mabuse ou de artistas associados a ele, conhecida como Virgem do véu:
uma de 1520, conservada na Royal Picture Gallery, Mauritshuis, em Haia;
outra datada de 1525-30, encontra-se nos Musées Royaux des Beaux-Arts
de Belgique, em Bruxelas; e ainda uma de 1531 ou 1551, de uma coleção
privada de Stuttgart. Ainsworth declara: “O menino brincalhão que levanta
o véu de sua mãe em um jogo de esconde-esconde, é um motivo
totalmente novo para a pintura holandesa do início dos anos 1520”31.
Gibson ao analisar a Madona de Cleveland à luz das suas relações com
Dürer procurou destacar que “o estado de profunda reflexão ou
31
AINSWORTH, Maryan W. (ed.). AINSWORTH, Maryan W.; ALSTEENS, Stjin and ORENSTEIN,
Nadine M. (authors). Man, Myth, and Snesual Pleasures. Jans Gossart’s Renaissance. The
Complete Works. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2010, p. 154. / “The disarmingly
playful Christ Child, who lifts his mother’s veil in a game of peekaboo, is a total new motif to
Netherlandish painting of the early 1520s”.
73
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
contemplação”32 da Virgem vai além da sua posição que remonta à famosa
gravura Melancholia I (1513, Dürer). A presença das cerejas que o menino
segura e o olhar da Virgem indicam também o estado melancólico da santa
perante a Paixão de Cristo. E tal interpretação aparece reforçada pela
seguinte inscrição na moldura: “Tua mater contemplativo nostri sit
reconciliatio” (Mãe, faça a sua contemplação ser a nossa reconciliação). O
autor analisa a inscrição:
Endereçado à Virgem, ela [a inscrição] pede que o objeto
da sua contemplação, a saber a encarnação e a paixão
de seu Filho, torne-se os meios da nossa reconciliação
com Deus. Nessa breve invocação, Gossart resume o
princípio central da doutrina cristã, com particular
referência à Virgem33.
Levando em consideração a relação da Madona de Cleveland com o
caráter melancólico contemplativo ressaltado por Gibson, remontamos ao
aspecto paradoxal da simbologia mariana abordado na introdução desse
estudo. Na pintura da FEK, a reclusão da Virgem – ratificada pela
teatralidade do fundo escurecido e do manto vermelho –, combinada ao
afeto materno – destacado pelo entrelaçamento do véu –, se dissolvem na
silenciosa aceitação divina de Maria – representada pelo seu olhar
contemplativo e reconciliatório – do destino sacrifical de seu filho –
indicado pelas cerejas dispostas na bancada, alusivas a gotas de sangue.
A representação da Virgem é associada, assim, tanto à esfera humana da
dor materna perante a previsão do sofrimento de seu filho, quanto à esfera
religiosa da misericórdia de Maria perante a humanidade. A presença da
cereja se repete em demais composições atreladas a Mabuse – Palazzo
Mansi, Lucca; Museu de Belas Artes de Valenciennes; Policka Museum,
32
GIBSON, Walter S. Op. Cit., 1974, p. 292. / “a state of deep thought or contemplation”.
33
GIBSON, Walter S. Op. Cit., 1974, p. 292. / “Addressed to the Virgin, it asks that the object of her
contemplation, namely the incarnation and passion of her Son, become the means of our
reconciliation with God. In this brief invocation, Gossart summed up the central tenet of Christian
doctrine, with particular reference to the Virgin”.
74
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
República Checha – composições estas que combinam a iconografia
mariana à iconografia sacrifical; o milagre à salvação; a origem ao fim.
Em Madona com menino, Gossart representou a Virgem
como o exemplo supremo da vida contemplativa de
Cristo. Mas seu significado aqui é maior que o modelo
espiritual. A Virgem era tradicionalmente pensada para
desempenhar uma parte ativa no processo de redenção;
pela virtude da sua especial relação com Cristo, ele age
como advogado da humanidade pecaminosa, objetivando
controlar a severidade do julgamento divino com
misericórdia34.
Enquanto a exacerbada contorção corporal e a sinuosidade da paisagem,
da pintura italiana, reforçam o caráter artificioso e indicam uma inspiração
paradigmática ulterior ao modelo natural; o fundo escurecido e a atmosfera
intimista, da pintura flamenga, humanizam as paixões e indicam uma
simplicidade compositiva. E aqui tocamos no ponto chave desse estudo:
apesar das divergências, ambas as pinturas são consideradas maneiristas
– a italiana, pela sua avançada técnica artificiosa em comparação às
gerações florentinas anteriores; e a flamenga, pela absorção do
classicismo italiano em contraste com o típico estilo nórdico gótico. O
maneirismo, assim, demonstra-se uma confusa classificação estilística
resumida, grosso modo, à oposição formal ou ao desvio da ordem: no caso
italiano, uma tendência anticlássica de superação do modelo antigo ou
natural; e no caso flamengo, uma modernização do estilo gótico através da
assimilação do classicismo. Vale recorremos aqui à seguinte consideração
de Eugenio Battisti35.
34
GIBSON, Walter S. Op. Cit., 1974, p. 294. / “In the Madonna and Child, Gossart thus represented
the Virgin as the supreme exemplar of the Christ contemplative life. But her significance here is
more than that of a spiritual model. The Virgin was traditionally thought to play an active part in the
process of redemption; by virtue of her special relationship with Christ she acts as an advocate for
sinful humanity, seeking to temper the severity of divine judgement with mercy”.
35
Battisti publicou em 1962 L’Antirinascimento (a última edição data de 200XX). O debate sobre o
maneirismo foi desenvolvido posteriormente em “Per un ampliamento del concetto di manierismo”.
In: Annali dell’Istituto Storico italo germanico in Trento, 1977. Bologna: Società Editrice il Mulino,
1978.
75
Fernanda Marinho
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
É difícil dizer agora quais possam ser as razões que
impedem que Filippino Lippi seja definido como
maneirista. E, em um quadro mais vasto, não se sabe
como podem ser enquadrados um Bosch e um
Grünewald, já que, se o maneirismo é anticlassicismo, é
certo que nenhum outro será mais anticlássico que estes.
E se o maneirismo ou o anticlassicismo são um período
cronológico, ao invés de uma componente estilística
perdem-se aqui todos os critérios de definição global e
complexa do renascimento, uma vez que especialmente
na difusão europeia da cultura renascentista as
manifestações quinhentistas anticlássicas prevalecem
largamente sobre aquelas definíveis pelo seu estilo
classicista36.
Segundo Battisti, a confusão e prolixidade dos debates relativos ao
maneirismo devem-se às lacunas historiográficas relativas ao próprio
renascimento que, ao estruturarem-no enquanto equivalência do clássico,
abreviam o anticlássico às reações à ordem política e religiosa. Battisti
defende uma interpretação do Cinquecento a partir da coexistência
equilibrada de suas oposições, e considera que a arte áulica em crise,
encontra nas formas anticlássicas um meio de expressão, assim como
esta última vale-se do colapso das autoridades para se promover:
Mas é apenas quando o anticlassicismo, com o seu peso,
consegue pendular a balança quase como o diabo que se
agarra à stadera de são Michele, que o dualismo, por nós
36
76
BATTISTI, Eugenio. Op. Cit., 1989, p. 29. / “É difficile ormai dire quali possano essere le ragione
che impediscono di definire manierista un Filippino Lippi; e in un quadro più vasto non si sa più
come possono essere incasellati un Bosch ed un Grünewald, giacché, se manierismo è
anticlassicismo, nessuno, certo, è più anticlassico di loro. E se il manierismo o l’anticlassicismo
sono un periodo cronologico, invece che una componente stilistica, ecco perso ogni criterio di
definizione globale e complessiva del rinascimento, giacché, specialmente nella diffusione europea
della cultura rinascimentale, le manifestazioni cinquecentesche anticlassiche prevalgono di gran
lunga su quelle definibili per il loro stile classicistiche”.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
demonstrado na cultura quinhentista, se reduz e quase se
anula37.
A comparação entre ambas as pinturas conservadas na FEK nos leva a
refletir, não apenas sobre as divergências formais entre as escolas italiana
e flamenga do século XVI, mas principalmente sobre as diretrizes clássicas
que ainda perduram na nossa historiografia artística, como bem
demonstrado por Battisti. No entanto, podemos dizer que conceitos
correntes como “arte global”, “renascimento global”, “interdisciplinaridade”
e o próprio “antirrenascimento” indicam perspectivas historiográficas
alternativas que nos ajudam a revisar tanto o conceito mesmo de
renascimento para além dos confins mediterrânicos, como também a
decorrente noção de maneirismo.
37
BATTISTI, Eugenio. Op. Cit., 1989, p. 51. / “Ma è solo quando l’anticlassicismo riesce a far
pendere, col suo peso, la bilancia, quasi come il diavolo che si aggrappa alla stadera di san
Michele, che il dualismo, da noi avvertito entro la cultura cinquencentesca, si riduce e quasi si
annulla”.
77
Fernanda Marinho
78
A iconografia mariana no Cinquecento italiano e flamengo
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
DEVOÇÃO POR IMAGENS: PINTURAS E CULTO
PRIVADO NA ITÁLIA ENTRE OS SÉCULOS XIII E XV
Tamara Quírico
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Ex visione rei gestae ardorem compunctionis percipiant
Gregório Magno
Introdução: devoção
O título do presente ensaio levanta imediatamente um questionamento: o
que seria, afinal, devoção? Seu sentido religioso decerto é entendido pelo
senso comum, mas como ele poderia ser corretamente definido? No
contexto do Cristianismo ocidental, o termo devoção deve ser
compreendido como “uma dimensão particular” da religião cristã, que
remeteria “a uma orientação pessoal do fiel”. Se nas primeiras épocas do
Cristianismo essa devoção se baseou especialmente na celebração do
culto eucarístico e na participação dos fiéis nele, com os séculos passouse a relacioná-la cada vez mais também a orações privadas, buscando “a
afirmação progressiva de uma interioridade e de uma subjetividade do
fiel”1. Tratava-se, por conseguinte, de um modelo de piedade que os leigos
eram estimulados a desenvolver não somente dentro da igreja, durante as
celebrações litúrgicas ou não, mas também fora dos edifícios religiosos,
seja de forma comunitária, como nas confrarias, ou individualmente.
Devoção para os cristãos, então, igualmente se relacionaria, ao menos
desde a virada do primeiro milênio, a um diálogo religioso que se poderia
estabelecer de forma particular entre o fiel e um santo de sua eleição.
Se essas mudanças começaram a se fazer sentir em torno do ano mil, é a
partir do século XIII que se percebeu um estímulo mais intenso e efetivo
para o desenvolvimento de devoções privadas, ou seja, realizadas de
1
LAMY, Marielle. “Dévotion”. In: GAUVARD, Claude; LIBERA, Alain de; ZINK, Michel (Org.).
Dictionnaire du Moyen Âge. Paris: PUF, 2002, p. 408.
79
Tamara Quírico
Devoção por imagens
forma individual, e não nas igrejas, mais especificamente no interior de
residências domésticas. Muito dessa nova incitação devocional veio com
as novas ordens mendicantes, em especial com dominicanos e
franciscanos que, desde sua fundação, no Duecento, buscavam a
conversão dos leigos através de seus sermões. Não por acaso, escreve
Jean-Claude Schmitt que “maciça, sistemática, repetitiva, a nova pregação
parece uma enorme máquina de converter as almas”2. Os frades também
exortavam, com uma linguagem simples e facilmente compreendida pelo
povo, uma relação mais próxima e íntima com o divino. Se essa relação
era constituída a partir de uma imagem (seja ela esculpida ou, mais
amiúde, pintada), que auxiliaria as meditações desse fiel – o que se
tornaria cada vez mais frequente a partir do ano mil –, esta poderia ser
compreendida como uma imagem de devoção. Nesse processo de
estímulo a devoções privadas, portanto, painéis pintados com imagens de
santos desempenharam progressivamente um papel cada vez mais
fundamental nos últimos séculos do Medievo, de que se tratará mais
adiante.
Mudanças na sociedade e na arte no século XIII
Para uma melhor compreensão dessas novas questões que se colocaram
para o Cristianismo no fim da Idade Média, há que se considerar as
profundas modificações que ocorreram nas sociedades ocidentais nesse
período. Tratava-se, com efeito, de um mundo em que, desde a virada do
milênio, “houve um despertar geral das atividades”, conforme escreve Luís
Alberto De Boni3. O autor se refere a uma realidade que gradativamente se
tornou mais urbana, seja pela dissolução dos antigos feudos, seja pelo
2
Schmitt indica aqui a prática dos exempla, em que “a matéria narrativa perde também sua
variedade, para submeter-se a estruturas inalteradas, repetitivas, mas tanto mais memorizáveis e,
portanto, mais eficazes para um auditório iletrado”. SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos
na sociedade medieval (trad. Maria Lúcia Machado). São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.
144.
3
DE BONI, Luís Alberto. “A universidade medieval”. In: OLIVEIRA, Terezinha (Org.). Luzes sobre a
Idade Média. Maringá: UEM, 2002, p. 21.
80
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
desenvolvimento de novas cidades nas rotas de peregrinação que
conduziam especialmente a Roma, Santiago de Compostela e Jerusalém,
e que passaram a interligar as principais cidades da Europa ocidental,
criando uma grande rede de trocas comerciais e culturais.
Uma decorrência desse renascimento das cidades foi a maior
especialização do trabalho, com a criação de ofícios específicos que
levariam à formação das primeiras guildas. Com isso, do mesmo modo
ocorreu o progressivo abandono da rígida divisão tripartida da sociedade
feudal, em que os homens eram separados entre oratores, bellatores e
laboratores – em outras palavras, aqueles que oravam (a Igreja), os que
guerreavam (a nobreza) e os que trabalhavam (o homem comum),
respectivamente. Vislumbrava-se enfim, nos últimos séculos da Idade
Média, a perspectiva de uma maior mobilidade social para o homem
comum, que poderia concretamente pensar em enriquecer e em ascender
socialmente, seja através das guildas, seja através da educação.
Se ler e escrever ao longo dos séculos do Medievo, ainda que de forma
rudimentar, foi quase exclusivamente um privilégio do clero, a situação
começou a mudar a partir do século XII. A expansão do ensino, de fato, em
todos os níveis, mas particularmente nas universidades (fundadas em
diversas cidades europeias a partir de fins do século XII), tornou-se
também um dos grandes responsáveis pela consolidação de uma nova
sociedade. O conhecimento, a partir desse momento, ainda que
permanecesse restrito às camadas mais elevadas 4 , não seria mais
exclusividade de uma elite religiosa. Na síntese de De Boni, portanto, nos
últimos séculos da Idade Média “surgiram ou revigoraram-se as cidades,
desenvolveu-se o comércio, buscou-se o saber”5.
4
Afinal, há que se considerar que esse ensino não visava a um “projeto de alfabetização e de
educação das massas (…), mas de formação de elite apta a enfrentar os desafios de uma nova
situação”. Ibidem.
5
Ibidem.
81
Tamara Quírico
Devoção por imagens
Com todas essas mudanças econômicas e sociais, e particularmente com
o maior acesso ao conhecimento, também a Igreja precisou se modernizar
– e, nesse aspecto, o Concílio Ecumênico convocado pelo papa Inocêncio
III no início do século XIII teve papel preponderante. Se algumas
mudanças se iniciaram ainda no século XI, com a chamada Reforma
Gregoriana, foi o IV Concílio de Latrão que, em 1215, consolidou os
esforços da Igreja em se reestruturar: enfatizando sua dimensão pastoral,
as resoluções do Concílio buscavam preservar o papel fundamental da
estrutura eclesiástica junto à sociedade6.
Apesar disso, uma das grandes consequências dessa renovação religiosa
foi a possibilidade de uma maior participação do homem comum nos
assuntos de religião. Não por acaso, nos séculos finais do Medievo houve
um grande desenvolvimento de confrarias religiosas organizadas e
conduzidas por fiéis leigos. Se de início elas foram criadas visando ao
combate de heresias no interior da Igreja, em pouco tempo elas passaram
a se dedicar particularmente à devoção laica7. Muitas dessas mudanças
foram viabilizadas, conforme já comentado, a partir do desenvolvimento de
novas ordens religiosas, que foram, elas mesmas, reflexo de renovações e
transformações no seio da própria Igreja.
Uma das principais contribuições dessas ordens para novos ideais
religiosos e sociais foi a progressiva valorização do mundo natural pelos
mendicantes, de modo geral, pelos franciscanos em particular. O
pensamento religioso de São Francisco, no fundo, ecoava as mudanças de
um mundo que renascia: ao pregar o amor à natureza, Francisco, na
verdade, buscava conceder um olhar benevolente ao mundo material.
Afinal, se o próprio Deus criou o mundo, como este poderia estar imbuído
6
Para maiores aprofundamentos acerca das mudanças nas sociedades nos últimos séculos do
Medievo, tanto no que diz respeito às novas estruturas sociais como às modificações nas
estruturas religiosas, ver BASCHET, Jérôme. A civilização feudal (trad. M. Rede). São Paulo:
Globo, 2006.
7
Cf. Roncière, Charles Marie de la. “Les confréries à Florence et dans son contado aux XIV et XV
siècles”. In: BAGLIANI, Agostino Paravicini (Org.). Le mouvement confraternel au Moyen Âge:
France, Italie, Suisse. Roma: École Française de Rome, 1987, pp. 297-298.
82
e
e
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
do mal? Se essa nova mentalidade religiosa valorizou a natureza, maior
ainda deveria ser o louvor àquele que foi criado à imagem e semelhança
de Deus: o próprio homem. Afinal, conforme está escrito no Livro do
Gênesis (1, 24), faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram.
A maior valorização do homem tornou possível uma maior aproximação
deste com o divino, de um modo, porém, particular: não houve divinização
do homem, conforme se poderia imaginar, mas sim uma humanização do
divino. Isto permitiu uma maior identificação dos fiéis com os santos
descritos e especialmente representados nas diversas imagens que
preenchiam os espaços religiosos e suas próprias residências. Como
consequência dessa nova visão de mundo, passou a haver uma maior
ênfase nos elementos mais humanos, tanto das cenas como das figuras
santas figuradas, enfatizando aspectos emotivos mais do que convenções
religiosas.
Essas imagens cristãs e sua presença nos espaços ligados à religião
serão discutidas a seguir, de modo a se poder compreender melhor sua
importância dentro do contexto religioso de que trata o presente ensaio.
Uso de imagens pelo Cristianismo
Para qualquer análise dessa produção, é preciso considerar, de início, a
profunda ligação que se formou, desde os primeiros séculos, entre a
religião cristã e representações visuais ligadas ao nascente culto.
Superando as objeções judaicas com relação ao uso de imagens em
contextos religiosos, explícitas em diversos trechos do Antigo Testamento8,
já nas catacumbas e domus ecclesiae que se difundiam pelos antigos
territórios romanos podia-se perceber a forte presença de imagens, que
8
Uma das passagens mais conhecidas a fundamentar o aniconismo dos judeus é o seguinte trecho
do Livro do Êxodo (20: 4-5): “tu não farás nenhuma imagem esculpida, nada que pareça ao que
está lá no alto nos céus ou aqui embaixo na terra, ou nas águas embaixo da terra. Tu não te
prosternarás diante destas imagens nem as servirás, porque eu, Iahweh, teu Deus, sou um Deus
zeloso”.
83
Tamara Quírico
Devoção por imagens
atuavam como um elemento de reforço para a consolidação das crenças
da nova religião9.
Percebe-se que, desde os primeiros séculos, as imagens cristãs
ornamentavam de algum modo os locais relacionados à religião.
Ornamento, no entanto, é uma palavra que não deve ser interpretada
conforme a definição que modernamente lhe é dada, de algo que enfeita
ou adorna, ou seja, de um “complemento agradável” de um edifício ou de
uma obra, e que não seria essencial. No contexto cristão, o ornamento não
é apenas um elemento decorativo, mas deve ser compreendido
particularmente à luz do sentido “que o latim clássico e medieval dá a este
termo, quer dizer, como um equipamento indispensável à realização de
uma função, como as armas de um soldado ou a vela de um navio”10.
Ainda que, estritamente falando, uma simples mesa de altar consagrada
seja o único elemento indispensável para a sacralidade do edifício
religioso, rapidamente sua estrutura foi se tornando liturgicamente mais
complexa, incorporando imagens (que passaram a ter destaque cada vez
maior) e outros elementos que se relacionariam também a outros
elementos decorativos do edifício. Imagens ligadas ao Cristianismo,
portanto, foram desde o início parte essencial da religião, desempenhando
papel ativo na vida da Igreja e de seus fiéis.
Não por acaso, Jérôme Baschet define as igrejas – embora isso possa ser
estendido a edifícios cristãos de modo mais amplo – como um lieu
d’images, um “lugar de imagens”: de acordo com sua concepção, elas
seriam “um objeto total, complexo, no qual as imagens se ligam entre si, se
fundem com o lugar, e participam em sua função que é celebrar o culto de
9
Para uma discussão aprofundada sobre imagens cristãs e seus usos, tanto no Ocidente como no
Oriente, ver, dentre outros, BELTING, Hans. Semelhança e presença. A história da imagem antes
da era da arte (trad. G. Vasconcellos). Rio de Janeiro: Ars Urbe, 2010; SCHMITT, Jean-Claude. O
corpo das imagens. Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média (trad. J.R. Macedo). Bauru:
EDUSC, 2007, em particular o capítulo “De Niceia II a Tomás de Aquino: a emancipação da
imagem religiosa no Ocidente”; BASCHET, Jérôme. A civilização feudal, Op. cit., especificamente o
capítulo “A expansão ocidental das imagens”.
10
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal, Op. cit., p. 496.
84
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Deus e dos santos”11. A distribuição dessas imagens dentro do edifício,
ademais, deveria obedecer a uma lógica que, não raro, os espectadores
modernos não são capazes de compreender de forma adequada. Como
escreve uma vez mais Baschet, “a disposição das cenas não responde
somente ao princípio de encadeamento narrativo: a posição de uma
imagem pode também ser calculada de modo a se estabelecer uma
relação significante com outras cenas”12.
Essas figurações, desde o início, deveriam representar as histórias
sagradas. Se nos primeiros tempos sua fonte primordial foram as
Sagradas Escrituras, cujos textos canônicos foram definidos no Concílio de
Niceia em 325, com o passar dos séculos novos elementos seriam
incorporados a essas tradições iconográficas cristãs, retirados também de
evangelhos apócrifos, sermões e mesmo de tradições orais que
remontariam aos primórdios do Cristianismo.
As imagens, conforme já comentado, eram parte essencial da vida cristã.
Por quê? Elas deveriam, primeiramente, difundir os princípios religiosos
das sociedades, doutrinando em particular aqueles fiéis que, analfabetos,
não conseguiriam ter acesso a outras fontes de conhecimento. Essa noção
– de uma arte catequizadora, instrutiva – encontra respaldo em diversas
teorias medievais sobre o tema, derivadas, em sua grande maioria, da
máxima de São Gregório Magno difundida no século VII, e que, tornandose um topos, nortearia a compreensão da arte cristã ocidental durante os
séculos do Medievo e mesmo posteriormente:
(...) o que a escrita é para os que sabem ler, a pintura é
para os iletrados que a veem, pois nela os ignorantes
veem aquilo que devem seguir; nela leem aqueles que
11
BASCHET, Jérôme. Lieu sacré, lieu d’images. Les fresques de Bominaco (Abruzzo, 1263): thème,
parcours, fonctions. Roma: École Française de Rome, 1991, pp. 06 e 07.
12
Ibidem.
85
Tamara Quírico
Devoção por imagens
desconhecem as letras. Assim, especialmente para os
gentios, uma pintura toma o lugar da leitura13.
A importância de Gregório Magno na discussão sobre a importância das
imagens no contexto cristão é inegável. Ao longo dos séculos, suas
indicações foram retomadas continuamente, sem grandes modificações.
Basta mencionar, nesse sentido, que as resoluções do Concílio de Trento,
em 1563, com relação às funções das imagens cristãs, pouco se
afastaram dos textos gregorianos de quase mil anos antes, reforçando a
relevância dessas representações especialmente em um momento em que
a Igreja de Roma buscava se reafirmar, opondo-se à doutrina protestante
que negava o valor das imagens nos edifícios religiosos.
Não é o caso de se aprofundar nas discussões sobre as cartas de
Gregório. Mas é fundamental destacar que, desde antes do século VI,
compreendia-se que a função didática da arte cristã não seria a única.
Decerto o papa enfatizava seu uso pedagógico (aedificatio, instructio) para
leigos e iletrados. Além disso, porém, Gregório Magno igualmente
ressaltava que a imagem cristã também se dirigiria à memória, pois se
referiria a histórias que poderiam ser representadas e, portanto,
rememoradas. Graças a essas histórias os fiéis aprenderiam a adorar
somente a Deus. Finalmente, segundo Gregório, a imagem de Deus
suscitaria um sentimento de “ardente compunção” (Ex visione rei gestae
ardorem compunctionis percipiant), o que deve ser compreendido como
13
86
“Nam quod legentibus scriptura, hoc idiotis praestat pictura cernentibus, quia in ipsa ignorantes
uident quod debeant, in ipsa legunt qui litteras nesciunt; unde praecipue gentibus pro lectione
pictura est”. Apud DUGGAN, Lawrence G. Was art really the ‘book of the illiterate’?. Word and
Image, v.5, n.3, 1989, pp. 227-228, nota 01. O famoso trecho provém de uma carta escrita por
Gregório ao bispo Serenus de Marselha, provavelmente em outubro de 600, sobre atividades
iconoclastas que o bispo vinha desenvolvendo em sua diocese, sem o conhecimento ou a
aprovação do papa. Gregório escrevera uma primeira carta ao bispo, talvez em julho de 599, sobre
o mesmo tema. Nesta, afirmava que “Idcirco enim pictura in ecclesis adhibetur, ut qui litteras
nesciunt saltem in parietibus uidendo legant, quae legere in codicibus non ualent” (“Pinturas são
usadas nas igrejas de modo que os ignorantes das letras possam pelo menos ler nas paredes por
meio da visão aquilo que não podem ler nos livros”). Apud Ibidem. A transcrição completa da
primeira carta, assim como da parte mais relevante da segunda, podem ser encontradas em
CHAZELLE, C.M. Pictures, books, and the illiterate: Pope Gregory I’s letters to Serenus of
Marseilles. Word and Image, v.6, n.2, 1990, pp. 139-140.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
um sentimento mesclado de humildade e arrependimento da alma que se
descobriria pecadora, conforme explica Alain Besançon14. Portanto, além
de auxiliar no aprendizado e na memorização das histórias sagradas, as
imagens cristãs deveriam também emocionar os fiéis, especialmente os
leigos, levando-os enfim à conversão.
Se uma análise abrangente de representações visuais cristãs deve
necessariamente levar em conta os três usos previstos para elas – instruir,
rememorar, emocionar –, para o estudo que se pretende desenvolver,
sobre painéis privados voltados para anseios devocionais dos fiéis, sem
dúvida a emoção do fiel diante da imagem desempenharia papel
primordial.
Há um grande número de pinturas no interior das igrejas que possuem um
caráter devocional evidente, o que pode ser inferido seja por sua
multiplicação por vezes desordenada sobre as superfícies parietais (com
alguma frequência superpondo-se ao longo do tempo) [Fig. 1], seja pela
inclusão do comitente na cena. Conforme esclarece Michele Bacci, os
espaços religiosos poderiam ser ocupados por
Imagens de personagens sacros que, realizados por
iniciativa privada, parecem multiplicar-se de modo
absolutamente desordenado ao longo de paredes e
pilastras, sem um fio lógico que as una, sem uma
moldura que as ligue ou uma continuidade formal que as
suporte15.
14
BESANÇON, Alain. A imagen proibida. Uma história intelectual da iconoclastia (trad. C. Sussekind).
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 244.
15
BACCI, Michele. Investimenti per l’aldilà. Arte e raccomandazione dell’anima nel Medioevo. Roma e
Bari: Laterza, 2003, p. 35.
87
Tamara Quírico
Devoção por imagens
Figura 1
Visão interna da Igreja de San Giovenale, Orvieto, séculos XIII e XV
Procedência: BACCI, Michele. Investimenti per l’aldilà. Arte e raccomandazione dell’anima nel
Medioevo. Roma e Bari: Laterza, 2003.
Não raro, cenas com o mesmo tema poderiam ser encontradas uma ao
lado da outra. O estímulo a devoções marianas (de que se tratará a seguir)
certamente tornou comum imagens da Virgem com o Menino de épocas
diversas posicionadas muito próximas umas das outras, como se pode ver
na visão interna da Igreja de San Giovenale, em Orvieto (região da
Úmbria). Pode-se destacar, no entanto, um exemplo singular, na Igreja de
Santa Maria Infraportas, em Foligno (na mesma região italiana de Orvieto)
[Fig. 2]: face a face, em duas pilastras distintas do edifício, há dois
afrescos representando São Roque, santo cuja devoção cresceu de forma
exponencial a partir da segunda metade do século XIV, por ser
considerado protetor contra a peste. A primeira pintura, atribuída a
Pierantonio Mezzastris, possivelmente foi executada na segunda metade
do século XV, enquanto a outra, pintada talvez por seu filho, possa ser de
inícios do século XVI.
88
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figura 2
Duas representações de São Roque, séculos XV e XVI
Igreja de Santa Maria Infraportas, Foligno
Crédito fotográfico e montagem: Tamara Quírico.
Essas imagens poderiam resultar de uma encomenda em vida, mas
também da destinação testamentária de parte do espólio para a realização
de uma pintura ou escultura de caráter devocional em alguma igreja: são
as chamadas imagens pro anima, que tinham uma finalidade básica: a
perpetuação da memória do defunto visando à mitigação de suas penas no
Purgatório. Em geral, era especificado não somente o tema – normalmente
o santo pelo qual o falecido tinha particular devoção – como também o
local exato em uma igreja determinada em que a pintura deveria ser feita.
Por vezes eram encomendados painéis para a ornamentação de altares,
mas o grande número de afrescos sobreviventes indica também que em
muitas ocasiões a escolha recaía sobre uma pintura mural 16 . O que
16
É preciso destacar, entretanto, a pesquisa de Samuel Cohn sobre seis cidades da Itália central. Ela
indica que no século XIII poderiam se encontrar nos testamentos pedidos para a realização de
pinturas ou esculturas para adornar altares, solicitações para compra de óleo para iluminação
dessas mesmas obras ou ainda ex votos, especialmente em Florença, Arezzo e Perugia. No
89
Tamara Quírico
Devoção por imagens
importa destacar aqui é o fato de muitas dessas imagens pro anima
possuírem também um evidente apelo devocional para outros fiéis que não
somente o comitente ou sua família: afinal, os sufrágios para o morto
seriam alcançados à medida em que fiéis se dispusessem a orar para
aqueles santos específicos, diante daquelas imagens em particular.
Estudos realizados sobre a prática testamentária nos séculos XIII e XIV
indicam que o número de imagens encomendadas poderia superar em
muito o espaço disponível nessas igrejas. Não há como ter certeza quanto
ao número de imagens efetivamente executadas a partir de ditames
testamentários, mas, segundo Bacci, é provável que houvesse uma
renovação periódica dessas pinturas com o tempo, seja porque a devoção
a determinado santo houvesse diminuído – e a sua imagem, portanto,
poderia ser substituída pela de outra figura santa cuja popularidade
houvesse aumentado no mesmo período –, seja porque alguém, ao
escrever um testamento mais recente, tivesse determinado o pagamento
de uma soma mais vultosa para a realização de sua pintura devocional no
mesmo local17. No caso de Foligno apenas mencionado, o culto a São
Roque decerto era suficientemente forte para justificar duas imagens
diversas, realizadas em tão curto espaço de tempo, e posicionadas tão
próximas.
Pinturas murais tiveram, certamente, papel primordial na ornamentação
dos espaços religiosos, desde as primeiras catacumbas, recobrindo
praticamente todas as áreas disponíveis. No entanto, não se pode
entanto, ao final do Duecento e ao longo de toda a primeira metade do Trecento, ao menos até a
década de 1360, essas comissões desapareceram quase que por completo do “massivo número
de testamentos cujos pergaminhos ficaram abarrotados com numerosos legados de caridade de
valores desprezíveis escritos em uma única linha”. COHN, Samuel. The cult of remembrance and
the Black Death. Six Renaissance cities in central Italy. Baltimore e Londres: John Hopkins
University, 1992, p. 113. Segundo o autor, essa mudança poderia ser explicada especialmente pela
força das pregações das ordens mendicantes, assim como a influência dessas sobre a população
de modo geral. De fato, a orientação desses grupos era a de se redigirem “testamentos que
liquidavam uma propriedade do testador e então a dispersava em somas irrisórias por numerosas
causas pias”. Idem, p. 112. O objetivo principal desse tipo de pensamento seria evitar qualquer
traço de “orgulho terreno”, que poderia, por sua vez, ser associado à vanitas.
17
90
Cf. BACCI, Michele. Investimenti per l’aldilà, Op. cit., p. 35.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
minimizar a importância também de outras formas de representações
visuais – como relevos, esculturas de pleno vulto, obras em ourivesaria,
dentre tantas outras – que, difundindo-se também pelo interior dos
edifícios, justificariam o comentário de Baschet de que nas igrejas há
verdadeiras “constelações de imagens” 18 . Em meio a essas imagens,
destacam-se igualmente painéis pintados, cuja presença nesses espaços
religiosos é atestada desde muito cedo, primeiro como antependium de
altar, em seguida como retábulo colocado sobre a mesa de celebração –
que se popularizou, não por acaso, especialmente a partir do século XIII19.
Não se ignora o fato de que muitos desses painéis eram extremamente
complexos em sua origem. O entendimento que Devis Valenti dá à
expressão “imagens múltiplas” esclarece essa questão:
Com “imagens múltiplas” entendem-se aqueles suportes
que, aplicados diante ou sobre a mesa [do altar], contêm
em seu interior várias divisões a fim de hospedar um
sistema figurativo complexo, que resume em si valências
de
tipos
variados:
dogmáticas,
devocionais,
20
comemorativas e autocomemorativas.
Valenti se refere aqui a painéis como o da famosa Maestà, de Duccio di
Buoninsegna, um políptico de grandes dimensões realizado pelo artista na
primeira década do século XIV, posicionado originalmente no altar principal
da Catedral de Santa Maria Assunta, em Siena [Fig. 3]. O conjunto
apresentava em sua concepção uma estrutura complexa, com pequenos
painéis ao redor da cena principal, e diversas outras cenas sobre a vida de
Cristo no verso [Fig. 4]. Essa visão global atualmente se perdeu, tendo em
vista que, ao longo dos séculos, os painéis foram dispersados. Em sua
18
BASCHET, Jérôme. Lieu sacré, lieu d’images, Op. cit., p. 05.
19
Como escreve Hans Belting, “(…) durante o período medieval a pintura sobre painel independente
foi por um longo tempo uma raridade, que só poderia existir sob certas formas e sob determinadas
condições”. The image and its public in the Middle Ages. Form and function of early paintings of the
Passion. Nova York: Aristide D. Caratzas, 1990, 09.
20
VALENTI, Devis. Le immagini multiple dell’altare: dagli antependia ai polittici. Pádua: Il Poligrafo,
2012, p. 21.
91
Tamara Quírico
Devoção por imagens
origem, esse políptico fora concebido como um foco visual para os
peregrinos que acorriam à catedral, e circulavam o altar-mor para orar e
contemplar a obra. É importante notar que os ciclos iconográficos
desenvolvidos no retábulo – na frente o tema principal, a Virgem
entronizada, é rodeada por passagens de sua vida; no verso cenas da
Paixão de Cristo, desde Sua entrada em Jerusalém – estabeleciam uma
narrativa acerca da vida de Cristo, que será discutida em seguida.
Figura 3
Duccio di Buoninsegna
Maestà (frente), 1308-1311
Têmpera sobre madeira, 213 x 396 cm (painel principal)
Museo dell’Opera Metropolitana del Duomo, Siena
Reconstituição hipotética da estrutura original
Os retábulos tendiam a ser menores do que pinturas murais e, por essa
razão, eram em geral portáteis. Não se pode deixar de mencionar, no
entanto, que há notáveis exceções, de que a própria Maestà de Duccio é
92
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
um exemplo. A portabilidade dessas pinturas, segundo Belting, enfatizaria
“de forma marcante a autonomia da imagem em relação a seu entorno”21.
Tais características também tornavam essas pinturas sobre madeira mais
acessíveis (tanto em termos físicos como econômicos) do que obras em
grande escala.
Figura 4
Duccio di Buoninsegna
Maestà (verso), 1308-1311
Têmpera sobre madeira, 213 x 396 cm (conjunto central)
Museo dell’Opera Metropolitana del Duomo, Siena
Reconstituição hipotética da estrutura original
21
BELTING, Hans. The image and its public in the Middle Ages, Op. cit., p. 14.
93
Tamara Quírico
Devoção por imagens
Fisicamente, as dimensões e a possibilidade de se aproximar melhor das
cenas permitiam uma análise mais cuidadosa de seus elementos ou das
expressões dos santos ali representados. Elas propiciavam uma relação
mais próxima entre os fiéis e essas figuras santas, tornando-se um
instrumento privilegiado para o incitamento à devoção. Imagens desse tipo
ofereceriam ao fiel a possibilidade de buscar uma espécie de
recomendação individual aos interlocutores sagrados representados. De
acordo com as crenças cristãs, se o fiel demonstrasse uma particular
piedade e devoção em relação ao santo figurado na imagem, este não se
esqueceria de sua alma, intercedendo a seu favor junto a Deus. Desse
modo, quanto mais figuras santas houvesse na pintura, tanto maior poderia
ser a vantagem para o fiel, pois esta seria proporcional ao número de
intercessores “convocados” para ajudar em sua salvação. Essa é uma das
razões a justificar a existência de painéis com estruturas compositivas
extremamente complexas, como o próprio painel da Maestà apenas
mencionado, que inclui um número imenso de figuras santas ao redor de
um tema principal.
Transferir para a esfera privada essa relação de devoção com a imagem
foi uma coerente decorrência do estímulo à religiosidade laica em âmbito
doméstico por parte das ordens mendicantes. Deste modo, desde o século
XIII muitas pinturas do gênero foram encomendadas para se tornarem
propriedade de indivíduos, e usadas especificamente para devoções
particulares em suas residências.
Em termos financeiros, o custo menor de um painel de pequenas
dimensões, quando comparado ao de um afresco, possibilitou a
encomenda desse tipo de pintura por parte de um número mais expressivo
de fiéis leigos, visando, conforme comentado, a preencher os seus anseios
devocionais. A popularidade desses pequenos painéis foi imensa, e
diminuiria somente a partir do século XVI, quando a produção em larga
escala de gravuras impressas tornou o processo de propagação de
imagens ainda mais barato. A difusão dessas pinturas pode ser atestada
pela existência de uma série de registros de encomendas por leigos de
94
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
obras que não se destinavam a edifícios públicos, além da existência de
uma documentação visual indicando o uso desse tipo de imagens em
âmbito privado22. A seguir, será discutido um dos temas mais recorrentes
desses painéis devocionais: a Virgem com o Menino.
Religiosidade laica e devoção mariana
Analisando-se as pinturas produzidas desde o Duecento, tanto aquelas
para uso privado como para edifícios públicos, salta aos olhos de imediato
um elemento comum à maior parte: se há uma grande variedade de cenas
ou de santos de devoção figurados, a quem os fiéis poderiam dirigir suas
orações e seus pedidos, a Virgem Maria é, certamente, uma das
representações mais frequentes desses painéis, em geral acompanhada
do Menino Jesus. Nesses painéis, ela possui um grande destaque visual,
por ser posicionada em praticamente todos os exemplos na parte central
dos suportes. Se há um único painel, Maria e seu Filho ocupam o centro
visual da composição, enquanto anjos e/ou santos se distribuem ao seu
redor. Caso o retábulo possua uma estrutura mais complexa, com vários
painéis formando um políptico (como ocorria na Maestà de Duccio), ainda
assim a Virgem permanece como o foco visual do conjunto, por estar
figurada quase sempre no painel central.
O culto à Virgem, que começou a se desenvolver precocemente nas
comunidades cristãs (ao menos desde o século II), tornou-se
preponderante após o III Concílio Ecumênico, em Éfeso, convocado pelo
Imperador Teodósio II em 431. A partir do século V, então, começou-se a
afirmar oficialmente a importância de Maria na história da redenção do
homem. Reconhecida como a mãe de Deus (Theotokos), ela passou a ser
correntemente interpretada como o elo essencial que uniu uma vez mais a
22
Um dos exemplos mais famosos é, certamente, a tela de Vittore Carpaccio representando a
Chegada dos embaixadores ingleses, executada entre 1495 e 1500 e atualmente no acervo das
Gallerie dell’Accademia, de Veneza. Na extremidade direita da pintura entrevê-se o interior de uma
residência em que, pendurado na parede, está um pequeno painel representando a Virgem com o
Menino.
95
Tamara Quírico
Devoção por imagens
humanidade ao divino. Essa união, afinal, tornou-se possível somente
devido à Encarnação de Cristo, ou seja, o momento em que Deus se fez
homem através de Maria.
Em termos visuais, a alusão à Encarnação poderia ser feita através da
cena da Anunciação, em que o Arcanjo Gabriel informa Maria de seu papel
crucial na história da salvação – ou seja, o momento imediatamente
anterior à concepção divina –, ou ainda através de representações da
Virgem com o Menino, em que Maria carrega Jesus em seus braços – uma
cena que, ao contrário da Anunciação, explicita visualmente a ideia do
Deus que se faz homem.
Tratando-se de painéis devocionais, cujo papel fulcral seria, conforme
visto, facilitar as meditações religiosas do fiel, mediando sua relação com
alguma figura santa, parece legítimo que o tema da Virgem com o Menino
tenha se tornado mais popular. Essa representação não apenas
demonstra de forma visual a Encarnação; ela também concede um
destaque maior a Maria, a mediadora por excelência entre Deus e os
homens, a figura santa através de quem a salvação da humanidade se fez
possível. A Virgem, portanto, ao longo dos séculos progressivamente
passou a ser vista como aquela a quem deveriam ser dirigidas as maiores
súplicas.
Há que se considerar ainda, nesse contexto, a importância da Encarnação
de Cristo para a teologia cristã: ela teria se tornado necessária para
resgatar a humanidade do pecado cometido por Adão, conforme escrito
em Gênesis 3, 23-24: “E Iahweh Deus o expulsou do jardim de Éden para
cultivar o solo de onde fora tirado. Ele baniu o homem e colocou, diante do
jardim do Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para
guardar o caminho da árvore da vida”. Tendo sido excluídos do Paraíso, os
homens precisariam ser redimidos de suas culpas, conforme se lê em
diversas passagens do Novo Testamento como, por exemplo, em 1Cor 15,
21-22: “com efeito, visto que a morte veio por um homem, também por um
homem vem a ressurreição dos mortos. Pois assim como todos morrem
em Adão, em Cristo todos receberão a vida”.
96
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
A remissão dos pecados, portanto, só ocorreria através de Cristo, que
mediaria a reconciliação entre Deus Pai e a humanidade arrependida. Para
que a intercessão fosse plenamente alcançada, no entanto, era
imprescindível que Cristo se fizesse homem:
(…) A mediação moral requeria na pessoa de Jesus a
união física de dois extremos – Deus e o homem – que
ele deveria reconciliar (…). Para que a redenção fosse
feita segundo as leis da justiça (…), era necessário que
Deus se encarnasse, e que assim a mediação, em sua
pessoa, reunisse fisicamente a divindade e a
humanidade. Ele é mediador por sua humanidade; mas,
sem a divindade, ele não poderia eficazmente exercer
sua mediação23.
A redenção, no entanto, só seria plena com o sacrifício de Jesus, como
novamente esclarece São Paulo em 1Cor 15, 3: “Cristo morreu por nossos
pecados, segundo as Escrituras”. Cristo morreu para livrar a humanidade
do pecado de Adão. Esse é o motivo para a inclusão de um crânio na base
da cruz em diversas pinturas representando a Crucificação dentro da
tradição medieval. Esse crânio é identificado usualmente como o de Adão,
porque no Medievo difundiu-se a ideia de que Cristo, como redentor dos
pecados do primeiro homem, teria sido crucificado no local do seu
sepultamento. Cristo seria o segundo Adão que, morrendo, redimiria o
primeiro de suas culpas.
A relação entre a Encarnação e a Paixão de Cristo, assim, era bem
conhecida, mesmo entre as camadas mais iletradas da população. À arte
coube estabelecer visualmente esse elo. É por isso que, não raro, pinturas
devocionais são articuladas, compondo-se de mais de um painel. Desse
modo, a cena da Virgem com o Menino era associada em muitos casos a
outra pintura representando a Crucificação. Não havia necessidade de
elementos visuais relacionando de forma direta uma cena à outra; a
colocação de ambos os temas lado a lado seria suficiente para estabelecer
23
Dictionnaire de théologie catholique, vol. 8. Paris: Letouzey, 1922, col. 1346.
97
Tamara Quírico
Devoção por imagens
essa ligação 24 . Este tipo de representação, aludindo aos princípios
fundamentais da teologia cristã, convidaria a uma “contemplação
teológica”, conforme define Belting25 . Essa contemplação buscaria uma
empatia afetiva por parte do fiel que poderia levar, por sua vez, ao
sentimento de compunção mencionado por Gregório Magno no século VII
e à consequente conversão do observador.
Pinturas de devoção, assim, por vezes eram constituídas por dois painéis,
formando o que usualmente se denomina díptico; com alguma frequência
possuíam três, compondo o chamado tríptico, que ainda teria a vantagem
de poder ser mantido fechado (e assim representações de outras cenas ou
de outras figuras santas poderiam ser realizadas nos lados externos que
ficariam visíveis então, possibilitando novas associações entre cenas,
figuras santas e devotos). Os painéis laterais abririam somente no
momento da oração do fiel, quando o suporte exibiria as cenas e os santos
a quem as preces seriam dirigidas. Esse detalhe é um indicativo também
da relação próxima do fiel com o objeto, tendo em vista que ele não se
limitaria à sua contemplação, mas ativamente interagiria com ele, abrindoo ou fechando-o conforme o momento26.
Deve-se ter em conta, por outro lado, a possibilidade de que essas
pinturas devocionais se compusessem tão somente por um painel, de
24
Há que se destacar ainda que alguns painéis associam as cenas da Encarnação e da Crucificação
ao tema do Juízo Final, indicando visualmente, portanto, os momentos essenciais da história cristã.
Sobre essa questão específica, que não pode ser desenvolvida aqui, ver QUÍRICO, Tamara. “A
morte de Deus e a morte do homem: Paixão de Cristo, Juízo Final e Triunfo da Morte no fim da
Idade Média”. Nava, v.1, n.º1, julho-dezembro de 2015, pp. 08-25.
25
BELTING, Hans. The image and its public in the Middle Ages, Op. cit., p. 12. Deve-se levar em
consideração nessa análise a importância dos preceitos da arte da memória, bastante difundidos
no Medievo. Sobre questões relacionadas à ars memoria, ver BOLZONI, Lina. La rete delle
immagini. Predicazione volgare dalle origini a Bernardino da Siena. Turim: Einaudi, 2002;
CARRUTHERS, Mary. The book of memory. A study of memory in medieval culture. Cambridge:
Cambridge University, 2008; YATES, Francis A. A arte da memória (trad. F. Bancher). Campinas:
Unicamp, 2007.
26
Por desejar destacar a materialidade e a funcionalidade dessas obras cristãs, Baschet cunhou a
expressão imagem-objeto. Para uma discussão desse conceito, ver BASCHET, Jérôme.
“Introduction: l’image-object”. In: SCHMITT, Jean-Claude e BASCHET, Jérôme (Org.). L’image.
Fonctions et usages des images dans l’Occident medieval. Paris: Le Léopard d’Or, 1996.
98
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
modo a se baratear seus custos. Conforme comentado, o santo
preferencial de escolha para representação seria Maria, particularmente a
cena da Virgem com o Menino. A ausência de uma direta associação entre
a Encarnação e a Crucificação, no entanto, não impediria a empatia afetiva
de que tratou Belting. Com efeito, mesmo esse tipo de imagem,
caracterizado em muitos casos por uma grande simplicidade compositiva –
devido às pequenas dimensões, em geral há somente a Virgem com o
Menino nos braços, seja em pé ou sentada – aludiria de forma clara aos
episódios mais importantes da vida de Cristo para os devotos de fins do
Medievo que, vale recordar, sem dúvida possuiriam uma cultura religiosa
muito mais aprofundada do que um fiel contemporâneo. Afinal, como
escreveu Peter Burke, “para interpretar a mensagem, é necessário
familiarizar-se com os códigos culturais”27.
Para ilustrar as principais questões levantadas pelo presente ensaio, podese analisar a pequena pintura representando a Virgem com o Menino,
atribuída ao pintor senês Sano di Pietro28. Executada no século XV, ela
atualmente pertence à coleção da Fundação Eva Klabin, no Rio de Janeiro
[Fig. 5]. Atualmente o painel pode ser apoiado sobre uma superfície, tendo
em vista que sua moldura apresenta uma base de sustentação. Não se
sabe se esta seria sua apresentação original, ou se ele ficaria pendurado
na parede (como ocorre no exemplo da pintura de Carpaccio citada
anteriormente), uma vez que a moldura certamente não é contemporânea
ao painel: uma análise do verso da obra, de fato, mostra claramente como
a madeira da pintura é mais antiga do que a da estrutura que a cerca [Fig.
6].
27
BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e imagem (trad. V.M. Santos). Bauru: EDUSC, 2005, p.
46.
28
Sano di Pietro (ca.1405-1481) foi um dos maiores artistas da Escola senesa de pintura. Entre seus
contemporâneos estavam Giovanni di Paolo e Sassetta, que foi possivelmente um de seus
mestres. Seu ateliê esteve entre os mais produtivos da Siena do século XV.
99
Tamara Quírico
Figura 5
Atribuído a Sano di Pietro
Virgem com Menino, século XV
Têmpera sobre madeira, 48 x 31,5 cm (sem moldura)
Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro
100
Devoção por imagens
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figura 6
Atribuído a Sano di Pietro
Virgem com Menino, século XV
Têmpera sobre madeira, 48 x 31,5 cm (sem moldura) (verso)
Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro
Não é possível determinar, portanto, se essa pintura se apresentaria
isolada, ou como parte de uma estrutura composta, que incluiria um ou
mais painéis, formando um conjunto iconográfico mais complexo. Pode-se
afirmar com bastante segurança que, caso fosse esse o caso,
provavelmente a pintura analisada seria o painel central do conjunto. Devese considerar, por fim, que é bastante provável que o suporte tenha sido
101
Tamara Quírico
Devoção por imagens
seccionado em algum momento, tendo em vista que a figura da Virgem,
representada de pé, não está completa, faltando-lhe apenas a extremidade
inferior do corpo, o que não seria absolutamente comum nessa tradição
pictórica.
Ainda que se considere essas intervenções sofridas ao longo do tempo,
esse painel é um bom exemplo de imagem executada com toda
probabilidade para um âmbito privado de devoção, o que se evidencia por
suas dimensões (atualmente 48x31,5 cm, excluindo-se a moldura). Mesmo
levando em conta o fato de que a pintura deve ter sido cortada na
extremidade inferior, suas dimensões ainda são pequenas demais para
que o painel pudesse ser adequadamente visualizado em uma igreja ou
em outro edifício público. As proporções da pintura inferem
necessariamente uma relação mais íntima, através de uma aproximação
do devoto: afinal, uma imagem tão pequena cumpriria suas funções
religiosas somente com uma grande proximidade física do fiel, de modo
que ele pudesse contemplar as figuras e perceber os seus diminutos
detalhes.
Não há tantos pormenores, é verdade, tendo em vista que essa pintura é
extremamente simples no que se refere à sua composição: destacando-se
do fundo dourado delicadamente ornamentado, há somente Maria que
apoia em seu braço esquerdo o Menino Jesus. A criança, em um gesto de
carinho, acaricia a face de sua mãe, que lhe retribui com um olhar
amoroso. Essas demonstrações de afeto estão em consonância com as já
discutidas mudanças na religiosidade que ocorreram nos últimos séculos
da Idade Média, e que se refletiram também na produção artística. Se
imagens com o tema da Virgem com o Menino compareceram nos
contextos religiosos cristãos desde os primeiros séculos, percebe-se que,
a partir do século XIII e, especialmente, no XIV, as representações de
Maria e de Jesus se tornaram mais humanizadas. Maria passou a ser
mostrada de forma mais maternal, contrapondo-se à imagem santificada
da Virgem como Theotokos. Sim, certamente ela é a mãe de Deus para
todos os cristãos; antes de tudo, porém, Maria foi pura e simplesmente
102
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
mãe. O Menino, por sua vez, parece deixar de lado seu caráter divino,
comportando-se apenas como o bebê que um dia foi. Essa pequena
pintura reflete, portanto, a discussão sobre a humanização do divino que
ocorreu a partir do Duecento, e que se caracterizou por enfatizar, como
visto, as emoções mais do que convenções religiosas nas cenas.
A simplicidade compositiva, porém, não impediria uma compreensão mais
profunda da obra por parte do fiel que, através de um particular elemento
iconográfico, seria capaz de associar a cena a toda a narrativa cristã
acerca da Encarnação de Cristo e sua posterior Paixão para salvar a
humanidade. Os observadores modernos dificilmente percebem que na
pintura, pousado sobre um dos dedos de Maria, e voltando-se para a mão
de Jesus – como se desejasse bicá-la – está um diminuto passarinho,
atualmente pouco discernível sobre o vermelho da veste da Virgem.
Provavelmente o pintor representou um pintassilgo que, dentro da tradição
iconográfica cristã, seria um símbolo que aludiria à futura morte violenta de
Cristo na cruz. Essa pequena ave remeteria à Paixão por conta de uma
lenda difundida no Medievo de que, ao tentar tirar um dos espinhos da
coroa do Deus crucificado, teria se respingado com o sangue de Cristo,
adquirindo a mancha vermelha sobre a cabeça29 [Fig. 7].
29
Vale recordar que, de acordo com a tradição clássica pagã, um pássaro simbolizaria a alma que
deixaria o corpo no momento da morte; o Cristianismo assimilou e manteve essa interpretação
pagã. Assim, conforme esclarece James Hall, a combinação iconográfica entre um pássaro e o
Menino Jesus, e a associação entre esses elementos e a Paixão de Cristo, teriam vindo a fortiori,
quando se criou a lenda descrita anteriormente. Cf. HALL, James. Dictionary of subjects and
symbols in art, 2ª edição. Nova York: Westview, 2008, p. 341.
103
Tamara Quírico
Devoção por imagens
Figura 7
Atribuído a Sano di Pietro
Virgem com Menino, século XV (detalhe)
Têmpera sobre madeira, 48 x 31,5 cm (sem moldura)
Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro
Fotografia: Tamara Quírico
O olhar da época – ou seja, a forma como o observador cristão do século
XV compreenderia a obra, conforme definição de Michael Baxandall30 –
associaria de imediato o pintassilgo à Crucificação, estabelecendo a
relação teológica entre a Paixão e a Encarnação, a que a cena da Virgem
com o Menino indubitavelmente aludiria. O gesto de carinho do Menino e o
olhar amoroso de sua mãe, portanto, contrapõem-se à violência futura que
a criança sofrerá. O conjunto iconográfico e compositivo do painel, assim,
despertaria no devoto sua empatia, por compreender a dor de uma mãe
30
104
Para uma discussão sobre o “olhar da época”, ver BAXANDALL, Michael. Painting & experience in
fifteenth-century Italy, 2ª edição. Oxford: Oxford University, 1988.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
que deve se preparar para o sacrifício do próprio filho. Por consequência,
ele levaria também ao sentimento de compunção descrito por Gregório
Magno, uma vez que esse sofrimento foi necessário para a remissão de
seus próprios pecados. Imagens de devoção como esse painel, assim, por
mais simples e diminutos que fossem, tornaram-se, nos últimos séculos do
Medievo, um dos principais meios da Igreja para a conversão dos fiéis.
105
Tamara Quírico
106
Devoção por imagens
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
O MARTE DE GIAMBOLOGNA: SOBRE O
COLECIONISMO DE MODELOS PREPARATÓRIOS E
ESTATUETAS DE BRONZE
Alexandre Ragazzi
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Por que se colecionam objetos? De onde vem o hábito de reunir e guardar
coisas que logo são destituídas de sua finalidade imediata? Seria esse ato
algo inerente ao ser humano, universalmente válido? A resposta a esta
última pergunta parece ser afirmativa, desde que seja descartada a ideia
de uma organização sistemática que acabe por produzir um conjunto
dotado de significado. Guardar e acumular objetos é o resultado do fato de
termos memória e nos preocuparmos com o futuro. Por isso nos túmulos
de muitas culturas antigas são encontrados objetos pessoais junto aos
corpos enterrados; era para se certificar de que nada faltaria àqueles
indivíduos na vida após a morte. Por isso ainda hoje é muito comum que
em um funeral sejam colocadas dentro do caixão, junto ao morto,
fotografias de seus familiares. Em ambos os casos, são fragmentos da
realidade escolhidos para que o sujeito ou neles se reconheça, ou ao
menos reconheça o ambiente social do qual fazia parte. Trata-se, portanto,
de uma questão de identidade, individual ou coletiva. Em um sentido mais
amplo, contudo, trata-se também de um jogo de intermediação entre o
passado que se perdeu e o futuro que ainda não se conhece, território em
que apenas a memória, o pensamento e a imaginação têm ação.
Ao guardar mesmo um objeto simples como uma pequena pedra, por
qualquer que seja a razão que torne essa pedra especial, a intenção do
indivíduo é de que aquele momento específico da coleta da pedra não seja
esquecido e o acompanhe dali em diante. Mas se esse ato começar a se
repetir e o mero guardar der espaço à organização de objetos que se
assemelham ou se distinguem gerando um todo coerente, então estamos
diante de algo que não pode ser estendido a toda a humanidade.
107
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
No Ocidente, já desde a Antiguidade – mas certamente de modo mais
evidente a partir do Renascimento –, a atividade de um colecionador
consciente do percurso formativo de sua coleção pode ser entendida como
algo intencionalmente revelador de seu caráter1. Em maior ou menor grau,
o colecionismo tornou-se um meio de expressão para o indivíduo, para
uma família ou mesmo para uma nação. As características do colecionador
estão refletidas nos objetos pelos quais ele se interessa; nesse sentido,
formar uma coleção significa projetar essa pessoa nos objetos reunidos,
significa uma busca por perpetuar a vida através desses objetos.
Na Metafísica, Aristóteles afirma que todos os homens, por natureza,
desejam conhecer 2 . A busca pelo conhecimento seria, portanto, uma
característica inerente ao ser humano. Sem isso, ele se desumaniza, perde
a essência, aquilo que o constitui e que dá sentido ao seu viver. E entre as
muitas formas de se buscar o conhecimento, é certo que o colecionismo aí
também se insere. Em uma coleção, as classificações e associações
mesclam-se, confundem-se, e o visitante idealmente tem liberdade para
trilhar seu próprio percurso e construir algo original. Vale aqui lembrar, a
propósito, do teatro da memória de Giulio Camillo Delminio (c. 1480-1544),
em que o autor, resgatando a antiga tradição retórica da arte da memória,
concebe um espaço físico destinado a promover múltiplas associações
entre as imagens aí dispostas. Não obstante as orientações dadas por
Camillo, o resultado desse processo inevitavelmente conduziria à criação
de novas imagens, mentais, tudo dependendo do interesse e da
personalidade de cada indivíduo que percorresse o teatro3. A organização
do conhecimento humano através de uma coleção representa, pois, um
1
Cf. CLIFFORD, James, The predicament of culture – Twentieth-century ethnography, literature, and
art, Cambridge: Harvard University Press, 1988, capítulo 10 (On collecting art and culture),
especialmente p. 218.
2
Metafísica, I, 980a.
3
Cf. L’idea del teatro, texto publicado postumamente em 1550; essa obra foi traduzida para o
português: ALMEIDA, Milton José de, O teatro da memória de Giulio Camillo, Campinas-Cotia:
Editora da Unicamp / Ateliê Editorial, 2005. Cf. ainda YATES, Frances A., A arte da memória,
Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
108
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
meio para se compreender o mundo, microcosmo deliberadamente forjado
para esclarecer o macrocosmo.
A partir do final do Quatrocentos e durante todo o século seguinte, alguns
homens pertencentes às elites culturais europeias deram um passo
adiante em relação a essas questões; criaram as Kunstkammern, espécies
de aposentos secretos destinados a custodiar o mundo em miniatura.
Conhecidos como gabinetes de curiosidades, neles podiam ser reunidos e
organizados não apenas quadros, desenhos, esculturas ou vestígios da
Antiguidade, mas também corais e conchas, animais e plantas
considerados exóticos, pedras mágicas e chifres de unicórnios4.
É preciso considerar, no entanto, que o caminho da organização do
conhecimento apresenta-se apenas como uma das faces do sentido
primordial do colecionismo. Há ainda outra, que a esta pode se interligar
ou não. Trata-se do deleite, do simples prazer proporcionado pela
contemplação de um objeto. De fato, essa será a via privilegiada nesta
abordagem, pois embora as estatuetas de bronze muitas vezes fossem
incluídas nos gabinetes de curiosidades – porque podiam evocar tanto a
Antiguidade clássica quanto a ciência sob a forma de um modelo
anatômico, por exemplo –, mesmo assim elas despertavam já desde algum
tempo um grande interesse unicamente em razão de seu valor artístico.
Por conta da presença de Giambologna – a quem nos dedicaremos mais à
frente – em Florença a partir de meados do século XVI, o contexto principal
aqui considerado será a cidade dos Medici. E ali, mais de um século antes,
alguns apreciadores da cultura clássica (que hoje denominamos como
humanistas) passaram a se interessar não apenas pelos manuscritos que
continham os grandes autores do mundo antigo, mas também por qualquer
outro vestígio material que lhes proporcionasse experimentar de modo
mais intenso a arte anterior à Idade Média. Poggio Bracciolini (1380-1459),
4
Que se pense na Kunstkammer do imperador Rodolfo II, a qual era mantida em seu castelo de
Praga; cf. DACOSTA KAUFMANN, Thomas, “Remarks on the collections of Rudolf II: the
Kunstkammer as a form of representatio”, Art Journal, v. 38, n. 1, 1978, pp. 22-28.
109
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
por exemplo, conhecido por ter redescoberto importantes obras literárias
de Cícero, Lucrécio, Quintiliano, Amiano Marcelino e diversos outros
autores, também ornamentou os jardins e uma sala de sua vila em
Valdarno (atualmente Terranuova Bracciolini) com esculturas antigas que
obstinadamente procurava para si, evidente alusão ao modelo da vila
tusculana de Cícero5. Esses humanistas compraziam-se em enfeitar seus
gabinetes de estudo com moedas, medalhas, pequenos relevos,
fragmentos de esculturas, bustos, estatuetas6. O fato de que em Florença
e seus arredores as antiguidades eram muito menos abundantes do que
em Roma apenas fazia com que eles fossem ainda mais ávidos pelas
obras que paulatinamente eram encontradas.
Esse trabalho de coleta das peças antigas muitas vezes era realizado
também por artistas. São notórios os casos, no norte da Itália, de
Francesco Squarcione e Andrea Mantegna7. Donatello (1386-1466), com
quem Poggio Bracciolini manteve uma estreita relação 8 , conhecia
profundamente a estatuária clássica. Com efeito, Giorgio Vasari (15111574) afirma que foi Donatello quem convenceu Cosimo de Medici, o
5
Para se ter uma ideia quanto ao interesse de Poggio Bracciolini por esculturas antigas, veja-se
SHEPHERD, William, The life of Poggio Bracciolini, 2ª ed., Liverpool: Harris Brothers, 1837, pp. 264
ss.
6
Cf. CHASTEL, André, Arte e humanismo em Florença na época de Lourenço, o Magnífico: Estudos
sobre o Renascimento e o humanismo platônico, São Paulo: Cosac Naify, 2012, sobretudo pp. 7986.
7
Cf. FAVARETTO, Irene, “La raccolta di sculture antiche di Francesco Squarcione tra leggenda e
realtà”, in: SALMAZO, Alberta De Nicolò (Org.), Francesco Squarcione – ‘Pictorum gymnasiarcha
singularis’ – Atti delle Giornate di studio – Padova, 10-11 febbraio 1998, Padova: Il Poligrafo, 1999,
pp. 233-244. Quanto a Mantegna e a recepção do método de Squarcione, cf. SCARDEONE,
Bernardino, De antiquitate Patavii et claris civibus patavinis, Basilea: Nicolaus Episcopius, 1560, p.
371: “Conforme se diz, Francesco Squarcione foi homem de grandíssimo juízo nessa arte, ainda
que não de muito exercício. Todavia, possuiu esculturas e muitas pinturas, e instruiu através desse
método e técnica Andrea [Mantegna] e seus demais discípulos, utilizando esses materiais mais do
que os modelos produzidos por ele próprio [...]”; cf. ainda RIDOLFI, Carlo, Delle maraviglie dell’arte,
overo delle vite degl’illustri pittori Veneti e dello Stato, 2v., Venetia: Gio. Battista Sgava, 1648, I, pp.
67-68.
8
Cf. BUTTERFIELD, Andrew, “The rebirth of the sculpted portrait in 15th-century Florence”, in:
PAOLOZZI STROZZI, Beatrice; BORMAND, Marc (Org.), The springtime of the Renaissance –
Sculpture and the arts in Florence 1400-1460, Firenze: Mandragora, 2013, pp. 212-221.
110
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Velho, a reunir em um mesmo local sua coleção: “[Donatello] foi a causa
principal para que despertasse em Cosimo de Medici a vontade de trazer
para Florença as antiguidades pertencentes à família Medici, as quais
foram todas restauradas por ele9”.
A ideia de agrupar em Florença as obras clássicas coincide com a
intensificação do mecenato dos Medici. Cosimo começava a estimular o
que Lorenzo, o Magnífico, acabaria por transformar em um amplo
programa político-cultural. De fato, foi entre esses anos que o célebre
Jardim de San Marco passou a ser utilizado como depósito para a coleção
mediciana. Já foi demonstrado que o Jardim foi adquirido por Cosimo em
meados do século – e não em 1480 como se chegou a cogitar –, mas foi
somente nos três ou quatro anos que antecederam a morte de Lorenzo,
em 1492, que o local passou a atrair jovens artistas interessados em
estudar as esculturas ali reunidas. Mutatis mutandis, os Medici assim
constituíam uma coleção já em sintonia com os padrões modernos. Ao
mesmo tempo em que havia uma forte ideologia conferindo coerência ao
conjunto, estabelecendo até mesmo uma política de aquisição, já havia
também uma preocupação didática.
Apesar de todo o ceticismo de André Chastel, não há razão para não
reconhecer o Jardim de San Marco como precursor das academias
modernas 10. É evidente que Vasari, ao falar do Jardim como escola e
academia11, tinha apenas a intenção de chamar a atenção de Cosimo I de
9
VASARI, Giorgio. Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori nelle redazioni del 1550 e
1568. Testo a cura di Rosanna Bettarini / Commento secolare a cura di Paola Barocchi. 6 v.
Firenze: Sansoni / S.P.E.S., 1966-1987, III, p. 220. Essa e as demais traduções aqui presentes são
de minha autoria.
10
Cf. CHASTEL, André, op. cit., pp. 63 ss. Cf. ainda CHASTEL, André, “Vasari et la légende
médicéenne: L’école du Jardin de Saint Marc”, in: Studi Vasariani – Atti del Convegno
Internazionale per il IV centenario della prima edizione delle ‘Vite’ del Vasari, Firenze: Sansoni,
1952, pp. 159-167. Em oposição a Chastel, veja-se PEVSNER, Nikolaus, Academias de arte:
passado e presente, São Paulo: Companhia das Letras, 2005 e o comentário de Luiz Marques à
biografia de Michelangelo, in: VASARI, Giorgio, Vida de Michelangelo Buonarroti: Florentino –
Pintor, escultor e arquiteto (1568), Campinas: Editora da Unicamp, 2011, p. 79, n. 47.
11
Cf. VASARI, Giorgio, op. cit., IV, p. 124 (vida de Pietro Torrigiano).
111
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
Medici para a importância de governantes estimularem as artes e a
formação de novos artistas. Queria lembrar ao futuro grão-duque da
Toscana, membro distante do ramo principal da família Medici, as glórias
passadas da época de Lorenzo, as quais a Fortuna tão abruptamente
havia interrompido. Por isso, mesmo com a atuação de Bertoldo di
Giovanni (c. 1420-1491), discípulo de Donatello, como responsável pelo
Jardim, não é o caso de se pensar em um programa didático planejado.
Isso somente começaria a acontecer na Academia do Desenho, fundada
por Vasari em 1563 sob a proteção de Cosimo I, e sobretudo a partir da
década seguinte 12 . De fato, Vasari descreve o Jardim já na edição
torrentiniana (1550), mas é apenas na edição giuntina (1568) que ele fala
em escola e academia. Na primeira edição, tratava de convencer Cosimo I
a ampliar seu mecenato; na segunda, referia-se a uma ambição já
realizada valendo-se de um anacronismo que facilmente pode ser
reconhecido e justificado.
É um fato notório que em Florença, durante a segunda metade do século
XV, em meio ao intelectualizado contexto neoplatônico estimulado por
Lorenzo, o Magnífico, estatuetas de bronze com temas clássicos passaram
a ser extremamente valorizadas. Como exemplo, vamos nos limitar aqui a
dois casos.
O primeiro é o de uma estatueta muitíssimas vezes replicada durante o
Renascimento. Ficou conhecida como Ignudo della paura, pois representa
um homem nu, com as pernas afastadas uma da outra e com os braços
flexionados, de modo que as mãos, à altura do peito, emolduram o rosto
do personagem, gerando a impressão de que ele poderia estar assustado.
Há um consenso de que esse tipo foi realizado a partir de um original da
Antiguidade (de bronze ou mármore), o qual, no entanto, perdeu-se. O que
os renascentistas não sabiam é que aquela figura na verdade representa
12
112
Cf. WAŹBIŃSKI, Zygmunt, L’Accademia Medicea del Disegno a Firenze nel Cinquecento – Idea e
istituzione, Firenze: Olschki, 1987; cf. ainda BARZMAN, Karen-Edis, The Florentine Academy and
the early modern state: The discipline of disegno, Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
um Mársias no ato de empunhar duas flautas13. Em todo caso, a fortuna
desse modelo foi enorme, e destacam-se, entre os exemplares mais
conhecidos, o da Galleria Estense (Módena), o da Frick Collection (Nova
Iorque) e o do Bargello (Florença) [Fig. 1]. Quanto à autoria, jamais foi
possível determiná-la com segurança, o que nos conduz a um grande
problema em relação às estatuetas brônzeas do Quatrocentos italiano.
Não havia interesse, tanto de artistas quanto de comitentes, em registrar o
autor da obra14. O valor atribuído a essas peças provinha justamente da
capacidade de poderem passar por obras antigas, de maneira que não
fazia sentido vinculá-las a um artista contemporâneo. É certo, no entanto,
que há uma probabilidade muito grande de que alguma das versões,
notadamente a do Bargello, tenha sido executada por Antonio Pollaiolo
(1431-1498) ou por alguém próximo a ele15.
Em algumas das pinturas de Pollaiolo, a posição do Mársias ressurge
quase como se fosse uma aparição. É o caso de Hércules e a Hidra [Fig.
2] e do Martírio de São Sebastião (National Gallery, Londres). Já à primeira
vista, pode-se notar que a pose do modelo tridimensional não corresponde
exatamente às versões bidimensionais. Isso, no entanto, apenas indica o
uso de um modelo plástico auxiliar. Pollaiolo, ourives de formação e hábil
modelador, recorreu a uma prática tipicamente italiana desenvolvida
durante o século XV. Assim, como auxílio à sua produção pictórica,
reproduziu em cera ou argila as figuras de que necessitava, e a
maleabilidade desses materiais permitiu-lhe ajustar a pose do modelo de
13
Algumas versões da imagem podem ser vistas no banco de dados iconográfico do Instituto
Warburg, disponível em <http://warburg.sas.ac.uk/vpc/VPC_search/main_page.php>, através de
uma busca por “piping marsyas” – acesso em 27/08/2016. Ademais, o Census of Antique Works of
Art and Architecture Known in the Renaissance, disponível em <http://www.census.de>, oferece
valiosíssimo material comparativo sobre o tema – acesso em 27/08/2016.
14
Cf. POPE-HENNESSY, John, “Italian bronze statuettes – I”, The Burlington Magazine, v. 105, n.
718, 1963, pp. 14-23; POPE-HENNESSY, John, “Italian bronze statuettes – II”, The Burlington
Magazine, v. 105, n. 719, 1963, pp. 58-71.
15
Cf. FUSCO, Laurie, “The use of sculptural models by painters in fifteenth-century Italy”, The Art
Bulletin, v. 64, n. 2, 1982, pp. 175-194. Cf. também MIDDELDORF, Ulrich, “Su alcuni bronzetti
all’antica del Quattrocento”, in: Raccolta di scritti: that is, collected writings, II, 1939-1973, Firenze:
S.P.E.S., 1980, pp. 243-255.
113
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
acordo com as atitudes exigidas nas encenações pintadas16. Desse modo,
o Ignudo della paura cumpriu uma dupla função: de um lado atuou como
modelo, conferindo, por se tratar de uma peça clássica, autoridade à obra
nascente de Pollaiolo; de outro, mais importante no que se refere ao
despertar do gosto por essa espécie de objeto, ajudou a alimentar,
juntamente com inúmeras outras estatuetas que contrafaziam o antigo, o
desejo das elites culturais italianas, mas não sem deixar uma sensação de
que havia ali uma avidez praticamente insaciável.
Figura 1
Mársias (Ignudo della paura)
Réplica do antigo, segunda metade do século XV
Bargello, Florença
Figura 2
Antonio Pollaiolo
Hércules e a Hidra, c. 1470
Uffizi, Florença
Quanto ao segundo caso escolhido para demonstrar a estima em que
eram tidas as estatuetas de bronze durante a segunda metade do
16
114
Remeto aqui à pesquisa sobre o tema que realizei durante meu doutoramento: RAGAZZI,
Alexandre, Os modelos plásticos auxiliares e suas funções entre os pintores italianos – Com a
catalogação das passagens relativas ao tema extraídas da literatura artística, Campinas: Unicamp,
2010, disponível na biblioteca digital da Universidade Estadual de Campinas e no endereço
<https://uerj.academia.edu/AlexandreRagazzi> – acesso em 27/08/2016.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Quatrocentos, podemos continuar com Antonio Pollaiolo, mas agora com
uma produção original sua. O grupo conhecido como Hércules e Anteu
[Fig. 3] provavelmente foi fundido em algum momento entre 1475 e 148017.
Representa Hércules que, determinado a arrancar a vida do gigante Anteu,
estrangula-o à altura da cintura ao mesmo tempo em que o suspende no
ar. Desse modo, Hércules cortava os laços do gigante com a mãe, Geia,
única forma de vencê-lo, posto que Geia fazia o filho recobrar as forças
sempre que ele tocava a terra.
Figura 3
Antonio Pollaiolo
Hércules e Anteu, c. 1478
Bargello, Florença
Figura 4
Antonio Pollaiolo
Hércules e Anteu, c. 1470
Uffizi, Florença
Na verdade, Pollaiolo já havia retratado o tema outras duas vezes. A
primeira quando pintou, ainda na década de 1460, três grandes telas tendo
Hércules como personagem principal; decoravam o palácio Medici de via
17
A peça mede 36 cm de altura, 46 cm contando com a base. Cf. CIARONI, Andrea; AVERY,
Charles, Dai Medici al Bargello – Volume Secondo: I bronzi del Rinascimento – Il Quattrocento,
Pesaro: Altomani & Sons, 2007, pp. 176 ss.
115
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
Larga, mas foram perdidas18. Segundo nos conta Vasari, o herói contraía
os músculos e nervos de tal modo que se viam reflexos por todo seu
corpo, desde os dedos dos pés que se levantavam até os dentes que
rangiam; quanto a Anteu, perdia as forças e, com a boca aberta, entregava
o espírito. Essa descrição é compatível com a segunda versão realizada
por Pollaiolo, que, ao que tudo indica, replicou em pequeno formato as três
telas19. O Hércules e Anteu dos Uffizi [Fig. 4], pequena pintura a têmpera
sobre madeira, apresenta duas figuras que se destacam em meio a uma
paisagem – hoje muito danificada. Mas está ali, muito clara, a linha precisa
de Pollaiolo que circunscreve e delimita perfeitamente os corpos dos
antagonistas. E são corpos musculosos, de aspecto até mesmo bruto,
entrelaçados em um abraço mortal. Em comparação ao grupo
tridimensional, apesar da semelhança formal quanto à pose das figuras, há
uma imensa distância, pois, nesse caso, o tratamento dado à superfície é
delicado, precioso, verdadeira expressão do trabalho de um ourives
muitíssimo familiarizado com a estatuária e os modelos clássicos20.
Todo esse esmero, esse perfeccionismo destinado a traduzir para três
dimensões as pinturas anteriores, servia para atender aos mesmos
homens que apreciavam estatuetas clássicas e estatuetas que
reproduziam as formas clássicas – como no caso do Ignudo della paura. A
novidade é que agora se tratava de uma composição original, a qual, no
máximo, emulava o clássico.
*
A princípio e de modo generalizado, quando um comitente encomendava
uma pintura ou escultura a um artista até meados do século XV, dava-se
18
De acordo com Vasari, Pollaiolo ainda pintou Hércules e o leão de Nemeia e Hércules e a Hidra (cf.
VASARI, Giorgio, op. cit., III, pp. 504-505).
19
Apenas duas delas subsistem; além do Hércules e Anteu, restou ainda Hércules e a Hidra [Fig. 2].
20
Para mais informações sobre essas obras de Pollaiolo, vejam-se ETTLINGER, Leopold D., Antonio
and Piero Pollaiuolo – Complete edition with a critical catalogue, Oxford: Phaidon, 1978 e WRIGHT,
Alison, The Pollaiuolo brothers – The arts of Florence and Rome, New Haven, London: Yale
University Press, 2005.
116
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
por satisfeito com a obra entregue dentro do prazo estipulado. Não lhe
interessavam os expedientes adotados pelo artista para alcançar o
resultado final. Assim, esse comitente não via a menor razão para querer
para si os desenhos e modelos elaborados pelo artista como passos
preparatórios para a obra. Por isso hoje são relativamente raros os
desenhos feitos à época de Giotto, Taddeo Gaddi ou Masaccio, e a
situação é ainda pior no que se refere a modelos tridimensionais, de cera
ou argila. A menos que se tratasse de um desenho ou modelo guardado
por outro artista, preocupado em ter consigo bons exemplos de sua
profissão, não havia sentido em preservar algo inacabado, por mais
estranho que isso possa nos parecer.
Foi, contudo, a partir dessa mesma época que esse cenário começou a se
inverter. De fato, é possível constatar, percorrendo os inventários das
grandes coleções espalhadas pelo mundo, que o número de desenhos
conservados cresceu drasticamente a partir da segunda metade do século
XV, e, daquele momento em diante, essa tendência apenas se intensificou.
Quem, nos dias de hoje, não gostaria de possuir o mais insignificante
desses esboços? Seria emoldurado, colocado em um local destacado da
sala de estar, admirado e mesmo venerado. Não passa pela cabeça de
mais ninguém desprezar nem mesmo meros rabiscos de um artista
renomado. Isso porque não apenas a obra finalizada interessa agora, mas
também o processo trilhado pelo artista. Como ele fez aquilo? É o que se
perguntam, maravilhados, os visitantes de uma exposição sobre o
Renascimento italiano, o Impressionismo francês ou os grandes mestres
flamengos. O fato é que uma obra de arte assim se desdobra, faz-se
literalmente múltipla, decomposta não pelas interpretações dos
observadores, mas pelas próprias mãos do artista. Seguindo por esse
caminho, que é um caminho de contramão, é como se o tempo se
invertesse, e do completo vai-se ao incompleto, do perfeito vai-se ao
imperfeito, até que, em um instante subversivo, o finito dá lugar ao infinito.
No mundo antigo, o termo infinito comportava um sentido negativo, posto
que era algo inacabado, não-finito. Já a moderna noção de infinito remete
117
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
a algo positivo que, ao menos potencialmente, guarda em sua essência um
destino melhor. Um amor infinito é um amor sem fim e, portanto, é bom.
Essa noção foi vivamente encorajada a partir do Renascimento graças a
uma nova visão do cosmos. Foram sentidos ecos na filosofia e nas artes –
que se pense, naturalmente, na codificação da perspectiva linear com
ponto de fuga no infinito –, os quais logo se estenderam a vários outros
campos do saber. De alguma maneira, essa reviravolta conceitual, o
infinito imperfeito que cede lugar ao infinito desconhecido e pleno de
possibilidades, está presente nas obras de arte e nas etapas preparatórias
das obras de arte que agora interpretamos. Aquilo que anteriormente não
tinha valor, agora é valorizado porque permite compreender melhor tanto a
obra de arte quanto o artista que a realizou e, é claro, porque então surge
uma possibilidade para reconhecer a beleza que há no incompleto, no
imperfeito e no infinito21.
Em 1515, papa Leão X, nascido Giovanni de Medici, tomou uma decisão
que acabaria tendo grande importância na difusão do Renascimento
italiano pela Europa. Encomendou a Rafael Sanzio a realização de dez
cartões que seriam utilizados como modelo para a confecção de tapeçarias
destinadas a recobrir o registro inferior da Capela Sistina. Mas em vez de
mandar tecer as imensas peças na Itália, preferiu enviar os cartões de
Rafael para Bruxelas, para o ateliê de Pieter van Aelst. Bruxelas era o
principal centro produtor de tapeçarias e não havia na Itália condições para
executar aquele trabalho com a mesma competência. Esse inconveniente,
no entanto, foi prontamente transformado pelo papa em uma oportunidade
para exportar a cultura italiana para o norte da Europa.
21
118
Cf. essa linha de pensamento com a visão de Carmelo Occhipinti a respeito do non finito nas obras
Leonardo da Vinci. As obras inacabadas de Leonardo deixavam-se ver em seu processo,
revelando o próprio procedimento produtor daquele inexplicável prodígio que deixava atônitos os
contemporâneos. Occhipinti, analisando um epigrama de Giano Lascaris sobra a Santa Ana
(Louvre, Paris), nota que esse autor, valendo-se de um repertório clássico e ciente de que os
antigos não possuíam uma palavra para designar o conceito de non finito, utilizou o particípio
inchoata (no sentido de apenas iniciada) para referir-se à obra de Leonardo. Cf. OCCHIPINTI,
Carmelo, Leonardo da Vinci e la corte di Francia – Fama, ecfrasi, stile, Roma: Carocci, 2011, p. 85.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Os cartões de uma obra são os desenhos preparatórios feitos já com as
mesmas dimensões da obra final. Último passo de um longo processo, os
cartões já deveriam ter a composição inteiramente resolvida, tal qual seria
transferida para o quadro ou parede. Nesse processo de transferência, no
entanto, os cartões se perdiam, posto que qualquer que fosse a técnica
utilizada, o spolvero ou a ponta seca (calco), as folhas acabavam
perfuradas ou totalmente mutiladas22. Eram, afinal, desenhos simples que
apenas indicavam as linhas principais da composição e que, depois de
tudo, ainda ficavam danificados. É por isso que praticamente não foram
conservados cartões anteriores a 1480; sabemos que foram utilizados
apenas pelas marcas deixadas em algumas pinturas. Acontece que, no
início do Quinhentos, os cartões atingiram tamanho grau de perfeição que
muitas vezes não havia como o comitente consentir que fossem
descartados depois de utilizados. Era o ideal do ben finito cartone, o qual
seria muito bem definido no final do século, quando Giovanni Battista
Armenini declarou que os cartões eram a mais perfeita manifestação que a
arte do desenho era capaz de expressar23.
No século XVII, sete dos cartões realizados por Rafael para as tapeçarias
da Capela Sistina foram levados para a Inglaterra e desde o século XIX
estão expostos no Victoria and Albert Museum, em Londres24. Basta vê-los
para entender sua fortuna e as razões pelas quais não foram destruídos,
apesar dos danos decorrentes das perfurações a que foram submetidos. É
certo que esses cartões de Rafael constituem um caso limite, pois
atingiram um nível extremo de perfeição. Mas é por isso mesmo que
representam um momento notável do processo de valorização das etapas
preparatórias de uma obra e de seu colecionismo. Como consequência
22
No caso da pintura a óleo, introduzida na Itália somente a partir do último quartel do Quatrocentos,
muitas vezes os cartões eram dispensados, pois era bastante comum que o artista se valesse
apenas da quadrícula (o véu albertiano) para transferir seus desenhos para a tela.
23
Cf. ARMENINI, Gio. Battista, De’ veri precetti della pittura, Ravenna: Francesco Tebaldini, 1587, pp.
99-100.
24
Imagens disponíveis em <http://www.vam.ac.uk/content/articles/t/raphael-cartoons/>, acesso em
27/08/2016.
119
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
mais impressionante dessa nova situação, surgiu até mesmo a
necessidade de que fossem feitos cartões substitutos, isto é, o artista devia
preparar dois cartões, um para mostrar ao comitente e outro que
efetivamente seria utilizado para a realização da obra. Era como comprar
uma pintura e levar duas25.
Ainda no Victoria and Albert Museum, é possível contemplar o raro
exemplar com a Deposição da cruz, de Jacopo Sansovino (1486-1570). No
início de sua atividade artística, Sansovino encontrou proteção em Roma
junto do cardeal Domenico della Rovere26. Eram os anos de 1508, época
em que Pietro Perugino realizava os afrescos da abóbada da Stanza
dell’Incendio di Borgo no Vaticano. O jovem escultor e o então experiente
pintor viviam juntos sob a proteção do cardeal, e da amizade entre os dois
surgiram os modelos de cera que compõem o mencionado grupo da
Deposição da cruz27. De acordo com Vasari,
Tendo visto Pietro a bela maneira de Sansovino,
conseguiu que ele lhe fizesse muitos modelos de cera, e
entre outros um Cristo deposto da cruz, com muitas
escadas e figuras, algo que de fato era belíssimo. Essa
peça, junto de outras coisas dessa espécie e modelos de
diversas fantasias foram depois todos recolhidos pelo
senhor Giovanni Gaddi e hoje estão na casa deste em
Florença, na praça da Madona28.
Não há razão para duvidarmos de Vasari nesse caso, pois sabemos que
Perugino efetivamente utilizou o grupo como modelo para uma de suas
25
Para se compreender mais a fundo as funções atribuídas aos cartões na tradição italiana,
aconselho a leitura do belo livro de Carmen C. Bambach (BAMBACH, Carmen C., Drawing and
painting in the Italian Renaissance workshop – Theory and practice, 1300-1600, New York:
Cambridge University Press, 1999).
26
Cf. BOUCHER, Bruce, The sculpture of Jacopo Sansovino, 2 v., New Haven, London: Yale
University Press, 1991, I, pp. 10-11; II, p. 316.
27
Imagem disponível em <http://collections.vam.ac.uk/item/O39628/the-descent-from-the-crossmodel-sansovino-jacopo/>, acesso em 27/08/2016.
28
VASARI, Giorgio, op. cit., VI, p. 179.
120
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
pinturas – um afresco hoje bastante danificado em Città della Pieve –, e
que a composição inspirou ao menos outras sete obras, entre as quais se
destaca a de Francesco Ubertini, o Bacchiacca29. Desse modo, essa seria
a mais antiga obra de Sansovino que nos chegou, posto que a primeiras
esculturas suas documentadas datam de seu retorno a Florença, em
151130. O extraordinário aqui, entretanto, não se limita ao fato de o pintor,
provavelmente sem habilidade para a modelagem, ter recorrido a um
escultor para fornecer-lhe os modelos de que necessitava. É igualmente
digno de nota que um colecionador, Giovanni Gaddi, tenha se interessado
em preservar aqueles que à época deviam ser considerados pela maioria
das pessoas como pequenos e modestos modelos de cera.
Figura 5
Giambologna (a partir de)
Marte, c. 1565-1570
Bronze
38,0 x 17,5 x 18,0 cm
Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro
29
Pintura
conservada
nos
Uffizi,
Florença,
cuja
imagem
está
disponível
em
<https://www.uffizifirenze.it/deposizione-dalla-croce.html>, acesso em 27/08/2016. Quanto às
demais versões, espalhadas por coleções em Roma, Milão, Veneza, Bassano del Grappa e
Greenville (EUA), foram atribuídas tanto a um seguidor de Perugino quanto a artistas variados
como Andrea del Sarto, Puligo ou Visino, Giulio Campi ou Vincenzo Campi.
30
Cf. MIDDELDORF, Ulrich, “Sull’atività della bottega di Jacopo Sansovino”, in: Raccolta di scritti: that
is, collected writings, I, 1924-1938, Firenze: S.P.E.S., 1979-1980, pp. 217-228 (sobretudo pp. 220224).
121
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
Assim, brevemente considerado o colecionismo de estatuetas de bronze e
de modelos preparatórios através dos exemplos de Pollaiolo, Rafael e
Sansovino, será possível compreender mais facilmente o contexto em que
iria atuar Giambologna, autor do protótipo para o pequeno bronze que
representa o Marte pertencente ao acervo da Fundação Eva Klabin (FEK)
[Fig. 5].
Giambologna (1529-1608), nascido em Douai, território flamengo (hoje
francês), chegou a Roma por volta de 1550, mas foi em Florença, onde se
estabeleceu provavelmente a partir de 1552, que ele criou a maior parte de
suas esculturas. Quanto ao cenário do colecionismo italiano esboçado até
aqui, é certo que entre a virada do século XV para o XVI e a chegada de
Giambologna ele só fez consolidar-se. O que dizer de colecionadores
vorazes como os irmãos Alfonso I e Isabella d’Este ou como Júlio II e o
cardeal Raffaele Riario, seu primo? Pietro Aretino, por exemplo, costumava
pedir, sem cerimônia, pequenos desenhos aos artistas com os quais tinha
contato. Enfurecia-se quando não era atendido, conforme se pode
depreender da célebre carta endereçada a Michelangelo em novembro de
1545, na qual, além criticar os afrescos do Juízo Final e difamar
cruelmente o artista, queixava-se por não ter recebido os desenhos que lhe
havia solicitado31. Mesmo aqueles que não contavam com inesgotáveis
recursos financeiros encontravam meios para formar uma coleção. Foi o
caso de Pietro Bembo, homem extremamente apegado aos objetos que
conseguiu angariar durante toda a vida. Em seu testamento, redigido em
setembro de 1544, Bembo legava sua coleção ao filho, Torquato, mas sob
a condição de que ele não poderia se desfazer dela. O texto diz:
Quero, além disso, que [Torquato] seja impedido de
vender, empenhar ou dar, sob qualquer circunstância, os
objetos antigos de pedra, cobre, prata, ouro ou do que
quer que sejam feitos; ao contrário, deverá guardá-los,
com zelo, assim como fiz eu, e o mesmo vale para os
livros e pinturas que estão em meu gabinete, em minha
31
122
Cf. GAYE, Giovanni, Carteggio inedito d’artisti, 3 v., Firenze: Giuseppe Molini, 1840, II, pp. 332-335.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
casa de Pádua, e para os que estão aqui [em Roma]
comigo, conservando tudo para uso, comodidade e honra
sua e memória minha32.
Há um apreço pela coleção que transcende a vida. A coleção deveria ser
mantida, íntegra, para ser usada pelo filho, mas principalmente como
memória do pai, que através dela tinha a história pessoal transmitida às
futuras gerações.
Esse era, portanto, o estado do colecionismo italiano quando
Giambologna, retornando de Roma e talvez com a intenção de partir
definitivamente para Flandres, deteve-se em Florença. É possível que
apenas quisesse estudar as esculturas de Donatello, Ghiberti, Verrocchio,
Pollaiolo, Michelangelo e todos os demais mestres daquela cidade, mas o
fato é que acabou encontrando ali uma inesperada proteção. Foi
convencido por Bernardo Vecchietti (1514-1590) a permanecer em
Florença, hospedado em sua casa33.
Vecchietti, filho de Giovanni di Bernardo Vecchietti e Lucrezia Strozzi, foi
um homem que sempre manteve uma relação muito próxima com os
Medici. Por isso, quando Giambologna conquistou Vecchietti, abriu
caminho para conquistar também os Medici e, por extensão, Florença.
Com pouco mais de vinte anos, ele assim se deparava com um futuro
promissor.
A partir dos anos de 1550, Vecchietti fez construir, nas proximidades de
Florença, uma casa de campo. Essa vila, denominada Il Riposo, foi o palco
imaginado por Raffaello Borghini para ambientar um diálogo sobre as
32
Apud GASPAROTTO, Davide, “Il mito della collezione”, in: Pietro Bembo e l’invenzione del
Rinascimento, Venezia: Marsilio, 2013, pp. 48-65.
33
Cf. BORGHINI, Raffaello, Il Riposo, Firenze: Giorgio Marescotti, 1584, pp. 585-589 para a estada
de Giambologna em Florença. Para outras fontes biográficas sobre o artista, veja-se também
VASARI, Giorgio, op. cit., VI, pp. 248-249 e BALDINUCCI, Filippo, Notizie dei professori del
disegno da Cimabue in qua, Firenze: Batelli e Compagni, 1846, II, pp. 555-586. Enfim, para uma
abordagem moderna sobre o assunto, cf. BURY, Michael, “Bernardo Vecchietti, patron of
Giambologna”, I Tatti Studies in the Italian Renaissance, 1, 1985, pp. 13-56, 267-273.
123
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
artes34. Os personagens – o humanista Baccio Valori, Girolamo Michelozzi,
o escultor Ridolfo Sirigatti e o próprio Vecchietti – discutem sobre uma
infinidade de artistas e suas obras em um tom claramente
contrarreformista. A escolha da vila Il Riposo como cenário arcádico
propício a aprazíveis conversações pode ter sido motivada pela amizade
entre Borghini e Vecchietti, mas certamente houve uma razão mais
determinante. É que Vecchietti lá manteve uma bela coleção de pinturas e
esculturas. Havia, portanto, a tranquilidade do campo e a inspiração dos
objetos de arte. Para se ter uma ideia, Vecchietti chegou a possuir pinturas
de Botticelli e Antonello da Messina, cartões para a Leda e o cisne e para a
Batalha de Cascina, ambos de Michelangelo, desenhos de Leonardo da
Vinci, Benvenuto Cellini, Francesco Salviati e Bronzino. A coleção ainda foi
complementada, correspondendo muito a propósito ao gosto da época, por
objetos exóticos provenientes de diversas partes do mundo que então se
estava descobrindo. Mas aqui é preciso destacar uma sala da vila
exclusivamente destinada a custodiar modelos de Giambologna e outros
mestres. Borghini relata a presença de muitas figuras de Giambologna em
cera, argila e bronze, em diversas poses, as quais representam várias
pessoas como prisioneiros, mulheres, deusas, divindades fluviais e
homens ilustres35. Bastante tentador imaginar que o modelo para o Marte
da FEK pudesse estar entre essas peças, mas, infelizmente, não há como
determinar isso.
O que efetivamente se sabe sobre o Marte é que a mais antiga menção a
ele de que se tem notícia remonta a 1587, quando a estatueta foi elencada
no inventário da Kunstkammer de Cristiano I, príncipe-eleitor da Saxônia,
em Dresden. O modelo que deu origem ao bronze de Cristiano I, no
entanto, deve ser bem anterior, e, a partir de comparações estilísticas,
convencionalmente sua data de execução foi situada entre 1565 e 157036.
34
Cf. BORGHINI, Raffaello, op. cit.
35
Cf. BORGHINI, Raffaello, op. cit., pp. 13-15.
36
Remeto, para uma abordagem mais pormenorizada da peça, ao ainda imprescindível catálogo da
mostra realizada em 1978 em Edimburgo, Londres e Viena, na qual foram expostas nada menos
124
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Nas fontes mais antigas, a peça foi descrita ora como Marte, ora como
Gladiador, mas a primeira alternativa acabou prevalecendo. Apesar disso,
a estatueta não apresenta atributos que possam confirmar que se trate de
um Marte. A figura apenas empunha uma espada com a mão direita,
espada que, no entanto, foi perdida em algumas versões. Deve-se notar
aqui que é muito evidente a proximidade da pose adotada com outros dois
trabalhos monumentais de Giambologna. Primeiramente com o Netuno de
bronze realizado em Bolonha [Fig. 6], depois com a representação de
Oceano feita para um chafariz nos jardins de Boboli, em Florença [Fig. 7].
Figura 6
Giambologna
Netuno, 1563-1566
Piazza Maggiore, Bolonha
Figura 7
Giambologna
Oceano, 1571-1575
Bargello, Florença
(Anteriormente nos jardins de Boboli)
que oito versões da estatueta: AVERY, Charles; RADCLIFFE, Anthony, Giambologna, 1529-1608:
Sculptor to the Medici, [London], The Council, 1978, pp. 93-100 (n. 42-49) para o Marte. Quero aqui
agradecer a Larissa Sousa de Carvalho, pois, estando eu distante das grandes bibliotecas
especializadas em História da Arte ao escrever este texto, foi ela a amável responsável por fazer
esse catálogo chegar até mim.
125
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
Ademais, merece ser lembrado que a posição do personagem remete
tanto a um desenho de Antonio Pollaiolo37 quanto a outro de Leonardo da
Vinci relacionado à Batalha de Anghiari [Fig. 8]38. Nessas poses, com a
perfeição canônica de um quiasmo grego, repetem-se a perna direita à
frente e o braço esquerdo erguido à meia altura, a espada na mão direita
abaixada e a cabeça voltada para a esquerda.
Figura 8
Leonardo da Vinci
Estudos de nu (detalhe), c. 1505
Biblioteca Reale, Turim
O Marte tornou-se uma das figuras mais populares de Giambologna. Há
muitas variantes, algumas fundidas enquanto ele ainda estava vivo por
especialistas como Fra Domenico Portigiani (monge dominicano do
37
Três nus masculinos, Museu do Louvre, Paris (Département des Arts Graphiques, inv. n. 1486,
recto). Há ainda outra versão desse desenho, atribuída a um seguidor de Pollaiolo, no British
Museum (inv. n. 1885,0509.1614).
38
Cf. MIDDELDORF, Ulrich, op. cit., II, 1980, pp. 243-255.
126
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
convento de San Marco), outras durante o século XVII por seus
seguidores, especialmente Antonio Susini39. No início do século seguinte,
apareceu ainda outra versão, agora realizada por Massimiliano Soldani
Benzi (1656-1740). Notável, nesse caso, que a mão esquerda do Marte
não esteja vazia, mas segure uma cabeça, o que alterou o tema da
estatueta para um Algoz segurando a cabeça de São João Batista40.
Na maioria das versões, o calcanhar esquerdo do Marte está levantado.
Efetivamente, as peças que apresentam maior qualidade têm essa
característica. Além da vivacidade conferida por esse significativo
pormenor, há em muitas dessas variantes um detalhamento da barba e
dos cabelos e uma precisão anatômica que fazem pensar que o modelo
original também possuía essa peculiaridade41. Já no exemplar da FEK, o
calcanhar esquerdo está ligado à base, o que o aproxima de variantes
como a atribuída a Pietro da Barga (Bargello, Florença)42.
Na exposição sobre Giambologna e seus seguidores realizada em 1999 e
2000 nas cidades de Paris, Chambéry e Douai, foi apresentada uma
terracota policromada que os autores do catálogo, Charles Avery e Michael
Hall, atribuíram a Giambologna43. Trata-se de um busto que traz, na parte
posterior do dorso, a seguinte inscrição a tinta: Gian Bologna / Francesco I
/ de’ Medici / +1587. Se o busto for mesmo de Giambologna, seria a única
39
Sobre o funcionamento do ateliê de Giambologna no que se refere à realização de estatuetas de
bronze, desde o papel do artista na confecção dos modelos e no acabamento das peças até a
participação de ajudantes ao longo do processo, cf. AVERY-RADCLIFFE, op. cit., pp. 42-44.
40
Cf. AVERY-RADCLIFFE, op. cit., p. 100 (n. 49).
41
Veja-se a belíssima versão em bronze dourado pertencente a uma coleção particular, a qual
apresenta a assinatura de Giambologna (.I.B.) sob o pé direito. In: AVERY-RADCLIFFE, op. cit.,
pp. 94-95 (n. 42); AVERY, Charles, Giambologna – The complete sculpture, Oxford: Phaidon, 2006
(1987), pp. 82 (prancha II) e 261 (n. 69).
42
Cf. AVERY-RADCLIFFE, op. cit., pp. 98-99 (n. 48). Pouco se sabe sobre da Barga, mas subsiste
documentação que demonstra que ele atou em Roma a serviço do cardeal Ferdinando de Medici
entre 1574 e 1577.
43
Cf. AVERY, Charles; HALL, Michael, Giambologna (1529-1608) – La sculpture du maître et de ses
successeurs, Paris: Somogy Éditions d’Art, 1999, pp. 198-200 (n. 60). Cf. ainda AVERY, Charles,
op. cit., 2006, p. 277 (n. 200).
127
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
terracota policromada realizada por ele. Em todo caso, a peça, pertencente
à coleção de Hall, é identificada com um título duplo, Francesco I ou Marte.
De fato, as feições da figura são muito próximas às da estatueta de Marte;
um pouco menor, contudo, é a semelhança fisionômica com os demais
retratos de Francesco I de Medici (1541-1587), embora se possa pensar
em uma representação idealizada do grão-duque. Nesse caso, conforme
imaginaram Avery e Hall, a estatueta de Marte poderia ser uma alegoria de
Francesco como Marte vitorioso. A hipótese é tentadora, mesmo que não
se queira reconhecer a autenticidade da terracota. Há uma coincidência
entre a presumida data de realização do modelo para o Marte de
Giambologna (1565-1570), o qual deu origem a todas as demais variações,
e a ascensão ao poder de Francesco. Assim, o Marte representaria uma
estatueta capaz de unir o presente e a Antiguidade clássica, o gosto pelo
colecionismo e o desejo de fazer parte dessa história.
*
Francesco I, mesmo enquanto Cosimo estava vivo, governava Florença na
condição de regente desde 1564. Ainda nesse ano, assim que morreu
Michelangelo, os Medici conseguiram obter o grupo da Vitória (Palazzo
Vecchio, Florença). Francesco, organizando os aparatos para a cerimônia
de seu casamento com Joana de Áustria e aproximando-se cada vez mais
de Giambologna, encomendou-lhe uma escultura para fazer um pendant
para essa obra de Michelangelo. Daí surgiu, em 1565, o modelo em gesso
para Florença triunfando sobre Pisa, o qual, alguns anos depois, seria
esculpido em mármore, possivelmente com alguma intervenção de Pietro
Francavilla (Bargello, Florença)44. A partir desse momento, as ambições de
44
128
Há um modelo preparatório para essa obra, em cera vermelha, no Victoria and Albert Museum de
Londres (inv. n. 4118-1854). Faz parte, juntamente com outros três modelos de Giambologna, da
coleção Gherardini, a qual foi adquirida em 1854 pelo V&A (então South Kensington Museum).
Voltando a um tema tratado mais acima, é possível que alguns dos modelos possuídos por
Bernardo Vecchietti estejam nessa coleção. Note-se, no entanto, que poucos exemplares estão em
exibição no museu, pois a maior parte está depositada na reserva técnica – razão pela qual
agradeço a Amy Mechowski por ter possibilitado meu acesso ao restante das peças. Sobre a
coleção Gherardini, cf. POPE-HENNESSY, John, “The Gherardini collection of Italian sculpture”, in:
Victoria and Albert Museum Yearbook, n. 2, 1970, pp. 7-26 e AVERY, Charles, “Bernardo Vecchietti
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Giambologna cresceram e ele pôde vislumbrar uma oportunidade real para
se tornar o sucessor de Michelangelo na arte da escultura45.
Em 1581, Francesco Maria II della Rovere, o duque de Urbino, recebia
uma carta de um enviado seu, Simone Fortuna, falando-lhe sobre
Giambologna. O duque havia encarregado Fortuna de ir a Florença para
fazer uma sondagem junto de Giambologna, pois desejava que o artista
realizasse para ele duas esculturas em mármore. Fortuna, que faz questão
de destacar em seu relato a estima que Francesco I tinha em relação a
Giambologna, apresenta um comentário segundo o qual o escultor
“alimentava uma enorme ambição de tornar-se [um novo] Michelangelo, o
que, de acordo com muitos homens judiciosos, parece já ter conseguido”46.
Alguns anos antes disso, Federico Zuccari afrescava a cúpula de Santa
Maria del Fiore. O tema era o Juízo Final, e ele retratou a si próprio entre
os eleitos, destacado em meio a uma plêiade de artistas e humanistas. Lá
estava também Giambologna, reconhecido como o maior escultor surgido
depois de Michelangelo. Como preparação para os afrescos, Zuccari fez
um desenho, um retrato de Giambologna segurando um modelo [Fig. 9].
Esse modelo, no entanto, não é de Giambologna, mas, como todos à
época sabiam, havia sido realizado por Michelangelo para um projeto cujo
tema era Sansão e os filisteus. Apesar de Giambologna ter realizado um
grupo em mármore representando Sansão e um filisteu47, o modelo que ele
tem entre as mãos no desenho claramente é o mesmo feito por
Michelangelo em sua tentativa frustrada de produzir um pendant para o
and the wax models of Giambologna”, in: La ceroplastica nella scienza e nell’arte – Atti del I
Congresso Internazionale, Firenze: Olschki, 1977, 2, pp. 461-476.
45
Cf. AVERY, Charles, Florentine Renaissance sculpture, London: John Murray, 1970, pp. 242, 254.
46
[...] havendo una ambitione estrema d’arrivare Michelagnolo, et a molti giuditiosi par già che l’habbi
arrivato (in: GAYE, Giovanni, op. cit., III, pp. 440-444).
47
Obra encomendada por Francesco I de Medici e esculpida entre 1560 e 1562. Victoria and Albert
Museum, Londres, inv. n. A.7-1954.
129
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
Davi48. A cabeça voltada para o lado direito e o braço esquerdo preso atrás
do corpo não deixam dúvida quanto a isso.
Figura 9
Federico Zuccari
Retrato de Giambologna, c. 1576-1577
National Gallery, Edimburgo
Giambologna assim assumia o posto de herdeiro de Michelangelo no que
se referia à escultura. Ao contrário de Michelangelo, contudo, não queria
trabalhar apenas com o mármore. A dificuldade e a lentidão da pedra
48
130
A escultura de Michelangelo, jamais realizada, ficou conhecida através das várias reproduções de
estatuetas de bronze feitas a partir de seu modelo, o qual não foi conservado. Há exemplares
espalhados por todo o mundo, dentre os quais se podem destacar: Bargello (Florença), Frick
Collection (Nova Iorque), Metropolitan Museum (Nova Iorque), Staatliche Museen (Berlim), Louvre
(Paris), Boymans-van Beuningen Museum (Roterdã), Museo Nacional de Bellas Artes (Buenos
Aires). Para esse caso específico, seja-me permitido indicar um texto meu: RAGAZZI, Alexandre,
“Um desenho do círculo de Antonio Pollaiolo como modelo para Sansão e os filisteus de
Michelangelo”, Revista de História da Arte e Arqueologia, Unicamp, n. 18, 2012, pp. 75-90. Cf.,
enfim, SCHMIDT, Eike D., “Die Überlieferung von Michelangelos verlorenem Samson-Modell”,
Mitteilungen des Kunsthistorischen Institutes in Florenz, 40, 1/2, 1996, pp. 78-147.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
foram afrontadas por ele mais como prova a ser superada do que como
percurso natural. Era preciso fazer e ele fez. Mas o artista sabia muito bem
que a modelagem e o bronze podiam acelerar o ritmo de produção de suas
obras, especialmente quando se tratava de estatuetas portáteis. No fundo,
a modelagem em pequeno formato era seu grande prazer, e deve ser
verdadeiro o depoimento de Borghini, que conta como Giambologna,
durante a juventude, estudava com fascínio as mais célebres esculturas de
Roma, produzindo modelos de argila e cera de todas elas 49 . Foi essa
rapidez de execução que possibilitou a Giambologna criar algo em torno de
uma centena de pequenos bronzes ao longo de toda sua vida, variando a
temática de acordo com o gosto dos nobres e aristocratas colecionadores
e do próprio tempo em que viveu.
Conta-se que Michelangelo, poucos dias antes de morrer, mandou destruir
todos os seus desenhos e modelos preparatórios. Atormentado, aos 89
anos, queria assegurar-se que seria lembrado pelas obras que realizou,
não pelos momentos de incerteza e indefinição que acompanhavam seu
processo criativo. Por isso tratou de eliminar todos os vestígios que pôde.
Giambologna, ao contrário, é o escultor do Quinhentos de quem mais
modelos restaram. Em sua biografia de Giambologna, Filippo Baldinucci
diz que, no final da vida, o artista costumava contar às pessoas que lhe
eram próximas um episódio ocorrido em sua juventude, durante a estada
em Roma. Queria conhecer Michelangelo, que deveria ter por volta de 76
anos de idade. Foi até ele e mostrou-lhe um modelo seu, mas o velho
artista, sem paciência e não percebendo que o jovem apenas esperava por
uma opinião, amassou completamente aquele pedaço de cera para
rapidamente refazê-lo com muito mais desenvoltura, criando algo
completamente oposto ao que Giambologna lhe havia apresentado. O
encontro foi então encerrado com uma advertência. Michelangelo teria dito
a Giambologna que primeiro ele deveria aprender a fazer os modelos e só
depois finalizá-los 50 . Não há como saber se esse encontro realmente
49
Cf. BORGHINI, Raffaello, op. cit., p. 585.
50
Cf. BALDINUCCI, Filippo, op. cit., p. 556: or va prima ad imparare a bozzare e poi a finire.
131
Alexandre Ragazzi
O Marte de Giambologna
ocorreu ou se é apenas uma anedota criada para vincular um artista ao
outro, mas o fato é que Giambologna assimilou tão bem a lição que a
importância dos modelos preparatórios e das estatuetas de bronze atingiu
um novo patamar depois dele.
132
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
v
ARTICLES
133
Liana De Girolami Cheney
134
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
BERNARDINO POCCETTI’S CEILING OF
THE LOGGIA IN PALAZZO MARZICHI-LENZI: AN
ICONOLOGICAL STUDY
Liana De Girolami Cheney
SIELAE, Universidad de Coruña, Spain
Bernardino Barbatelli, known as Il Poccetti (1542–1612), was an Italian
Mannerist artist, who was a prolific fresco painter, decorator, and
printmaker. During his artistic career, he completed religious frescoes for
Santa Maria Novella, Saint Mark, the Cloister of Santissima Annunziata,
and the vault at the entrance of the Hospital of the Innocents. He also
decorated numerous secular ceilings, façades, and palaces in Florence,
including the ceiling with Apollo and the Muses of 1575, for Casa Zuccari
(now Kunsthistorisches Institute), the sale of Palazzo Capponi Lungarno of
1583–85, the sgraffiti façade of the Palazzo of Bianca Cappello of 1580,
and the grotteschi ceiling in the loggia of the Palazzo Marzichi-Lenzi of
1585, the last of which is the focus of this study (Figs. 1 and 2)1.
The purpose of this palace commission is still unknown. The iconography of
these emblematic imprese is problematic in its ensemble, as is the
individual identification of their literary sources; hence the interest in
decoding the meaning of this ceiling. This study will examine some of the
frescoed imagery in the sunken ceilings of the Palazzo Marzichi-Lenzi. The
ceiling consists of 15 cassettoni (wooden recessed squares) displayed in
three and five horizontal and vertical rows. In each cassettone, the imagery
is composed of a background filled with a variety of grotteschi decorations.
1
See Ministero della Pubblica Istruzione (Direzione Generale delle Antichità e Belle Arti), Elenco
degli Edifizi Monumentali in Italia (Rome: Tipografia ditta Ludovico Cecchini, 1902), p. 255; and
Claudio Paolini, Architetture fiorentine. Case e palazzi nel quartiere di Santa Croce (Florence:
Paideia, 2009), p. 235, n. 334. The Florentine architect Bernardo Buontalenti (1531–1608) later
owned the house of Bianca Cappello. See also Stefania Vasetti, Palazzo Capponi Lungarno
(Florence: Centro Di, 2001); and Stefania Vasetti, “Gli Affreschi di Bernardino Poccetti,” in Stefania
Ricci, ed. Palazzo Spini Feroni e il suo Museo (Florence: Giorgio Mondadori, 1995), pp. 95–123.
135
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
In the center, there is an emblematic pictura, with a Latin motto2 . The
geometrical shape of the pictura varies among square, circular, oval, and
octagonal in each cassettone. The motto above the pictura alludes to a
moral code.
History of the Edifice: Convent or Palace
Before analyzing some of the emblematic imprese, a summary of the
history of the palace may shed light on the signification of the imagery.
There are two unclear historical sources regarding the origin of the Palazzo
Marzichi-Lenzi in via Borgo Pinti, 27. One source claims that the edifice
was built in the early 1300 as a convent or a place for Christian meditation
and prayers.
At the entrance of the building, on the left side of the wall, above a
reconstructed Renaissance doorway, there is a marble plaque. This relief
represents a radiating sun. In the center of the image, there is a cabled
circle containing the Christogram HIS, Iesus Hominum Salvator (Jesus
Savior of Men). Above the letter H, there is a small cross. Twelve flaming
rays encircle the name, while in each corner of the plaque, small single
flames complete the decoration (Fig. 3). This type of design with its
symbolism was devised by Bernardino da Siena (1380–1444), who
preached in the Franciscan church of Santa Croce in 1424–25, near the
edifice in via Borgo Pinti. For Bernardino, the sun symbolizes Christ, and
the rays with their irradiation allude to His charity and love. The mystical
signification of the number twelve represented in the flaming rays refers to
the twelve apostles and the twelve gifts of the Holy Spirit, while the four
flames in the corners are an allusion to the four Evangelists who spread the
gospel of Christ. The knitted cable around the insignia of Christ implies the
happiness of the faithful with the blessings of Christ (compare Figs. 3 and
2
136
See Patrizia Vezzosi, Dalle Grottesche al Fantasy: Le grottesche nel corridoio di Levante della
Galleria degil Uffizi (Florence: Alinea, 2010).
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
4)3. This plaque suggests that a monastic order resided or took refuge in
the premises4.
Cloistered nuns, known as Le Monache delle Murate or Le Murate (the
walled up), lived in small cells on the old Rubaconte Bridge of 1237 (Figs. 5
and 6). In 1290, numerous wooden structures were built over this ponte,
including shops and tabernacles, which later became chapels. One of these
chapels was named St. Maria delle Grazie. When the Rubaconte Bridge
was restored, the name was changed to Ponte delle Grazie or Bridge of the
Graces in reference to the religious chapel on the bridge. Hermitages were
also constructed along the bridge, which became small cells for the socalled Le Murate, a group of community-cloistered nuns who resided there
until 1320. The bridge constantly flooded, prompting Le Murate to relocate
to a dryer area, to local edifices of private or public religious communities
nearby in via Borgo Pinti and via Ghibellina. Le Murate resided in these
communities until the Renaissance period 5 . Perhaps the Marzichi-Lenzi
palace was a temporary religious residence for these nuns, Santa Caterina
and Le Murate of SS. Annunziata, who took refuge from the floods.
Another source alleges that the Palazzo Marzichi-Lenzi was built in the
Trecento as a mercantile house, not a monastery. Perhaps after the Le
Murate occupied the mercantile house, the mercantile edifice became a
temporary convent, returning to its original use as a mercantile edifice when
3
See Emily Michelson, “Bernardino of Siena Visualizes the Name of God,” in Speculum Sermonis:
Interdisciplinary Reflections on the Medieval Sermon, ed. Georgiana Donavin, Cary J. Nederman,
and Richard Utz (Turnhout: Brepols, 2004), pp. 157–79; Piero Bargellini, San Bernardino da Siena
(Brescia: Morcelliana, 1933, and Siena: Catagalli Edizioni, 2013); San Bernardino da Siena,
Antologia delle prediche volgari: economia civile e cura pastorale nei sermoni di San Bernardino da
Siena (Siena: Cantagalli Edizioni, 2010); Franco Mormando, The Preacher of Demons: Bernardino
da Siena and the Social Underground of the Early Renaissance Italy (Chicago, IL: The University of
Chicago Press, 1999); and Antonio Borelli, San Bernardino da Siena, March 4, 2006,
www.santiebeati.it.
4
Bernardino Poccetti, because of his Christian name and living during the religious Reform in
Florence, might have sympathized with San Bernardino’s exemplary life.
5
See Sharon T. Strocchia, Nuns and Nunneries in Renaissance Florence (Baltimore, MD: Johns
Hopkins University Press, 2010), for a study on the transformation of Florentine religious convents
in the fifteenth century.
137
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
they left the premises. During an unknown period in the Dugento or
Trecento, a Tebaldi family resided in the palace. Renovated in the
Quattrocento, the edifice became a palace and the residence of the
Ferrantini family when the Tebaldi family was exiled for political reasons
from Florence6. In 1439, during the Ecumenical Council of Florence, the
Ferrantini family received the Patriarch of Constantinople, Gennadio II,
Giorgio Scolario (1405–72), and twenty of his orthodox bishops as guests
in this palace7. The significance of the council in Florence is visualized by
Benozzo Gozzoli’s Procession of the Magi of 1459, for the Chapel of the
Medici, in their palace in via Cavour.
In the middle of the Quattrocento, the Lenzi family, a branch of the Tebaldi
family who returned to Florence after their political exile in the Trecento
(1293), acquired the palace from the Tebaldi family and became members
of the guild of the Arte della Lana (Wool Makers)8. It is unclear how in the
1500s, the Neri-Ridolfi, a noble family, owned the edifice. In the ceiling
loggia, a large cassettone with the Neri-Ridolfi coat of arms is still visible
(Fig. 7) 9 . In the center of the emblematic impresa there is a gold
background containing a rampant blue lion and a silvery transversal band
6
See Archivio di Stato Fiorentino (ASF) Fondo Geramelli Papiani: Marzichi: Fascicolo 3063, which
contains documents that are a collection of unpaginated loose leaflets. Doc. 11, printed in 1953,
was compiled by Carlo Segrebondi. One of his leaflets reads: “Tebaldi furono esiliati da Firenze
dopo la riforma del 1293” (“Tebaldi were exiled from Florence after the [political] reform of 1293”).
7
See Placido Puccinelli, Cronica della Badia Fiorentina (Milan: R.D. Conte per Giulio Cesare
Malatesta Stampatore, 1664), p. 19; Giorgio Vasari, Le Vite de’ più eccellenti pittori, scultori ed
architettori, ann. and ed. Gaetano Milanesi, 9 vols (Florence: G.S. Sansoni, reissued 1967–70),
3:464 (note). In 1480, Pier di Francesco Pugliese commissioned from Filippino Lippi a painting on
the Vision of San Bernardo for his chapel in the Badia Fiorentina. In this altarpiece, the coat of arms
of the Francesco Ferrantini is visible. Of interest, the coat of arms of the Pugliese family is like the
one of the Ferrantini family—a traditional custom as families intermarry, borrowing and adopting
their coat of arms. See I.B. Supino, Le deux Lippi (Florence: Alinari, 1904), p. 145; and I.B. Supino,
“La Capella del Pugliese”, Miscellanea d’arte I, 1 (January 1903), pp. 1–4.
8
ASF Fondo Geramelli Papiani: Marzichi: Fascicolo 3063, Doc. 11, printed in 1953 by Carlo
Segrebondi (cf. n. 7 above), describes the lineage of the Tebaldi, Lenzi, and Marzichi families and
their connections with the Florentine guilds. The Lenzi family descends from the first branch of the
Tebaldi family.
9
See ASF, Fondo Ceramelli Pappiani, Fasciolo 3384; and Raccolta Sebregondi (N. 256), Fascicolo
3800.
138
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
decorated with three stars that are three-pointed10. In 1515, Filippo Neri
(1515–95), known as Pippo il Buono (St. Philip of the Merry Man), was born
in this palace, probably in today’s rooms marked 19 or 21. Neri moved to
Rome in 1533, became a priest, and was ordained in 1551. In 1552 he was
associated with the hospital and church of San Girolamo della Carita of
Rome and founded an oratory, San Filippo Neri Oratory. Then, in 1564, he
was asked by the curia to care for the church of San Giovanni dei Fiorentini
in Rome, keeping his connection with his Tuscan origin11.
In the middle of the Cinquecento, the Marzichi family, a second branch of
the Tebaldi family, which was related to the Lenzi family, the first branch of
the Tebaldi family, adopted the Lenzi name to become the Marzichi-Lenzi
family12. They were members of the guild of the Arte dei Medici e Speziali
(Doctors and Apothecaries), in particular, Francesco de Michele (1535–
1616), who became an official apothecary in 1585 13 . At this time, the
10
See ASF Fondo Ceramelli Papiani, Cittadinario Fiorentino, Fascicolo 3384, Doc 3, loose sheet,
unpaginated on the description of Neri-Ridolfi’s crest: “stemma e d’oro, al leone d’azzurro, e alle
bande attraversate d’august caricate di tre stele del campo” (“their coat of arms is in gold, a blue
lion, and three bands across in the manner of [Emperor] Augustus, containing three field stars. See
also, Libri D’Oro della Nobiltà Toscana, Doc. 6, Firenze Nobil Tomo I, No. 68, containing a pencil
drawing of the Neri-Ridolfi’s coat of arms, similar to that depicted in Poccetti’s painting in the ceiling
loggia.
11
He continued his major religious reforms, founding a confraternity and Oratory of San Filippo Neri.
In 1635 the Milanese Baroque architect Francesco Borromini built for the Roman congregation an
Oratory for the Saint Phillip Neri in Rome.
12
See ASF, Raccolta Sebregondi, Lenzi (2742) from 1520–74, loose sheet, unpaginated, states: “Per
decreto del Supremo Magistrato del 5 ottobre 1567, registrato al Libro di Leggi Nomine a 16 (or
56?) fu dichiarata la conserteri de Marzichi del Quartiere di S. Spirito, Gonf.e Drago, pendere da
questa medesima de’ Lenzi, che perciò se ne fa la presente nota” (“By decree of the Supreme
Magistrate on October 5, 1567, registered in the Book of Law on Names at 16 (or 56), it was
declared by the Lenzi to consent the Marzichi, from the parish of S. Spirito, Chief Magistrate of
Drago, to acquire from them Lenzi [their name Lenzi], that for this reason it is here noted”).
13
ASF, Raccolta Sebregondi, Marzichi: Fascicolo 3406: loose sheet, unpaginated, notes also that the
Marzichi-Lenzi family were members of the Ordine di S. Stefano of Malta. See also ASF, Fondo
Ceramelli Papiani: Marzichi: Fascicolo 3063, loose sheets, unpaginated, Doc 7 from the Archivio
della Deputazione sulla Nobiltà e Cittadinanza. Filza di GIUST. Nobili di Firenze, No. 20, Inserto 6,
notes: a) the coat of arms reads, “Marzichi”; b) in the church of Santa Maria del Carmine, the
Marzichi family has a chapel; and c) Francesco di Michele Marzichi married Lucrezia di Girolamo
Rucellai in 1563.
A question is raised to what extent Francesco Marzichi’s apothecary interests were connected with
his wife’s family association to the prominent pharmacy Officina of Santa Maria Novella, located
139
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
Marzichi-Lenzi family renovated and beautified the edifice, transforming it
into a patrician residence by adding ceramic floors composed of the cotto
fiorentino and a sunken ceiling, soffitto a cassettoni 14 . Because of the
apothecary interests of Francesco de Michele Marzichi, his marriage
connection with the Rucellai family and their pharmacological interests,
along with the symbolic emblematic imagery of health and good living, I
suggest that he might be the patron of this ceiling decoration15.
From the late Cinquecento until the twentieth century, the information on
the ownership of the palace is also unclear. In 1901 the palace was
registered by the Direzione Generale delle Antichità e Belle Arti as part of
the national artistic patrimony16 . In 1956 the family of the Ciardi Duprè
purchased the palace and transformed it into a pensione, Monna Lisa. The
well-known Sienese sculptor Giovanni Duprè (1917–82) restored and
improved the palace, preserving in part some of the earlier decorations and
structures. In 1966, the owner of the pension renovated it again, due to the
devastating Arno flood. In 2001 the Florentine restorer Gioia Germano
made further adjustments, and now the edifice is transformed into a
commercial venue, Hotel Monna Lisa17.
near the Rucellai family church of Santa Maria Novella, palace and loggia? See www.smnovella.it.
One of the cassettoni with the emblematic impresa Ominubus Idem (The Same to All), depicting a
sun with the face of an angel surrounded by twelve rays, resembles the tondo design in the
pedimental area of the façade of Santa Maria Novella, the parish church of the Rucellai family.
Through marriage this family became associated with the Marzichi-Lenzi in 1563.
14
ASF Fondo Geramelli Papiani: Marzichi: Fascicolo 3063, Doc 7 states that the Marzichi’s coat of
arms is seeing in their family chapel in the church of Santa Maria del Carmine as well as in their
residence in Pinti [via Borgo Pinti].
15
See n. 11 in this text.
16
See Ministero della Pubblica Istruzione (Direzione Generale delle Antichità e Belle Arti), Elenco
degli Edifizi Monumentali in Italia (Rome: Tipografia ditta Ludovico Cecchini, 1902), p. 255.
17
Ibid.
140
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
The “cassettoni” of the loggia
In 1585, Poccetti with assistants decorated a soffitto a cassettoni, an ornate
sunken ceiling for a room or loggia in the palace (Fig. 2). Today this ceiling
is found at the entrance or loggia of the palace. However, it is questionable
whether this type of ceiling decoration is a design for an entrance to a
palace. Likely, this type of ceiling is seen in a studiolo, library, or receiving
hall. I suggest that during the numerous restorations of the palace, the
ceiling was moved from its original location (unknown today) to the
entrance. Although not documented with certainty, it is suggested that
Poccetti resided in the palazzo when he painted the ceiling loggia; his
bottega or workshop was located near in via Ghibellina, near via Pinti, were
the palace is located18.
Fifteen of the cassettoni contain an emblematic impresa, with the exception
of one cassettone that has a rectangular frame and depicts a seascape
scene with a black bear in the sky decorated with seven stars, referring to
the constellation of Ursa Major. Below the constellation there is a large
scroll with the Latin inscription Nunquam Spectata Feffellit (Never Regards
an Escape or Never Immerses in the Ocean)19. In a calm sea, two sailboats
are seen at the seashore—a large one with an open sail, and a small one
with a closed sail.
The other cassettoni depict the following imagery. The listing here is
according to the pictura geometrical design. In the octagons are: a
terrestrial turtle, with the Latin motto Tutta Labor Nullo (Nothing is Produce
without Labor); a white ibis or stork holding a snake in the mouth, with the
Latin motto Prodesse Bonis (I Provide Good); a coral tree on a islet, with
the Latin motto Pulchrior in Luce (More Beautiful in the Light); a head of the
18
In 1574 Poccetti open his first bottega in via Gibellina, near via Borgo Pinti. Walther Limburger, Die
Gebäude von Florenz: Architekten, Strassen und Plätze in alphabetischen Verzeichnissen (Leipzig:
F.A. Brockhaus, 1910), n. 450, claims that Bernardino Poccetti painted the ceiling. In 2001 Gioia
Germani restored the ceiling and the palace.
19
The Latin motto is from Claudius Caesar Germanicus (15 bce–19 ce), Aratea Phenomena, 45–47,
Germanicus relates the legend of the two Bears, who were the nurses of Jupiter in Crete, see
heml.mta.ca. See also www.heraldrysinstitute.com.
141
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
Medusa crowned with living serpents, with the Latin motto placed below her
severed head and reading Malio Lumina (Evil Eyes); and a siren holding
her sea tails in the middle of a calm sea, with the Latin motto Vitanda Est
Impoba (One Must Steer Clear of Wicked Temptress).
The cassettoni with a pictura in a circle or tondo are: a radiant sun with the
face of a putto, with the Latin motto Omnibus Idem (The Same to All); a
winged caduceus, with the Latin motto Votis Multis (May Vows to the
Divinity of the Eyes); and a fishing rod suspended from the sky, with the
Latin motto Suo Cadit Pondere (He Holds his Weight).
The cassettoni with a pictura in an oval shape are: a planter in the shape of
a lily bulb containing several sprouting leaves, with the Latin motto Suo
Succo (Perfumed Without Compromise); bees flying while posing on
blooming flowers in an open garden, with the Latin motto Ex Pulchri Optima
Librant (The Most Beautiful are the Best Poised); a hand that holds a
rudder in the open sea, with the Latin motto Tenet Usque (He Constantly
Holds); and a brass holder, with an oval mirror reflecting the sky with the
Latin motto Te Ipsum (Know Thyself).
There are fewer cassettoni with a pictura in a square frame, but they
include a large image of closed red lips with a ring in a center, with the
Latin motto Fideli Tuta Silentio (Loyalty has Rewards Secured); and a
suspended bellow in mid-air, with the Latin motto Accipit Redditqu (It Takes
Maketh or It Takes Skills).
Emblematic Imprese
I consider Poccetti’s cassettone to be a visual emblematic text. Similar to a
page in an emblem book, Poccetti provides a pictura, a Latin motto, and an
epigram20. But unlike an impresa or an emblem, his epigram lacks text and
contains a visual message through the grotteschi, a background depicted
20
142
See Mario Praz, Studi sul Concettismo: Emblema, Impresa, Epigramma, Concetto, ed. and trans.
Marco Maggi (Milan: Abscondita, 2014), pp. 13–50, for a discussion of emblematic symbolism.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
for his pictura and motto. Thus Poccetti’s epigram (grotteschi) is composed
of visual vignettes to clarify or obscure the meaning of the pictura and
motto.
In the center of the ceiling loggia, a large cassettone with the Neri-Ridolfi
coat of arms depicted in a gold background contains a rampant blue lion
and a silvery transversal band decorated with three-point stars (Fig. 7)21.
When Poccetti completed the rest of the ceiling loggia, he may have
embellished Neri-Ridolfi’s coat of arms, forming a double cartouche. An
exterior layer of green coloration is in the shape of an opened scalloped
shell, decorated with gemstones and dangling oval pearls22. The second
cartouche, of lilac color, is ornamented at the top with a winged angelic
face and at the bottom with a reclining female figure in a landscape. This
lower motif is a projection from Poccetti’s early sgraffito design from the
Palazzo of Bianca Cappello in via Maggio in Florence (compare Figs. 7 and
8). In both lower corners of the coat of arms, a whimsical cornucopia of
flowers, fruits, and vegetables complements the Mannerist decoration.
Poccetti’s coloration and the imaginative decoration for Marzichi-Lenzi’s
coat of arms recalls his decorations of 1583 in the Palazzo Capponi in
Florence as the Cartouche of Maddalena and sala decoration of Pietro
Capponi’s portrait23.
Presently, it is difficult to ascertain if there is a symbolic vertical or
horizontal emblematic connection between these emblematic imprese. My
study aims to decode all the cassettoni. But in this essay, I plan to unveil a
possible clavis interpretantdi of only four emblematic imprese, selecting as
an underlying connection the symbolism of water, which are contained in
21
See ASF, Fondo Ceramelli Papiani: Marzichi Lenzi: 3063–2742, 4585; Raccolta Sebregondi (N 256)
Lenzi de’ Tebaldi poi (then) Marzichi: 3406; and ASF Fondo Ceramelli Papiani: Marzichi Fascicolo
3063, Doc. 3: I Lenzi (Fascicolo: 2742), I Tebaldi (Fascicolo: 4485). These archival documents in
loose sheets describe the various coats of arms of the Marzichi and their acquisitions of designs
from their ancestor, the Tebaldi and Lenzi families, focusing on the coat of arms with the image of
the golden bull and red ball. See also www.heraldrysinstitute.com.
22
See Pliny the Elder, Naturalis Historia, 79 ce, Book, IX, 80 and 103.
23
See Vasetti, Palazzo Capponi Lungarno, passim.
143
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
the cassettoni of the Coral-Tree, the Rudder, the Siren and the Medusa.
The “cassettone” of the Medusa
The cassettoni designed with the Medusa and the Siren are vertically
adjacent to each other. In its center, in a hexagonal design, the pictura
contains a head of a Medusa with a Latin’s motto, Malio lunima (Evil Eye).
With the exception of the rectangular cassettone with the image of the Ursa
Major with a Latin’s motto Nunquam Spectata Feffellit (Never Regards an
Escape or Never Immerses in the Ocean) this is the only emblematic
impresa where the Latin inscription appears below the image (compare
Figs. 9 and 10). The Medusa’s head is of an old woman crowned with
snakes. The grotteschi decoration surrounding the central image depict in
each corner a winged siren, between the decorative sirens in the center of
the square, there are on each side female portrait heads. These severed
heads relate to the central theme of the pictura, the cut-off head of the
Medusa. The ornamentation on the background of the cassettone is
completed with flying birds, floating vases with spring flowers, and burning
urns (Fig. 9).
The origin of the literary and visual representations of the Medusa derives
from a Greek myth recounted in Hesiod’s Theogony, Homer’s Iliad,
Euripides’ Ion, Ovid’s Metamorphoses, and Pliny the Elder’s Naturalis
Historia24. Medusa, whose name means ruler or queen25, is a primordial
earth goddess, granddaughter of Gaia, and the only mortal of a triad of
Gorgons. She offended Athena by making love with Poseidon in one of her
temples. The Goddess Athena transformed Medusa’s hair into serpents,
made her glance turn beholders to stone, and exiled her and her sisters to
a dreary island. Medusa’s myth continues with the association of Perseus,
24
See Hesiod, Theogony, v. 216–30, 270–90, ad 333–36; Homer, Iliad, 14, v. 319–21; Euripides, Ion,
v. 989–90; Ovid, Metamorphoses, 4:603–05, 249; and Pliny the Elder, Naturalis Historia, 3:56.
25
See Diodorus Sculus, Diodorus of Sicily, trans. C.H. Oldfather (Cambridge, MA: Harvard University
Press, 1935), V. III, p. 52.
144
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
son of the mortal Danäe and the divine god Zeus, father of Athena, who
decapitates Medusa in order to punish an evil king from Ethiopia,
Polydectes.
In Greece and its colonies, since the early 6th century bce, visual
representations of the Medusa’s head are common in relief decoration of
temples, as in the metope at the Temple of Selinute, Temple C, sixth
century bce; or in the Black Figure vases, Perseus and Medusa Hydra,
third century bce, at the Archeological Museum in Florence. In the
Renaissance, there are well-known paintings—such as the Medusa of
1500, attributed to Leonardo, at the Galleria degli Uffizi—with a disturbing
depiction of a severed head with snakes, worms, frogs and insects of all
types. And in sculpture we have Benevento Cellini’s remarkable bronze
sculpture Perseus and the Medusa of 1545, at the Loggia dei Lanzi (Fig.
11), and Bernardo Buontalenti’s large sculpture of a shield with a Medusa’s
head of 1570s, in the Boboli Garden. Poccetti knew these works, in
particular Buontalenti’s Medusa of the Boboli Garden, where there are
strong artistic similarities in terms of the design of the Medusa’s
exaggerated facial expression, wide-open mouth, large nostril formation,
and the transformation of her tresses into living serpents (compare Figs. 9
and 12).
The motto Malio lumina may allude to the popular saying “evil eye”
associated with the ancient myth. The dative word malio alludes to evil, and
the word lumina in Virgilian terms alludes to eyes (brilliant light or seeing)26;
hence an allusion in malio lumina to signify to cast an “evil eye” or “I
[Medusa] provide an evil eye.” It is known from the ancient myth that to look
at the Medusa’s head is to be transformed into stone. In Emblemata (Paris
1584), Emblem 156, In Morten praeproperam (Untimely death), Andrea
Alciato also uses the Medusa’s head to allude to the ill fate of an individual
and to warn the reader (viewer) against looking at such an image or
behaving with transgression of moral conduct (Fig. 13). The epigram reads:
26
See Charles Anthon, Aeneid of Virgil: With English Notes, Critical and Explanatory (New York:
Harper and Brothers Pub., 1853), Book IV, p. 506.
145
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
That handsome lad, famed throughout all the city, who attracted and
tormented tender-hearted girls with his beauty, has perished before his
time, mourned by no one more than you, Arestius, to whom he was joined
in chaste affection. Therefore you build him a tomb as a memorial of such
great love and assail the heavens with cries of grief: Beloved, are you gone
away without me? Shall we never be together again? Will you never again
spend happy leisure hours with me in study? But the earth will cover you, a
Gorgon’s head and dolphins shall provide doleful symbols of your fate27.
The “cassettone” of the Siren
The adjacent cassettone is also decorated with grotteschi, in an octagonal
frame. The pictura is of a Siren at sea (Fig. 14). The single composition of
the Siren recalls Poccetti’s sgraffito decoration of a Siren from the façade of
1583 in the Palazzo Bianca Cappello (compare Figs. 14 and 15). Another
visual source available to Poccetti was Benvenuto Cellini’s Siren of 1571,
now at the Metropolitan Museum of Art in New York (Fig. 16). While the
background of the scene depicts similar imagery as in the Medusa
cassettone, for example, the flying birds now rest on the same type of vase
flowers decoration, four angelic heads accent the corners of the octagonal
frame, and winged male heads alternate with the depiction of winged sirens
placed along the frame of the square. In the corners of the cassettone are
portrayed four allegorical females residing in fanciful cartouches. It is
difficult to ascertain their identification. Perhaps these images personify the
four seasons because of 1) their depiction of females from young to old
age, representing the ages of life; 2) the attributes they hold, such as
objects of offerings; and 3) their attire coloration, changing from light colors
to dark colors, symbolizing the transformation of the seasons (e.g., spring
and summer are associated with light colors and fall and winter with darker
colors). Or their attributes, attire, and actions could represent four
goddesses: one wears a helmet and a cuirass and holds a shield and a
27
146
See www.emblems.arts.gla.ac.uk.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
lance, likely the warrior Minerva. Another image depicts a bare-breasted
female with a reddish dress, also carrying a shield and a lance, emerging
from the dark background, probably the hunting Diana. The third image is a
woman dressed with a celestial garment and carrying a wind-blown sail,
likely the traveling Venus of Cyprus. The last image is of a young woman
holding a staff and making an offering, likely Ceres, the Goddess of Nature.
In classical mythology, these goddesses were involved in the punishment
of the Siren and her sisters Pisinoe, Aglaope, and Thelxiepi.
Poccetti’s Siren is crowned with a motto, “Vitanda est improba”; the rest of
the phrase is left out: “siren desidia”. The motto probably derives from the
Roman poet Horace’s Satirae or Sermones (a collection of satirical poems).
It translates into “One must avoid that wicked temptress”28. In Emblematum
libellus (Venice, 1546), Emblem 102, Sirenes, Alciato alludes in the
epigram to seductive women and advice for moral conduct (Fig. 17)29. The
epigram reads:
Birds without wings, girls without legs, fish without snouts, yet singing with
their mouths—who would think such creatures exist? Nature said such
things could not be combined, but the Sirens show that it could happen.
Woman is an enticement, and she ends in a black fish, because lust brings
many monstrous things in its train. By looks, by words, by radiant charm,
men are drawn on, by Parthenope, by Ligeia and by Leucosia. These
Muses strip of their feathers, these Ulysses also dupes. The wise of course
28
See The Works of Horace Translated into English Prose With the Latin Text, ed. Joseph Davidson
(London: Temple Bar, 1735), p. 130; and Horace, Ode XI, trans. And ed. David West (New York:
Oxford University Press, 1988), p. xiv.
29
Andrea Alciato’s emblem is influenced by the literary tradition on this subject noted in Dante,
Purgatorio, Canto XIV; Fulgentius, Mythologies, II.8, The Fable of Ulysses and the Sirens; Homer,
Odyssey, XII.39–62, 155–202; Ovid, Art of Love, III.311–28; and Apollonios Rhodios, Argonautika,
IV.885–924, Argonauts and the Sirens. See also Evrart de Conty, The Chess of Love, trans. Joan
Jones (PhD diss., University of Nebraska, Lincoln, 1968); Samuel Daniel, Certaine small poems
lately printed: with the tragedie of Philotas (G. Eld for S. Waterson, 1605), ed. F.D. Hoeniger and I.
Lancashire (Toronto: University of Toronto Press, 1997); and Joseph Kestner, Mythology and
Misogyny: The Social Discourse of Nineteenth-Century British Classical-Subject Painting (Madison:
The University of Wisconsin Press, 1989), pp. 47–48, 70–72, and 289–300, on Ulysses and the
sirens.
147
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
have no truck with a whore30.
The etymology of “Siren,” from a Greek word “siren” signifies a temptress
who entices and entraps men’s senses. According to Greek mythology, the
Sirens are special sea nymphs who live on the isolated island of the
Faiakes or Sirenum scopuli, perhaps Surrentum, near Naples, where there
is a temple dedicated to them31. Surrentum (Sorrento today), a Latin word
for murmur, is an interesting association with the incantation actions of the
Sirens or with the sound of waves of the sea, which carry a murmur, the
reason for the name of this area. The Sirens, beautiful half-woman, halfbird, are the sea counterparts of the harpies, bird-women, on earth 32 .
Poccetti depicts only one Siren residing at sea, unlike the trio of Pisinoe,
Aglaope, and Thelxiepi represented in Alciato’s emblem.
The Siren’s hybrid formation is a result of a punishment inflicted by the
Goddess of Harvest and Fertility, Demeter (Ceres), when the Sirens failed
to save her daughter, Persephone, from being kidnapped by the God of the
Underworld, Hades (Pluto). Demeter provided the Sirens with special wings
for their bodies to assist them in finding her daughter, Persephone33. But
they subsequently lose their wings. Then Hera tricks the Sirens into a
musical contest with the Muses. They lose the contest, and the Muses
punish them by plucking their wings and making crowns out of the feathers
for themselves34. In turn, the Sirens provide evil gifts with their seductive
30
See www.emblems.arts.gla.ac.uk.
31
Strab. i. p. 23, v. p. 246.
32
See Meri Lao, Sirens: Symbols of Seduction (Rochester, VT: Park Street Press, 1998), pp. 1–19, for
ancient iconographical sources for the sirens.
33
Ovid, Met., v. 442. For images of siren as bird or harpies, see the Siren from Canosa of 340 bce,
National Archaeological Museum of Canosa, Spain (commons.wikimedia.org); Siren of mid-4th
century bce, from Kerameikos, at the Walter Art Museum, MD (art.thewalters.org); and Funerary
Harpies morning with primitive tortoise-shell lyre of mid-4th century bce, from Kerameikos, at the
National Archaeological Museum in Athens (www.flickr.com). The Siren’s body is composed of a
human head and torso but with the legs of a bird (Virgil V, 846; Ovid XIV, 88).
34
Paus, ix 34 & 2. See Kestner, Mythology and Misogyny, pp. 43–46; and an extraordinary
sarcophagus at the Metropolitan Museum of Art, The Sarcophagus with the contest between the
Muses and the Sirens, Late Imperial, Gallienic, third quarter of the 3rd century ce, from the Roman
Villa of Nero. In Roman mythology, the Sirens are beautiful sea monsters, with faces and partial
148
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
chanting, their spellbound melody, unfulfilling appetites and passions for
human beings with destructive consequences35.
In classical times, music is associated with cosmological vibration, for
example, “Plato places the Sirens and their music in a Pre-Olympian
system, among the feminine entities regulating the destiny of the universe
and the human race”36. Medieval and Renaissance manuscripts employ
animal tales from the classics to imply allegorical and moral messages in
their narrative. In the case of the Sirens, although they possess hybrid
bodies of animals and human creatures, their enchanting voices allure
humans to worldly pleasures, which in turn will transform, destroy, and kill
them37. In the Renaissance, for example, the association with the Sirens is
connected with Ulysses’s action and Aristotle’s practical wisdom38. In his
bodies of women with tails of fishes, resembling mermaids (Ulysses and the Sirens, 2nd century,
Roman mosaic, Bardo Museum, Tunisia). As with Greek mythology, the Sirens bewitch sailors with
their melodic sounds. Roman poets recounting this myth, for example, Claudian, claim that the
sailors, once captured, expired in rapture, alluding to the Sirens’ sensual pleasures and bewitching
sweetness of voice, in addition to their enchanting singing.
In Mount Parnassus, Orpheus, Apollo, and the Muses reject the Sirens, also named Sea-Muses,
because they tended to indulge in odes of violence and destruction; their sonorous voices
contrasted with the Orpheus and the Muses lyrical performances. In the musical contest between
the Muses and the Sirens on Mount Olympus, the Sirens, who lured men to destruction with their
seductive whispers, lost the competition to the Muses, who elevated men to the highest pursuits
with their poetical evocations.
35
See Lao, Sirens, pp. 36–47, for a discussion on sirens and music. Their singing lures sailors to pass
by their island. Once they hear the siren’s melodic murmur, they are condemned to stay forever and
die in the Siren’s haunted island. The classical tales of Homer, Odyssey (Hom. Od. xii. 39), and
Ovid, Metamorphoses (Ovid, Met v. 552), recount that all throughout the island of Faiakes, there are
rocks as well as bones and remains of sailors who were transformed and butchered after they
succumbed to the Sirens’ divine melody, as illustrated in the Siren Vase Painter, Odysseus and the
Sirens of 480 bce, from Vulci, at the British Museum, London (en.wikipedia.org), and Ulysses resists
the song of the Sirens of 50–75 ce, from a fresco in Pompeii, also at the British Museum, London
(www.ajaonline.org).
36
Ibid., p. 39.
37
In the Middle Ages, the thirteenth-century Bestiaries of Guillaume Le Clerc or Bartholomaeus
Anglicus claims that the Sirens become monsters. From the waist up, they are the most beautiful
shape of a woman, but the rest of the body is of a bird or a fish. They sing so sweetly, entrancing
men to fall asleep, and then the Sirens kill the men (Siren, Kongelige Bibliotek, Gl. kgl. S. 3466 8º,
Folio 37r).
38
For example, Reginaldus Piramus’s Odysseus as Aristotle’s’ Ideal of Practical Wisdom, an
illuminated Nicomachean Ethics, 1490s, Manuscript Codex Phil. Gr. 4, Österreichische
149
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
book on ethics, Aristotle emphasized the concept of moral conduct in
practical living. A similar moral message is conveyed in Alciato’s pictura
and epigram, where the three Sirens—Pisinoe, Aglaope, and Thelxiepi—
allude to the pleasures of the senses such as taste, hearing, and touch,
respectively manifested in the drinking of wine, the hearing of music, and
the touching of love. These erotic pleasures are the most powerful means
for seducing a man. Poccetti’s Siren combines the three desires in one,
becoming a symbol of sensual and cruel pleasures. A moral lesson for
individuals is their feeling of victimization when indulging in their human
appetites and passions.
In these two cassettoni, Poccetti has selected two classical representations
for the embodiment of evil through the depiction of a female form: the head
of the Medusa and the body of a Siren. Both images are depicted with a
motto, which alludes to a warning and a moral message for the viewer who
perceives and engages with them.
The second group of cassettoni is also associated with the element of
water: the Coral-Tree and the Rudder. In addition, both emblematic
imprese unveil allusions to the element of air and also reveal
complementary moral symbolism.
The “cassettone” of the Coral-Tree
In the background of the cassettone of the Coral-Tree, the grotteschi
decorations depict in each corner a cartouche composed of a scalloped
shell that contains the precious gift of a pearl, and above the cartouche
rests a classical vase with spring flowers (Fig. 18). Between these shells
are paired-off depictions of fanciful winged Capricorns or Dracos (Hydras)
spouting fire from their mouth 39 and victorious putti riding on mythical
Nationalbibliothek in Vienna. For the image see medieval.tumblr.com.
39
150
See Derrick, nd. microcosmographia.com. Among the first recorded illustrations of the constellations
in print are those found in the edition of the Poeticon Astronomicon attributed to Gaius Julius
Hyginus (64 bce–17 ce) that Erhard Ratdolt printed in Venice in 1482.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
camels or horses. These animals turn their heads away from a fiery urn that
faces them. In the center of the cassettone, there is a hexagonal design
whose border is decorated with small pearls. Inside the hexagon the pictura
contains a large coral-tree sprouting from a small islet in a vast tranquil sea.
The rippling water around the islet suggests a gentle breeze. The pink and
violet clouds in the open sky establish the season and the day: a summer
at sunset. In a white ribbon, a Latin inscription, Pulchrior in Luce (“More
Beautiful in Light”), crowns the scene.
What could this imagery signify? Coral is an aquatic tree, known as the
garden of the sea or a sea-tree because it grows in an earth-tree shape but
underwater. Like an earth-tree, the sea-tree expands horizontally with tree
roots and vertically with branches of a tree. Hence, sea-tree is named
coral-tree because its branches are similar to the earth-tree’s branches and
roots. For this similarity, the symbolism of the coral parallels the tree’s
signification. Both are rooted in a horizontal surface: the coral in the deep
sea and the earth-tree in the ground of the earth. Both arise vertically to
connect one natural element with another, e.g., the tree bound to the earth
expands its forces in the air, whereas the coral from the bottom of the sea
extends into the sea and sprouts above the sea, as depicted in Poccetti’s
pictura. The coral’s vertical growth and tree shape allude to the symbolism
of world axis, the axis mundi40, as the coral forms in the abyss of the sea
and vertically moves toward the light of the sky. In this manner, the coral
connects with three elements in nature: water, earth, and air (light). Also in
its chemical formation, the coral partakes of the three aspects of nature:
animal, vegetable, and mineral41.
The meaning of coral as a symbol of fertility is based on its mode of
reproduction and the formation of a skeletal residue, which provides a
platform for further coral growth. In ancient times, the coral was considered
a plant, but later became known as a formation of living animals called
40
J. E. Cirlot, A Dictionary of Symbols (New York: Philosophical Library, 1962), p. 59.
41
See Jean Chevalier and Alain Gheerbrandt, Dizionario dei simboli, 2 vols (Milan: Rizzoli, 1997),
1:317.
151
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
polyps, which rapidly reproduce at sea42. This fruitful aspect of the coral is
associated with fertility, whose aquatic nature as a sea-tree reveals its
association with the Lunar or Moon Goddess, a symbol of fertility43. This
allusion is visualized in the marriage ceremony of the young couple painted
by Petrus Christus in his Saint Eligius in his Workshop of 1499, at the
Metropolitan Museum of Art in New York, where a coral amulet and a
necklace are displayed in the jeweler’s shop during the wedding celebration
(Fig. 19). The coral is a good omen of fecundity for the new couple.
Many mythical legends associate the coral with female and male divinities
such as Athena, Medusa, Mercury, and Saturn. Alchemical and medical
traditions connect the coral’s red coloration and chemical substance with
blood and healing Mercurial powers. When considered as an apotropaic
talisman, in pagan times, the coral is associated with Athena’s endowed
power to prevent evil, while in Christian times, children wore coral as a
protective amulet against the evil eye 44 . Italian Renaissance religious
paintings depict the Christ Child wearing, holding, or being surrounded by
coral decorations for protection against the Devil, as depicted in the sacra
conversazione of Piero della Francesca’s Madonna of Federico Montefeltro
of 1472, at the Pinacoteca di Brera in Milan (Fig. 20), and in Andrea
Mantegna’s Madonna of Victory of 1496, at the Louvre Museum in Paris
(Fig. 21). In the painting, not only is the altarpiece decorated with garlands
of coral but also a magnificent large, inverted clustered coral-tree hangs
above the Christ Child as protective talisman. The symbolism of the
protection against the evil eye is also depicted in previously discussed
cassettone in the ceiling, with a head of a Medusa and with a Latin’s motto,
42
In the third century, the Greek philosopher-physician Sextus Empiricus was interested in animals
resembling plants and coined the epithet “zoophyte” or “polyps” for invertebrate animals such as the
coral.
43
J. C. Cooper, An Illustrated Encyclopedia of Traditional Symbols (London: Thames and Hudson,
1978), p. 42.
44
See Pliny the Elder, Naturalis Historia, Book XXII, section 24, where he recounts how children wore
necklaces of coral branches to ward off evil; and J.C.J. Metford, Dictionary of Christian Love and
Legend (London: Thames and Hudson, 1983), p. 72.
152
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Malio lunima, alluding to the casting of the evil eye (Fig. 9).
In addition to the coral’s abyssal or axis mundi connotation, a visceral
significance is added in considering the substance and chemical properties
of the coral. The red color of the coral relates to the color red in human and
animal blood. According to ancient legend, coral grew out of the drops of
blood from the Medusa’s severed head. The Greek origin of coral is also
recounted in Ovid’s Metamorphose episodes 4.663, and 5.249 45 . The
coral’s symbolism is linked to Perseus’s liberation of enchained
Andromeda. With the head of Medusa, Perseus petrifies the guardian
dragon and frees Andromeda. As Perseus washes his hands in the sea, he
places the Medusa’s head on a bed of leaves and seaweed. Blood from her
head pours out onto the seaweed, transforming its green color into red. The
seaweed hardens at the contact of the blood and magically turns into
corals. Giorgio Vasari’s Perseus Freeing Andromeda of 1570, in the
treasury of Francesco I de’ Medici at the Palazzo Vecchio in Florence, best
depicts this Ovidean legend. In the painting, one sees the delight of the
sea-nymphs, who keep playing with the seaweed now transformed into
coral, touching the twigs, breaking them off, and inspecting their form and
color (Fig. 22)46.
In analyzing the grotteschi (my suggested visual epigram) in the
background of this cassettone, interesting parallels can be associated with
the center image (pictura) of the coral-tree. In the corner of this
composition, there are depictions of scalloped shells with pearls 47. The
pearl is an aquatic animal, as is the coral. Both contain a chemical
45
According to the classical sources of Lucius Accius, Andromeda; Ovid, Metamorphoses 4.663 and
5.249; Apollodoros, Biblioteca 2.4.3; Hyginus, Fabulae 4; Poetica astronomica 10.11; Lucian,
Dialogues of the Sea Gods 14, “Triton and Nereids”; and Philostratus, Imagines 1.29.
46
Liana De Girolami Cheney, “Giorgio Vasari’s Andromeda: Transformations of an Ancient Myth,”
Discoveries Journal (Fall 1998), 2–5.
47
See Liana De Girolami Cheney, The Offering of Oyster in Dutch Genre Paintings”, Artibus et
Historiae (Spring 1987), 135–58 (translated and published in Russian in 2013), for a discussion on
the difference between the formation of an oyster containing a pearl, which is not edible, and the
edible oyster, which does not contain a pearl.
153
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
substance composed of calcium carbonate from the sea, both are created
by living animal’s reproduction and discarded as an irritant substance, both
are considered as fruitful gifts from the sea, and both are gems coveted for
their beauty and rarity.
On the side of the cassettone are paired-off mythical animals. One group is
composed of putti riding horses, perhaps alluding to the two horses,
Phobos and Deimos, of the red, hot, and fiery planet Mars. In Roman
legend, Mars, the God of War, rides a chariot pulled by two horses, known
as symbols of Fear and Panic as seen in Vincenzo Cartari’s The Chariot of
Mars in Imagini degli Dei Antichi (Venice, 1556 and 1571)48. The other
group of the paired-off mythical animals may be associated with Capricorn
or Draco (Hydra) constellations. Through the ages, alchemists associated
the coral with the influences of the planet Saturn. “Its skeletal growth of the
coral typifies Saturn’s work under water and the calcium carbonate
composition of this coral’s growth is held to be Saturn’s chief counterpart in
the astro-chemical world” 49 . Saturn is the ruler of the zodiacal sign of
Capricorn, which is closely associated with crystallization50, fecundity, and
early gestation. Poccetti’s design of Capricorn or Draco is a visual variation
on Hyginus’s constellations of Capricorn or Draco in Poeticon
Astronomicon, published in Venice in 148551. Perhaps Poccetti is making
an allusion to the constellations to impart celestial or divine powers to the
meaning of the image. Although a sea element, the coral relates to the
earth element because of its tree formation, as well as to the air element
because of its planetary references and associations with the divinities
Athena, Mars, Mercury, and Saturn.
In attempting to decode the meaning of the motto Pulchrior in Luce (“More
48
For the image, see www.oggicronaca.it.
49
See T. Beddoe, D. Ling, M. S. Dove, O. Hoegh-Guldberg, R.J. Devenish, M. Prescott, and J.
Rossjohn, “The Production, Purification and Crystallization of a pocilloporin Pigment from a Reefforming Coral”, Acta Crystallographica Section D-biological Crystallography 59.3 (2003), 597–99.
50
Ibid.
51
For the image, see www.bridgemanimages.com.
154
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Beautiful in Light”) in relation to the symbolism of the coral, the didactic
message could allude to the beauty of the coral as a gem that can be seen
better in the open light than in the deep ocean. The talismanic allusions of
the coral are revealed in the light. The source of the Latin motto is likely
Quintilian’s classical allusions to Apollo (Phoebus Apollo), Sun God or God
of Light, as a source of light. The sun is praised as a giver of light, a gift of
grace and beauty to the individual. Similarly in the Christian religion, God,
as a source of light, purifies the souls of individuals and reveals moral and
intellectual truths. In Instituto Oratoria of 95 ce, Quintilian notes that the
coral, like a genuine gem, when it is exposed to the light of the sun reveals
a splendorous color that is superior to the color of the coral seen under the
deep sea52. The light is a symbol of truth. In a later emblematic source, the
coral is considered a precious gem as well as a symbol of endurance.
Diego Saavedra Fajardo, Empresa III, Robur et Decus (Strength and
Honor) in the Idea de un principe politico cristiano (Munich, 1640, Fig. 23)
symbolizes the positive qualities of the coral as a substance that is both
morbido y duro (“soft and hard”).
Al Coral nacido entre los trabajos, que tales son las aguas, y combatido de
las olas y tempestades, porque en ellas haze mas robusta sua hermosua la
qual endurecida despues con el viento, quèda a prueva de los elementos,
para ilustres y precious usos del hombre53.
The “cassettone” of the Rudder
This cassettone is also decorated with grotteschi, but its center contains a
52
Rev. H.J. Heuser, “Book of Christian Symbols”, The Ecclesiastical Review, vol. 36 (Philadelphia:
The Dolphin Press, 1907), pp. 148–58, p. 150, citing Quintilian’s poem on Phoebus Apollo: “Nec
pulchriori ignis/Me lustrat, quam qui redditur ipse tibi. … illustrata tua luce potenter agit,” Institutio
oratoria IX, iv, 25–28; and Quintilian, Institutio oratoria XII, 10. 7. 2, on a statement about political
independent units like the fragments of a coral colony.
53
See Arthur Henkel und Albrecht Schöne, Emblemata (Stuttgart: J.B. Metzler, 1996), p. 362, citing
Diego Saavedra, Empresa III and epigram. Image reproduction, a courtesy of Prof. Sagrario de la
Poza, SIELAE, Universidad de Coruña, Spain. See Joachim Camerarius’s Symbola et Emblemata,
4 vols. (Centuria 1590–1604), passim.
155
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
pictura in an oval frame. An inscription of the Latin motto says Tent Usque
(He Constantly Holds, Fig. 24). In each corner of the cassettone, the
grotteschi depicts personifications of the seasons— Spring, Summer,
Autumn, and Winter—standing on an altar inside a pergola. Poccetti
continues with the sixteenth-century emblematic and pictorial tradition in
identifying the seasons with corresponding attributes of gender, ages of the
individual, and nature, as seen in Vincenzo Cartari’s The Four Seasons in
the Imagini degli Dei Antichi (Venice, 1571)54 and Vasari’s Four Seasons of
1560–65, in the ceiling of Palazzo Vecchio in Florence.
In Poccetti’s personifications, each season resides in a niche, decorated
with a pergola containing representative flora for each season. The Spring
and Summer personifications are young females, while the Autumn and
Winter personifications are males. The personifications stand on altar
platforms, holding attributes of their respective seasons. The figure of
Spring is dressed in blue and pink colors, wears a floral crown, and holds a
bouquet of flowers, recalling Persephone, the young daughter of Ceres.
Summer is dressed in a bright yellow color, carries a crown with ears of
corn, and clutches a scythe and sheaf of corn, recalling the image of Ceres,
Earth Goddess and Goddess of Agriculture. The personification of Autumn
is a nude adult male, crowned with grapes, carrying a bunch of grapes in
both hands, recalling the image of Bacchus, the God of Wine. His pergola
is also decorated with grape vines. The other male is depicted as a sage,
who personifies the season of Winter, a likely allusion to Saturn, the God of
Winter (Saturnalia). The old man is wrapped in furry clothes and a purple
cape. His hands cover his mouth with a handkerchief. His head is covered
with a warm hat. The pergola is decorated with dry leafless branches.
These personifications depict the natural seasons, the stages of the
individual, and the four phases of the sun and noon’s paths55.
In this cassettone, the pictura depicts a seascape with an open sea where
54
For the image, see www.oggicronaca.it.
55
Cirlot, A Dictionary of Symbols, p. 269.
156
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
a steady hand guides a rudder through the waves of the sea. The light blue
sky with a sunset suggests a seasonal summer at dusk. The rudder is a
device used to steer a vessel moving through water. In Roman times, ships
are controlled by a rudder in the form of a large steering oar that was
pivoted or held by hand over one side of the ship. For example, the
Capitoline relief with a Seated Roman Goddess Fortuna of 150 ce, from the
Palazzo dei Conservatori in Rome, represents the deity of luck holding in
one hand a cornucopia symbolizing prosperity and, with the other hand,
steering the rudder of a ship symbolizing the control of a direction or the
change of the direction of one’s fate at any moment (Fig. 25). Based on
commemorative Roman gold coins, the majestic Vatican Goddess of
Fortune of 150 ce, in an elegant contrapposto stance, holds a cornucopia in
one hand and, with the other hand, rests the rudder over a globe (Fig. 26).
In the Imagini degli Dei Antichi (Venice, 1556 and 1571), Cartari
appropriates this image for the depiction of Fortuna, Goddess of
Abundance and Luck. The rudder, an attribute of good fortune, as a pilot of
the universe, symbolizes prudence, stability, and guidance in life56. For a
ruler, appropriating the symbolism of the rudder metaphorically assists in
steering the course of the reign through the events of the world; it helps to
trace the course of history. In his Emblemata (Padua, 1621), Alciato also
appropriates the Roman imagery of good Fortune carrying a rudder. His
Emblem 99, Ars naturam adiuvans (“Art aiding nature”), is a pictura that
depicts Mercury crowned with a winged helmet and seated on a cube
holding his caduceus, while Fortune, across from him, is resting on a globe
and holding a cornucopia and a rudder for balance (compare Figs. 24 and
27). The epigram reads:
As Fortune on her sphere, so Mercury sits upon his cube: he presides over
the arts, she over chance events. Art is made against the force of fortune;
but when fortune is bad, it often requires the help of art. Therefore, eager
youths, learn the good arts, that have with them the advantages of certain
56
Cirlot, A Dictionary of Symbols, p. 264; Chevalier and Gheerbrant Dizionario dei simboli, p. 475.
157
Liana De Girolami Cheney
Bernardino Poccetti’s ceiling
fate57.
Poccetti as well assimilates the classical tradition in depicting a rudder as a
symbol of guidance and prudence. He emphasizes the necessity of
constancy in portraying a firm hand controlling the direction of the rudder in
the open sea. The rudder, as a ship of life, purposefully leads and guides
through the vastness and storms of the sea. Similar to the seasons that
project the orderly cycles of nature on earth, although there are vicissitudes
and transitions in the cycle, there is also assurance of its natural
progression. Poccetti’s pictura alludes to guidance and volition in one’s life
journey, like the ship at sea.
Unlike the cassettoni with the emblematic imprese of the Siren and the
Medusa, which both allude to maleficent consequences of bad human
behavior, the two cassettoni of the Coral-Tree and the Rudder symbolize
the virtue of good moral behavior. Poccetti depicted these aquatic
representations with the embodiment of rectitude and goodness. These
four emblematic imprese are depicted with a motto that alludes to a didactic
message and a moral guidance for a journey to life of positive human
conduct.
57
158
See Andrea Alciato Emblemata (Padua. 1621), www.emblems.arts.gla.ac.uk, and Psalm 72.8,
www.neno.co.ke.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 1
Palazzo Marzichi-Lenzi
Via Borgo Pinti, 27, Florence
Photo credit: author
Fig. 2
Bernardino Poccetti
Loggia Palazzo Marzichi-Lenzi, Ceiling, 1585
Florence
Photo credit: author
159
Liana De Girolami Cheney
Fig. 3
Christ Monogram, HIS,
Loggia Palazzo Marzichi-Lenzi
Florence
Photo credit: author
Fig. 4
Jacopo Bellini
Christ Monogram, 1459, det.
Saint Anthony Abbot and Saint Bernardino da Siena
National Gallery of Art, Washington, DC
Photo credit: author
160
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 5
Ponte Rubaconte or Ponte alle Grazie, XVII
Engraving
Florence
Photo credit: Roberto Amerighi
Fig. 6
View of Ponte Rubaconte during an Arno’s Flood, engraving
From Stefano Bonsignori’s Hidden Florence, 1576-1580
161
Liana De Girolami Cheney
Fig. 7
Bernardo Poccetti
Neri-Ridolfi Family’s Coat of Arms, 1585
Palazzo Marzichi-Lenzi, Florence
Photo credit: author
Fig. 8
Bernardino Poccetti
Reclining Figure, 1580, det.
Facade sgraffito from Palazzo Bianca Capello
Florence
Photo credit: author
162
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 9
Bernardino Poccetti
Medusa, 1585
Cassettone, Loggia, Palazzo Marzichi-Lenzi
Florence
Photo credit: author
Fig. 10
Bernardino Poccetti
Ursa Major, 1585
Cassettone, Loggia, Palazzo Marzichi-Lenzi
Florence
Photo credit: author
163
Liana De Girolami Cheney
Fig. 11
Benvenuto Cellini
Perseus and the Medusa, 1545, det.
Loggia dei Lanzi
Florence
Photo credit: author
164
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 12
Bernardo Buontalenti
Shield of the Medusa, 1570s
Bobboli Gardens
Florence
Photo credit: author
165
Liana De Girolami Cheney
Fig. 13
Andrea Alciato
In Morten praeproperam (Untimely Death), Emblem 156
In Emblemata (Les emblemes) Paris, 1584
Photo credit: www.emblems.arts.gla.ac.uk
Fig. 14
Bernardino Poccetti
Siren, 1585
Cassettone, Loggia
Palazzo Marzichi-Lenzi, Florence
Photo credit: author
166
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 15
Bernardino Poccetti
Siren, 1580, det.
Facade sgraffito from Palazzo Bianca Capello
Florence
Photo credit: author
Fig. 16
Benvenuto Cellini
Siren, 1565-70
Metropolitan Museum of Art, New York
Photo credit: author
167
Liana De Girolami Cheney
Fig. 17
Andrea Alciato
Sirenes
From Emblematum libellus, Venice, 1546
Photo credit: www.emblems.arts.gla.ac.uk
Fig. 18
Bernardino Poccetti
Coral-Tree, 1585
Cassettone, Loggia
Palazzo Marzichi-Lenzi, Florence
Photo credit: author
168
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 19
Petrus Christus
Saint Eligius in His Workshop, 1449
Metropolitan Museum of Art, New York
169
Liana De Girolami Cheney
Fig. 20
Piero della Francesca
Montefeltro Altarpiece, 1470-72
Pinacoteca di Brera, Milan
Photo credit: Dimitry Rozhkov
170
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 21
Andrea Mantegna
Madonna della Vittoria, 1495
Musée du Louvre, Paris
171
Liana De Girolami Cheney
Fig. 22
Giorgio Vasari
Perseus Freeing Andromeda, 1570
Francis I de’ Medici Treasury Room
Palazzo Vecchio, Florence
Photo credit: ART47048, Art Resource, NY
172
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 23
Diego Saavedra Fajardo
Robur et Decus (Strength and Honor), Empresa III
In the Idea de un principe politico Cristiano, Munich, 1640
Photo credit: Courtesy of Prof. Sagrario López Poza,
Universidad de Coruña, Spain
Fig. 24
Bernardino Poccetti
Rudder, 1585
Cassettone, Loggia, Palazzo Marzichi-Lenzi
Florence
Photo credit: author
173
Liana De Girolami Cheney
Fig. 25
Roman Goddess Fortuna, 150 CE, relief
Palazzo dei Conservatori, Rome
Photo credit: author
174
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Fig. 26
Roman Goddess of Fortune, 150 CE
Vatican Museums, Rome
Photo credit: author
Fig. 27
Andrea Alciato
Ars naturam adiuvans (Art Aiding Nature), Emblem 99
In Emblemata, Padua, 1621
Photo credit: www.emblems.arts.gla.ac.uk
175
Liana De Girolami Cheney
176
Bernardino Poccetti’s ceiling
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
TITIEN, POÈTE DE L’ENTRE-DEUX MONDES:
POUR UNE NOUVELLE APPROCHE
DE LA VÉNUS DU PARDO
Emmanuel Ussel
Chargé d’études et de recherches à l’INHA, Paris
Il est peu de tableaux conservés de Titien sur lesquels nous soyons
aujourd’hui mieux renseignés que la Vénus du Pardo [Fig. 1], toile de très
grandes dimensions (la plus grande jamais peinte par le maître) dont les
nombreuses vicissitudes matérielles, riches en tribulations, constituent en
soi une importante source de renseignements : pour des raisons encore
mal élucidées la composition demeura inachevée dans l’atelier du peintre
pendant presqu’un demi-siècle, manqua de disparaître dans un incendie,
passa de la collection royale d’Espagne à celle de Charles Ier d’Angleterre,
avant d’être rachetée par un colonel anglais, qui la vendit à prix d’or au
cardinal Mazarin, que son neveu, semble-t-il choqué par la nudité de la
femme endormie au premier plan, décida finalement de céder à Louis XIV1.
Toutefois, cette pléthore d’informations matérielles n’a d’égal que le
silence, relativement embarrassé, des historiens de l’art sur le contenu,
déroutant à vrai dire, de l’œuvre. Les difficultés d’interprétation que
présente l’invention de Titien auront finalement peu séduit les exégètes et
la fortune critique du tableau est loin d’égaler celle d’autres compositions
de la Renaissance, réputées obscures, comme la Primavera de Botticelli
ou la Tempesta de Giorgione2.
1
Voir Arnauld Brejon de Lavergnée, La collection des tableaux de Louis XIV, Paris, Réunion des
musées nationaux, 1987, p. 177-178.
2
Parmi l’imposante bibliographie disponible sur ces deux œuvres de la Renaissance abondamment
glosées, je renvoie à la très belle étude de Charles Dempsey, The portrayal of love, Botticelli’s
Primavera and humanist culture at the time of Lorenzo the Magnificent, Princeton, Princeton
University Press, 1992, ainsi qu’à la brillante étude de Salvatore Settis, L’invention d’un tableau : La
Tempête de Giorgione, Paris, Les Éditions de Minuit, 1987.
177
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
Figure 1
Titien
Vénus du Pardo
Huile sur toile, vers 1551-1552
Paris, musée du Louvre.
Premier tableau d’une série de huit compositions mythologiques3 réalisées
pour le prince Philippe, fils aîné de Charles Quint et futur roi d’Espagne, la
Vénus du Pardo, comme les critiques l’ont bien remarqué, pose problème
au regard de l’ensemble de la série : par son format, horizontal et
largement supérieur aux autres peintures, et par son sujet, énigmatique et
situé en marge de toute légende précise. Les figures représentées peuvent
être rattachées à l’imaginaire de la bacchanale et de la fête champêtre,
dans une veine proche des mythologies que Titien avait réalisées pour le
décor du camerino d’Alphonse d’Este à Ferrare, entre 1519 et 15234. Par
ailleurs, deux dessins de jeunesse, datés des années 1510, semblent
attester que l’œuvre fut sans doute commencée très tôt, avant d’être laissé
3
Sur ces questions de datation, voir notamment Jean Pierre Habert, « Titian’s Jupiter and Antiope,
called the Pardo Venus : copies tell the story », Studi Tizianeschi ,3. 2005, p. 67-72.
4
Sur cet ensemble de trois tableaux, et sur les rapports que la série entretient avec le Festin des
dieux de Giovanni Bellini, voir notamment Philippe Fehl, « The worship of Bacchus and Venus in
Bellini’s and Titian’s bacchanals for Alfonso d’Este », Studies in the history of art, 6. 1974, p. 37-96.
178
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
inachevée dans l’atelier pour être finalement reprise par Titien au début des
années 15505. Invité par le prince Philippe à le rejoindre à Augsbourg,
Titien quitta Venise en novembre 1550. De retour dans l’atelier de Biri
Grande en août 1551, le peintre informe le prince, dans une lettre du 11
octobre 1552, qu’il vient d’envoyer en Espagne un tableau qu’il qualifie
seulement de Paesaggio (titre extraordinaire pour l’époque, même pour
Titien, qui a toujours apporté un soin particulier dans la construction de ses
paysages)6. Charles Hope et d’autres spécialistes pensent qu’il pourrait
bien s’agir du tableau conservé au Louvre, en proposant de rapprocher le
titre mentionné par le maître dans la lettre de 1552 d’une autre missive,
datée du 22 décembre 15747, dans laquelle Titien récapitule la série des
mythologies réalisées pour le roi, et pour laquelle il attend toujours d’être
payé 8 . Chaque toile y est rigoureusement identifiée par son titre,
appellation sans équivoque qui renvoie son destinataire (Antonio Perez,
secrétaire de Philippe II) à la légende spécifique que le peintre s’était
donné pour mission d’interpréter, à l’exception d’une seule, que Titien
identifie comme la Nuda con il paese ed il satiro, seul titre à caractère
vraiment indicatif de la liste. Dès 1877, Crowe et Cavalcaselle, en
s’appuyant sur les inventaires des collections royales d’Espagne et la
correspondance de Titien, avaient proposé d’identifier cette toile citée par
le maître comme étant celle du Louvre, hypothèse à laquelle se rattache
aujourd’hui la majorité de la critique9.
Cependant, la Vénus du Pardo demeure une œuvre déroutante, une
œuvre piège, qui désarçonne le regard : dans le cadre rigoureux d’un
5
Sur ces dessins, voir Michel Laclotte, dir, Le siècle de Titien, catalogue d’exposition (Paris, Grand
Palais, 9 mars-14 juin 1993), Paris, Réunion des musées nationaux, 1993, p. 458-459, n°99-100.
6
Voir Lionello Puppi, dir, Tiziano : L’epistolario, Florence, Alinari, 2012, p. 198-199.
7
Ibid, p. 334-337.
8
Charles Hope, « Problems of interpretation in Titian’s erotic paintings », dans Tiziano a Venezia,
Convegno internazionale di studi, Università degli studi di Venezia, (Venezia, 27 settembre-1
ottobre 1976), Vicenza, Pozza, 1980, p. 111-124.
9
Dans l’inventaire de 1564 du pavillon du Pardo, l’œuvre est mentionnée sous le nom de Danaé,
puis sous celui de Jupiter et Antiope dans l’inventaire de 1582.
179
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
espace savamment construit, Titien représente une série de figures,
certaines actives, d’autres indolentes, évoluant sur des plans de réalités
parallèles : proches dans l’espace de la vision poétique mais lointaines sur
le plan émotionnel, les figures demeurent séparées, incapables de voir ou
de sentir la présence de l’autre. Une étrange sensation de malaise se
dégage de cette mise en scène contradictoire de la solitude. Nous sommes
face à des figures qui ne se voient pas et que nous seuls avons le privilège
de contempler. En embrassant du regard l’ensemble de la toile, le
spectateur remarque que le peintre a semé dans son œuvre toute une série
d’indices, tangibles sous forme d’objets matériels ou sensibles dans les
attitudes et les réactions des personnages (l’arbre, légèrement décentré,
qui sépare la composition en deux parties, modes vestimentaires,
gestuelles contrastées), dont les arrangements donnent à penser que la
ligne de partage autour de laquelle se répartissent les différents groupes
est de nature avant tout spatiale et temporelle : les chasseurs et la femme
en robe italienne peuvent être considérés à bon droit comme des
contemporains, tandis que les satyres, les nymphes et Cupidon
appartiennent à l’univers de la fable. Cette permutation paradoxale entre
réalité contemporaine et univers mythopoïétique constitue un des ressorts
dramatiques majeurs de la poésie pastorale en vogue à Venise au début
du XVIe siècle10. Il appartiendra aux peintres vénitiens actifs autour de
1500-1530 (Giorgione, Sebastiano del Piombo, Giovanni Cariani, Palma,
évidemment Titien) de donner à cette invention littéraire une forme
visuelle11.
En combinant de façon originale les thèmes de la chasse et du sommeil,
Titien rapproche dans son œuvre deux aspects essentiels d’un même
imaginaire poétique- antique et renaissant- centré autour de la passion
amoureuse. Le caractère strictement artificiel de cette mise en scène
élaborée en marge de toute tradition figurative ou littéraire nous entraîne à
10
Voir Patricia Egan, « Poesia and the Fête Champêtre », The Art Bulletin, 41, 1959, p. 302-313.
11
Voir notamment Paul Holberton, « The pastorale or fête champêtre in the early sixteenth century »,
Studies in the history of art, 45, 1993, p. 245-262.
180
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
poser la question suivante : faut-il considérer l’érotisme de cette peinture
comme un caprice d’imagination, une invention purement décorative ? Ou
bien nous efforcer de comprendre le tableau, au-delà de toute tentative
d’identification iconographique, par une étude approfondie des stratagèmes
visuels déployés par le peintre ? En effet, nous verrons que dans toutes
ses parties, la composition se dévoile selon un rythme duplice, déterminé
par toute une série de bifurcations, qui permet au peintre d’échafauder
différents seuils critiques : temporels, iconographiques, thématiques.
Ninfa : redécouverte et devenir d’un motif transversal
Une belle femme nue endormie sous un arbre, un satyre entreprenant :
l’invention de Titien renvoie à toute une série de transformations
progressives amorcées dès la fin du XVe siècle en Italie Centrale et qui
affectent la représentation de la nymphe, ou plutôt de la ninfa, cette effigie
labile de la survivance de l’Antiquité et de la féminité en mouvement, dont
Warburg a si brillamment étudié les migrations et les métamorphoses dans
les œuvres du Quattrocento florentin12. De Botticelli à Titien, en passant
par Palma, Giorgione, Corrège ou encore Paris Bordon (sans oublier les
artistes du Nord de l’Europe : Dürer, Cranach), l’imaginaire de la ninfa se
cristallise, à l’aube du XVIe siècle, autour de la figure féminine allongée13.
Bien que l’invention de Titien ne soit plus en soi franchement originale au
regard de la production artistique italienne autour de 155014, elle constitue
12
Aby Warburg, Essais florentins, Paris, Klincksieck, 2003. Pour une relecture critique de cette notion
dans l’œuvre d’Aby Warburg, voir notamment : Robert Galitz et Brita Reimers, Aby M. Warburg :
« ekstatische Nymphe … trauernder Flussgott » : Portrait eines Gelehrten, Hambourg, Dölling und
Galitz Verlag, 1995 ; Georges Didi-Huberman, L’image survivante, Paris, Editions de Minuit, 2002,
p. 249-270 ; et Giorgio Agamben, Ninfe, Turin, Bollati Boringhieri, 2007.
13
Je renvoie à la très belle étude de Georges Didi Huberman, Ninfa moderna, essai sur le drapé
tombé, Paris, Gallimard, 2011, plus particulièrement au chapitre I, « De la nymphe et de sa chute »,
p. 7-24.
14
Sur la fortune artistique de ce thème au XVI siècle, voir notamment Alessandro Cecchi, Yves
Hersant et Chiara Rabbi Bernard, dir, La Renaissance et le rêve, Bosch, Véronèse, Greco…,
catalogue d’exposition (Paris, musée du Luxembourg, 9 octobre 2013-26 janvier 2014), Paris,
Réunion des Musées Nationaux, 2013.
e
181
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
pour le peintre une ultime variation menée autour d’un thème qu’il a déjà eu
souvent l’occasion d’aborder au cours de sa carrière et dont la
redécouverte, dans les dernières années du XVe siècle, demeure liée à une
approche de la culture matérielle de l’Antiquité spécifiquement vénitienne15.
Le bras de la nymphe, replié en appui tête, renvoie à toute une série de
représentations, antiques et modernes, du sommeil : Ariane, Rhéa Silvia,
Endymion, Silène, ou bien encore des nymphes, des faunes et des satyres,
apparaissent dans cette position dans la grande statuaire ou aux parois
sculptées des sarcophages romains. Au cours de la Renaissance, un
nombre important de ces figures (plus nombreuses dans le domaine des
arts graphiques que plastiques), s’inscrivent dans le prolongement d’un
genre que Pline, déjà durant l’Antiquité, évoquait sous les traits génériques
de l’anapauomenai16.
Mais, dans la Vénus du Pardo, Titien procède à une dissémination
extrêmement diffuse des motifs, qui empêche toute forme d’identification :
la ressemblance frappante entre la femme endormie et la Vénus de
Giorgione17 (une silhouette aux contours quasi identiques, à l’exception du
visage, en profil perdu), la présence de Cupidon et la scène de chasse, ont
incité certains chercheurs, comme Panofsky18, à voir dans ce tableau une
sorte d’improvisation, très étrange, élaborée par Titien autour du mythe de
Vénus et Adonis. Dans Idea del tempio della pittura, écrit vers 1590, le
peintre et théoricien milanais Paolo Lomazzo interprète de la même
15
Sur l’importance du thème dans la peinture de Titien, voir notamment David Rosand, « So-And-Soreclining on her couch », Studies in the history of art, 45,1993, p. 101-119. Pour une vision plus
générale, on peut se reporter à l’article de Millard Meiss, « Sleep in Venice. Ancient Myths and
Renaissance proclivities », Proceedings of the American Philosophical Society (CX, n°5), 1966, p.
348-382 ; voir également Patricia Fortini Brown, Venice and Antiquity, the venetian sense of the
past, Yale University Press, New-Haven-Londres, 1997.
16
Sur cette notion plinienne voir notamment Léonard Barkan, Unearthing the past, New-HavenLondres, Yale University Press, 1999, p. 234-246. Sur les exemples connus à la Renaissance, voir
Phylis Bober et Ruth Rubinstein, Renaissance artists & antique sculpture : a handbook of sources,
Londres, Oxford University Press, 1986.
17
Voir Jaynie Anderson, « Giorgione, Titian and the sleeping Venus », Tiziano a Venezia, op.cit., p.
337-342.
18
Erwin Panofsky, Titien, questions d’iconographie, Paris, Hazan, 2009, p. 267-272.
182
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
manière un second tableau, disparu mais très ressemblant, retrouvé dans
la maison de Titien après sa mort : « Una venere che dorme, con satiri, che
gli scoprono le parti piu occulte ed altri satiri intorno che mangiano uva et
ridono come imbriachi, e lontano Adone in un paese che segue la
caccia 19 ». Certes, la femme endormie du tableau du Louvre est une
créature idéale : la rondeur des membres, la finesse des traits, l’alliance de
la blancheur et de l’incarnat, constituent autant d’attributs physiques qui
nous permettent de voir dans cette figure une des nombreuses incarnations
virtuelles de la bella donna vénitienne, dont le modèle de beauté, terrestre
et sensuel, s’oppose à l’idéal plastique, froid et minéral, de certains
peintres d’Italie Centrale. La profonde originalité des peintres vénitiens
repose dans le fait d’avoir su évoquer les personnages de la tradition
classique et chrétienne, en maniant avec brio les ressources d’une culture
antiquaire et philologique rigoureuse et la plénitude vitale des apparences
physiques et des attitudes corporelles. En ce sens, il n’est pas totalement
exclu de voir dans la vénusté, toute vénitienne, de ce corps de femme une
évocation de la déesse chypriote. Sujet réputé « anticlassique » et
longtemps considéré comme une invention ex nihilo de l’humanisme
renaissant20, la Vénus endormie est en réalité un motif artistique et littéraire
de la fin de l’Antiquité : c’est ainsi que la déesse de l’amour apparaissait
dans plusieurs épithalames, composés par Stace, Claudien, Sidoine
Apollinaire ou encore Ennodius. A la Renaissance, Giorgione, Paris Bordon
ou encore Annibal Carrache réinterprètent en peinture certains aspects de
cette légende littéraire. Dans l’Antiquité, les occurrences artistiques sont
plus rares, et seules quelques pierres gravées ont pu être rapprochées du
thème : sur l’une d’elles, Vénus, endormie aux pieds de Cupidon, est
représentée dans la pose classique du sommeil21. La connaissance d’un
modèle de ce genre a pu encourager Titien à transformer le récit ovidien
19
Giovanni Paolo Lomazzo, Idea del tempio della pittura, Florence, Istituto nazionale di studi sul
Rinascimento, 1974, p. 33.
20
Voir Fritz Saxl, Lectures, Londres, Warburg Institute, 1957, p. 162.
21
Voir Jaynie Anderson, « Giorgione, Titian and the sleeping Venus », Tiziano a Venezia, op.cit., p.
337, fig. 202.
183
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
des amours de Vénus et Adonis, en introduisant le motif impromptu de la
déesse endormie. Cependant, la présence de plusieurs personnages
masculins rend impossible une telle hypothèse, puisque Adonis est un
chasseur solitaire (la dimension tragique du mortel face à face avec la bête
sauvage exige une solitude que nul présence ne saurait venir troubler) et
que la proie, un cerf, nous renvoie plutôt au mythe d’Actéon. Considérer
cette composition mythologique de Titien comme une interprétation du
mythe de Jupiter et Antiope est, de la même façon, hautement improbable :
la présence des chasseurs serait totalement incompréhensible dans
l’histoire de la princesse de Thèbes.
Il semblerait que dans la Vénus du Pardo, Titien se soit plu à inventer des
situations dramatiques suffisamment précises pour inciter le spectateur à
interroger toute une liste savante de sources mythographiques, mais trop
irrégulières pour être en mesure de déboucher sur une synthèse. Ainsi, la
nymphe anonyme de la Vénus du Pardo, par une sédimentation extrême,
ressemble à la ninfa warburgienne, cette « héroïne impersonnelle22 » de la
survivance.
Warburg a bien montré que ninfa ce n’est pas la nymphe : elle ne
représente en réalité aucun personnage connu ou identifiable, mais
désigne plutôt un processus de comparution du corps affecté en image, en
lien avec la reprise, à la Renaissance, de certaines formules de pathos
issues de la culture tragique 23 . Ce trait d’impersonnalité, qui est
fondamental, est d’abord lié au fait que ninfa renvoie à l’imaginaire du
thiase et que la force de frappe émotionnelle des rites dionysiaques
implique, comme Nietzsche l’indique dans la Naissance de la tragédie, une
rupture préalable du principium individuationis24. Couchée sur une peau de
lynx, sorte de variante de la nébride que portaient les ménades antiques, la
22
Georges Didi-Huberman, « Chorégraphie des intensités : La nymphe, le désir, le débat », dans
L’image survivante, op.cit., 2002, p. 249-270.
23
Aby Warburg, « L’entrée du style idéal antiquisant dans la peinture du début de la Renaissance »,
dans Essais florentins, op.cit., 2003, p. 221-243.
24
Friedrich Nietzsche, La naissance de la tragédie, Paris, Gallimard (coll. Folio essais), 1997, p. 30.
184
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
femme endormie de la Vénus du Pardo renvoie à l’univers du cortège et
des processions dionysiaques (ainsi que tendraient à le confirmer la
présence des satyres et celle d’une pièce de vaisselle à boire, en forme
d’œnochoé, posée dans l’herbe, à ses côtés). Déjà, dans la Bacchanale
des Andriens, réalisée vers 1519-1523, Titien avait représenté, dans le coin
droit du tableau, une figure de femme endormie, dont l’identification pose
de nombreuses difficultés : andrienne, nymphe des sources,
personnification de l’ivresse, les tractations historiographiques se sont
multipliées sans jamais parvenir à circonscrire la puissance d’apparition de
cette figure à l’intérieur d’un cadre narratif précis. Il faut bien comprendre
que, chez Titien, ce n’est pas la nymphe qui est représentée, en tant que
forme stable, mais la plasticité de certaines solutions figuratives issues de
la statuaire antique, dont les polarités doivent être envisagées sous un
angle éminemment dialectique, dans la mesure où, constamment
reformulées et transformées par les artistes au cours du XVIe siècle, elles
se montrent capables de réunir en elles un vaste champ possible
d’inversions dynamiques de sens. La position allongée de la nymphe de
Titien doit être interrogée à l’aune d’un dynamisme au devenir plus profond
que celui de la simple station horizontale.
Survivance de ninfa à Venise : tradition et invention
La première image moderne du genre à Venise, très proche de l’invention
de Titien, est une célèbre gravure sur bois [Fig. 2], issue de la série des
illustrations réalisées par un graveur anonyme, quelquefois attribuées à
Benedetto Bordon, pour l’Hypnerotomachia Poliphili de Francesco
Colonna. Dans cette sorte de romance archéologique, publié par Aldus
Manutius à Venise en 1499, Colonna nous entraîne dans une série de
rêves, peuplés de pyramides et d’obélisques, de temples en ruines et
d’autels effondrés au milieu desquels Polia surgit sous les traits d’une
nymphe afin de guider son amant Poliphile jusqu’à la connaissance
185
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
suprême au bord de la fontaine de Vénus25. Dans cette illustration, censée
transposer la description d’un décor de fontaine en marbre imaginaire
représentant la rencontre d’une nymphe endormie et d’un satyre
ithyphallique accompagné de deux satyreaux, le graveur abandonne le
format octogonal de l’édicule à l’antique décrit par Poliphile, pour un
encadrement qui évoque davantage les retables italiens de la fin du
Quattrocento. Contrairement au texte, où l’auteur insiste sur la nature
artificielle de ces figures, le graveur choisit de les représenter comme si
elles étaient vivantes. Typique des images de ninfa, l’invention se donne à
voir comme un montage superposé de modèles concomitants, tous
empruntés à la culture matérielle et poétique de l’Antiquité, en lien avec
l’imaginaire du sommeil. A travers une série de rapprochements précipités,
on peut parvenir à distinguer la combinaison d’au moins trois sources
typologiques d’inspiration, ayant pu servir de fondements à l’invention : la
nymphe surprise dans son sommeil par un satyre, Vénus (par l’inscription
en grecque, Panton Tokadi, « à la mère de toutes choses », évoquant le
souvenir d’un lointain parent universel, que certains spécialistes ont
efficacement rapproché de la Vénus Genitrix, invoquée par Lucrèce en
ouverture de son traité philosophique, le De natura rerum, une possibilité
que tendrait à renforcer la présence des colombes en médaillon26) et la
naïade ou nymphe des sources (dont le modèle figuratif classique semble
inconnu en Italie au moins jusque dans les années 1530, mais que l’on
connaissait par des sources littéraires et par le biais des figures de dieuxfleuves27). Ainsi, par un jeu de substitutions constantes obtenu grâce à un
travail de montage alternatif entre différentes sources d’inspiration, la figure
25
Voir notamment Helen Barolini, Aldus and his dream book, New-York, Italica Press, 1992, p. 91107.
26
Millard Meiss, op.cit., 1966, p. 348-382 ; sur la redécouverte de Lucrèce à la Renaissance, voir
notamment Francesco Rico, Le rêve de l’humanisme, de Pétrarque à Érasme, Paris, Les Belles
Lettres, 2002 ; Stephen J. Campbell, « Giorgione’s Tempest, Studiolo Culture, and the Renaissance
Lucretius », Renaissance Quarterly, 56, n°2, 2003, p. 299-332.
27
Sur l’imaginaire de la naïade et son importance dans les décors de fontaine en Italie Centrale au
Cinquecento, voir Elizabeth MacDougall, « The sleeping nymph : origins of a humanist fountain
type », The Art Bulletin, 57, 1975, p. 357-365.
186
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
réunit en elle sous la forme d’une coexistence hybride, instable mais
simultanée, la possibilité d’incarner virtuellement plusieurs personnages à
la fois. De cette manière, l’invention du graveur apparaît, au rythme d’une
série vertigineuse de louvoiements successifs, comme un vaste réceptacle
de sources mythographiques habilement entremêlées. A l’instar de celle-ci,
la nymphe endormie de Titien s’inscrit dans le prolongement d’une
approche extrêmement sédimentée des vestiges et d’un goût prononcé
pour une forme de sémantisme flottant, dans lequel l’imaginaire de ninfa
intervient comme un opérateur virtuellement inépuisable de conversions et
de renversements imaginables28. Par ailleurs, dans la Vénus du Pardo, le
peintre renvoie à l’imaginaire de la pastorale vénitienne du début du siècle,
fondé sur les compromis que les inventions des artistes et des poètes
avaient su établir entre l’univers inaccessible, mais profondément parallèle,
des dieux du panthéon païen et l’idéal humaniste d’une vie contemplative,
préservée des atteintes temporelles, et entièrement consacrée aux plaisirs
de la vie champêtre29. Au XVIe siècle, à Venise, l’Arcadie désigne une sorte
de géographie mentale : les humains ne peuvent y pénétrer qu’à la faveur
d’un suspens dramatique ou grâce à l’usage d’un stratagème poétique, qui
fige brièvement le cours du devenir historique. Comme le précise Patricia
Fortini Brown, « l’Arcadie n’a jamais été ni un monde réel, ni uniquement
un monde champêtre. Plus qu’un lieu, c’est un état d’esprit. C’est une
superposition de deux mondes. Il était ainsi suffisamment distant pour
permettre l’évasion et suffisamment proche pour demeurer accessible30 ».
La structure duplice, temporelle et spatiale, du tableau de Titien pousse
jusque dans ses ultimes retranchements le caractère foncièrement instable
des mythes arcadiens : chez Titien, comme dans l’Arcadia de Sannazaro
(ou les Églogues de Virgile), on assiste à une désaffection des dieux du
28
Voir notamment les deux planches (n°46-47) consacrées à Ninfa dans l’Atlas Mnemosyne d’Aby
Warburg. Sur ce sujet, voir l’introduction de Roland Recht, dans Aby Warburg, L’Atlas Mnemosyne,
Écrits II, Paris, L’écarquillé, 2012, p 7-48, et Georges Didi Huberman, Atlas ou le gai savoir inquiet.
L’œil de l’histoire, 3, Paris, Les Éditions de Minuit, 2011.
29
Sur ces questions voir notamment Patricia Emison, « Asleep in the grass of Arcady », Renaissance
Quarterly, 45, 1992, p. 271-292.
30
Patricia Fortini Brown, La Renaissance à Venise, Paris, Flammarion, 1997, p. 138.
187
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
panthéon classique, à un recul de la sacralité païenne des forces de la
nature, dont le reflux équivaut à une brusque prise de conscience
historique : le « grand Pan est mort » et avec lui l’ordre cosmique qui
présidait aux échanges, rituels et mythiques, entre les dieux et les
hommes31.
Figure 2
Graveur du nord de l’Italie (Benedetto Bordon ?)
Nymphe endormie, satyre et deux satyreaux
Gravure sur bois, 1499
31
188
La mort du dieu Pan est une invention littéraire de Plutarque. Voir Plutarque, Sur la disparition des
oracles, 419 A, p. 144-146, Paris, Les Belles Lettres, 1947.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
C’est justement, à travers une alliance paradoxale de l’idyllique et du
funèbre, qu’on pourrait situer à Venise l’entrée du style antiquisant,
marquée encore une fois par l’irruption fantomale de ninfa : dans deux
superbes doubles portraits idéalisés de figures all’antica, conservés
respectivement à Venise et à Vienne [Fig. 3], Tullio Lombardo, sans doute
un des marbriers les plus inventifs de la fin du XVe siècle, parvient à faire
tenir ensemble, en une sorte de montage composite, le dispositif formel
des portraits commémoratifs de couples mariés des stèles funéraires
romaines32 et l’exubérance vitale de la statuaire hellénistique. D’un genre
totalement nouveau à Venise (les deux bas-reliefs furent exécutés entre
1490 et 1505), et qui anticipe sur les portraits peints par Giorgione33, ces
œuvres croisent toute une série d’éléments antiques et modernes : la
rotation des têtes penchées, les bouches entrouvertes, les arcades
sourcilières renflées et le regard ascensionnel avec l’incision très franche
de l’iris et de la pupille (qui évoquent certains portraits en buste exécutés
sous les dynasties des Antonins et des Sévères, entre le IIe et le IIIe siècle
ap. J.C.34) renvoient à la statuaire antique, hellénistique et romaine. En
revanche, le style très linéaire dans le rendu des mèches de cheveux (qui
rappelle la peinture religieuse du Nord de l’Italie, notamment les anges de
Mantegna et de Giovanni Bellini) ainsi que certains accessoires de mode
(comme la résille de la femme du relief viennois, que le sculpteur oppose à
la couronne de feuilles de vigne de son compagnon, et que Giovanni Bellini
32
Ce type de double portrait commémoratif en médaillon était bien connu dans le Nord de l’Italie dès
e
le milieu du XV siècle. Conformément aux us et coutumes de la Rome antique où ces portraits
étaient censés se trouver à l’entrée des habitations, Mantegna intègra le dispositif, vers 1450, au
décor de la façade d’un palais romain peint à fresque en arrière-plan du Martyr de saint Christophe,
dans la chapelle Ovetari de l’église des Eremitani à Padoue. Jacopo Bellini, dans une veine plus
fantaisiste, s’inspire du modèle dans un dessin des carnets. Un burin de la série des illustrations
pour l’Hypnerotomachia Poliphili en propose une version émue, représentant un couple d’amants
imaginaires, Sertullius et Rancillia.
33
Sur les rapports entre Tullio Lombardo et Giorgione, voir notamment Wendy Stedman Sheard,
« Giorgione and Tullio Lombardo », dans Giorgione : atti del Convegno internazionale di studio per
il 5 centenario della nascita ; Castelfranco Veneto, 29 – 31 maggio 1978, Castelfranco Veneto,
Banco Popolare di Asolo e Montebelluna, 1979, p. 201-211.
34
Sur ces questions, voir Alison Luchs, dir, Tullio Lombardo and venetian high Renaissance
sculpture, catalogue d’exposition (Washington, National Gallery of Art, 4 juillet-31 octobre 2009),
New-Haven-Londres, Yale University Press, 2009.
189
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
reprendra, vers 1514, pour sa Femme à la toilette, également conservée à
Vienne) sont typiquement contemporains. Cette alliance, totalement
inusitée, entre la statique de l’imago funéraire romaine et la dynamique de
la pathosformel hellénistique confère aux figures une vitalité paradoxale,
qui laisse à penser, comme a pu l’affirmer Sarah Wilk, que « les reliefs de
Tullio traduisent de façon très personnelle, dans le genre de la sculpture, le
deuil de la civilisation antique et l’attente de son retour, clairement
exprimée dans l’Hypnerotomachia Poliphili 35 ». Une hypothèse que
tendraient à confirmer, de manière encore plus caractéristique, certains
détails sensibles au niveau de la découpe : des cassures très stylisées
introduisent une forme de fragmentation esthétique des corps, comme
abîmés matériellement par toute une série de déprédations temporelles,
transposition délicate mais consciente des dommages matériels réels subis
par les vestiges de l’Antiquité (il ne faut pas oublier que Tullio fut également
un remarquable restaurateur). De surcroit, le relief très haut de ces corps
tronqués, presque entièrement détachés du bloc de marbre, leur confère
une puissance de projection et une force quasi anadyomène d’irruption
dans l’espace. Cette intensité de la présence est encore accentuée par les
regards lointains, perdus dans le hors champ d’une vision auquel le
spectateur n’a pas accès et qu’il ne peut approcher que par le biais d’une
intériorisation fantasmatique, suivant un processus qui anticipe sur les
stratagèmes mis en place par Titien dans la Vénus du Pardo. Proches de
la ninfa endormie du tableau parisien, les deux personnages féminins
sculptés par Tullio peuvent également être comparés à la femme vêtue à
l’italienne, assise dans l’herbe [Fig. 1]. Avec sa robe et avec l’arrangement
plastique de sa chevelure, dont les mèches sont retenues par un cordon de
perles, cette jeune beauté ressemble à une version en pied des portraits à
mi-corps des belle donne vénitiennes, genre pictural qui se développe à
Venise au début du XVIe siècle36, et dont les bustes féminins idéalisés de
Tullio offrent un équivalent. Les larges plis de la camicia, retroussés sur
35
Cité par Alison Luchs, op.cit., p. 12.
36
Sur ce type de portraits voir Julius Samuel Held, « Flora, goddess and courtesan », De artibus
opuscula, XL, 1961, p. 201-218.
190
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
ses bras nus, sont typiques des effets de texture que les peintres et les
sculpteurs cherchaient à produire à partir de ce vêtement féminin, porté en
général sous la robe, mais qu’on laissait ressortir en plis bouffants (sur la
poitrine et le long des bras), par élégance et coquetterie37. Ce vêtement est
le même que celui utilisé par Tullio pour recouvrir les épaules et les bras de
ses personnages féminins, sorte de reconstitution imaginaire et fantaisiste
all’antica du chiton classique des nymphes de l’Antiquité38. En outre, les
fleurs que la jeune femme a recueillies dans son giron évoquent encore ce
léger camouflé mythologique que les peintres utilisaient pour représenter
ces portraits, souvent idéalisés, de jeunes beautés nubiles : on peut
penser, par exemple, à la célèbre Flora de Titien, conservée aux Offices de
Florence, peinte aux alentours de 1515-1520.
Tous ces exemples montrent bien que la Vénus du Pardo de Titien est liée
à une approche spécifique du modèle antique à Venise, où la reconquête
de l’Antiquité passe, paradoxalement, par une affirmation de sa disparition
et de sa perte. Cette démarche singulière peut être rapprochée des
processus psychiques inconscients étudiés par Freud dans le cas de la
mélancolie, présenté comme un deuil de substitution éprouvé à l’égard d’un
objet jamais possédé mais considéré comme perdu. Il est très intéressant
d’observer comment, chez Titien, cette puissance d’intériorisation
fantasmatique des vestiges se mêle à d’importants motifs iconographiques
en lien avec l’imaginaire de la conquête amoureuse.
37
Voir l’étude d’Elizabeth Birbari, Dress in italian painting, 1460-1500, Londres, John Murray Press,
1975.
38
Sur les rapports très étroits que ce vêtement féminin contemporain entretient avec l’imaginaire du
chiton classique et la confection des costumes de théâtre à la Renaissance, voir la très belle étude
de Charles Dempsey, « L’amour et la ninfa chez Botticelli », dans Daniel Arasse et Pierluigi De
Vecchi, dir, Botticelli. De Laurent le Magnifique à Savonarole, catalogue d’exposition (Paris, musée
er
du Luxembourg, 1 octobre 2003-11 juillet 2004), Paris, Skira, 2003, p. 25-38.
191
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
Figure 3
Tullio Lombardo
Couple dit Bacchus et Ariane
Marbre, vers 1505
Vienne, Kunsthistorisches Museum
Dans la Vénus du Pardo, le groupe des chasseurs renvoie certainement à
la destination de l’œuvre elle-même, l’endroit où elle était censée être vue :
le pavillon du Pardo, située à quelques kilomètres de Madrid, sur les terres
de chasse du roi d’Espagne. Dans le tableau de Titien, les chasseurs
surgissent, comme par effraction, aux angles de la composition. Le peintre
a pris soin de les vêtir à la mode contemporaine : à gauche, un des
personnages sonne bruyamment l’hallali en soufflant dans le tuyau d’un
cor. Son couvre-chef est décoré d’une médaille, c’est-à-dire d’une intaille
ou d’un camée renaissant, serti dans une monture de pierres précieuses,
fixé par des agrafes. La production de ce type de parures, essentiellement
masculine, se développe dans le Nord de l’Italie, dès la fin du XVe siècle.
Certaines de ses medaglie sont décrites en détail dans les inventaires de
l’époque. Dans son Dialogo dell’imprese militari e amorose, publié à Rome
192
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
en 1555, Paolo Giovio présente une compilation foisonnante de ces objets,
très populaires auprès du patriciat39.
De manière beaucoup plus générale, le thème de la chasse peut être
rattaché à l’imaginaire aristocratique et courtois de la poésie amoureuse de
la fin du Moyen-Âge, dans laquelle, par le truchement du « comme » de la
métaphore cynégétique, les motifs de la traque et de la capture deviennent
le reflet de la séduction et de la conquête amoureuse. Il faut, par ailleurs,
ne pas oublier que si cette corrélation entre la chasse et l’amour survit si
bien, dans la très longue durée de l’histoire de la culture occidentale, c’est
qu’Ovide en donnait déjà, dans les premières lignes de son Art d’aimer,
une des formulations les plus saisissantes « Pendant que tu es libre d’aller
comme tu veux à l’aventure, choisis celle à qui tu peux dire : « Je n’aime
que toi ». Elle ne viendra pas vers toi, dérivant dans la brise légère : la
femme qui sera à ton goût, il faut la chercher. Les filets pour les cerfs, le
chasseur sait bien où les tendre ; dans quel vallon se trouve le sanglier qui
grogne, il le sait bien. Les oiseleurs connaissent les taillis, le pêcheur à la
ligne connaît les eaux où circulent de nombreux poissons ; toi aussi, qui
cherches matière à un amour durable, apprends en quels lieux les filles
sont légion40 ». Chez Titien, cette dynamique va prendre corps dans l’effort
d’une traque sans relâche, à la poursuite d’une bête sauvage : le
mouvement en expansion de la poursuite se substituant ainsi aux
transports de la passion amoureuse. Rapidement transposée dans le
domaine des arts visuels par les peintres et les graveurs de la
Renaissance, cet imaginaire poétique, propre à exalter les tensions et les
polarités du désir amoureux, va rapidement s’intensifier – en même temps
qu’il renonce progressivement au modèle comparatif de la poésie courtoise
– dès le dernier quart du Quattrocento, dans le Centre et le Nord de l’Italie,
en essayant de renouer progressivement avec les mythes ovidiens, par le
39
Paolo Giovio, Dialogo dell’imprese militari e amorose, Rome, Bulzoni, 1978.
40
Ovide, « L’art d’aimer », livre premier, v. 41-50, p. 181, dans Écrits érotiques, Paris, Actes Sud,
2003.
193
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
biais d’une reconquête tant littéraire que figurative 41 . Prenant
progressivement leurs distances avec la tradition polygraphique des
éditions illustrées d’Ovide, et s’efforçant, par une étude approfondie des
procédés dynamiques de la statuaire antique, d’atteindre à une
représentation de la vie en mouvement beaucoup plus incisive et
dramatique, les artistes et leurs conseillers humanistes vont se prendre de
passion, au tournant du Cinquecento, pour les thèmes de la poursuite et du
rapt42. Dans la série des mythologies peintes pour le roi, Titien aborde le
thème à travers l’Enlèvement d’Europe (achevé vers 1562), en même
temps qu’il développe l’imaginaire de la chasse dans des directions encore
totalement inédites avant lui, en établissant des rapports très étroits entre
la chasse et l’amour (Vénus et Adonis), l’amour et la mort (Diane et
Actéon), ainsi qu’entre la mort et le sommeil (Vénus du Pardo, Vénus et
Adonis).
C’est par une reformulation très libre de la légende de Vénus et Adonis
(vers 1554) exécutée pour le roi que Titien croise de la façon la plus
spectaculaire ces trois thèmes, véritables dénominateurs communs de
toute la série. Dans la version de Titien [Fig. 4], Adonis est déjà prêt à
partir : ses chiens ont flairé la présence du sanglier et tirent sur leur laisse.
Pressentant confusément l’issue tragique de la chasse, la déesse tente de
différer son départ, et de ramener le chasseur dans le giron amoureux de
ses bras nus, délicatement enlacés autour de sa taille. Par un stupéfiant
montage de motions contradictoires, le moment choisi par le peintre montre
les figures enchâssées du couple légendaire comme la forme stylisée
d’une énergie concrète, dont les battements corporels se donnent à
penser, sur le plan physique et psychologique, en terme de lutte
amoureuse : au tournant du XVIe siècle, le thème de l’enlacement est
déterminant dans l’émergence de la maniera moderna, qui se définit
41
Voir notamment Aby Warburg, « Dürer et l’Antiquité italienne », Les essais florentins, op.cit., 2003,
p. 159-166.
42
Voir Andreas Bayer, dir, Art and Love in Renaissance Italy, catalogue d’exposition (New-York,
Metropolitan Museum of Art, 11 novembre 2008-16 février 2009), New-Haven-Londres, Yale
University Press, 2008.
194
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
comme une prise de position éminemment critique vis-à-vis du modèle
antique mais également vis-à-vis des sommets, réputés insurpassables,
atteints par les œuvres de Raphaël et de Michel-Ange. Qu’il ressurgisse
dans l’iconographie de la fureur guerrière et de la bataille (la lutte pour
l’étendard de Léonard, le combat des centaures de Michel-Ange) ou bien
dans les inventions si franches sur le plan érotique de la série des Modi43
gravées par Marcantonio Raimondi ou celles, plus délicates et sensuelles,
des Amours des dieux 44 gravée par Caraglio d’après Rosso Fiorentino,
cette question de l’embrassement et de la subjugation des corps,
intimement liée à la survivance de la culture tragique de l’Antiquité, se
trouve au cœur de la réflexion moderne des artistes. Dans Vénus et
Adonis, le bras en pronation du héros s’inspire d’une figure d’Amour
endormi qui se trouvait sur un bas-relief antique célèbre, connu à la
Renaissance sous le nom de Lit de Polyclète 45 . Par une série de
déplacements d’accents dans le langage physique des gestes Titien avait
déjà transformé cette figure d’Amour endormi en Christ mort46. Dans Vénus
et Adonis, c’est par le biais d’un seul motif, le bras en pronation, expression
de l’agonie et du sommeil dans l’art antique (on peut penser, entre autres,
aux figures de Galates mourants, même si Donatello avait déjà établi, au
Quattrocento, une articulation rigoureuse, via une confluence entre
l’imaginaire renaissant du putto et la médecine pneumatique de l’Antiquité,
entre relâchement musculaire, mort et sommeil, dans le groupe sculpté de
Judith et Holopherne47) que Titien exprime dans la position du corps en
43
Sur cette série voir notamment Bette Talvacchia, Taking Positions : on the Erotic in Renaissance
Culture, Princeton, Princeton University Press, 1999.
44
Sur cet ensemble, voir James Grantham Turner, «Caraglio’s Love of the gods », Print Quarterly, 24,
n°4, 2007, p. 359-380.
45
Ces ressemblances ont déjà été soulignées à de nombreuses reprises, notamment par David
Rosand, « Titian and the Bed of Polyclitus », The Burlington Magazine, 117, n°865, 1975, p. 242245 et par Léonard Barkan, op.cit., 1999, p. 267-268.
46
Dans un dessin remanié du bas-relief, aujourd’hui aux Offices, daté autour de 1546, et dont le
peintre se souviendra pour la position du Christ mort de la Mise au tombeau du Prado (1559),
également destiné à Philippe II.
47
Je renvoie à la très belle étude de Charles Dempsey, Inventing the Renaissance putto, Chapel HillLondres, The University of North Carolina Press, 2001.
195
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
suspens d’Adonis l’imminence de la mort tragique. Cette dimension
morbide associée à l’imaginaire du bras en pronation apparaît également
dans une interprétation proposée par Alberti d’une représentation de
Méléagre mort : « Dans un corps mort, il ne doit y avoir aucun membre qui
ne semble mort ; tous pendent, les mains, les doigts, la tête, tous tombent
languissamment, tous enfin concourent à exprimer la mort du corps48 ».
Ainsi, l’invention de Titien reconduit, sous la forme d’une nouvelle
configuration critique une dimension agonistique de la gestuelle, conforme
à un type de simultanéité contradictoire des mouvements corporels qui
affleure dans certaines des plus poignantes formules de pathos que nous a
léguées en héritage l’art de l’Antiquité : la torsion du buste d’Adonis et le
bras en pronation, dessinent, par une espèce de concomitance des
contraires, un suspens dramatique, où le destin du héros, en train de
s’accomplir mais déjà scellé, apparaît bien dans toute sa puissance :
l’amour de la déesse et ses mises en garde ne peuvent empêcher Adonis
de marcher au-devant de sa propre mort.
Étroitement lié aux représentations des amours des dieux et à l’imagerie de
la poursuite érotique, mais placée entre les cadres fuyants que trace autour
d’eux la présence inaperçue des chasseurs, la nymphe endormie et le
satyre de la Vénus du Pardo participent également du même univers
affectif que ces derniers, par les liens qu’ils entretiennent mutuellement
avec l’imaginaire de la passion amoureuse en Occident. Dans le tableau,
les chasseurs, s’engouffrant comme par effraction aux angles de la
composition, pénètrent à l’intérieur d’un espace qu’ils ne font que traverser
de part en part, arpenter dans tous les sens. Les nymphes et les satyres se
tiennent, en créatures limitrophes, sur le seuil de l’entre-deux mondes : les
hommes ne font que traverser le locus amoenus, sans pouvoir s’y attarder
ou entrer en contact avec ses créatures de légende qui seraient comme les
émanations essentielles de l’esprit du lieu. Associés à l’imaginaire de la
ninfa, le motif de la chasse à courre (ou vénerie) renvoie également à toute
une tradition, picturale et poétique, de la rencontre amoureuse en forêt,
48
196
Leon Battista Alberti, De la peinture, Paris, Macula, 1992, p. 165.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
idyllique ou funeste : dans les Stanze per la Giostra de Politien, c’est dans
une clairière, où il débouche après s’être perdu en forêt au cours d’une
partie de chasse, que Julien de Médicis, jeune prince encore farouche et
ignorant des choses de l’amour, rencontre Simonetta Vespucci, dont la
beauté profane trouble si fortement les sens du jeune chasseur qu’il la
prend pour une nymphe ou une déesse de la nature49.
Figure 4
Titien
Vénus et Adonis
Huile sur toile, vers 1554
Madrid, musée du Prado
49
Politien, « Stances », livre I, 26-60, p. 10-21, dans Stances et Fable d’Orphée, Paris, Les Belles
Lettres, 2006.
197
Emmanuel Ussel
Titien, poète de l’entre-deux mondes
Dans la série des peintures mythologiques réalisées pour le roi, Titien
s’empare du thème à travers la légende de Diane et Actéon, où l’irruption
sacrilège du chasseur dans l’antre de la déesse chasseresse entraîne la
métamorphose et la mort (vengeance divine déjà visible à travers la tête de
cerf, symbole de Diane, posé sur le rebord d’un pilier, qui surplombe le
bassin où se baignent les nymphes), issue tragique de la légende que
Titien traitera dans une de ses dernières toiles , où par un singulier
phénomène d’inversion dynamique de sens c’est Diane qui poursuit à
travers la forêt le chasseur, en pleine métamorphose et déjà mordu à mort
par ses chiens. Par une véritable force démonophanique d’apparition, la
Diane de Titien entraîne, par un phénomène de contamination dramatique
intense, toutes les formes naturelles à participer activement au sortilège de
la métamorphose du chasseur en gibier. Cette œuvre illustre une des
facettes que va revêtir (avec l’ange de la salutation angélique), dans les
dernières inventions de Titien, le thème théophanique de l’irruption du divin
dans le monde : c’est par une même force d’apparition, rejetée dans le
parergon50 des images, et médiatisée par toute une gestualité déplacée de
la mobilité corporelle, concentrée dans les accessoires extérieurs animés,
chevelure et vêtement, que ninfa donne à voir, en une forme de raccourci
fulgurant, sa capacité à conjoindre dans la répétition, les différences les
plus radicales. Dans la Vénus du Pardo, où les personnages évoluent sur
des plans de réalité intermédiaires, c’est par une singulière excitation de la
confluence des contraires que Titien donne naissance, au cœur de cette
atteinte portée à la visibilité ordinaire, à une métamorphose visuelle
spécifique : nymphe chassée ou nymphe chasseresse, il semble que ce
soit, au-delà du simple canevas mythologique, la poursuite fantasmatique
de l’Antiquité perdue, retrouvée sous la forme paradoxale de la vision
poétique, que Titien donne à voir dans sa composition, à travers tout un
pandémonium de motifs, extrêmement surdéterminés.
Dans la Vénus du Pardo, Titien reprend et développe un sujet
50
198
Sur cette notion clé, voir les analyses de Jacques Derrida, La vérité en peinture, Paris, Flammarion,
2010, p. 19-94.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
singulièrement ambigu et complexe, propre au genre de la pastorale,
poétique et picturale : la jonction du visible et de l’invisible, la rencontre, au
cœur du locus amoenus, entre le monde des hommes et le monde des
dieux. Le peintre lui-même a insisté, on le sait, sur la dimension poétique
des peintures mythologiques qui compose la série des tableaux exécutée
pour le roi d’Espagne. Dans son Dialogo sulla pittura, publié à Venise en
1548, un autre peintre contemporain de Titien, Paolo Pino, affirmera à son
tour que « la peinture est proprement poésie, c’est-à-dire invention, laquelle
doit faire apparaître ce qui n’existe pas51 ». Dans la série des mythologies
peintes pour Philippe II, Titien, dans le prolongement des légendes
évoquées par Ovide, que contribuent à diffuser les réécritures plus ou
moins savantes des polygraphes italiens 52 , invente de nouvelles
métamorphoses : en ce sens, la Vénus du Pardo déploie au-delà de sa
propre visibilité, par les rapprochements inédits qu’elle établit entre des
motifs jugés familiers, toute une série de figures en constellation, frange
infra-iconographique de l’œuvre qui nous amène à considérer ce tableau
comme le lieu d’une intense réflexion menée par Titien autour des enjeux
stratégiques qui se cristallisent, depuis l’aube du Quattrocento, autour d’un
très vieux rêve collectif de Renovatio totale de la culture antique, de sa
pensée et de ses images.
51
Paolo Pino, Dialogue sur la peinture, Paris, Honoré Champion, 2011, p. 58.
52
Voir l’article de Carlo Ginzburg, « Titien, Ovide et les codes de la représentation érotique au XVIe
siècle », dans Carlo Ginzburg, Mythes, emblèmes, traces, Lagrasse, Verdier, 2010, p. 185-217.
199
Emmanuel Ussel
200
Titien, poète de l’entre-deux mondes
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
THE ANTHOLOGY OF MANNERISM AND THE
RHETORIC CATEGORY OF EUGENIO BATTISTI’S
L’ANTIRINASCIMENTO
Fernanda Marinho
Pós-doutoranda UNIFESP – FAPESP
1
This article intends to focus on Eugenio Battisti’s book L’Antirinascimento,
published for the first time in 1962 when the Italian culture struggled against
the vestiges of fascism. We will deal with the historiography of that period
related to the Renaissance-Mannerism debates in order to understand
better the implications stimulated by L’Antirinascimento.
Battisti was born in Turin, in 1924 and he died in Rome, in 1989. During his
youth he experienced the Second World War and he militated in the
resistance movement in his home town. By then he got involved mostly with
theatre actions, showing his special attention to the culture. His critical
thinking was characterized by a peculiar anxiety that pushed him towards a
constant review of the status quo: an operative skepticism that organized
his thinking in dialectical structures like the oppositions between comedy
and tragedy, renaissance and baroque, classical and anticlassical, but also
– and mainly – a constant renovation and questioning of those
classifications.
Battisti was a member of Lionello Venturi’s school, opposed to Roberto
Longhi’s. Battisti experienced a crucial moment of change in art
historiography: when important influences by the German school narrowed
the limits that separated the roles of the art historian and critic of art.
L’Antirinascimento will be here considered as a proposal of reviewing the
romantic (but still current) notion of Renaissance considered as a period
that – surpassing the medieval shadows – achieved the ultimate triumph of
rationality. Against the traditional interpretation of Renaissance
1
This article is part of my PHd thesis: Eugenio Battisti and the conceptual and historiographical
lexicon of l’Antirinascimento defended on 2013, IFCH-UNICAMP and founded by CNPq.
201
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
contemplated as a turning point of history, Battisti investigated the
conservations of the medieval world during the renaissance culture and the
artistic creation as free assimilation and emulation of other cultures. His
modus operandi is characterized by the skepticism of a utopian
methodology free of any conclusive results.
In the next pages we will focus on the term antirinascimento as the principal
tool to understand Battisti’s book. We will highlight the debates that bring
the author to dedicate himself to this argument in the first chapter of his
book, entitled L’Antirinascimento o Manierismo?
The prefix anti suggests another side of history. The antithetical character
of its etymology implies the presumed anticlassical aspect of mannerism.
To understand the term antirinascimento, therefore, it is essential to deal
with the infinite debate about mannerism.
Like a screenplay the author starts his book describing an imaginary
scenario with gothic Florentine monuments agglomerated in a
cinematographic city with a lively social activity. It is necessary, however, to
open our eyes to see that this city is indeed Florence. Constantly described
as the authentic location of the utopians, Florence inspired the
representation of the ideal city, incorruptible and eternal, as it is possible to
2
see in some paintings . In Battisti’s words: “dove l’umano è contemperato
al trascendente, l’istinto alla legge, il singolo alla società, come nelle
3
repubbliche degli utopisti” . Battisti compared the “gothic Florence” (the
idealized city) with what he called as “real Florence”, that couldn’t be
summed up by its walls, palaces, squares, frescos and mathematical
calculations of its architects. Through the communal Florence (the one of
Brunelleschi) Battisti focused his lens on the internal structures, on the
2
Battisti refers to three paintings named “ideal city”. One is at Walters Art Museum, in Baltimore and
is related to Fra Carnevale. The second is at Gemäldegalerie in Berlin and is related to Francesco
di Giorgio Martini. And the last is at Galleria Nazionale delle Marche, in Urbino and is related to
Piero della Francesca. Their authorship are not confirmed but is believed they were commissioned
to Federico da Montefeltro, in Urbino.
3
BATTISTI, Eugenio. L’Antirinascimento. Torino: Nino Aragno Editore, 2005, p. 6.
202
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
narrow streets, on the confusing topography of its roofs, on a spontaneous
city as a monumental Wunderkammern, where all the elements are
maintained, creating a chaotic and non organic Florence, by him identified
as “real”.
This comparison introduces the key-approach of his book: the problems of
the historiography about Renaissance. It is necessary to highlight that the
differences between the “ideal Florence” and the “real Florence” are the
same as those between the public and the private morality, between the
oratory in Latin and the vernacular novelistic. The historiography
authenticated those vedute urbane as the distinctive aspect of a period that
we call Renaissance: a period considered as a new era of new values. It is
missing, however, as Battisti says, an idea of continuity that could explain
the phenomenon of renaissance by its opposites.
The author propones a general critic to the historiography about
Renaissance, specially addressed to the wide and not careful definitions of
this period. Battisti maintains that before thinking about the concept of
mannerism it is necessary to review our concept of renaissance.
“In base alle nuove esperienze della critica figurativa, e a
una migliore conoscenza dei monumenti, il grande blocco
dell’arte cinquecentesca, tradizionalmente fatto coincidere
con il pieno rinascimento, si è dimostrato sempre meno
omogeneo, tanto da richiedere uno spezzettamento in più
fasi stilistiche. Una di quelle è il manierismo, il cui nome si
riferisce a una peculiare poetica, espressa con particolare
chiarezza da Michelangelo, e che spicca per il suo
carattere polemico contro il classicismo cinquencentesco,
rappresentato specialmente dal momento più olimpico di
Raffaello, quello della Scuola di Atene. Ma poco per volta
nella storiografia questo stile è cresciuto di importanza,
divorando sempre più il classicismo, tanto da ridurlo a un
episodio di circa una quindicina d’anni posto all’inizio del
Cinquecento, e dimostrandosi assai meglio atto ad
interpretare le maggiori manifestazioni d’italianismo della
cultura eropea, del Cinquecento e di parte del Seicento,
203
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
prima dell’espansione altrettanto trionfale dello stile
berniniano-rubensiano. Anche molti dei fenomeni letterari
che si definivano barocchi, come il concettismo e il
gongorismo, sembrano oggi più connessi alla poetica
manieristica che a quella barocca. Il termine di
rinascimento è rimasto poi, dal punto de vista della critica
figurativa, svuotato d’ogni valore, giacchè non coincide né
con il classicismo, né con il manierismo. [...]
Manierismo e classicismo dovrebbero inoltre essere
aspetti differenziati del rinascimento, che li comprende
entrambi; ma che cosa sia il rinascimento almeno in linea
4
di massima, nessuno più lo dice” .
In this text Battisti shows his distaste about the way the reviews of
historiography are conducted: the enlargement of the territory known as
5
mannerism narrows the limits of renaissance .
L’Antirinascimento belongs to a movement of new conceptions and
reflections on the debate about mannerism that took place in the first half of
the XX century. The term maniera recalls Giorgio Vasari, who used it with
6
different meanings indicating an individual style or a judgment – bella
maniera, buona maniera, cattiva maniera – but never in a pejorative sense,
as it was done by Giovanni Pietro Bellori. With Bellori the term maniera was
regarded as a vice – something vulgar that declines the beauty achieved by
7
8
Raphael – and the use of the term was legitimized with Luigi Lanzi , who
4
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, pp. 25 a 27.
5
Battisti’s wonderment, in a certain extent, was brought forward by Roberto Longhi in his analysis of
Michelangelo’s Tondo Doni, in 1951, in a text about the monograph that Paola Barocchi dedicated
to Rosso Fiorentino: LONGHI, R. "Il Rosso Fiorentino" (1951). In: Opere Complete, VIII/2:
Cinquecento Classico e Cinquecento Manieristico. Florença: Sansoni, pp. 99-102.
6
The ideal of an individual style is about an alteration of a model that is not longer in nature, but must
be created by the artist. It is opposed to the premises of some painting treatises written by Leon
Battista Alberti, Cennino Cennini and Leonardo da Vinci, that exalt the importance of copying the
nature and not other artists, avoiding to be grandson of nature, instead of being his son.
7
This interpretation of maniera is seen in Annibale Carracci’s biography, when Bellori refers to it as a
“fantastica Idea”, that is, an inspiration that is not found in nature, criticizing the artist that does not
imitates, but because of the practices vices is distant from the nature.
204
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
translated the French term maniériste to refer to a group of artists criticized
by Bellori.
At the beginning of the XX century the critic of art of the mannerists
underwent some changes. Artists who were not famous gained more
attention from art historians, stimulating new ways of understanding the
Renaissance. The explanation for those changes is currently linked to the
inspiration coming from the expressionism and surrealism that offered a
new sensibility in the history of forms. This inspiration was felt especially
among the North European scholars, mainly by Max Dvořák. The sensibility
brought by this new inspiration redirected the horizons of Italian art history
that so begun to investigate previously unknown artists from the
Cinquecento.
We can point out to three crucial periods for those changes that brought the
Mannerism inside the debates of art history. The first period consists in the
9
first three decades of the XX century, when Alois Riegl proposed a new
interpretation of mannerism as a decorative effect. It was a distant point of
view with respect to the pejorative interpretations maintained by the
previous critic of art, as in Burckhardt’s Il Cicerone (1855). Together with
Riegl there were other two important names in this first period: Max
10
11
Dvořák and Walter Friedländer . Those three art historians had different
perspectives: Dvořák understood the mannerism more as a universal idea
of a spiritual change then as a formal innovation; Friedländer mapped the
phenomenon systematizing, for the first time, the Mannerism as a period –
dated between 1520 and 1590 – and stimulating new considerations about
the classical style of the High Renaissance. In spite of the differences
between them, those three authors had in common the proposal of
reviewing the Italian Cinquecento. Some monographic studies about
8
LANZI, Luigi Antonio. La storia pittorica della Italia inferiore o sia della scuola fiorentina, senese,
romana e napolitana. Stamperia di Antonio Giuseppe Pagani e Comp. Firenze, 1792.
9
Die Entstehung der Barockkunst in Rome, 1908.
10
Geschichte der ital. Kunst im Zeitaler der Renaissance, 1928.
11
Die Entstehung des antiklassichen Stiles in der ital. Malerei um 1520, 1925.
205
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
unknown artists were part of this first period, hence stimulating new
12
reflections . Also important in this first period were researches about
13
mannerism in architecture that brought a conceptual expansion of the
term – not only understood as a stylistic element or a formal pictorial
characteristic, but as a new artistic phase that was achieving a place in art
history.
The second period was the decades of 1940’s and 1950’s, when the
debates centered in the attempt to delimitate the place of origin of the
mannerism. Once the innate motifs of the mannerism were discussed, the
studies began to be dedicated to its territorial definitions. Rome and
Florence were poles of two different opinions. On the one hand, the
positions that saw Rome as the place of the emergence of the mannerism
suggested a deep link between the mannerism and the religious crises of
the Counter Reformation. On the other hand the position that placed the
mannerism emergence in Florence seemed to understand it as a natural
development of the renaissance art, as a reaction to the classical
aesthetics.
Those were the problems that were
Representatives of this second period
Luisa Becherucci, Giuliano Briganti and
the maniera in Michelangelo’s Tondo
studied by many art historians.
were names as Roberto Longhi,
S.J. Freedberg. Longhi indentified
Doni (1506-1507) shortening the
14
“classical apex” that “wouldn’t take more than a few years”. Becherucci ,
instead, indorsed a restricted use of the term mannerism ascribing it only to
12
Some examples: FRÖHLICH-BUME, Lili. Parmigianino und der Manierismus, 1921.; LONGHI,
Roberto. Precisioni sulle Gallerie italiane: La Galeria Borghese, 1928.; JUDEY, J. Domenico
Beccafumi, 1932.
13
See: SEDLMAYR, Hans. Die Architektur Borrominis, 1930.; WITTKOWER, Rudolf. “Michelangelo’s
Biblioteca Laurenziana”. In: Art Bulletin n°. 16, 1934, pp. 123-218.; GOMBRICH, Ernst. “Zum werke
Giulio Romanos”. In: Jarbuch der Kunsthistorischen Sammlugen in Wien N.F. 9, 1934-35, pp. 121150.
14
BECHERUCCI, Luisa. I Manieristi Toscani. Bergamo: Ist. Ital. D’Arti Grafiche, 1944.;
BECHERUCCI, Luisa. “Momenti dell’arte Fiorentina nel Cinquecento”. In: Il Cinquecento, 1955, pp.
159-183.
206
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
the artists of the end of XVI century, whereas Briganti proposed a critical
revaluation of the mannerism, understanding it exclusively as a figurative
and formal component. Moreover, Freedberg’s ideas differed from
Briganti’s ideas in that he considered the mannerism as an attitude not
related with its exteriors aspects (as we can realize when he compared
Parmigianino’s “decorative” mannerism to the Pontormo’s “expressive”
manner). It is important to recall that the role of Venice played an important
part in the discussions of the mannerism. Once Rome and Florence were
the main centers of the mannerism, the role of Venice remained as an
opened and unclear theme.
By means of these studies, the mannerism issue achieved better
contributions. Many exhibitions organized not only in Italy, but in the whole
Europe have also an important role. One of the most relevant was in 1940:
La Mostra del Cinquecento Toscano. And after this one we can remember:
Lelio Orsi, in Reggio (1952); Fontainebleau e la Maniera Italiana, in Naples
(1952); Mostra dei disegni dei primi manieristi italiani, in Amsterdam and
Florence (1954); Manieristi piemontesi e Lombardi, in Turin (1954); and Le
Triomphe du Maniérisme Européen, at Rijksmuseum Amsterdam (1954). In
1956 was published the first Storiografia del Manierismo, written by Giusta
Nicco Fasola.
The third period is the one during the decades of 1960’s and 1970’s,
starting with a very influential contribution for the future studies: La Maniera
Italiana, written by Briganti, in 1961. According to Fasola, Briganti
inaugurated the supremacy of the Italian historiography on the German’s
which was responsible for the “rescue” of the mannerism and for its
insertion on the mainstream history of art. The importance of Briganti’s
book was the legitimization of the Mannerism as a systematized period.
Following Longhi’s indications, Briganti found the years between 1503 and
1506 in Florence as decisive for a change in art history, especially with the
battles of Anghiari and Cascina, painted by Leonardo da Vinci and
Michelangelo. He divided the maniera in two artistic currents: the first in
Rome and the other in Tuscany, not differentiated chronologically but
207
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
conceptually.
According to Pinelli, Briganti pushed the Italian historiography to a new era
when his publication stimulated important contributions gathered in two
international congresses: Manierismo, Barroco e Rococo: concetti e
termini, in 1960, in Rome; and XX Convegno Internazionale di Storia
dell’Arte, in 1961, in New York. In the second one the most important
contributions were by John Shearman and Craig Hugh Smyth with the
respective talks: ‘Maniera’ as an aesthetic ideal, and Mannerism and
‘Maniera’. Both authors proposed an interpretation of the mannerism as a
change of the “figurative taste”, linked to a sophisticated and elegant
society. Shearman went beyond, not only he considered the mannerism as
an expressive aspect, but also he considered it as a “stylish style”: an
exacerbated stylization in favor of a sophisticated taste.
The Italian historiography was, then, growing and enriching its studies on
the mannerism. However, the enrichment of its studies stimulated also a
rhetorical prolixity that did not solve the main historiographical problems.
One of the clearest example of this was Freedberg’s second monograph –
Painting in Italy 1500-1600, published in 1971 (indeed an elaboration of an
older article published in 1965 – Observations on the Painting of the
Maniera). In this book (1971) Freedberg, trying to establish an evolution of
Mannerism, divided the Italian Cinquecento in different periods. He placed
its origin in Florence with Michelangelo, then he named as first maniera the
first period until 1535, and finally as high maniera the period from 1535 to
1575. Freedberg seems to demonstrate his understanding of the
mannerism as a non homogeneous period, but he loses himself in
categories such as counter-maniera, high maniera, anti maniera, neomaniera and post-maniera, that denounces, above all, the clutter achieved
by the mannerism debates.
Even claiming the existence of differences between the mannerism and the
so called antirinascimento, Eugenio Battisti in the first chapter of his book
discusses the interpretations of the first in order to clear the second.
Contributing to the studies on mannerism, Battisti considers three other
208
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
important art historians: Wylie Sypher (United States, 1905-1987), Gustav
René Hocke (Brussels, 1908-1985) and Ernst Robert Curtius (Germany,
1814-1896). Battisti attributes to Sypher the merit of enforcing the “formal
analogy” that conceives the history of art as part of the history of culture.
However, Battisti also claims that this point of view does not solve the
problem of the mannerism, since Sypher restricts it to an anticlassical
phase of the renaissance. The ideas of Hocke and Curtius are better
accepted by Battisti because they do not make use of a chronological
definition, but they consider the mannerism phenomenon as a fight
between two constant forces. Nevertheless, the problems of their
interpretations are criticized by Battisti: Curtius associates the figurative
mannerism to the mannerism in literature, but this relation is problematic
because those manifestations in visual arts and in literature were not
always contemporaries. Beyond that, as Battisti says, Curtius suggests that
the mannerism is a manifestation of an interior idea. So this could bring an
interpretation of the mannerism as a creative and inventive freedom – as if
the artist of the Italian Cinquecento would be interested only in the “art for
the sake of art”. About Hocke, Battisti explains that he identifies the
mannerism with an attitude, suggesting associations with many modern
ideas, but without exploring the mannerism itself.
Beyond the studies on the concept and examples of the mannerism, Battisti
outlines as one of his main inspirations Hiram Hydn’s book, The Counter
15
Renaissance, published in 1950 and translated to Italian in 1967 . The
point of this inspiration is the idea of a thesis conjugated with an antithesis,
understanding the anticlassical reaction as a classical persistence, and
having a wide idea of renaissance as a period of two opposing forces: the
15
L’Antirinascimento: alcune riflessioni dieci anni dopo: “Il titolo del mio volume L’Antirinascimento è
soltanto la traduzione in italiano di una parola inglese, quella di ‘counter-renaissance’, termine usato
saltuariamente in relazione a Shakespeare, e divenuto il titolo dell’importante libro di Hiram Haydn.
L’ho adottato anch’io allo scopo di estendere questa categoria, relativamente nuova, al campo delle
arte visive in Europa, considerato nella sua unità. Uso il termine ‘antirinascimento’ sopratutto perché
voglio mettere in risalto non un rapporto di evoluzione, ma un confronto di scontro violento tra, da
una parte, le principali tendenze del tardo Quattrocento e, dall’altra parte, l’inizio del secolo
sucessivo e il nuovo atteggiamento di un ampio settore del Cinquecento”. [BATTISTI,
L’Antirinascimento. Op. cit., 2005, p. XXIII].
209
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
classical interpreted as a rational field would coexists with a “inseparable
shadow” considered as a reaction to its authoritarianism. Battisti
exemplifies these oppositions when he describes the idea of the Ciceronian
decorum, imposed by Cinquecento’s reactions to the rationalism of the first
Tuscany Quattrocento: if during the Quattrocento the Ciceronian decorum
was considered as honesty – the obedience to the order and the
maintenance of the status quo – during the Cinquecento, this conception
was enlarged to free an individual expressions, not understood anymore
only as a maintenance to a social order.
“Nel trattato sulla pittura di Leon Battista Alberti, che è di
somma importanza anche in questo contesto di idee,
possiamo spigolare decine di passaggi in cui, proprio in
nome del decoro, si dichiara che la “istoria è summa
opera del pittore”, o si chiede che l’artista sia “docto in
buone lettere”, “costumato”, “copioso di notitia di molte
cose”, “familiare ad i poeti, retorici et ad li altri simili dotti
di lettere”.
Ora, il Cinquecento rifiuta nettamente proprio codesta
concezione quattrocentesca: ed è perciò che riesce assai
difficile trovare un massimo comune denominatore,
piuttosto elevato, valido sia per il XV che per il XVI secolo.
[...] Nel corso della critica cinquentecesca, si possono
cogliere quasi ovunque altre prove di una progressiva
disgregazione del connubio umanistico fra onestà e
decoro, o, se si vuole, fra virtù e magnificenza, fra
espressione e geometria, fra ideazione ed esecuzione, fra
modello e opera finita; sempre ormai a vantaggio
dell’onesto, a scapito del decoro, anche se, purtroppo, in
sede pratica, la vittoria resta spesso al secondo termine,
troppo difficile da vincere, troppo accademicamente
consacrato; lo dimostra, anche come indizio di una
sminuita aderenza sociale e morale, il molteplicarsi,
nell’arte aulica, di immagini altrettanto vuote che
magniloquenti, capaci di commuovere, caso mai, per virtù
210
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
di retorica, tramite la riflessione e il ragionamento, ma non
16
per impulso, cioè per compartecipazione morale” .
17
Haydn asserts the impossibility of defining a three centuries period in fix
characteristics, so he proposes to divide the Renaissance in three principal
movements: the classical Renaissance, or humanistic; the Counter
Renaissance; and the Scientific Reformation. The first movement is
characterized by its relations with the medieval thinking, not only for what
concerns literature and academy, but also understood as a life inspiration.
By doing so the Renaissance would be understood with a major sense of
continuity with respect to the medieval tradition. The author emphasizes the
importance of union between faith and rationality (taking the first as
subordinate to the second) in order to understand the universal, speculative
and abstract philosophical theories. Those movements, according to
Haydn, happened consecutively, one in reaction to another. Therefore, the
Counter Renaissance should be understood as a reaction to the humanistic
morality and to the scholastic intellectualism. In the scientific field this
movement is represented by the radical empiricists and by the historians,
poets and ethic scholars who denied the traditional concepts of “natural
law” and “innate justice”, defending “pragmatic experience”; among the
religious thinkers, the Reformations precursors, who repudiated rationality
exalting faith. Those movements outlined by Haydn were part of the same
ideological revolution – the Counter Renaissance – announced from a
pragmatic, factual, particular, intuitive and instinctive philosophy, as the
author says. Its apex occurred with the Scientific Revolution, achieved by
Kepler and Galileo, when the rationality is revalued, not much in respect to
faith but by means of its achievements in natural science.
It is interesting and important to compare the terms antirinascimento and
counter renaissance. Haydn introduced his book through an organized
scheme in which the counter renaissance was defined as a resistance
16
BATTISTI, Eugenio. L’Antirinascimento. Op. cit, 2005, pp. 33-35.
17
For a wide Renaissance’s chronology Haydn consider as principal events the coronation of Petrarch
th
th
as a poet, in April 8 1341, and Francis Bacon’s death, in April 9 1626.
211
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
against to the humanist and classicist roots that instigated the scientific
revolution. Unlike Haydn, instead of demonstrating the intrinsic
characteristics of the term that entitles his book, Battisti feels the necessity
to denounce the weakness and defects of the art criticism and
historiography.
I suggest here an interpretation of l’antirinascimento in two levels of
meaning: one is devoted to the renaissance culture, focusing on the
problems of the Italian Cinquecento through the antithetical analysis
between the classical (engrained in traditional roots) and the anticlassical
(understood as an autonomous manifestation of independent tradition).
Battisti emphasizes very often that “il Ciquecento nasce da questo coro
molteplice, ed è proprio il numero, l’intensità, l’impostanzione, la concordia
o discordia di queste voci a caratterizzarlo, rispetto ad altri secoli e ad altri
18
civilità” . The “coro molteplice” to which the author refers is represented in
the index of his book, with the following chapters: 1. Manierismo o
l’antirinascimento?; 2. Per una mappa dell’antirinascimento figurativo; 3. Le
radici archeologiche delle fiabe; 4. La fiaba nel rinascimento; 5. Nascita
della strega; 6. La magia degli elementi; 7. Dal totem all’allegoria; 8. Per
una iconologia degli automi; 9. L’ilustrazione scientifica in Italia; 10. Dal
“comico” al “genere”; 11. Astrologia, utopia, ragione; 12. Anticlassicismo e
romanticismo.
Between the legitimate and not legitimate artistic manifestations, Battisti
dedicates himself to explore the Renaissance in both directions: from the
crises of the art of the court to the popular culture, from the logical
rationality of the classicism to the dynamism and transformation of
l’antirinascimento.
Following the meticulous effort in every page of his book it is possible to
understand the second meaning of the term anitirnascimento. If with the
first one we emphasized the link between this term and the renaissance
culture, with this second level the focus is directed to the problems of the
18
212
BATTISTI, E. L’Antirinascimento. Op. cit., 2005, p. 43.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
artistic historiography about the Renaissance. In Battisti’s words, those
problems are related to the “sources’ reticence”. L’antirinascimento,
therefore, is not only a study on the period of the Renaissance, but it is also
on the non-official critic opposed to the legacy of the pre-romantic critic of
the Setecento and Ottocento.
Battisti points to four principal myths related to the Renaissance
propagated by this critic: the first one is the idea of order, proportionality,
coherence and decorum; the second one is the idea of an artist devoted to
the tradition – an artist who respects the principles and values and not an
artist as a technician and virtuosos; the third one is the desire to add to
modern art the values of an antique art of the court; finally the forth is the
condemnation of the artistic anticlassical tendencies, associated to whim
and extravaganza. The critic of art and the art historiography are
characterized by Battisti as exclusivist when intended as a main paradigm.
Contrary to them Battisti proposes an individual, fantastic, symbolical and
esoteric manifestation of the Renaissance, in need for an anticlassical
analysis. Hence, he concludes that the historiography of art itself is a
product of classicism.
It would be difficult to say which of these two meanings of l’antirinascimento
is the main proposal of his book; the one dedicated to the renaissance
culture or the other announced as a review of the art historiography and its
methodology. Both are widely recognizable in his book. From the
enthusiasm for the analysis of the anticlassical manifestation to the
indignant look towards to the conclusions of the historiography Battisti’s
book is a passionate work. Balancing from two different poles, the result of
this sentimental equation is his utopian militancy.
Battisti acknowledges that the most productive studies in art history are
those dedicated to a reconstruction of history, its meaning and iconology.
And that this renovation is possible only through the study of the
contemporary and non-European arts. Battisti also believes that in order to
continue the studies of l’antirinascimento the scholars should walk out of
the humanities libraries in direction of different sources linked to popular
213
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
culture, devotional manifestations, astrology, and that they should get
acquainted more with the scientific fields than with the philosophical and
literary one.
In Per un ampliamento del concetto di manierismo, published after
L’Antirinascimento, Battisti questions the legitimacy of the term mannerism,
while not denying its utility in discussions that enlarge the definitions of
renaissance. The author lists three principal postulates linked to the
conceptualization of the mannerism relative to chronological, stylistic and
thematic delimitations. The first postulate is the difference between the
Quattrocento and the Cinquecento that disturbs generic definitions of
humanism and renaissance. And thus the category of “manierismo” should
be interpreted as the stylistic link between the renaissance and the
baroque. The second postulate consists in the identification of the
mannerism with a new theory, “identificato nella teoria platonica dell’idea,
nell’accezione positive dell’imitazione, cui è attribuito un ruolo creative e
non riprodutivo, nello slittamento dal significato passivo a quello attivo, del
19
termo fingere” . Finally, the third one, accounts for a catalogue of
psychological, symbolic, religious, or even vague movements that take
place during the Cinquecento. Among them Battisti looks for the ones that
can be identified with the roots of our contemporary culture: “permettendo
20
cosi una verifica drammatica con noi stessi” .
“Noi vorremmo qui tentar di rispondere, esclusivamente,
alla domanda di base: la definizione può riuscire
criticamente utile? E vorremmo farlo ora, in quanto al
sucesso del brillante volumetto dello Shearman uscito nel
1967, alle discussioni provocate dal volume di Manfredo
Taufuri (L’architettura del Manierismo nel Cinquecento
19
BATTISTI, Eugenio. “Per un ampliamento del concetto di manierismo”. In: Annali dell’Istituto Storico
ítalo germânico in Trento, 1977. Bologna: Società Editrice il Mulino, 1978, p. 328.
20
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978.
214
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
europeo, Roma 1966), è seguita una perfin troppo larga
21
accettazione del termine in sede di storia letteraria” .
Even though this text has been written in a later stage (when his critical
commitment in art historiography was not as sharp as in
L’Antirinascimento), it is important to notice that his work was always
directed to the review to previous knowledge and to methodological
concerns. It is with this purpose that the author tries to distinguish
antirinascimento from manierismo, founding the latter as a
“pseudoconcetto”.
“Tuttavia, nelle idee correnti, e ancora in quasi tutti i
tentativi generali di più adeguata periodizzazione del
rinascimento, questa alternanza di fenomeni continua a
configurarsi in rigida sucessione temporale, quasi come
se la cultura italiana fosse rigidamente unitaria, o avesse
a disposizione un solo ‘canale’ figurativo, per esprimersi:
invece riconoscere ch’essa risulta da componente
diverse, che a volta a volta predominano. Ne è conseguita
una sempre maggior difficoltà di periodizzare,
adeguatamente, i vari episodi di stile; e ancor peggio, il
loro artificioso isolamento da un contesto più vasto e
comune. Anche il concetto di manierismo è divenuto così
un pseudo concetto. É difficile ormai dire quali possano
essere le ragione che impediscono di definire manierista
un Filippino Lippi; e in un quadro più vasto non si sa più
come possono essere incasellati un Bosch ed un
Grünewald, giacchè, se manierismo è anticlassicismo,
nessuno, certo, è più anticlassico di loro. E se il
manierismo o l’anticlassicismo sono un periodo
cronologico, invece che una componente stilistica, ecco
perso ogni criterio di definizione globale e complessiva
del rinascimento, giacché, specialmente nella difusione
europea della cultura rinascimentale, le manifestazioni
21
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 324.
215
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
cinquecentesche anticlassiche prevalgono di gran lunga
22
su quelle difinibili per il loro stile classicistiche” .
According to Battisti, the force of l’antinascimento is linked to the crises of
23
the art of the court . Understanding the Renaissance as a period of two
main forces of opposed origins, the author polarizes the problem: on one
side, the “ideal Florence”, the gothic and the classical Renaissance; on the
other side, the “real Florence” and l’antirinascimento. By doing so, the
mannerism should be understood as a reaction of a crisis, mainly political
and religious. This consideration would simplify the main oppositions on the
Renaissance. Battisti does not linked the mannerism to the anticlassical,
recurrently understood as creative freedom, as an individual trend opposed
to classical rules, but he sees mannerism and anticlassicism as a balance
between two opposites poles. Because of its crisis, the art of the court
found within the anticlassical forms its ways of expression; on the contrary,
these forms used the collapse of authority to promote themselves.
“Ma è solo quando l’anticlassicismo riesce a far pendere,
col suo peso, la bilancia, quasi come il diavolo che si
aggrappa alla stadera di san Michele, che il dualismo, da
noi avvertito entro la cultura cinquencentesca, si riduce e
quasi si annulla. L’età del manierismo è uno di questi
casi; un altro è l’arte della riforma; un terzo ancora, il
naturalismo della prima contrariforma cattolica; un quarto
è il grande fasto, da macchina processionale, del
24
cosiddetto barocco gesuitico” .
22
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. 15.
23
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. 50: “Naturalmente, la forza e l’autorità di questa corrente
diventa particolarmente pressante quando la cultura aulica manca di vitalità, o meglio, quando crisi
economiche, o politiche, o religiose, o fenomeni inspiegabili come, durante il rinascimento, comete,
inondazioni, terremoti, carestie, pestilenze, generano un diffuso stato di ansia e consentono
appunto la nascita di una pubblicistica ad hoc, di stampe popolari, di lebelli o scritti esplicativi, di
vaticini. Ed è proprio in questi momenti che anche le componenti erudite dell’anticlassicismo e il
riferimento agli scrittori dell’antichità si fanno più consapevoli e convincenti”.
24
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. 51.
216
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
25
George Weise in Il Manierismo ed Il concetto di Antirinascimento ,
discusses this problem not only comparing both terms, but thinking the
renaissance through Battisti’s lens: if l’antirinascimento is not mannerism
and if mannerism is not anticlassicism, what is renaissance?
“Col dichiararsi sempre più convinto ‘che quanto da
tempo è definito ‘rinascimento’ non sia altro che il
classicismo’, il Battisti si schiera risolutamente con queli
studiosi che, in contrasto con la tesi burckhardtiana,
intravvedono il fatto essenziale del Rinascimento – e
l’apporto specifico dell’Italia – non più nel prevalere del
realismo e dell’immanentismo quattrocenteschi, ma
nell’instaurazione della nuova visione classica ed
idealizante, sviluppata dall’Umanesimo al contatto col
mondo antico e divenuta clima generale verso la fine del
Quattrocento. Ma neanche col Manierismo si può
identificare senz’altro, secondo il Battisti, la corrente
anticlassica ed antirinascimentale, riferendosi, a suo
avviso, la designazione di Anticlassicismo a un fenomeno
‘estremamente più vasto e vago, composito e
differenziato’ per poter essere inquadrato in una sola
categoria stilistica, e non trovandosi, prescindendo dalla
‘comune consapevolezza di una crisi’ e dal ‘comune
atteggiamento
anti-intelettualistico,
antimoralistico,
antisintetizzante, antiautoritario’ niente che possa
ricollegare il fenomeno specifico qualificabile di
Manierismo alle tante altre manifestazione artistiche e
spirituali, appartenenti all’Antirinascimento ed alla
corrente anticlassica. In questo senso occorre distinguere
dal Manierismo non solo le creazioni di stampo
prebarocco, a cui si è fatto cenno, ma l’intera gamma
degli elementi soggesttivistici, irrazionali, bizzarri e
stravaganti, antitetici agli ideali classici di armonia, norma
e compostezza, e che in massima parte, secondo me,
rientrano piuttosto nella categoria del Barocco e sono da
25
WEISE, Georg. “Il Manierismo. Bilancio critico del Problema stilistico e culturale”. In: Accademia
Toscana di Scienze e Lettere. “La Colombaria”. “Studi” XX. Firenze. Leo S. Olschki Editore, 1971.
217
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
identificare
col
26
dell’eccessivo” .
suo
gusto
dell’irregolare
e
Weise’s critic centers on Battisti’s distinction between l’antirinascimento
and other anticlassical concepts. According to Battisti, the Renaissance
has two main moments: “il nuovo orientamento realistico, trionfante all’inizio
del Quattrocento”; and “il sorgere della nuova visione classica ed
idealizzatrice, maturate al contatto con l’antichità ed opposta alla predizione
27
del realismo quattrocentesco per il caratteristico e l’individuale” . Weise
demonstrates that Battisti’s idea of the Renaissance is in opposition with
Burckhardt’s thesis that exalts exclusively the principles of immanentism
and realism. By doing so, Weise concludes that Battisti’s idea restricts the
Renaissance to its classic phase:
[...] “mi pare eccessivo il voler limitare alla sola fase
classica il concetto di Rinascimento e l’escluderne –
qualificando come ‘Antirinascimento’ – stadi preliminare di
non minore importanza storica. Anche l’idea di una
reazione cronologicamente posteriore, che potrebbe
sembrare suggerita dal prefisso ‘anti’, mi sembra un po’
arbitraria, almeno per quel che concerne la componente
28
naturalistica” .
Considering a book like L’Antirinascimento, we cannot conclude that Battisti
misunderstood the naturalistic motifs of the renaissance culture. By Weise
words we realize that his interpretation of l’antirinascimento is restricted to
the first meaning mentioned above. Weise explains the prefix anti as a
chronological explanation referred to a previous phase of the Renaissance
and, therefore, to a previous phase of the naturalism of the Quattrocento
and of the medieval traditions that survived during the Cinquecento.
It is worth mentioning that what Weise pointed out as a gap in Battisti’s
26
WEISE, Georg, Op. cit., 1971, pp.188-189.
27
WEISE, Georg, Op. cit., 1971, p.188, nota 2.
28
WEISE, Georg, Op. cit., 1971, p.188.
218
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
theory is considered here as a methodology choice. The reorganization of
the facts by a different perspective generates an inversion of the factors: if
we consider the classicism as a reaction to the irrational instead of
considering the anticlassicism as a reaction to the classical forms, what
would emerge from the culture of the Cinquecento? Considering this point
of view we cannot conclude that Battisti reduces the Renaissance to its
classical forms, but he realizes that l’antirinascimento’s voices spoke louder
than the ones of the classicism at the time of the Renaissance:
“Il classicismo cinquecentesco, della corte di Leone X e
Giulio II, resta così, per ora, configurato come una cima
isolata fra due declivi – se non addirittura una valle fra
due altipiani – e analogamente il classicismo del primo
Quattrocento fiorentino (se non lo si interpreta come una
conclusione del classicismo medievale), appare addiritura
un roccione isolato, entro la brughiera o la selva fiorita del
29
tardogotico” .
The term antirinascimento does not consist, however, in an alternative
proposal with respect to other terms. Battisti often acknowledges that the
choice of his book’s title is a result of his ideas and it is not solid conclusion
of his studies. In L’antirinascimento: Alcune Riflessioni dieci anni dopo the
author balances the necessity to delimit styles and periods to understand
history, but he also recognizes the problems that arise from these
delimitations: […] “manierismo, antirinascimento? La mia opinione è oggi
30
più confuse che mai” .
The term tardo rinascimento has chronological limitations; anticlassicismo,
instead, is a very broad and vast definition; manierismo has too many
interpretations, sometimes even opposed; and antirinascimento wouldn’t be
different, as Battisti maintains. However, the main point we should not
forget is the second level of l’antirinascimento’s meaning that does not
29
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, pp. 14-15.
30
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. XXXVI.
219
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
originate only from the problems of the Cinquecento culture, but that also
pertains to issues of art historiography. In this way, l’antirinascimento is first
of all a theorization about art historian’s method, idealized as a vast
catalogue of the taste of the culture. As a consequence we can say that
l’antirinascimento is also the result of an interdisciplinary study.
It is worth recalling the text of 1978 – in which Battisti exposed his thoughts
about the meanings of mannerism – to better understand the terminology of
antirinascimento as a critical and methodological proposal. The studies
about the mannerism had different motivations in art history. As we saw
before, there were three important moments: from the beginning of the XX
century until the 1930’s, with the works of Alois Riegl, Max Dvořák and
Walter Friedländer; from the 1940’s to the 1950’s with the exhibitions
dedicated to the mannerism and the studies of Roberto Longhi, Luisa
Becherucci, Giuliano Briganti and S.J.Freedberg; and finally, during the
1960’s and the 1970’s, with Briganti and with Shearman and Craig Hugh
Smyth in the occasions of the congresses in New York and Rome.
In the text of 1977 Battisti analyses the uses of the term mannerism in
seven different historical phases. Even if the author calls them “historical
phases” they do not consist in a chronological reconstruction of the use of
the term mannerism. Battisti is interested, mainly, in understanding the
notion of mannerism stimulated by “simpatia” or “odio”, considered as
31
“esclusivi orientamenti di indagine e interessi” . The first historical phase is
32
characterized by “preocupazioni semantiche” , exemplified by the studies
of Dvořák that Battisti considered together with Leo Spizer’s Classical and
Christian Ideas of World Harmony, of 1944-45. The second phase is
33
determined by “coincidenza di gusto” , with as its most important
interpreter the XVº chapter of E.R.Curtius, Europäische Literatur und
31
BATTISTI, Eugenio. “Per un ampliamento del concetto di manierismo”. In: Annali dell’Istituto Storico
ítalo germânico in Trento, 1977. Bologna: Società Editrice il Mulino, 1978, p. 325.
32
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978.
33
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978.
220
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
lateinisches Mittelalter, of 1953 and Gustav René Hocke, Rowohlts
Deutsche Enzyklopädie. The third phase is concerned with a “vasta
34
indagine antiquaria e conoscitiva” promoted by Roberto Longhi’s work
that reminds of a catalogue that Battisti compares with the exhibitions
dedicated to Fontanebleau’s court (one in Naples, in 1952 and other in
Paris, in 1972-73). In this phase we find also S. J. Freedberg’s publications
of 1961 and 1971, committed to provide a date and a topography of the
High Renaissance. The fourth phase consists in some studies on the
concept of the mannerism and it is represented by two names: C.H.Smyth,
Mannerism and Maniera, of 1963 and Scrittori d’Arte, organized by Paola
35
Barrochi. The fifth phase is a “catalogazione per tematica” , made by
iconology’s methods or by the history of ideas. Battisti localized his
L’Antirinascimento in this phase (we will comment on this later). The sixth
phase is an expansion of the discussions about the mannerism in other
disciplines like architecture, music and literature. The main thinkers of this
phase are E. Lowinsky, M.L. Altieri Biagi, N. Borsellino, M. Costanzo, C.
Dionisotti, P. Camporesi, C. Ossola, Padre G. Pozzi, A. Quondam, E.
Raimondi, M. Rak, C. Segre, F. Ulivi and G. Weise. Finally the seventh
phase can be seeing as a beginning of a new perspective about the society
of a dominant culture of the Cinquecento, for which “le manifestazione del
manierismo finiscono per venire assorbite entro la cultura di corte del
36
periodo” . For this association between mannerism and the court Battisti
indicates Arnold Hauser as pioneer, especially with Storia Sociale dell’arte
e Sociologia dell’Arte. Battisti points out some studies like from L. Berti and
John Shearman, indicating also the triennial program of Centro di Studi
“Europa delle Corti”.
To come back to the fifth phase, defined as “catalogazione per tematica”,
Battisti writes:
34
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 326.
35
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 326.
36
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 327.
221
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
[...] “nonostante le critiche fatte (anche daí “puri”di uno e
dell’altro método) credo che il mio Antirinascimento
costituisca una fase importante, anche per avere
impostato il problema della doppia cultura, umanistica e
scientifica, da un latto; colta e popolare dall’altro, ed aver
tenuto in conto l’area antropologica e poi psicologica del
37
problema” .
Battisti classifies his L’Antirinascimento as an important contribution to the
studies of the mannerism especially because he intended to provide a vast
catalogue of the cultural ambiguities of the XVI century. Battisti looked for
the non homogeneity of the Cinquecento in every detail of its culture, but
his lenses focused more on the non official manifestations, so proposing
new artistic dialogues, as we can see in an example from chapter three Le
radici archeologiche delle fiabe: Battisti says we can understand better the
development of the arts during the XVI century if we look at the active
commerce of gems, stamps and jewelry instead of researching the
influences of the monumental statuary and the imperial architecture on the
38
general artistic scenario . According to the author, the same thing occurs
in literature: the XVI century culture consumed Cicero as much as Apuleio
and Ovid, considered by Battisti as “mostruose metamorfosi, fonti prime, in
39
campo poetico, del fantastico e del diabolico figurativo” .
This historiographical attitude applied by Battisti is opposed, as the author
says, to the “official” historiography, currently related to the Ottocento critic
and its consequences. It is worth reproducing here the introduction of the
third chapter where Battisti distinguishes both attitudes:
37
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 326.
38
Here Battisti, pp. 60-61, notes 8 and 10, refers to Baltrušaits, as Le moyen âge fantastique, Paris,
1960 and Réveils et prodiges. Le gothique fantanstique, Paris, 1960 and to Chastel’s works, as Les
médaillons du Palais Médicis et la cornaline de Cosme, in Art et humanisme à Florence au temps
de Laurent le Magnifique, Paris, 1959.
39
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. 61.
222
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
“Mentre in genere gli studiosi ottocenteschi del
rinascimento, di fronte all’imponente produzione pittorica
e monumentale, e al consapevole sorgere di
um’archeologia avente già aspetto scientifico, a scavi ed
esplorazioni accompagnati da volumi di documentazione
d’una grafica tuttora senza confronti, prodotti da una
editoria specializzata in libri illustrati, si stupivano per la
ricchezza di temi, di conoscenze, di immagini del
Cinquecento, oggi, meglio informati sulla vastità delle fonti
figurative note al medioevo, dovremmo forse meravigliarci
della quantità di lacune ed esclusioni, della limitatezza,
talvolta inspiegabile di informazione rispetto a ciò che già
prima era noto e a quanto sarebbe stato, poco dopo,
40
“scoperto” dallo storicismo illuminista e romantico” .
The proposal of a catalogue of the cultural manifestations of the
Cinquecento is linked, therefore, to a commitment in filling up the gaps and
what is left out by the Ottocento’s studies on the Renaissance. We could
say that this is one of the many proposals of his book, and so we could
place L’Antirinascimento in the historiographical tradition whose
auctoritates are Hiram Haydn, The Counter Renaissance (1950), Enrico
Castelli, Il demoniaco nell’arte (1952); Jurgius Baltrušaits, Le moyen âge
fantastique (1955) and Réveils et prodigies, Le gothique fantastique (1960);
just to name a few.
By insisting on a double meaning of L’Antirinascimento in order to get a
wider understanding of Battisti’s book, we can say that his cataloguemethod is linked to the first meaning. The expansion of the studies on the
Cinquecento is the main goal of his historiographical review and so the
prefix anti is the tool that instigates the oppositions to the official critic.
After analyzing this first meaning, we can understand better the second
one, that Weise did not take into consideration in his critical investigation of
L’Antirinascimento. To this aim we need to recall the 1978’s publication,
40
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 2005, p. 57.
223
Fernanda Marinho
The anthology of Mannerism
where Battisti compares the contemporary critic of art to the critic of art
from the Cinquecento. The differences between Ludovico Dolce and
Giorgio Vasari are understood by Battisti as incompatibilities of taste. While
Ludovico Dolce opposed the diligence of the artists of the Quattrocento to
majestic and softness forms – relating art to a direct dependency to nature
– Vasari focused on the artistic mental progress: he did not take into
account external conditions in the creative process neither any negative
aspect of the imitation, but he maintained that art comes from art. However,
what interested Battisti were not the debates developed in Venice’s and
Florence’s schools: for example the Venetian ideology of transforming art in
science and the Florentine violation of the common and scientific
experience in the name of art. Between the theoretical debates brought to
the fore by Dolce and Vasari there is a fundamental point in common that
inspired Battisti’s researches: “Tuttavia, ciò che accomuna i due critici ed i
loro ambiti culturale, è l’uso di identiche categorie retoriche, pro o contro,
41
magari di segno invertito, ma con ruolo, sempre di protagoniste primarie” .
“Gli uomini del cinquecento, poi, sono abbastanza cinici
da operare con le figure che piacciono o spiacciono al
loro pubblico. [...] Ecco così inscenata una battaglia che in
genere vede schierate dal lato positivo le personificazioni
della Convenienza, del Decoro, della Varietà,
dell’Imitazione, della Correzione, della Diligenza, della
Maestà, del Verosimile, e dall’altro, quelle del Capriccio,
42
della Licenza, dell’Affettazione, ecc” .
Those rhetoric categories are the criteria that modeled the critic judgments
of the thinkers of the Cinquecento. They were not structured by a single
visual model, but by a "metamodello che galleggia al di sopra delle varie
43
arti ed espressioni” . Battisti’s praise to the Cinquecento’s critic is due to
41
BATTISTI, Eugenio. “Per un ampliamento del concetto di manierismo”. In: Annali dell’Istituto Storico
ítalo germânico in Trento, 1977. Bologna: Società Editrice il Mulino, 1978, p. 339.
42
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, pp. 336-337.
43
BATTISTI, Eugenio. Op. cit., 1978, p. 336.
224
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
the abstractionist aspect and the artificiality of its modus operandi that
achieves a wide perspective of a global culture.
Battisti recalls Cesare Ripa’s Iconologia, a book that can be considered as
a dictionary of the rhetoric categories of the Cinquecento, in order to
exemplify the artificial level achieved in this culture. According to Battisti,
the personification of Capriccio – characterized between the dandy and the
mad, the intellectual libertine and the noble bohemian – is opposed to the
personification of Correzione – loved by the artist of the Quattrocento. But,
in contrast, Capriccio is closer to the personification of Invenzione – the one
that manifests the intellectual capacity of improving the works of nature.
With the attributes of the simian and with the mask, the personification of
Invenzione demonstrates the artistic model’s change during the
Quattrocento and Cinquecento.
Bearing in mind Battisti’s praise of the critics of art of the Cinquecento (and
44
considering his judgment of the contemporary critic as “troppo parolaia” )
we realize the depth of the term antirinascimento. The second meaning,
therefore, needs to be embraced as a rhetoric category of deconstruction
aimed to review the traditional historiography. Taking into consideration this
meaning the term renaissance, therefore, became the suffix of anti,
changing the semantic functions of its title and instigating new reflections
about the Renaissance and new methodological implications in the field of
art history.
44
Cf. Ibid., expression used by Battisti referring to the research of T. de Mauro, Il Linguaggio della
Critica d’Arte, 1965, that provides a list of 23 key-words repeated in art criticism, as “form”, “figure”
“style” and “taste”.
225
Fernanda Marinho
226
The anthology of Mannerism
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
À LA RECHERCHE DES DONATELLO PERDUS,
DE FLORENCE À BERLIN
Neville Rowley
Bode Museum / École du Louvre
Voici un siècle que la recherche la plus célèbre de la littérature mondiale
est celle du temps perdu. Dans la quête de Marcel Proust, les arts visuels
jouent un rôle clef, et tout particulièrement les peintures des Maîtres
anciens : une fresque de Botticelli ou un panneau de Vermeer peuvent,
dans le roman proustien, apporter une solution décisive aux deux grands
mystères de l’existence que sont l’amour et l’art. C’est face à une
reproduction d’un détail d’une fresque peinte par Sandro Botticelli dans la
chapelle Sixtine que Charles Swann tombe amoureux de la demi-mondaine
Odette de Crécy, dont il installe une photographie sur son bureau, à côté
du visage de Botticelli1. Des années plus tard, c’est devant la Vue de Delft
de Vermeer, appartenant au Mauristhuis de La Haye mais prêtée au musée
de l’Orangerie le temps d’une exposition, que le célèbre écrivain Bergotte
comprendra, au soir de sa vie, « comment [il] aurai[t] dû écrire ». Et
Bergotte de poursuivre son célèbre monologue intérieur : « Mes derniers
livres sont trop secs, il aurait fallu passer plusieurs couches de couleur,
rendre ma phrase elle-même précieuse, comme ce petit pan de mur
jaune2. » À la recherche du temps perdu est le roman du regret de ce qui a
*
Ce texte est issu d’une conférence prononcée le 9 février 2014 à l’Institut français de Londres (dans
le cadre du festival « View »), puis, sous une forme amplifiée, le 6 mars 2014 au Bode-Museum de
Berlin (sur l’invitation de la Kunstgeschichtliche Gesellschaft). Je remercie vivement Babette Buller,
Julien Chapuis, Donatien Grau, Grégoire Hallé, Michaela Humborg, Nicolas Joyeux, Hans-Ulrich
Kessler, Hartmut Krohm, Volker Krahn, Tobias Kunz, Klaus Leukers, Luiz Marques, Anika Rineke,
Joséphine Seblon-Prédignac et Adélia Sabatini. Le 8 mai 2014, j’ai suggéré à Julien Chapuis,
directeur adjoint du Bode-Museum, d’organiser une exposition pour marquer les soixante-dix ans de
la fin de la guerre ; au moment où j’écris ces lignes, celle-ci ouvre ses portes et occupe pas moins
de six salles à l’étage du musée (« Das verschwundene Museum. Die Berliner Skulpturen- und
Gemäldesammlungen 70 Jahre nach Kriegsende »). Julien Chapuis en a assuré le commissariat
général ; j’ai été chargé de l’accrochage de la section dédiée à Donatello [Fig. 13].
1
Marcel Proust, Du côté de chez Swann, Paris, Grasset, 1913 [À la recherche du temps perdu,
Paris, Gallimard – La Pléiade, I, 1987, p. 219-221].
2
Marcel Proust, La Prisonnière, Paris, Gallimard, 1923 [À la recherche du temps perdu, Paris,
227
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
disparu : l’enfance, l’adolescence – ce « temps perdu » que seul l’art a le
pouvoir de ramener à la vie. En lisant Proust, on peut donc se poser
légitimement une question qui manque étonnamment dans le roman : qui
peut donc bien ramener à la vie les œuvres d’art disparues ?
*
Prenons en premier lieu quelques exemples de disparitions, appliqués aux
peintres que nous venons de mentionner. Peu après l’achèvement du
chantier de la chapelle Sixtine, Botticelli participa à la décoration de la villa
médicéenne de Spedaletto, près de Volterra, en collaboration avec
Domenico Ghirlandaio, Filippino Lippi et Pérugin. « Tous les maîtres
susdits ont fait leurs preuves dans la chapelle du pape Sixte, excepté
Filippino », raconta peu après l’achèvement des fresques un agent du duc
de Milan Ludovic le More. « Mais ils les ont toutes faites [leurs preuves]
depuis au Spedaletto, et la palme est quasi incertaine3 ». Les décorations
de Spedaletto furent détruites au début du XIXe siècle, mais une telle
description suffit à les rendre précieuses – presque plus qu’une chapelle
Sixtine toujours à la portée du premier touriste venu. Le caractère
insaisissable de certaines œuvres leur donne en effet un attrait singulier, ce
que n’ignorait pas Botticelli lui-même : dans sa Calomnie aujourd’hui à la
Galerie des Offices, il recrée un tableau disparu du peintre grec Apelle, à
partir d’une description due au poète latin Lucien. Nul doute que le peintre
ne se serait pas donné tant de peine s’il s’était simplement agi de copier
une œuvre existante. La disparition stimule l’imagination4.
Le deuxième peintre dont j’ai fait mention, Johannes Vermeer, peut être
Gallimard – La Pléiade, III, 1988, p. 692].
3
Ronald Lightbown, Sandro Botticelli. Life and Work, Londres, Thames and Hudson, 1989 [traduction
française : Botticelli, Paris, Citadelles, 1990, p. 179].
4
Sur cette question, j’ai organisé un séminaire de recherche à la Villa Médicis en mars 2009 :
« Imiter ce qui a disparu. Les artistes modernes face aux lacunes de l’héritage antique ». Les
contributions ont été publiées séparément ; je me permets de renvoyer à Neville Rowley, « Filippo
Brunelleschi et l’invention de la peinture antique : une perspective nouvelle ? », 1492. Rivista della
Fondazione Piero della Francesca, IV-V, 2011-2012, p. 89-100.
228
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
associé à un autre type de disparition – de nature cette fois plus récente.
Dans la nuit du 18 mars 1990, treize chefs-d’œuvre furent dérobés à
l’Isabella Stewart Gardner Museum de Boston – dont notamment un
extraordinaire Concert de Vermeer. Cette perte est différente de celle de la
chapelle de Spedaletto. D’abord parce qu’elle est, on l’espère, provisoire –
même si l’enquête n’a pas abouti jusqu’à présent. Ensuite parce que les
photographies prises avant le vol conservent une mémoire de l’image.
Quand on sait ce que Proust pensait de la photographie, on peut d’abord
douter qu’il ait été extrêmement sensible à la puissance d’évocation de ce
tableau de Vermeer au seul moyen de sa reproduction – après tout,
Bergotte ne fit-il pas le déplacement au Musée du Jeu de Paume, en dépit
de sa santé chancelante, pour revoir de ses yeux la Vue de Delft et non se
contenter d’une simple reproduction5? Cette visite, du reste, ne devait pas
lui porter chance, Bergotte mourant juste après avoir reçu la révélation en
face du « petit pan de mur jaune », véritable prémonition de la fin de Proust
lui-même, disparu un an seulement après avoir assisté à ladite exposition,
qui se tint au Jeu de Paume au printemps 19216. S’il y a toujours quelque
chose de scandaleux à vouloir faire parler les morts, il me semble,
pourtant, que Proust n’aurait pas manqué d’être intéressé par l’accrochage
actuel de la salle du Gardner Museum où se trouvait le Vermeer : les
œuvres du musée ne pouvant être déplacées (sous peine d’aliéner le legs
d’Isabella Gardner à la ville de Boston), la place du Vermeer n’a pas été
prise par quelque autre toile : au lieu de se trouver devant le tableau, ou
devant une reproduction de celui-ci, le visiteur regarde maintenant un cadre
vide. Il n’est donc pas étonnant que certains artistes contemporains aient
reconnu la force d’évocation d’un dispositif muséal qui matérialise
l’absence7. L’œuvre a disparu, mais une partie de son aura reste encore à
5
Sur Proust et la photographie, voir le magnifique ouvrage de Jean-François Chevrier, Proust et la
photographie [1982], repris dans Proust et la photographie. La résurrection de Venise, Paris,
L’Arachnéen, 2009.
6
Voir Francis Haskell, The Ephemeral Museum. Old Master Paintings and the Rise of the Art
Exhibition, New Haven and London, Yale University Press, 2000 [traduction française : Le Musée
éphémère. Les maîtres anciens et l’essor des expositions, Paris, Gallimard, 2002, p. 208-212].
7
Voir l’exposition « Sophie Calle : Last Seen » organisée à l’Isabella Steward Gardner Museum de
229
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
Boston.
*
Je voudrais me concentrer à présent sur un artiste qui a toujours été réputé
pour avoir produit une énorme quantité de travaux : Donatello. Un tel choix
peut sembler hors de propos : ne serait-il pas plus judicieux de traiter de
quelqu’un ayant perdu tout ou partie de son œuvre ? Dans la Florence de
Donatello, celle des deux premiers tiers du XVe siècle, l’exemple de Filippo
Brunelleschi vient immédiatement à l’esprit. L’architecte novateur de la
coupole de la cathédrale de Florence fut d’abord orfèvre et sculpteur, mais
aussi peintre de toute première importance, puisque c’est à lui que l’on doit
l’invention de la perspective mathématique. De sa main, ne restent plus
que trois sculptures, tandis que les peintures manquent cruellement à
l’appel – les deux panneaux au moyen desquels Brunelleschi avait
démontré sa maîtrise de la perspective ayant disparu depuis longtemps8.
Cette absence de corpus a poussé maints chercheurs à tenter de
réinventer son œuvre – d’une manière qui n’a pas, pour l’instant, fait
l’unanimité9. Ce serait pourtant une erreur, me semble-t-il, de penser que
les nombreuses œuvres conservées de Donatello rendent négligeable
l’étude de celles qui manquent10.
Boston du 24 octobre 2013 au 3 mars 2014. En 2010, Sophie Calle a consacré une exposition à sa
mère défunte, montrant, à côté d’une photographie de cette dernière dans son cercueil, « le premier
tome d’À la recherche du temps perdu de Marcel Proust, dans la Pléiade, parce qu’elle [sa mère]
connaissait par cœur la première page et qu’elle la récitait dès qu’on la laissait faire » (interview de
l’artiste publiée par Éric Favreau, « “Rachel, Monique” : Calle de mère en fille », Libération [Next], 8
novembre 2010 : liberation.fr [consulté le 25 janvier 2014]).
8
La description des deux panneaux est due à Antonio Manetti, Vita di Filippo Brunelleschi [v. 1480],
Carlachiara Perrone éd., Rome, Salerno Editrice, 1992, p. 55 ; la meilleure exégèse de cette
expérience reste pour moi celle de Robert Klein, La Forme et l’Intelligible. Écrits sur la Renaissance
et l’art moderne, Paris, Gallimard, 1970, p. 280-283.
9
Pour l’œuvre sculpté, voir en particulier Luciano Bellosi, « Filippo Brunelleschi e la scultura »,
Prospettiva, 91-92, 1998, p. 48-69. Les trois sculptures attribuées à Brunelleschi sont certaines
parties de l’autel d’argent de San Jacopo dans la cathédrale de Pistoia, le relief du Sacrifice d’Isaac
réalisé en 1401-1402 pour le concours de la porte du baptistère de Florence (aujourd’hui au Musée
National du Bargello) et le Crucifix de l’église florentine de Santa Maria Novella.
10
Une œuvre disparue de Brunelleschi est directement liée à l’art de Donatello : il s’agit d’une Marie
Madeleine de bois sculptée pour l’église Santo Spirito et probablement disparue dans un incendie
230
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Selon les documents relatifs au chantier de la cathédrale de Florence, le
jeune Donatello aurait travaillé, entre 1409 et 1410, à la réalisation d’une
gigantesque sculpture représentant le prophète Josué et destinée à
décorer le sommet de l’un des contreforts ceignant le chœur de la
cathédrale11. Cette figure a aujourd’hui disparu, mais son importance n’en
reste pas moins majeure dans l’histoire de l’art de la Renaissance : il s’agit
de la première sculpture de terre cuite datable avec certitude qui ait
produite en Italie depuis l’Antiquité, inaugurant une fortune considérable
dans l’ensemble du monde occidental12. La relative fragilité de la terre cuite
explique pourquoi le Josué n’a pas traversé les siècles – il fut
probablement détruit au cours du XVIIIe siècle, alors qu’il était déjà
gravement endommagé par les conditions climatiques. Au milieu du XVIe
siècle, on pouvait encore voir sa silhouette monumentale se découper sur
le ciel florentin – si l’on en croit du moins une fresque peinte par Bernardino
Poccetti dans un cloître du couvent de San Marco [Fig. 1] 13 . C’était à
l’emplacement du Josué qu’était destinée une autre statue de Donatello
commencée en 1408 : un David de marbre, aujourd’hui au Musée National
dès 1471 ; comme le Crucifix de Santa Maria Novella avait été réalisé par Brunelleschi en réaction
à celui de Donatello à Santa Croce, la Madeleine est à mettre en relation avec celle de Donatello
autrefois au Baptistère et aujourd’hui conservée au Museo dell’Opera del Duomo de Florence.
11
Je travaille en ce moment, en collaboration avec Francesco Caglioti, Laura Cavazzini et Aldo Galli,
à un article qui récapitule les travaux du jeune Donatello ; je renvoie à sa parution prochaine pour
une discussion plus détaillée sur le sujet. Pour les documents relatifs au Josué, voir Giovanni
Poggi, Il Duomo di Firenze. Documenti sulla decorazione della chiesa e del campanile tratti
dall’archivio dell’Opera, parti I-IX, Berlin, Bruno Cassirer Editore, 1909 [édition consultée: Margaret
Haines éd., Florence, Edizioni Medicea, 1988, docs. 415-421, et sans doute également doc. 175].
12
Luciano Bellosi et Giancarlo Gentilini, « Una nuova Madonna in terracotta del giovane Donatello »,
Pantheon, LIV, 1996, p. 19-26 (repris dans : Una nuova Madonna in terracotta del giovane
Donatello, cat. expo [Turin, Antichi Maestri Pittori, 4 avril-30 mai 1998], Turin, Antichi Maestri Pittori,
1998, p. 7-9) estiment que les armes du podestat Mastino di Arrigho dei conti de’ Roberti di San
Martino da Ferrara (1413-1415) constituent « la plus ancienne sculpture en terre cuite datable avec
certitude », oubliant le Josué dont ils parlent pourtant quelques pages plus loin. Luciano Bellosi,
« Ipotesi sull’origine delle terrecotte quattrocentesche », dans Giulietta Chelazzi Dini (éd.), Jacopo
della Quercia fra Gotico e Rinascimento, actes de colloque (Sienne, Facoltà di Lettere e Filosofia,
2-5 octobre 1975), Florence, Centro Di, 1977, p. 167 a mis en relation le renouveau de la terre cuite
avec celui des auteurs antiques, Pline l’Ancien décrivant le modelage et la cuisson de l’argile au
livre XXXV de son Histoire naturelle.
13
La documentation visuelle sur le Josué et les « géants » ornant les contreforts de la cathédrale de
Florence est assez contradictoire et mériterait une étude spécifique.
231
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
du Bargello. Mise en place l’année suivante en haut d’un contrefort, l’œuvre
fut très vite ôtée car on la jugeait trop petite pour pouvoir être appréciée
d’aussi loin (elle mesure moins de deux mètres) 14 . Donatello comprit
immédiatement que ce problème de dimensions était lié à une question de
médium : un bloc de marbre de quelque cinq mètres de longueur était
chose trop difficile à extraire et à convoyer, trop fastidieuse à tailler et trop
risquée à mettre en place en hauteur. Sur les contreforts, il fallait une
sculpture dans une autre matière : elle serait en terre cuite et peinte en
blanc pour lui donner les atours du marbre.
Au même titre que les deux reliefs du concours de la porte du Baptistère ou
que les panneaux de Brunelleschi démontrant le réalisme de la perspective
mathématique, le Josué devrait entrer dans le corpus de ces œuvres
chères aux historiens de l’art car elles leur permettent de marquer les
ruptures. Mais l’œuvre ne constitue pas seulement une preuve de la
modernité de la sculpture florentine du début du Quattrocento ; près d’un
siècle après sa création, elle allait devenir un repoussoir pour le plus
brillant héritier de Donatello : Michel-Ange15. L’histoire du David de MichelAnge est aussi célèbre qu’elle est racontée, le plus souvent, de manière
partielle : on a beaucoup glosé sur la fortune de cet immense bloc de
marbre, laissé inachevé par Agostino di Duccio puis retravaillé sans plus de
succès par Antonio Rossellino, avant que Michel-Ange n’en fasse un chefd’œuvre ; on mentionne parfois que la destination originelle du David était
précisément les contreforts de la cathédrale, mais sans en tirer toutes les
conséquences16. En réalisant une sculpture devant prendre place à côté du
Josué sans doute déjà délavé, et en reprenant l’iconographie du premier
David de Donatello, Michel-Ange voulait montrer publiquement qu’il valait
14
Il est aussi possible que la statue montée sur les contreforts ait été l’Isaïe dû à Nanni di Banco,
aujourd’hui dans la cathédrale.
15
L’apprentissage de Michel-Ange au palais Médicis, auprès de l’un des élèves les plus fidèles de
Donatello, Bertoldo di Giovanni, établit une filiation directe entre le jeune sculpteur et son illustre
prédécesseur.
16
Le 12 novembre 2010, une réplique grandeur nature de la statue fut installée à sa destination
originelle supposée [Fig. 2].
232
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
bien mieux que celui qui était considéré à juste titre comme l’un des pères
de la Renaissance florentine : si Donatello avait contourné la difficulté,
Michel-Ange l’avait affrontée – et brillamment surmontée. En dépit de sa
disparition, le Josué permet donc d’éclairer la genèse de l’une des
sculptures les plus fameuses de l’histoire de l’art.
Si le David allait être installé dès 1504 sur la place de la Seigneurie plutôt
que sur les contreforts de la cathédrale, c’est parce que sa valeur
esthétique n’avait pas échappé à la République florentine, qui décida
immédiatement d’en faire un symbole civique. Un tel honneur avait été
accordé à plusieurs reprises à Donatello, dont la Judith occupait depuis
1495 l’emplacement précis qu’allait avoir le David de Michel-Ange17. Dès
1416, le David de marbre de Donatello (celui qui était initialement destiné à
orner un contrefort de la cathédrale) avait été acquis par la Seigneurie pour
être exposé au Palais Vecchio. Au Vieux Marché de Florence, Donatello
réalisa également, entre 1429 et 1430, une sculpture représentant une
allégorie de la richesse ou Dovizia, qui couronnait une colonne antique de
six mètres de hauteur. Comme le Josué, la statue fut endommagée à force
d’être exposée à l’air libre ; elle fut remplacée au début du XVIIIe siècle par
une œuvre de même sujet due à Giovanni Battista Foggini. L’aspect
d’origine de la Dovizia peut être déduit à partir de certaines vues anciennes
[Fig. 3], mais aussi d’œuvres de même iconographie produites dans
l’atelier des Della Robbia au tournant du XVIe siècle [Fig. 4]. La faveur dont
jouit un tel thème s’explique par le sens symbolique de la sculpture, l’une
des premières depuis l’Antiquité à être érigée au sommet d’une colonne
antique, là où se situait le centre de l’ancienne ville romaine de Florence :
pour la Seigneurie, l’œuvre constituait une référence explicite à la
générosité de l’État florentin, procurant richesse matérielle et spirituelle à
ses habitants dans la lignée de la République romaine18.
17
Sur la fortune de la Judith, commandée en 1457 par les Médicis et saisie en 1495, voir Francesco
Caglioti, Donatello e i Medici. Storia del David e della Giuditta, Florence, Olschki, 2000.
18
Sur la question de la Dovizia, je renvoie aux différentes notices dans Maria Monica Donato et
Daniela Parenti (éds.), Dal Giglio al David. Arte civica a Firenze fra Medioevo e Rinascimento, cat.
expo. (Florence, Gallerie dell’Accademia, 14 mai-8 décembre 2013), Florence, Giunti, 2013, p. 268233
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
De manière paradoxale, la Dovizia est devenue l’une des œuvres les plus
étudiées de Donatello : une fois mis en évidence, le sens politique de la
statue était trop important pour pouvoir être passé sous silence par les
historiens de la culture19. D’un point de vue formel, l’attitude de la Dovizia a
également suscité des rapprochements répétés, notamment avec ces
jeunes filles à la robe virevoltante qui portent sur leur tête une corbeille et
que l’on trouve dans plusieurs peintures majeures du Quattrocento : de
Filippo Lippi dans son tondo conservé au Palais Pitti de Florence, à
Domenico Ghirlandaio dans ses fresques du chœur de l’église florentine de
Santa Maria Novella, sans oublier Sandro Botticelli, sur les murs de la
chapelle Sixtine à Rome, non loin de la fresque chère à Charles Swann. À
cette liste impressionnante mais loin d’être exhaustive, on peut juger de
toute l’importance qu’avaient les œuvres de Donatello pour les peintres
florentins, et cela tout au long du Quattrocento.
Ces trois figures peintes ont pourtant été d’abord regroupées par un
célèbre historien de l’art qui ignorait tout – apparemment – de la Dovizia :
Aby Warburg. Sur la planche 46 de son Atlas Mnémosyne [Fig. 5],
formidable assemblage d’images réalisé dans les années 1920 (et sans
doute d’autant plus remarquable que Warburg est mort sans nous laisser
toutes les clefs de son gigantesque rébus), on trouve en effet les trois
femmes au drapé virevoltant de Lippi, Ghirlandaio et Botticelli que, plutôt
que de reconduire à une statue perdue de Donatello, Warburg préférait
interpréter comme trois manifestations d’une « survivance des dieux
antiques », résurgence presque inconsciente de l’art de l’Antiquité20. Il ne
275.
19
Dans les années 1980, pas moins de deux articles ont été consacrée à la question : voir David G.
Wilkins, « Donatello’s Lost ‘Dovizia’ for the Mercato Vecchio: Wealth and Charity as Florentine Civic
Virtues », The Art Bulletin, LXV, n°3, septembre 1983, p. 401-423 ; et Sarah Blake Wilk,
« Donatello’s ‘Dovizia’ as an Image of Florentine Political Propaganda », Artibus et Historiae, VII,
n°14, 1986, p. 9-28.
20
Aby Warburg, L’Atlas Mnémosyne [1920-1929], Paris, L’Écarquillé, 2012, p. 140-141. La citation
entre guillemets est une référence au livre de Jean Seznec, La Survivance des dieux antiques.
Essai sur le rôle de la tradition mythologique dans l’humanisme et dans l’art de la Renaissance,
Londres, The Warburg Institute, 1940. Sur le drapé de la figure féminine qu’il appelle la « ninfa »,
voir Georges Didi-Huberman, Ninfa Moderna. Essai sur le drapé tombé, Paris, Gallimard, 2002.
234
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
s’agit évidemment pas ici de contester la fécondité de la pensée
warburghienne, qui ne cesse d’irriguer la culture contemporaine. Je me
contenterai de souligner ce fait : c’est sans doute parce qu’il ignorait que la
source précise des femmes drapées florentines se trouvait dans une statue
de Donatello que Warburg a pu appliquer à ce motif sa théorie des
« formules de pathos ». Tout comme la disparition de la peinture antique
permettait aux artistes de la Renaissance, Botticelli in primis, de se
revendiquer d’une telle tradition tout en la réinventant en grande partie,
l’œuvre disparue (et provisoirement oubliée) permet parfois à l’historien de
l’art de formuler ses théories les plus fécondes21.
*
Aby Warburg mourut à Hambourg le 26 octobre 1929, deux jours après le
« jeudi noir » de Wall Street. Moins de quatre ans plus tard, tout l’héritage
qu’il avait constitué – à commencer par sa bibliothèque aux dizaines de
milliers de volumes – se trouvait menacé par l’arrivée des Nazis au
pouvoir : les Warburg étaient d’ascendance juive. La bibliothèque fut
transférée en toute hâte de Hambourg vers Londres – où elle se trouve
encore aujourd’hui. Même s’il n’y eut pas de destruction dans ce cas, le
souvenir de ces événements tragiques me permet d’évoquer à présent les
œuvres de Donatello qui ont disparu dans un passé beaucoup plus proche
que le Josué ou la Dovizia. Cette partie de l’histoire ne se passe plus à
Florence, mais à Berlin, au sortir de la Seconde Guerre mondiale. Les
œuvres dont il sera question appartenaient au musée, qui, avant d’être
baptisé Bode-Museum en 1956, s’appelait le Kaiser-Friedrich-Museum.
Il convient d’abord de souligner qu’il reste encore bien des créations de
Donatello au Bode-Museum, l’un des endroits au monde, hors de Florence,
où l’on trouve le plus d’œuvres de l’artiste. Certaines sont même dans un
21
Il est possible qu’Aby Warburg ait eu connaissance de l’existence de la Dovizia, signalée dès 1908
par Heinrich Brockhaus, « Die große alte Ansicht von Florenz in Berlin », Mitteilungen des
Kunsthistorischen Instituts in Florenz, I, automne 1908, p. 71 et entrée peu après dans la littérature
sur Donatello (Émile Bertaux, Donatello, Paris, Plon, 1910, p. 127-128). De toute évidence, c’était
l’image de l’œuvre qui lui manquait.
235
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
état de conservation remarquable : il s’agit le plus souvent de sculptures
qui furent évacuées de Berlin en mars 1945, alors que l’Armée rouge était
aux portes de la capitale allemande. La majorité de ces œuvres furent
saisies peu après par les troupes américaines et ne revinrent à Berlin
Ouest qu’une décennie plus tard. À l’Est, l’ancien Kaiser-Friedrich-Museum
perdait donc son nom par trop impérialiste ; il exposerait bientôt les
peintures et sculptures restées à Berlin pendant la guerre et
temporairement emportées à Moscou par les troupes soviétiques22.
Contrairement aux collections évacuées de la ville, ce dernier ensemble ne
sortit pas indemne du conflit. Bien au contraire : des milliers d’œuvres
restées à Berlin furent entièrement ou partiellement brûlées lors de deux
incendies qui se déclarèrent dans l’un des principaux dépôts de la ville, le
Flakbunker de Friedrichshain. Depuis 1945, nombreuses sont celles qui
manquent à l’appel ; les historiens de l’art les mentionnent souvent comme
« anciennement au Kaiser-Friedrich-Museum de Berlin », parfois complété
d’une précision nécrologique : « détruit en 1945 ». Certaines sont plus
connues que d’autres, à l’image du Règne de Pan, peint par Luca Signorelli
pour les Médicis ou du Saint Matthieu rédigeant son évangile de Caravage
réalisé pour l’église Saint-Louis-des-Français de Rome. Comme la Dovizia,
et même plus encore car il en existe des photographies (parfois en
couleurs), de tels chefs-d’œuvre sont toujours présents dans les mémoires
– même s’ils sont bien sûr absents des expositions temporaires et de bien
des livres destinés au grand public23. La majorité des autres œuvres ont
sombré dans un oubli plus ou moins profond – ainsi d’une statue de bronze
représentant Saint Jean-Baptiste [Fig. 6], achetée par Wilhelm Bode en
22
Pour une synthèse sur cette question, voir Klaus-Dieter Lehmann, Günther Schauerte et Uta
Barbara Ullrich (éds.), Kulturschätze – verlagert und vermißt. Eine Bestandsaufnahme der Stiftung
Preußischer Kulturbesitz 60 Jahre nach Kriegsende, Berlin, Stiftung Preußischer Kulturbesitz, 2004.
23
Le Saint Matthieu de Caravage figure cependant dans le chapitre introductif de l’Histoire de l’art
d’Ernst Gombrich – la première édition de l’ouvrage, parue en 1950, ne signale pas encore l’œuvre
comme disparue (E. H. Gombrich, The Story of Art, Londres, Phaidon, p. 13). Une photographie en
couleurs du Règne de Pan de Signorelli a été publiée par Hannelore Nützmann,
« Wiedergefundenen und Verloren Luca Signorellis “Pan” », Jahrbuch preußischer Kulturbesitz,
XXXII, 1995, p. 269.
236
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
1878 à la famille Strozzi de Florence, qui l’avait elle-même héritée des
Martelli, grands protecteurs de Donatello 24 . Alors que la littérature
artistique, avant-guerre, considérait cette sculpture comme un chefd’œuvre de l’artiste, les historiens de l’art ont progressivement mis en
cause son attribution à partir du moment où ils n’avaient plus l’œuvre sous
les yeux25. Depuis le début de ce siècle, rares sont les spécialistes de
Donatello à avoir pris le temps de la mentionner dans leurs notes de bas de
page26. La conséquence est inévitable : non content d’avoir physiquement
disparu, le Jean-Baptiste de bronze a presque été rayé de la mémoire
commune – de celle des scientifiques comme de celle du public27.
Dans une moindre mesure, on doit élargir ce triste constat à d’autres
24
Sur la provenance du Saint Jean-Baptiste, voir Elizabeth Cropper, « Prolegomena to a New
Interpretation of Bronzino’s Florentine Portraits », dans Andrew Morrogh et al. (éds.), Renaissance
Studies in Honor of Craig Hugh Smyth, II. Art. Architecture, Florence, Giunti Barberà, 1985, p. 154
et 159 notes 23 et 32. Il n’existe à ma connaissance qu’une seule photographie du Saint JeanBaptiste dans les salles des Musées de Berlin [Fig. 7] : elle date des environs de 1896, à l’époque
où le cabinet des bronzes italiens était situé au Neues Museum (voir Volker Krahn, « Venedig an
der Spree. Der Bronzeraum im Kaiser-Friedrich-Museum », dans Martin Gaier, Bend Nicolai et
Tristan Weddigen [éds.], Der unbestechliche Blick. Lo sguardo incorruttibile. Festschrift zu Ehren
von Wolfgang Wolters zu seinem seibzigsten Geburtstag, Trèves, Porta Alba, 2005, p. 87 et p. 88
fig. 2).
25
Voir notamment la monographie faisant toujours autorité sur Donatello : H. W. Janson, The
Sculpture of Donatello, Princeton, Princeton University Press, 1957, II, p. 246-247.
26
Francesco Caglioti, op. cit. (voir note 17), I, p. 253 note 118 ; Beatrice Paolozzi Strozzi, “Donatello e
Desiderio. Una proposta e qualche riflessione intorno al San Giovanni Battista Martelli”, dans Marc
Bormand, Beatrice Paolozzi Strozzi et Nicholas Penny (éds.), Desiderio da Settignano. La scoperta
della grazia nella scultura del Rinascimento, cat. expo. (Paris, Musée du Louvre, 27 octobre 200622 janvier 2007; Florence, Museo Nazionale del Bargello, 22 février 2007-3 juin 2007; Washington,
er
National Gallery of Art, 1 juillet 2007-8 octobre 2007), Paris et Milan, Musée du Louvre et 5
Continents, 2007, p. 73 note 9.
27
De manière significative, la discussion la plus récente concernant le Saint Jean-Baptiste se trouve
dans une monographie consacrée aux frères Pollaiolo (Allison Wright, The Pollaiolo Brothers. The
Arts of Florence and Rome, New Haven und London, Yale University Press, 2005, p. 351-353) ;
l’auteur y suit une attribution à Antonio del Pollaiolo due à John Pope-Hennessy,
« Connoisseurship », dans idem, The Study and Criticism of Italian Sculpture, New York et
Princeton, The Metropolitan Museum of Art et Princeton University Press, 1980, p. 29-31 et p. 38
notes 28 et 29. Cette attribution est, à bon droit, passée sous silence dans le catalogue de la
récente exposition sur les frères Pollaiolo (Aldo Galli et Andrea Di Lorenzo [éds.­], Antonio e Piero
Pollaiolo. “Nell’argento e nell’oro, in pittura e nel bronzo…”, cat. expo. [Milan, Museo Poldi Pezzoli,
7 novembre 2014-16 février 2015], Milan, Skira, 2014) ; le Saint Jean-Baptiste doit en effet revenir à
Donatello lui même. Je renvoie à la parution prochaine de mon catalogue en ligne des sculptures de
Donatello conservées ou ayant été conservées par les Musées de Berlin.
237
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
œuvres donatelliennes qui se trouvaient dans le bunker de Friedrichshain
en 1945 et qui, même si elles n’ont pas totalement disparu, ont été
grandement endommagées par le feu. Que penser de toutes ces Vierges à
l’Enfant du XVe siècle italien, directement influencées par la manière de
Donatello, et dont l’état de conservation précaire et l’absence de moyens
pour les restaurer a conduit à la prudente décision de les stocker dans les
réserves du musée [Fig. 8] ? Ne court-on pas le risque de laisser croire au
public – et même aux spécialistes – que ces œuvres ont elles aussi disparu
en 194528 ? À les regarder attentivement, on est frappé, malgré des états
de conservation parfois précaires, par la beauté miraculeusement intacte
de certains détails [Fig. 10] – une beauté qui ne relève pas selon moi d’un
simple culte du fragment. Les incendies de 1945 n’ont donc pas réussi à
détruire toute la valeur esthétique des œuvres endommagées dans le
bunker de Friedrichshain.
D’autres œuvres endommagées en 1945 sont certes exposées dans les
salles du musée, mais quelque chose s’est souvent irrémédiablement
perdu : pour une Vierge à l’Enfant en terre cuite, certainement due à
Donatello [Fig. 11], il s’agit en l’occurrence d’une magnifique polychromie,
dont témoigne une rare photographie en couleurs, prise dans les années
1920 pour illustrer un livre de divulgation écrit par Bode lui-même [Fig.
12]29. À mettre côte à côte photographie ancienne et œuvre actuelle, on en
vient à se poser une question inattendue : où est l’œuvre originale ? Celle
qui avait sa couleur d’époque, dont le souvenir est préservé par la
photographie, ou bien la terre cuite que l’on peut voir dans les salles du
musée – et qui laisse apparaître au grand jour un modelé d’une grande
28
En 2006, lors de la réouverture du Bode-Museum après une vaste restauration, une « galerie
d’études » réservée aux œuvres endommagées en 1945 [Fig. 9] avait été mise en place par le
e
e
conservateur des sculptures italiennes des XIV et XV siècles, Michael Knuth (1949-2010). Elle a
disparu en 2011.
29
Wilhelm von Bode, Die Kunst der Frührenaissance in Italien, Berlin, Propyläen-Verlag, 1923, p. 211
pl. IV. Il reste de cette œuvre une photographie prise avant sa restauration, effectuée en Union
Soviétique au milieu des années 1950, montrant la sculpture en morceaux [Fig. 13]. Ces deux
photos ont été publiées par Michael Knuth, « Die Lösung stand im Bücherregal », Sculptura.
European Sculpture Fair, catalogue de vente (Berlin, Deutsches Historisches Museum, 12-16
novembre 2008), p. 10-11.
238
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
expressivité ? Je me garderai bien de proposer une réponse à cette
alternative, car je suis convaincu que l’image en couleurs autant que la
statue « monochrome » sont des fragments de la vérité de l’œuvre.
Un tel exemple montre bien que les destructions survenues lors de la
Seconde Guerre mondiale donnent aux photographies des œuvres
effectuées avant-guerre une saveur toute particulière – à Berlin comme
ailleurs, du reste ; je ne peux m’empêcher de mentionner les fresques
peintes par Andrea Mantegna dans la chapelle Ovetari de l’église des
Eremitani de Padoue, détruites ou presque à la suite d’un bombardement
américain et dont on ne peut se faire une idée, à la fois précise et fausse,
que par le biais des photographies d’avant-guerre, et notamment celles aux
couleurs jaunies prises dans les années 1930 ; restent également des
descriptions mémorables, et notamment celle de Marcel Proust30. Trouver
une hypothétique photographie en couleurs du Saint Jean-Baptiste de
Donatello ne changerait pas grand-chose à notre perception de l’objet31.
Mais regardons plus attentivement la seule photographie d’ensemble de
l’œuvre à avoir été conservée : la trace noire dans le coin supérieur gauche
et sur le visage du saint est le signe de sa technique d’exécution, à partir
d’une plaque de verre rayée à ces endroits. Cette plaque existe dans les
archives du musée [Fig. 14] – une présence d’autant plus remarquable que
30
Marcel Proust, Du côté de chez Swann, cit. (note 1), p. 318 : « À quelques pas, un grand gaillard en
livrée rêvait, immobile, sculptural, inutile, comme ce guerrier purement décoratif qu’on voit dans les
tableaux les plus tumultueux de Mantegna, songer, appuyé sur son bouclier, tandis qu’on se
précipite et qu’on s’égorge à côté de lui ; détaché du groupe de ses camarades qui s’empressaient
autour de Swann, il semblait aussi résolu à se désintéresser de cette scène, qu’il suivait vaguement
de ses yeux glauques et cruels, que si ç’eût été le massacre des Innocents ou le martyre de saint
Jacques. Il semblait précisément appartenir à cette race disparue – ou qui peut-être n’exista jamais
que dans le retable de San Zeno et les fresques des Eremitani où Swann l’avait approchée et où
elle rêve encore – issue de la fécondation d’une statue antique par quelque modèle padouan du
Maître ou quelque saxon d’Albert Dürer. » Deux tentatives récentes de reconstitution de la chapelle
ont été effectuées en 2006 : la première concerne une modélisation virtuelle, la seconde une remise
en place des tesselles conservées. Voir Alberta de Nicolò Salmazo, Anna Maria Spiazzi et
Domenico Toniolo (éds.), Andrea Mantegna e i maestri della Cappella Ovetari. La ricomposizione
virtuale e il restauro, Milan, Skira, 2006.
31
Une archive filmée serait d’une toute autre valeur ; le récent livre de Bénédicte Savoy, “Vom
Faustkeil zum Handgranate”. Filmpropaganda für di Berliner Museen 1934-1939, Vienne, Cologne
et Weimar, Böhlau, 2014 nous le laisse presque espérer.
239
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
tout indique qu’elle y a passé la guerre et survécu aux bombardements
puis aux séquestrations soviétiques32. La perte de l’œuvre originale donne
à ce négatif, me semble-t-il, une importance capitale : cette plaque a « vu »
le Donatello disparu, elle en est en quelque sorte le témoin ; tout à la fois
document de travail et trace palpable et émouvante de l’aura de l’œuvre.
Il reste à Berlin une autre empreinte du Saint Jean-Baptiste : la matrice qui
sert, encore aujourd’hui, à en faire des moulages [Fig. 15]33. D’atelier où
l’on réplique à moindre prix des œuvres originales, la Gipsformerei de
Berlin doit également être considérée comme un lieu de mémoire privilégié
des œuvres disparues. Jusqu’à la fin du XIXe siècle, les moulages avaient
toute leur place dans les plus grands musées, surtout quand ils étaient
calqués sur les monuments d’Italie, que l’on considérait comme les plus
beaux. C’est même en partie pour veiller à la collection de moulages que le
jeune Wilhelm Bode est entré, à vingt-sept ans seulement, au service des
Musées de Berlin – qu’en un demi-siècle d’infatigable activité il allait
fortement contribuer à débarrasser de la présence de ces copies. Les
acquisitions spectaculaires d’œuvres originales qu’il avait les moyens de
faire, ainsi qu’un changement de goût général ont eu progressivement
raison d’une pratique autrefois commune. Aujourd’hui cependant, l’histoire
a placé les Musées de Berlin dans une toute autre situation : à la capacité
d’acquisition bien moindre qu’il y a un siècle s’ajoute le fait qu’une partie de
la collection historique manque depuis 1945. Ne serait-il pas temps de faire
de nouveau place aux moulages dans les murs du Bode-Museum, ne
serait-ce que pour donner au public une idée de ce que fut la formidable
collection amassée en grande partie par Bode ?
La recherche des Donatello perdus n’est pas achevée : il est probable que
32
Selon Babette Buller, responsable des archives au Bode-Museum (communication orale, janvier
2015), les plaques de verres sont restées près d’un siècle dans des armoires qui n’ont été enlevées
qu’au moment de la restauration du musée.
33
Le moulage de référence du Baptiste [Fig. 15], qui date de 1878, est lui aussi conservé ; comme le
moule, il se trouve à la Gipsformerei. La position différente du bras gauche du Baptiste entre le
moulage et la photographie [Fig. 6] est le signe d’une restauration de l’œuvre survenue après 1896
(voir Fig. 7, où le bras est dans la même position que le modèle).
240
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
le Saint Jean-Baptiste se trouve aujourd’hui en Russie, stocké depuis près
de soixante-dix ans dans les caves secrètes de quelque musée34. Il est du
ressort des musées russes de déterminer l’existence éventuelle d’œuvres
berlinoises qui n’auraient pas été restituées par les Soviétiques dans les
années 1950, et dont l’appartenance légale doit être déterminée au niveau
gouvernemental. Que peut faire le Bode-Museum, dans l’attente d’une
possible réémergence ? Rien d’autre que de cultiver la mémoire de ces
objets, d’en montrer des photographies ou des moulages, de continuer de
les étudier pour préserver leur place dans l’histoire de l’art. Il n’est pas
question ici de revendiquer la possession d’œuvres dont on ne sait plus à
qui elles appartiennent, ni même si elles existent encore (et, le cas
échéant, dans quel état), mais de se souvenir des décennies qu’elles ont
incontestablement passées sur les bords de la Spree, au Kaiser-FriedrichMuseum, en compagnie des sculptures que l’on peut toujours voir au BodeMuseum et des peintures qui sont maintenant au Kulturforum. Préserver
cette mémoire renvoie immanquablement à une période éminemment triste
de l’histoire allemande et mondiale, ce qu’il ne s’agit pas de nier. À cette
tristesse doit toutefois s’ajouter la volonté de rendre justice à l’histoire de
l’art, et, dans le cas qui nous occupe, à l’un des plus grands sculpteurs de
tous les temps, Donatello, dont les œuvres disparues ont exercé et
exercent une singulière aura, que ce soit par le biais des échos qu’elles ont
suscité à Florence ou par les reproductions qui ont pu en être faites à
Berlin. Il n’en est que plus regrettable que, dans toute sa Recherche,
Marcel Proust soit passé à côté de l’art du sculpteur florentin.
34
Voir Konstantin Akinscha, Grigori Koslow et Clemens Toussaint, « Russische Dokumente zur
Beutekunst. Bemerkungen zum Aktenfonds Akinscha/Koslow im Archiv des Germanischen
Nationalmuseums », Anzeiger des Germanischen Nationalmuseums, 1997, p. 149.
241
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
Figure 1
Bernardino Poccetti
Saint Antonin, ordonné archevêque, entre dans la cathédrale de Florence (détail)
Florence, couvent de San Marco, cloître de Saint Antonin
242
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 2
Copie en résine du David de marbre de Michel-Ange
placé sur l’un des contreforts soutenant le chœur
de la cathédrale de Florence, le 12 novembre 2010
Figure 3
Peintre florentin
Le Vieux Marché de Florence, XVIIe siècle
Huile sur toile, 115,5 x 196 cm
Florence, Collections de la Cassa di Risparmio
243
Neville Rowley
Figure 4
Benedetto Buglioni
Dovizia, vers 1510-1520
Terre cuite vernissée, h. 125 cm
Berlin, Bode-Museum (réserves)
244
À la recherche des Donatello perdus
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 5
Aby Warburg
Atlas Mnémosyne, 1920-1929, planche 46
245
Neville Rowley
Figure 6
Donatello
Saint Jean-Baptiste, vers 1455
Bronze, h. 84 cm
Autrefois à Berlin, Kaiser-Friedrich-Museum (disparu en 1945)
246
À la recherche des Donatello perdus
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 7
Cabinet des bronzes des musées
de Berlin au Neues Museum, vers 1896
Figure 8
Réserves du Bode-Museum
Berlin (2014)
247
Neville Rowley
Figure 9
Studiengalerie du Bode-Museum
de Berlin (2006-2011)
Figure 10
Entourage de Donatello
Vierge à l’Enfant entre deux anges,
saint François et saint Antoine (détail), vers 1460
Stuc polychrome, 78,5 x 81,5 cm
Berlin, Bode-Museum (réserves)
248
À la recherche des Donatello perdus
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 11
Donatello
Vierge à l’Enfant avec quatre chérubins, vers 1440-1445
Terre cuite autrefois polychrome, 102 x 72 cm
Berlin, Bode-Museum
249
Neville Rowley
À la recherche des Donatello perdus
Figure 12
Donatello
Vierge à l’Enfant avec quatre chérubins, état avant 1945
(Photo tirée de Wilhelm von Bode, Die Kunst der Frühenrenaissance in Italien,
Berlin, Propylaën-Verlag, 1923, pl. IV)
250
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 13
Vue de la salle Donatello de l’exposition « Das
verschwundene Museum. Die Berliner Skulpturen- und
Gemäldesammlungen 70 Jahre nach Kriegsende »
(Berlin, Bode-Museum, 19 mars-27 septembre 2015)
251
Neville Rowley
Figure 14
Donatello
Saint Jean-Baptiste
Plaque photographique, vers 1920
Berlin, Bode-Museum
252
À la recherche des Donatello perdus
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 15
Donatello
Saint Jean-Baptiste
Moulage original, vers 1878
Berlin, Gipsformerei
253
Neville Rowley
254
À la recherche des Donatello perdus
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
LES QUATRE REPRESENTATIONS DE LA MORT
D’OPHELIE D’EUGENE DELACROIX
Luciana Lourenço Paes
Eugène Delacroix a produit quatre œuvres représentant Ophélie au
1
moment de sa mort : une peinture faite en 1838 chez son ami, Fréderic
Villot (1809-1875), à Champrosay (aujourd’hui à la Pinacothèque de
Munich) [Fig. 1] ; une lithographie qui fait partie de la série de treize
gravures illustrant Hamlet, de Shakespeare, publiée en 1843 chez les
frères Gihaut (le musée Eugène Delacroix à Paris, possède les pierres
lithographiques originales) [Fig. 2] ; une autre peinture de 1844 (Oscar
Reinhardt Museum “am Römerholz”, Winterthur) [Fig. 3] et une dernière
exécutée et vendue, en 1853, au marchand de tableaux Georges Thomas
(aujourd’hui au Musée du Louvre, Paris), selon une page du Journal de
2
l’artiste [Fig. 4].
Les quatre œuvres sont très semblables. Il y a de subtiles variations dans
leur composition, Delacroix expérimentant un effet de proscenium et un
autre plus proche du spectateur ; il y a également des différences dans les
éléments qui composent le paysage. En outre, la peinture de Munich est
presque monochromatique ; celle de 1844 est, comparativement aux deux
autres, plus achevée et, dans celle de 1853, le corps d’Ophélie apparaît
1
Voir Adolphe Moreau, Eugène Delacroix et son œuvre, Paris, Librairie des Bibliophiles, 1873 ;
Alfred Robaut, Ernest Chesneau, L’œuvre complet de Eugène Delacroix, Paris, Charavay Frères
Éditeurs, 1885 ; Lee Johnson, The Paintings of Eugène Delacroix: a Critical Catalogue (18321863), Oxford, Clarendon Press, 1986.
2
Adolphe Moreau (1873, p. 251-52), puis Alfred Robaut (1885, p. 211 et 373), ont catalogué la
peinture de 1844 comme étant celle aujourd’hui au Louvre et, inversement, celle de Winterthur,
comme étant celle peinte par Delacroix en 1859 (et non 1853). Lee Johnson (1986, p. 109) affirme
qu’André Joubin, dans son édition du Journal (1960[1932], I, p. 502), a été le premier à identifier la
peinture du Louvre comme celle vendue à Thomas en 1853, tandis que celle de Winterthur a
commencé à être datée de 1844, l’année établie par Moreau pour la version antérieure. Delacroix
n’aurait pas pu l’avoir peinte en 1859, pour des questions, selon l’auteur, d’ordre stylistique et aussi
parce que Théophile Silvestre cite, dès 1855 (Delacroix), une troisième peinture d’Ophélie de
l’artiste.
255
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
inversé, avec la tête tournée vers la droite et non, comme dans les deux
versions antérieures, vers la gauche, répétant l’orientation de la pierre
lithographique.
Robert Edenbaum 3 , après avoir analysé la série lithographique et les
peintures de Delacroix d’Hamlet, observe que dans les représentations du
prince, l’artiste semble moins s’intéresser à l’illustration littérale de la pièce
qu’à la création de travaux originaux, avec pour corollaire, des
interprétations du caractère du personnage-titre. Et cela parce qu’il n’y a
pas de régularité dans la définition de sa physionomie (passant librement
de celle d’un jeune homme imberbe, efféminé à celle d’un homme mûr,
barbu). En outre, les différentes compositions montrent comment quelques
scènes, celle du cimetière avec le crâne de Yorick, par exemple, ont été
plus problématiques dans l’imagination de Delacroix que celle de la mort
d’Ophélie. Et, si nous pensons comme Alan Young, que « l’image
d’Ophélie dans le ruisseau est devenue l’image acceptée du destin
d’Ophélie, presque aussi célèbre que celle d’Hamlet, l’homme avec le
crâne, même pour ceux qui n’ont jamais lu ni vu Hamlet »4, nous pouvons
nous demander pourquoi l’image d’Hamlet était aussi fugitive dans
l’imagination de Delacroix – différentes solutions de compositions s’offrant
à lui – et pourquoi celle d’Ophélie était aussi définitive.
La mort d’Ophélie dans la tradition de la peinture
occidentale et dans la production de l’artiste
Tout au long de la pièce, nous ne savons pas si Hamlet devient réellement
fou ou s’il simule ; il est tantôt aimable et vertueux, tantôt cruel et
blasphématoire, fréquemment paralysé par le doute devant la tâche que le
destin lui impose : venger le père tué par l’oncle. Hamlet, « un être noble,
pur, éminemment moral, mais dépourvu de l’énergie qui fait les héros, doit
3
Robert Edenbaum, « Delacroix’s Hamlet Studies », Art Journal , 1967, 4, p. 350.
4
Alan Young, Hamlet and the visual arts, 1709-1900, Newark, University of Delaware Press ;
London, Associated University Press, 2002, p. 340. [Notre traduction]
256
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
5
succomber sous le poids d’un fardeau qu’il ne peut ni porter ni rejeter ».
Les ambiguïtés de son caractère reflètent celles du caractère de Delacroix,
les mêmes ambiguïtés qui peuvent avoir conduit le peintre à hésiter
davantage sur la représentation visuelle du prince que sur celle d’Ophélie.
Il a déjà beaucoup été dit que le romantique était un peintre traditionaliste
6
et novateur . Dans quelle mesure, par conséquent, ses représentations de
la mort d’Ophélie innovent-elles et dans quelle mesure reproduisent-elles
des idées et des formes déjà vues?
Delacroix pourrait avoir lu en langue originale la source textuelle de la
lithographie et des tableaux. Dans son Journal, par exemple, il cite
exactement le passage de l’article Hamlet où Voltaire écrit que la traduction
« scrupuleuse » qu’il avait faite lui-même de la pièce « ne peut rendre le
7
mot propre anglais par le mot propre français ». En outre, quand Delacroix
était jeune, il avait traduit, dans une lettre à Guillemardet datée du 23
8
septembre 1819, un fragment de Richard III . Pendant son séjour à
Londres entre mai et août 1825, l’artiste a assisté à des représentations de
pièces de Shakespeare, comme Richard III, La tempête et Othello, entre
9
autres . Il aurait difficilement pu y parvenir sans une compréhension
minimum de la langue. La version édulcorée en alexandrins d’Hamlet du
dramaturge du XVIIIe siècle, Jean-François Ducis (1733-1816), publiée en
1769 et jouée dès cette année-là, n’a pas été la source d’inspiration des
images de Delacroix qui illustrent la pièce. Dans les années 1830,
cependant, il y avait déjà des traductions françaises plus fidèles d’Hamlet
disponibles, comme celle de Pierre Le Tourneur (1737-1788), révisée par
5
Goethe cité dans Jules Janin, Histoire de la littérature dramatique, Paris, Michel Lévy Frères
Éditeurs, 1854, t. III, p. 300, note 1.
6
Hubert Damisch, par exemple, fait référence à l’œuvre de Delacroix en employant l’expression «
half art student, half academician ». Voir Hubert Damisch, Reading Delacroix’s Journal. Trad.:
Richard Miller. October, vol. 15 (Winter, 1980), p. 19.
7
Michèle Hannoosch éd., Eugène Delacroix, Journal, Paris, José Corti, 2009, t. II, p. 1362 (infra
Journal).
8
Alfred Dupont (éd.), Eugène Delacroix. Lettres intimes, Paris, Gallimard, 1954, p. 84.
9
Barthélémy Jobert, Delacroix, Paris, Gallimard, 1998, p. 94.
257
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
François Guizot (1787-1874) en 1821, qu’il aurait pu éventuellement avoir
10
consultées .
Dans le texte de Shakespeare, Ophélie, initialement courtisée par Hamlet,
est confrontée tout au long de la trame au rejet du prince et à son
apparente démence. Finalement, Hamlet tue son père et elle succombe à
la folie. La description de sa mort est ainsi faite par la reine Gertrude, à
l’acte IV, scène 7, au moyen du discours rapporté ou récit :
« There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoary leaves in the glassy stream;
Therewith fantastic garlands did she make
Of crow-flowers, nettles, daisies, and long purples
That liberal shepherds give a grosser name,
But our cold maids do dead men’s fingers call them:
There on the pendent boughs her crownet weeds
Clamb’ring to hang, an envious sliver broke,
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide,
And, mermaid-like, awhile they bore her up,
Which time she chanted snatches of old lauds,
As one incapable of her own distress,
Or like a creature native and endued
Unto that element. But long it could not be
Till that her garments, heavy with their drink,
Pull’d the poor wretch from her melodious lay
To muddy death11. »
10
Voir William Shakespeare, Hamlet, tragédie, imitée de l’anglois par M. Ducis, [Représentée par la
première fois par les comédiens François ordinaires du roi, le 30 septembre 1769.] Paris, Chez
Gogué Librairie, 1770 ; William Shakespeare, Shakespeare traduit de l’anglois par M. Le Tourneur,
t. V [Le Roi Lear ; Hamlet], Paris, 1779 ; William Shakespeare, Œuvres complètes de Shakspeare
er
(sic) : traduction de M. Guizot, nouvelle édition entièrement revue, t. I [Hamlet ; La tempête ;
Coriolan], Paris, Didier Éditeurs, 1864.
11
William Shakespeare, Hamlet, édité par Robert S. Miola, New York, London, W. W. Norton &
Company, 2011, p. 106-107. « Il y a un saule qui pousse en travers du ruisseau, et mire ses feuilles
258
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Dans les interprétations de Delacroix, au premier plan, au centre de la toile,
le corps d’une femme allongée s’oppose à la verticalité de celui du
spectateur. C’est le melodious lay qui précède la muddy death, le moment
où Ophélie reste suspendue à la surface de l’eau. Elle n’est pas morte. En
réalité, le fait de tenir la branche traduit un désir de vivre encore et, bien
qu’il soit clair dans la pièce que la branche s’est cassée alors qu’elle
essayait d’y suspendre une couronne de fleurs, de l’image de Delacroix il
ressort plus une contradiction entre le désir de mourir et celui de vivre
qu’une situation de mort « accidentelle » : son geste est ambigu. Par
ailleurs, il ne semble pas que le corps d’Ophélie puisse être submergé si
facilement, même avec le mouvement des eaux le tirant vers le côté
opposé à celui de l’arbre. La nudité d’Ophélie n’est que partielle : c’est
grâce à ses vêtements que son corps flotte, mais elle n’est pas non plus
totalement vêtue, l’un de ses seins au moins est livré à la vue ; elle est en
définitive, à demi nue. Autrement dit, dans l’image, comme elle a été
pensée par Delacroix, des forces opposées agissent sur le personnage.
En premier lieu, nous ferons allusion à quelques illustrations et peintures
de l’épisode exécutées par des artistes français et étrangers, plus
particulièrement anglais. En fait, Delacroix est celui qui a inauguré,
publiquement du moins, l’image d’Ophélie morte, à l’horizontal, sur l’eau.
C’est seulement ensuite que viendront la célèbre peinture de John Everett
Millais (1851-2 ; fig. 5)12, celle fortement influencée par la composition de
grises dans le miroir du courant. C'est là qu’elle tressa de fantasques guirlandes de boutons d’or,
d’orties, de marguerites, et de ces longues fleurs pourpres que nos bergers hardis appellent d’un
nom plus grossier, mais que nos froides vierges appellent « doigts d’hommes morts ». Là, tandis
qu’elle grimpait pour suspendre sa couronne de fleurs aux branches inclinées, un rameau envieux
se rompit, et ses trophées tressés de mauvaises herbes, et elle-même, tombèrent dans la rivière en
pleurs. Ses vêtement s’étendirent largement et la maintinrent d’abord comme une nymphe, tandis
qu’elle chantait des bribes de laudes, comme insensible à sa propre détresse, telle une créature
native de cet élément et faite pour y vivre. Mais cela ne pouvait être long ; ses habits, alourdis par
tout ce qu’ils buvaient, entraînèrent la pauvre misérable de sa couche mélodieuse dans une
boueuse mort » [traduction d’André Lorant, Paris, Aubier, 1995, p. 277].
12
Delacroix appréciait les œuvres de Millais (1829-1896) et des préraphaélites. À son avis, ils étaient
allés plus loin que les Français dans l’imitation des primitifs italiens, en leur ajoutant un caractère
propre, et il a loué, en ce sens, le tableau L’Ordre de l’élargissement, de Millais, envoyé à
l’Exposition Universelle de 1855 (Journal, p. 910-911). Ernest Chesneau, dans L’éducation de
l’artiste (1880 ; 365), affirme que l’Ophélie morte de Millais avait aussi été présentée à cette
259
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Delacroix, du disciple d’Amaury Duval, Léopold Burthe (Salon de 1852,
Musée Sainte-Croix, Poitiers ; fig. 6) et une autre semblable d’un peintre
que Delacroix connaissait, mais n’appréciait pas, Paul Delaroche, appelée
La jeune martyre (1855 ; fig. 7).
Selon Elizabeth Dotson, citée par Paul Joannides13, Delacroix peut avoir vu
et retenu quelques références de l’estampe de Charles Taylor représentant
La mort d’Ophélie, d’après le dessin de Robert Smirke, publiée en 1783
dans The Picturesque Beauties of Shakespeare, Being a Selection of
Scenes, from the Works of that Great Author [Fig. 8]. Selon Young14, une
estampe très proche de celle de Taylor a été rendue très célèbre par les
reproductions ultérieures, au début du XIXe siècle : celle de James Parker,
d’après une œuvre de Richard Westall, datée 1798 et utilisée pour l’édition
de Boydell de The Dramatic Works of Shakespeare, publiée en 1803 [Fig.
9].
Parmi toutes les estampes anglaises antérieures à la première version
d’Ophélie morte de Delacroix, c’est-à-dire avant 1838, analysées par
Young15, une seule la montre allongée. Il s’agit d’une xylogravure d’Anna
Jameson intitulée Ophelia and the fates et publiée dans Characteristics of
women, moral, poetical, and historical, with fifty vignette etchings (1832)
[Fig. 10]. La vignette, dont elle est aussi l’auteur, accompagne son
interprétation du personnage qu’elle compare à Iphigénie, d’Euripide.
Ophélie y figure comme « une victime immaculée offerte aux Moires
inexorables et mystérieuses16 ». Pourtant, elle a peu à voir avec l’image
exposition. Delacroix, présent à cette manifestation où il avait lui-même exposé trente-six peintures
ne commente cependant pas le tableau dans son Journal.
13
Elizabeth Dotson, English Shakespeare Illustrations and Eugène Delacroix, Essays in honour of
Walter Friedläender. New York, 1965, p. 40-61 ; cité dans Paul Joannides, Delacroix and Modern
Literature dans Beth Wright (dir.), The Cambridge Companion to Delacroix, Cambridge (UK),
Cambridge University Press, 2001, p. 143.
14
Op. cit., p. 327.
15
Op. cit., p. 322-345.
16
Anna Jameson, Characteristics of women: moral, poetical and historical, with fifty vignette etchings,
London: Saunders and Otley, new edition, vol. I. 1833, p. 338. [Notre traduction.]
260
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
créée par Delacroix, laquelle combine le geste de tenir la branche avec
l’exposition du corps demi-nu en supination, placé de façon plus évidente
sur l’eau.
Il existe cependant un dessin d’Achille Devéria (1800-1857), conservé à la
Bibliothèque Nationale, à Paris [Fig. 11], auquel se réfère Petra Gröschel et
qu’elle a daté d’entre 1827 et 1830 17 , où Ophélie est présentée
pratiquement à l’horizontal, partiellement immergée dans l’eau, tenant avec
ses deux mains la branche du saule. Comme nous le verrons plus loin, une
lithographie de Devéria représentant la scène de la folie d’Ophélie, publiée
dans un album en 1827 et faite, selon Jacques Lethève et Jean Adhémar18,
à partir du dessin de Louis Boulanger (1806-1867), semble avoir influencé
celle de Delacroix représentant la même scène19. C’est également auprès
d’Achille Devéria que Delacroix a réalisé, dans l’atelier lithographique du
père de l’épouse de Devéria, Charles Motte (1785-1836), ses lithographies
de la série Faust, entre le milieu de l’année 1825 et 182720 ; en 1828,
Devéria a même lithographié le frontispice du livre contenant ces
illustrations. La date du dessin de Devéria est estimée par Gröschel, selon
Delphine Gervais de Lafond21, sur la base de la publication, en 1827, de
l’album Souvenirs du théâtre anglais à Paris, qui a représenté en gravure
quelques moments de différentes représentations de Shakespeare par une
troupe anglaise dans la capitale 22 . Dans le frontispice, Devéria et
Boulanger figurent en fait comme co-auteurs des dessins ; le premier
17
Petra Gröschel, Ophélie, un thème littéraire dans l’art français (1827-1914), Mémoire de maîtrise.
Université de Paris-Sorbonne, 1996. Cité dans Delphine Gervais de Lafond, « Ophélie » in
Nineteenth-Century French Painting dans Kaara Peterson, Deanne Williams (eds.), The Afterlife of
Ophelia, New York, Palgrave Macmillan, 2012, p. 173.
18
Jean Adhémar, Delacroix et la gravure romantique, Paris, Bibliothèque Nationale, 1963, Cat. n 4951).
19
Elle ne sera publiée qu’après le décès de Delacroix, en 1864, avec deux autres également exclues
de l’édition de 1843.
20
Adhémar, op. cit., p. 8.
21
Delphine Gervais de Lafond, op. cit., p. 173.
22
Achille Devéria, Louis Boulanger (dessins par), Souvenirs du théâtre anglais à Paris, avec un texte
par M. Moreau. Paris, Henri Gaugain, Lambert et Compagnie, 1827.
o
261
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
pourrait avoir fait le dessin d’Ophélie mourante en 1827, mais comme la
scène n’apparaissait pas dans la pièce (elle n’était qu’une description faite
par un personnage), il ne l’aurait pas choisie pour être lithographiée dans
l’album. Ainsi, il semble très plausible que Delacroix a vu le dessin de
Devéria. Delacroix a réalisé une lithographie d’Hamlet et le fossoyeur dès
1828, toujours chez Motte, six ans avant de commencer, officiellement, la
série publiée en 1843, ce qui signifie qu’il pensait déjà à la pièce comme
objet de représentation entre 1827 et 1830 au moment où le dessin de la
mort d’Ophélie de Devéria a été daté par Gröschel. La possibilité d’une
influence inverse, de Delacroix sur Devéria, même si elle existe, semble
contraire aux apparences. Cette image est, par conséquent, celle qui se
rapproche le plus de la mort d’Ophélie de Delacroix, bien que le geste de la
femme chez Devéria soit beaucoup plus énergique et moins ambigu que
chez Delacroix et que son corps ne soit pas totalement allongé. Le ton
foncé du fond, à son tour, dilue le paysage dans un plan homogène au lieu
de l’ouvrir dans une éclaircie, comme chez Delacroix, le faisant contraster
avec le voile blanc qui voltige derrière Ophélie.
Dans l’œuvre de Delacroix, il est possible de rapprocher formellement le
corps d’Ophélie mourant d’autres figures féminines de ses tableaux,
comme L’enlèvement de Rebecca (1846 ; New York, Metropolitan Museum
of Art) ; Femmes turques au bain (1854 ; Hartford, Wadsworth Atheneum) ;
Romeo et Juliette au tombeau des Capulet (Exposition Universelle 1855,
Musée Eugène Delacroix, Paris) ; Indienne attaquée par un tigre (1856 ;
Stuttgart, Staatsgalerie) et Le Printemps – Eurydice cueillant des fleurs est
mordue par un serpent (1856-63 ; São Paulo, MASP). Pour cet article, le
deuxième tableau est le plus intéressant.
Femmes turques au bain (1854) est mentionné dans le Journal de
Delacroix sous le titre des Baigneuses (21 et 29 avril 1854) [Fig. 12]. Selon
Alain Daguerre de Hureaux23, le titre a été proposé par Adolphe Moreau et
repris par Alfred Robaut, bien qu’il n’y ait de vraiment oriental dans le
23
262
Alain Daguerre de Hureaux, Stéphane Guégan, L’ABCdaire de Delacroix et l’Orient, Paris,
Flammarion, 1994, p. 74.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
tableau que le bracelet de la femme dans l’eau au deuxième plan (nous
dirions que les chaussures au bord de la rivière ont aussi un style oriental)
et la référence à l’aquarelle réalisée au Maroc, Marocaine et sa servante au
bord d’une rivière (1832, Cambridge (MA), Fogg Art Museum). Daguerre de
Hureaux affirme que l’appel à l’Orient des premiers commentateurs de
l’œuvre de Delacroix semble obéir, surtout, à un procédé de « césure
inconsciente » : la distance que l’exotique impose ou la présence d’une
source littéraire interviennent comme prétexte et justification de l’érotisme,
autorisant le voyeurisme du spectateur. Le même auteur affirme encore
que cette toile, peinte en 1854, peut contenir une réponse aux Baigneuses
(1853 ; Montpellier, Musée Fabre) [Fig. 13], de Gustave Courbet (18191877), dont les gestes dénués de sens et la composition avec le paysage
dissocié des figures sont critiqués par Delacroix dans son Journal :
« J’avais été [...] voir les peintures de Courbet. J’ai été étonné de la vigueur
et de la saillie de son principal tableau [Les Baigneuses] ; mais quel
tableau! Quel sujet ! La vulgarité des formes ne ferait rien ; c’est la vulgarité
et l’inutilité de la pensée qui sont abominables ; et même, au milieu de tout
cela, si cette idée, telle quelle, était claire ! Que veulent ces deux figures ?
Une grosse bourgeoise, vue par le dos et toute nue sauf un lambeau de
torchon négligemment peint qui couvre le bas des fesses, sort d’une petite
nappe d’eau qui ne semble pas assez profonde seulement pour un bain de
pieds. Elle fait un geste qui n’exprime rien, et une autre femme, que l’on
suppose sa servante, est assise par terre, occupée à se déchausser. On
voit là des bas qu’on vient de tirer : l’un d’eux, je crois, ne l’est qu’à moitié.
Il y a entre ces deux figures un échange de pensées qu’on ne peut
comprendre. Le paysage est d’une vigueur extraordinaire, mais il n’a fait
autre chose que mettre en grande une étude que l’on voit la près de sa toile
; il en résulte que les figures y ont été mise en suite et sans lien avec ce qui
les entourent24. »
Les baigneuses de Delacroix, même celle qui semble enlever son bas dans
24
Journal, p. 632-633.
263
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
le coin inférieur gauche (ce qui constitue une référence directe à la femme
au pied nu dans le tableau de Courbet), n’ont rien à voir avec la « grosse
bourgeoise », comme il l’appelle, de la toile du réaliste. Ses gestes et
attitudes sont logiquement orchestrés et l’infrastructure du paysage, plus
propre à l’action de se baigner. L’Ophélie qui meurt semble se dédoubler
dans les figures des deux femmes, celle qui nage nue, entre celles
allongées sur les rives opposées et celle qui tient la branche. Un gros
buisson fleuri au premier plan, dans le coin inférieur droit, forme une
espèce de base qui couvre et précède la base réelle de la statue de Vénus,
juste au-dessus, derrière ces femmes, et placée au point le plus haut
réservé à une figure humaine dans le tableau25.
Dans le catalogue Robaut, Ernest Chesneau identifie l’arbre de la branche
à laquelle l’une des baigneuses se retient, comme étant un saule26, du
même type que celui qui partage la scène avec Ophélie. Le geste de la
baigneuse tenant la branche, figure centrale de la composition, autour de
laquelle les autres tournent, est semblable à celle d’Ophélie, bien que la
baigneuse elle, soit debout, regardant les deux cygnes derrière elle – les
oiseaux, agités, les ailes ouvertes, l’un d’entre eux se préparant à sortir de
l’eau, ont-ils été effrayés par quelque mouvement étrange, que nous ne
voyons pas dans le tableau mais qui se répercute néanmoins sur l’action
de la jeune femme ? Arlette Sérullaz et Edwart Vignot27 suggèrent que
dans la scène telle que l’a peinte Delacroix se superpose à l’image, d’abord
profane, d’un jeu thermal et innocent entre jeunes femmes, une
25
Le tissu couvrant la partie inférieure du corps de la statue rappelle celui de la Vénus d’Arles, du
e
Louvre, attribuée à Praxitèle (IV siècle avant J.-C.). La posture, cependant, fait référence à la
Vénus du Capitole (copie romaine, Louvre) ou à la célèbre Vénus Medici (copie romaine, Galerie
des Offices), des variantes de la Vénus de Cnide, également de Praxitèle, les deux faisant les
mêmes gestes de modestie en se couvrant les seins et le pubis, surprises nues au bain, et qui
évoquent, à cause de la référence à l’eau, la Vénus Anadyomène d’Apelle, laquelle, à son tour,
illustre la version de la naissance de la déesse chez Hésiode. L’objet serpentin à côté de la statue
dans la peinture de Delacroix semble être le poisson à côté de la Vénus du Capitole et de la Vénus
Medici. Voir Alain Pasquier, La Vénus de Milo et les Aphrodites du Louvre, Paris, RMN, 1985.
26
Op. cit., cat. nº 1240, p. 332.
27
Arlette Sérullaz, Edwart Vignot, Le bestiaire d’Eugène Delacroix, Paris, Citadelles & Mazenod,
2008, p. 180.
264
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
réinterprétation de l’épisode de Diane surprise au bain par Actéon, tiré des
Métamorphoses d’Ovide. Dans la supposée réinterprétation avancée par
les auteurs, cette baigneuse, qui réagit à quelque chose hors-scène, veut
sortir au plus vite de la rivière : c’est pour cela qu’elle a déjà quelque chose
en main pour se couvrir et c’est également pour cela qu’elle s’appuie sur la
branche – son but serait de fuir rapidement les regards importuns.
Cette image révèle la manière dont la peinture de la mort d’Ophélie vit dans
l’imagination de Delacroix : le nu dans un environnement naturel, justifié
par la baignade, idéalisé par le pinceau et, pour assurer davantage le
détachement proportionné par « l’art », la référence historique est présente
dans une statue de Vénus cachée au milieu des arbres à l’arrière-plan. Il
est important de remarquer, dans la représentation d’Ophélie, le nu, encore
plus discret, justifié dans la folie, et ce qui l’atténue, l’idée de mort ellemême.
Le corps, comme conçu par le peintre dans La mort d’Ophélie, se réfère à
la Vénus Anadyomène, qui naît des eaux ; Ophélie va y mourir – chez un
romantique, la beauté féminine se lie, presque invariablement, à la maladie
et à la mort28 . Delacroix a copié des statues grecques et romaines de
Vénus [Fig. 14 et 15], mais les œuvres où la déesse se trouve couchée ne
vont apparaître qu’à la Renaissance, quand le sens de la vue, en raison de
la possibilité de reproduire mécaniquement des images, commence à être
plus érotisé que celui de l’ouïe29. Par ailleurs, traditionnellement, Vénus est
une déité liée à des cultes voués à la fertilité et associée au début du
printemps30 et, dans le texte de Shakespeare, tout comme dans la peinture
28
Mario Praz analyse le rôle de la femme au début et à l’apogée du romantisme – victime dans la
e
première moitié du XIX siècle et bourreau dans la seconde. Avec les Ophélies de Delacroix nous
sommes dans le domaine de la première. L’intérêt de Delacroix pour une beauté morbide est noté
par Praz quand il révise pratiquement toute sa production. Voir Mario Praz, La chair, la mort et le
e
diable dans la littérature du XIX siècle : le romantisme noir, trad. : Constance Thompson Pasquali,
Paris, éd. Denoël, 1998, p. 141.
29
Voir Carlo Ginzburg, « Ticiano, Ovídio e os códigos da figuração erótica no século XVI », dans
Carlo Ginzburg (dir.), Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história, trad. : Federico Carotti, São
Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 119-41.
30
Antonio Varone (2001:89) écrit que Vénus était également adorée, parmi les Pompéiens, comme
265
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
de Delacroix, le personnage cueillait des fleurs (lesquelles sont
minutieusement décrites dans la pièce) avant de tomber dans le ruisseau.
Jonathan Bate et Dora Thornton31, en contextualisant Hamlet au temps de
Shakespeare, ont rappelé que les morts étaient veillés, des fleurs
arrangées dans leurs cheveux, autour du visage et dans les mains et
vêtements – mœurs symboliquement évoquées dans le récit de la reine
Gertrude sur la mort d’Ophélie dans le ruisseau avec ses « guirlandes
fantastiques ».
La tradition de nus, qui inclut les représentations de Vénus, liée à l’instinct
de reproduction ou sexuel, bien que présente dans la composition
d’Ophélie, voit son énergie érotique neutralisée par le contexte narratif où
la folie la conduit à la mort. Autrement dit, l’appel érotique que les Ophélies
de Delacroix revêtent est mitigé – mais jamais annulé – par la suggestion
de sa mort ; l’appel morbide qu’elles revêtent est également mitigé – mais
jamais annulé – par l’appel sexuel du nu. La scène exhale une mélancolie
qui s’installe dans cette tension entre sexualité et mort.
Nous voudrions revenir un moment à la tradition des représentations
visuelles de femmes qui se sont suicidées dans la littérature, en particulier
dans la production des artistes admirés et copiés par Delacroix, comme
Rubens et les Vénitiens (Titien, Véronèse, Tintoret). Il est intéressant de
remarquer dès le départ que, comme Ophélie tient une branche au moment
de sa mort, Lucrèce tient une dague, Didon une épée et Cléopâtre s’en
un symbole du renouvellement de la nature : « Comme Lucrèce […] l’aurait dit, Vénus n’est pas
seulement hominum divumque Voluptas, “plaisir des hommes et des dieux” (De rerum natura, I. 1),
mais également la guide même de la nature (I. 21), celle qui induit tout être vivant à la propagation
de la vie et assure que les champs seront pleins de fruits (I. 3-5) ». Nous devons nous souvenir
également, toujours à propos de l’association entre Vénus et le printemps, de la thèse d’Aby
Warburg dans son ouvrage « La naissance de Vénus et Le printemps de Sandro Botticelli … »
(1893), où il démontre comment les deux tableaux se complètent mutuellement : « Si nous voulions
donner au Printemps de Botticelli le nom tirant ses origines des idées de l’époque, nous devrions
l’appeler […] Le royaume de Vénus » (1893:37). Voir Antonio Varone, Eroticism in Pompeii, Los
Angeles, J.-Paul Getty Museum, 2001; Aby Warburg, Botticellis, Geburt der Venus“ und „Frühling“ :
eine Untersuchung über die Vorstellungen von der Antike in der Italienischen Frührenaissance,
Hamburg und Leipzig, Verlag von Leopold Voss, 1893. [Notre traduction.]
31
266
Jonathan Bate, Dora Thornton, Shakespeare: Staging the World, Oxford, Oxford University Press,
2012, p. 76, (Exhibition catalogue, British Museum).
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
remet au poison d’un serpent. Plus loin, nous rappellerons l’importance de
la définition des gestes dans l’œuvre de Delacroix, surtout les gestes des
mains, un héritage direct de la doctrine classique de l’ut pictura poesis.
De la même façon que dans les peintures du suicide de Didon (comme
dans celle de Rubens) ou de Lucrèce (comme dans celle du Titien) ou de
Cléopâtre (comme dans celle de Véronèse), l’héroïne de la toile de
Delacroix n’est pas encore passée de vie à trépas : elle est prise sur le fait.
Les représenter déjà mortes supprimerait de l’acte le sens héroïque dans
lequel, pour un moraliste du XVIIe siècle, il trouvait sa seule justification (au
moins dans les cas de Lucrèce et de Cléopâtre, parce que Didon se suicide
après avoir été abandonnée par Énée). Mais le suicide d’Ophélie est-il un
acte héroïque ? Premièrement, il n’est pas explicite dans le texte de
Shakespeare32 – ce n’est pas qu’Ophélie choisisse de se tuer, c’est comme
si elle s’abandonnait à la mort. Ne le ferait-elle, en l’occurrence, qu’à la
manière d’un martyr chrétien, dont les représentations prolifèrent pendant
la Contre-Réforme ? Peut-être. Bien que le personnage ne se soustraie
pas à sa propre vie au nom d’un idéal religieux, son comportement ne
cesse d’être une forme d’autopunition. Ophélie se laisse emporter par le
ruisseau parce qu’elle devient folle et sa folie est causée par le sentiment
d’un amour non partagé, aiguisée par la mort de son père. Pour en revenir
à l’air triste et mélancolique planant sur la scène – qui n’est ni héroïque, ni
religieuse –, c’est là une représentation du martyre dans laquelle sexualité
et mort, deux forces apparemment antagoniques, convergent.
Il y a une peinture du Tintoret (1518-1594), au Prado, L’enlèvement
d’Hélène, où la position du personnage central de la guerre de Troie est
très semblable à celle d’Ophélie dans les tableaux de Delacroix [Fig. 16].
Ce dernier est allé en Espagne en 1832, mais il n’est pas passé par
Madrid. Il peut, cependant, avoir connu l’œuvre à travers une reproduction
en gravure – son admiration pour le Vénitien est déclarée plus d’une fois
32
Quand la reine Gertrude décrit la mort d’Ophélie, elle ne fait pas clairement allusion au suicide. Il y
a, en plus, une discussion entre les fossoyeurs (acte V, scène 1) qui met en doute la nature de
l’acte, une fois que, malgré la suspicion de suicide, le corps a reçu un enterrement chrétien.
267
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
dans son Journal et semble manifeste, par exemple, dans la peinture
Héliodore chassé du temple, 1854-61, dans l’église Saint-Sulpice 33 .
S’agissant d’une situation semblable, Delacroix peut s’y être intéressé pour
penser son Enlèvement de Rebecca. De même, l’Eurydice du MASP [Fig.
17] se trouve dans une position semblable, conformément au dessin
préparatoire de la toile, conservé au Louvre – une autre œuvre qui
ressemble à celle de la mort d’Ophélie [Fig. 18]. Il y a cependant une
différence dans la posture de la femme : c’est la main gauche sur la
poitrine qui tient contre elle un bouquet de fleurs (Hélène semble tenir une
épée dont la lame est enveloppée par un tissu).
Petits tableaux
Toutes les peintures de Delacroix représentant La mort d’Ophélie ont été
conçues en petites dimensions. Baudelaire, dans le Salon de 1846,
considère comme « charmantes » les « petites peintures de genre » qui
répètent le thème des gravures. Il prend pour exemple le tableau
Marguerite à l’église (Kunsthalle Bremen), provenant de la série antérieure
de lithographies (publiée en 1828) de Delacroix qui illustre Faust, de
Goethe. Pour Baudelaire, Marguerite à l’église « [...] appartient à cette
classe déjà nombreuse de charmants tableaux de genre, par lesquels
Delacroix semble vouloir expliquer au public ses lithographies si
amèrement critiquées 34 ». Bien qu’il ne soit pas possible d’appliquer
33
Delacroix avait connaissance de la collection royale à Madrid : « Rubens [...] employait le temps
qu’il ne donnait pas aux affaires à copier à Madrid les superbes originaux italiens qu’on y voit
encore » (Journal, p. 1081). Aussi faible qu’il soit, ce passage indique qu’il a pu être en contact
avec l’Enlèvement d’Hélène, du Tintoret. Une figure féminine dans la même position se trouve aussi
dans la peinture La piscine probatique du même artiste (1578-81), dont le Louvre a deux copies
dessinées (INV 5402 ; INV 5403). Diederik Bakhüys, dans 1822-1840 : Delacroix et le dessin,
rappelle que l’artiste avait rassemblé un riche répertoire de copies de tableaux de maîtres qu’il avait
lui-même exécutées non d’après l’original, mais « à partir de l’une des nombreuses gravures que
renfermait son atelier » (1998:117). Enfin, le père de Delacroix était l’ami de Ferdinand
Guillemardet, ambassadeur de la République française à Madrid de 1789 à 1800. C’est grâce aux
Guillemardet que Delacroix a pu copier, par exemple, quelques gravures originales de Goya de la
série Caprices.
34
Baudelaire, Salon de 1846, publié dans Stéphane Guégan (éd.), Baudelaire Charles, Théophile
268
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
l’affirmation du critique directement aux œuvres en question, parce que
dans le cas de La mort d’Ophélie la peinture est venue avant la gravure,
elle peut indiquer, par analogie, le statut que les œuvres de petit format
avaient dans sa production.
Gautier écrit que la surface réduite d’une toile n’était pas capable de
contenir la violence du geste de Delacroix – en général, dans ces œuvres,
la touche est bien fluide et libérée de la fonction de tracer le contour de
l’objet 35. Elle pousse jusqu’au comble la caractéristique notée par le public
de Delacroix : le fait qu’il se souciait peu de l’achèvement et produisait des
œuvres à mi-chemin entre l’ébauche et la toile terminée36. Cette même
caractéristique a été considérée, dans les gravures comme dans les
peintures, comme une qualité tantôt positive, tantôt négative, en fonction
de l’oscillation du goût de la critique37. Mais, dans le cas de la peinture, la
maîtrise de la couleur compensait les défauts du dessin ; dans la gravure,
quand une explication de l’éloge était offerte, elle concernait surtout la
difficulté que la recherche de la perfection entraînait pour rendre les états
d’esprit de l’artiste ou, plus spécifiquement, pour traduire l’atmosphère
psychologique lourde d’une pièce comme Hamlet. Pour en revenir à
l’affirmation de Baudelaire, l’idée qu’une peinture de Delacroix d’après une
lithographie aidait à mieux l’expliquer au public en général, mal comprise
comme elle l’était, suppose un penchant de Baudelaire à voir Delacroix
Gautier. Correspondances esthétiques sur Delacroix, Paris, éd. Olbia, 1998, p. 78.
35
Gautier, Exposition de 1859, ibid. p. 114.
36
Gautier (ibid., [1855], p. 89) écrit que la peinture Le Massacre de l’évêque de Liège « [...] moins fait
qu’un tableau plus fini qu’une esquisse, a été quitté par le peintre à ce moment suprême où un coup
de pinceau de plus gâterait tout » (nos italiques).
37
Gautier et Baudelaire font référence dans plus d’un texte à la dépréciation des peintures et gravures
de Delacroix en raison de cette caractéristique de son style, tous deux prenant sa défense ;
Delécluze, par exemple, l’interprète comme négligence du dessin et amour du laid – Delacroix ne
serait, à son avis, qu’un coloriste (Journal des débats, 5 oct. 1824). Planche, à son tour, la
contraste avec la qualité de ses compositions: « […] On ne lui contestait pas [à M. E. Delacroix]
l’ardeur et l’énergie de ses compositions. […] mais on prétendait savoir […] qu’il ne savait pas, ou
même qu’il ne voulait pas exécuter, qu’il s’en souciait peu, qu’il s’était arrangé systématiquement
une manière incorrecte et négligée, dont il ne voulait pas sortir » (cf. Études sur l’école française
(1831-1852) : peinture et sculpture, 1855, p. 62).
269
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
beaucoup plus comme un artiste dont le moyen d’expression était, par
excellence, la peinture et non la gravure, bien qu’il se soit étonné de la
quantité de critiques que les lithographies avaient reçues. Quoi qu’il en soit,
dans les petites toiles, comme celles de La mort d’Ophélie, Delacroix se
sentait encore plus libre que dans ses grandes machines et pouvait porter
la spontanéité de la touche au paroxysme de l’usage. Peu importe si elles
fonctionnaient, éventuellement, comme des esquisses destinées à
l’agrandissement – pour lui, elles étaient des œuvres terminées et
consistaient en des moments où il pouvait rapidement faire preuve de sa
maîtrise de la couleur, en assurant, en même temps, le volume de la
production.
Dans son Journal, Delacroix mentionne une promenade avec le cousin
Léon Riesener et l’ami Jean-Baptiste Pierret, pendant laquelle il réfléchit, à
l’invitation du premier, à une caractéristique importante des petits tableaux :
en conservant une qualité d’ébauche, ils perdent en expression, terme qu’il
semble comprendre comme lié, selon la doctrine classique, à la capacité
du peintre, dans la représentation d’une histoire, de rendre les émotions et
sentiments des personnages à travers le mouvement corporel et
l’expression du visage.
« Je les ai menés à la maison, puis à la Forêt. Riesener a repris sa critique
de la recherche d’un certain fini dans mes petits tableaux, qui lui semble
leur faire perdre beaucoup, en comparaison de ce que donne l’ébauche ou
une manière plus expéditive et de premier jet… Il a peut-être raison, et
peut-être qu’il a tort. Pierret a dit, probablement pour le contredire, qu’il
fallait que les choses fussent comme le sentait le peintre, et que l’intérêt
passait avant toutes ces qualités de touche et de franchise. Je lui ai
répondu par cette observation, que j’ai mise dans ce livre il y a quelques
jours, sur l’effet immanquable de l’ébauche comparée au tableau fini, qui
est toujours un peu gâté quant à la touche, mais dans lequel l’harmonie et
la profondeur des expressions deviennent une compensation38. »
38
270
Le 21 mai 1853, Journal, p. 663-664.
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Jobert remarque que les peintures de petites dimensions étaient exécutées
par Delacroix depuis les années 1820, incluant surtout, à cette époque-là,
le « genre anecdotique », moins élevé que celui de la peinture d’histoire
traditionnelle et qui représente l’histoire sous la perspective d’un épisode
aimable, galant ou simplement pittoresque, sans référence à la vertu
exemplaire et au modèle héroïque (c’est le cas, par exemple, de Charles VI
et Odette de Champdivers, env. 1824-6, et Louis d’Orléans montrant sa
maîtresse, 1825-6 39 ). Le petit format convient aussi à d’autres sujets,
comme l’illustration littéraire. Beaucoup d’entre eux, ajoute Jobert,
trouvaient rapidement un acheteur. Ainsi, l’auteur avance l’hypothèse que
ce type de peinture avait un caractère commercial plus immédiat que les
peintures envoyées systématiquement par Delacroix aux Salons.
Effectivement, Delacroix écrit en 1853 dans son Journal qu’il y avait une
grande demande pour ses petits tableaux, due à sa reconnaissance, après
beaucoup d’années de travail, par le public : « Je travaille à finir mes
tableaux pour le Salon, et tous ces petits tableaux qu’on me demande. [...]
Il semble que mes peintures sont une nouveauté découverte
récemment40.»
Mais ce ne serait que la nécessité de répondre à cette demande
commerciale qui aurait conduit Delacroix au petit format ? Dans une lettre à
son élève et collaborateur Pierre Andrieu, datée de janvier 1853, Delacroix
affirme que les petits tableaux constituent à la fois une occupation et un
repos des grands travaux. Il avoue être fâché avec la grande peinture, du
fait de déceptions récentes (peut-être quelque critique négative d’un
tableau envoyé au Salon) et il se console en se défoulant (« il m’a pris une
fureur de peindre que je passe sur de petites toiles ») avec les petites.
« Mon cher Andrieu, […] je suis jusqu’au cou dans les petits tableaux.
Ayant été quelque temps sans travailler, il m’a pris une fureur de peindre
que je passe sur de petites toiles : c’est à la fois une occupation et un
39
Op. cit., p. 101-102.
40
Le 3 avril 1853, Journal, p. 630.
271
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
repos des grands travaux. J’ai encore un reste de mauvaise humeur contre
la grande peinture, à laquelle j’ai dû mon dernier désappointement : je ne
calcule donc pas pouvoir me remettre de sitôt à ces travaux41. »
En outre, Delacroix démontre avoir une certaine conscience de l’histoire du
petit format en peinture. Dans son Journal, quand il définit le mot « touche
» dans le projet de son Dictionnaire des Beaux-Arts, il écrit que tandis que,
fortement accusée, la touche fait avancer les plans dans l’espace,
lorsqu’elle est lisse, ils reculent, ajoutant :
« Dans les petits tableaux même, la touche ne déplaît point. On peut
préférer un Téniers à un Mieris ou à un Van der Werff42. »
Tous les artistes qu’il mentionne sont des Flamands ou Hollandais du XVIIe
siècle qui ont travaillé professionnellement avec le petit format, bien que
dans des styles différents en ce qui concerne le temps de la touche :
Teniers peignait des petits tableaux connus comme « des après-midis »,
une allusion au peu de temps qu’ils exigeaient pour être accomplis 43 ;
Mieris et Werff, en revanche, étaient minutieux dans leurs petites toiles. Le
« On peut préférer » de la citation que nous venons de mentionner
concerne le fait, évoqué par Delacroix dans le paragraphe antérieur, que le
plus grand nombre (« le vulgaire ») préfère les tableaux plus lisses et
moins touchés, même si, quand il est vu à distance, un tableau dont les
touches sont juxtaposées acquiert un accent chromatique que la fusion des
teintes sur la toile ne peut rendre.
L’influence du théâtre
Au moins une piece of stage est reproduite dans la série de lithographies
41
André Joubin (éd.), Corr. gén., Lettre à Andrieu, le 6 janvier 1853, t. III, p. 134-135.
42
Journal, p. 1075.
43
Margret Klinge, David Teniers the Younger: Paintings, Drawings, Ghent, Snoeck-Ducaju & Zoon,
1991, p. 216, (Catalogue d’exposition, Koninklijk Museum voor Schone Kunsten van België,
Antwerp).
272
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
de Delacroix illustrant Hamlet : l’usage que l’actrice Harriet Smithson
(1800-1854) a fait, dans une mise en scène de la pièce à l’Odéon et aux
Italiens, à Paris, en 1827-28, du voile noir mis devant son corps pour
simuler le cercueil de son père Polonius, tué par Hamlet.
Il n’est pas établi que Delacroix ait vu Smithson interpréter le rôle
d’Ophélie, cependant nous trouvons, dans une lettre adressée à Soulier le
28 septembre 1827 44 , le passage suivant qui montre qu’il était
particulièrement bien informé, car l’actrice Eliza O’Neill à laquelle il fait
allusion était devenue célèbre à Londres pour son interprétation de
Juliette45, rôle ensuite joué par Smithson :
« Les Anglais ont ouvert leur théâtre. Ils font des prodiges puisqu’ils
peuplent la salle de l’Odéon à en faire trembler tous les pavés du quartier
sous les roues des équipages. Enfin ils ont la vogue. Les classiques les
plus obstinés baissent pavillon. Nos acteurs vont à l’école et ouvrent de
grands yeux. Les conséquences de cette innovation sont incalculables. Il y
a une Mlle Smytson [sic] qui fait fureur dans les rôles de miss O’Neill.
Charles Kemble s’est simplifié et a fait plus qu’on n’aurait cru. »
Le critique de théâtre Armand de Pontmartin a écrit que Delacroix était
présent à cette première – où Charles Kemble a interprété Roméo et
Smithson Juliette46 –, mais, d’après Peter Raby47, son récit est peu fiable,
une fois établi qu’Alfred de Musset, également cité comme présent à la
première, se trouvait près du Mans et a regretté de n’avoir pu s’y rendre.
En tout état de cause, nous ne savons pas si Delacroix a vu,
spécifiquement, l’Hamlet de la compagnie anglaise, qui a présenté le 11
septembre 1827, pour la première fois, les mises en scènes de
44
Corr. gén., op. cit., t. I, p. 197.
45
Cf. Peter Raby, Fair Ophelia: a Life of Harriet Smithson Berlioz, Cambridge, Cambridge University
nd
Press, 2 ed. 2003 [1982], p. 108.
46
Les acteurs anglais à L’Odéon : septembre 1827, dans Armand de Pontmartin, Souvenirs d’un
vieux critique, Paris, Calmann Lévy Éditeur, 1884, vol. 1, p. 268-269.
47
Op. cit., p. 58.
273
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Shakespeare.48
Bien qu’il ne soit pas sûr que Delacroix ait vu l’interprétation de Smithson
de l’Ophélie folle, il est bien possible qu’il ait puisé sa composition de 1834
dans une lithographie d’Achille Devéria d’après le dessin de Louis
Boulanger, publiée en 1827, laquelle illustre ce moment de la mise en
scène évoquée, en particulier parce que, comme nous l’avons écrit
précédemment, c’est auprès de Devéria que l’artiste avait réalisé les
lithographies, entre le milieu de 1825 et 1827, pour la série de Faust49 [Fig.
19 et 20].
À la différence de l’Ophélie de Devéria et Boulanger, qui jette des fleurs sur
le cercueil de son père, la lithographie de Delacroix, faite avant la première
version d’Ophélie morte (la peinture de 1838), montre le personnage tenant
fermement le voile noir au-dessus de sa tête, de la même manière qu’elle
va, ensuite, tenir la branche du saule au bord du ruisseau. Sa posture est
instable et elle s’incline vers le voile, qui, à son tour, semble ne pas la
laisser tomber. Les visages du personnage se ressemblent dans les deux
lithographies de Delacroix, mais, comme la reproduction de la physionomie
n’était pas le but de l’artiste dans la série, il est difficile d’affirmer que dans
le cas de La mort d’Ophélie, il s’agisse effectivement de la représentation
de l’actrice irlandaise.
48
Il faut ajouter qu’il n’y a pas non plus la moindre preuve documentée indiquant que Delacroix ait vu
l’Hamlet, adapté par Ducis et joué 71 fois par le célèbre acteur François-Joseph Talma (17631826), entre 1806 et 1826, à la Comédie Française ; il n’y en a pas non plus pour assurer qu’il a vu
celui de l’autre compagnie anglaise (la Penley Trupe) venue cinq ans auparavant, en 1822, à Paris,
ni même ceux joués pendant son séjour à Londres, en 1825. Voir : Hélène Laplace-Claverie [et al.],
e
Le théâtre français du XIX siècle : histoire, textes choisis, mise en scène, Paris, éd. L’avant-scène
théâtre, 2008, p. 47 ; Lee Johnson, « Delacroix, Dumas and ‘Hamlet’ », The Burlington Magazine,
vol. 123, nº 945, dec., 1981, p. 717-718.
49
Young (2002:306-7) cite la lithographie de Devéria et Boulanger, publiée dans Souvenirs du théâtre
anglais à Paris. Smithson, pour l’auteur, pourrait également avoir fourni le modèle pour la
lithographie de 1834, de Delacroix. Raby signale que l’image de l’Ophélie folle de Smithson, comme
illustrée dans la lithographie de Devéria et Boulanger, pouvait être vue « à toutes les vitrines des
librairies et magasins d’estampes » (Notre traduction, RABY: 2003[1982], p. 72). Les louanges à
son interprétation ont été presque unanimes; J.-L. Borgerhoff écrit, s’appuyant sur un article de
journal de l’époque, que les Parisiennes en sont arrivées à adopter une coiffure, appelée à la folle,
qui consistait en un voile noir avec des brins de paille intercalés dans les cheveux (J.-L. Borgerhoff,
Le Théâtre Anglais à Paris sous la Restauration, Paris, Hachette, 1912, p. 172).
274
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Ainsi, l’influence du théâtre se manifeste comme une référence visuelle
possible dans la création des compositions picturales, notamment en ce qui
concerne la gestuelle des acteurs50. Cependant cette référence directe est
toujours relativisée par Delacroix face à son interprétation personnelle du
texte.
La mort d’Ophélie du peintre français, spécifiquement, illustre un extrait de
la pièce qui n’était pas, pour des questions de bienséance, joué à la scène
; il n’était que mentionné au moyen du discours rapporté ou récit, la reine
Gertrude décrivant sa mort au roi et à Laërte. Par conséquent, la scène
spécifique d’Ophélie flottant sur le ruisseau ne pouvait pas être représentée
par Delacroix d’après une mise en scène théâtrale, tout au moins pas en
s’inspirant d’une mise en scène des années 1820-3051 ; d’ailleurs, parmi les
lithographies de la série d’Hamlet, c’est la seule qui se passe dans un
espace naturel et non potentiellement scénique. Mais même s’il n’existe
pas un « tableau tout fait » provenant des arts de la scène fonctionnant
comme référence, l’image concentre, surtout quand nous nous attachons
au geste du personnage, cette énergie dramatique propre à l’expérience
théâtrale.
50
Nous analysons d’autres acceptions du « théâtral » dans l’œuvre de Delacroix dans notre mémoire
de Master (Universidade Estadual de Campinas, 2014). L’influence du théâtre présuppose aussi
des aspects concernant l’œuvre proprement dite (sans rapport avec une pièce ou un texte). La
question à poser serait la suivante : les œuvres de Delacroix, y compris les Ophélies, sont-elles
théâtrales au sens de mettre l’accent sur l’expression au point de tomber dans l’exagération ?
Quand nous proposons cette discussion, nous cherchons à distinguer les nuances de la
désignation outré appliquée à une représentation artistique dans la sensibilité de Delacroix et de
ses contemporains, en prenant appui sur la réception critique, parmi les Français, d’une œuvre du
maître de l’artiste, Pierre-Narcisse Guérin (1774-1833), Phèdre et Hyppolite (1802 ; Paris, musée
du Louvre), qui semble avoir influencé la gravure de Delacroix Reproches d’Hamlet à Ophélie.
51
Au théâtre, Ophélie ne va apparaître morte qu’à la fin du XIXe siècle, dans une mise-en-scène de
1886 au Théâtre de la Porte Saint-Martin, où Sarah Bernhardt est vue dans le cercueil apporté dans
la scène du cimetière. En 1887, dans la mise-en-scène américaine d’Edwin Booth et Lawrence
Barrett, son corps est amené devant le public, entièrement mouillé, pendant que Gertrude décrit sa
mort (Alan Young, « Sarah Bernhardt’s Ophelia », Borrowers and Lenders: the Journal of
Shakespeare and Appropriation, vol. 8, n. 1, Spring-Summer 2013). À l’opéra, la mise-en-scène
d’Ophélie mourant est preséntée dès 1868, à la première du Hamlet d’Ambroise Thomas, à l’Opéra,
selon le texte du livret (acte IV, scène 3) et la lithographie d’A. Lamy (Alan Young, op. cit., 2002, p.
118).
275
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
L’accent sur le geste
Edenbaum 52 , dans son analyse des lithographies et des principaux
tableaux qui illustrent Hamlet, souligne davantage la capacité de la forme
et de la position des mains, que celle de l’ensemble de l’action, à
transmettre le contenu essentiel des scènes. Il attire l’attention, par
exemple, sur l’éloquence des mains dans les deux gravures initiales – dans
la première, il dépeint le parallélisme entre leurs positions chez Hamlet et
son antagoniste, Claude, et le contraste simultané entre la délicatesse de
celles du prince et la rudesse de celles du roi [Fig. 21] ; dans la seconde, il
observe que les mains forment les deux points d’une diagonale centrée sur
la figure d’Hamlet [Fig. 22]. Cette attention n’est pas déraisonnable,
sachant que, comme le rappelle Ulrich Christoffel, Delacroix a dit dans une
conversation que les mains étaient aussi importantes que les visages pour
la communication du contenu émotionnel d’une œuvre53.
Dans le théâtre romantique une nouvelle importance a été donnée au
geste, que l’usage de la pantomime a rendu beaucoup plus expressif54.
Souvenons-nous que Delacroix était surnommé par Gautier « grand mime
de la peinture » et « grand metteur en scène » ; Baudelaire, à son tour, a
comparé son talent avec celui de deux acteurs de l’époque, l’un anglais et
l’autre français 55 . L’importance du geste comme signifiant approprié du
contenu expressif est encore attestée dans le commentaire que Delacroix a
fait du tableau de Gustave Courbet, exposé au Salon de 1853. Pour lui, les
52
Op. cit., p. 342.
53
« Eine hand müsse sprechen wie ein Gesicht, äuβerte er sich gegenüber seinem Schüler [Gustave]
Lasalle-Borde. Der Zwiesprache der Hände gab er auch im Hamlet die ausdrucksvollste Deutung ».
Cité dans Ulrich Christoffel, Eugène Delacroix, München, Verlag F. Bruckmann, 1951, p. 67.
54
Par opposition au style d’interprétation hiératique et ampoulé des genres théâtraux classiques. Voir
Hélène Laplace-Claverie [et al.]. Op. cit., p. 44-54 ; p. 124-82.
55
« Delacroix est le grand mime de la peinture. C’est par cette qualité, qu’on n’a peut-être pas assez
fait ressortir, qu’il excelle ; ses prétendues incorrections viennent de là ; il cherche le geste, et lui
sacrifie souvent le contour » (Gautier, Exposition de 1859, 1998, p. 112). « Quel admirable metteur
en scène de drames que M. Delacroix ! » (Gautier, Exposition de 1855, 1998, p. 84-85). « En fait de
gestes sublimes, Delacroix n’a de rivaux qu’en dehors de son art. Je ne connais guère que
Frédérick Lemaître et Macready » (Baudelaire, Salon de 1846, 1998, p. 79).
276
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
problèmes d’invention, évidents dans le geste des figures de Courbet (dans
l’expression) sont plus graves que celui de la forme non idéalisée, vulgaire.
Delacroix ne comprend pas pourquoi elles interagissent de cette façon, ce
qu’elles veulent se dire ; il affirme que Courbet, en bouleversant la logique
du geste dans une pantomime insolite et en superposant simplement les
figures à un paysage fixé à l’avance, fait une œuvre de marqueterie56, qui
n’a rien à voir avec l’unité exigée par les grandes peintures – cet accord
tacite entre les accessoires et l’objet principal obtenu grâce à un système
de subordination, lequel, à son tour, impose des sacrifices au peintre. Ainsi,
bien qu’il loue le pouvoir imitatif de la peinture de Courbet, Delacroix pense
que l’ambiguïté de l’expression nuit à l’invention dans le tableau, compte
tenu du rapport équivoque entre les gestes des deux femmes et la façon
dont, après avoir été « joints » l’un à l’autre, ils sont « joints » au paysage57.
Pour Delacroix, donc, le geste se trouve rattaché à un contenu qu’il faut
transmettre de la manière la plus claire possible ; un contenu, dans le cas
de son œuvre, toujours lié à une histoire connue d’avance et que, au
mieux, le spectateur reconnaîtra – après tout, le peintre a été élevé dans la
tradition classique de l’ut pictura poesis [comme la peinture, c’est la
poésie58]. Cependant, la touche ou la forme qui comporte ce geste chez
Delacroix travaille fréquemment dans le sens contraire à celui de la clarté,
56
Journal, p. 691.
57
Voir aussi sa critique, dans le même sens, de la gravure de Marcantonio Raimondi, d’après une
œuvre perdue de Raphaël, Repas chez Simon (env. 1490-1534 ; Londres, Victoria and Albert
Museum), qu’il compare à la peinture de Rubens sur le même sujet, aujourd’hui au musée de
l’Ermitage, Saint-Pétersbourg (Journal, p. 709).
58
Rensselaer W. Lee signale que le parallèle entre peinture et poésie se trouve virtuellement exprimé
dans la Poétique (env. 335 av. J.-C.) d’Aristote, et dans l’Art poétique (env. 19-10 av. J.-C.)
d’Horace. Dans celui-ci, il y a le célèbre passage (361) qui contient l’ut pictura poesis, où Horace
réclame plus de flexibilité dans le jugement critique en déclarant que la poésie doit être comparée à
la peinture qui présente non seulement un style détaillé, mais également large, qui ne plaira que s’il
est vu à distance. Aristote affirme que la nature humaine en action est l’objet de l’imitation parmi les
poètes et peintres et que la trame dans la tragédie équivaut au dessin dans la peinture – il plaît
davantage, puisqu’il représente avec netteté une forme. Selon Lee, les théoriciens du Cinquecento,
en Italie, ont eu recours aux allusions implicites dans les traités cités et ont alors associé la grande
peinture à la représentation imitative des actions humaines significatives et à l’expression des
émotions humaines par le mouvement corporel. Voir Rensselaer W. Lee, « Ut pictura poesis: the
Humanistic Theory of Painting », The Art Bulletin, XXII, 1940, p. 197-269.
277
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
dans la mesure où elle ne respecte pas les contours. Dans les différentes
versions de La mort d’Ophélie cette contradiction s’exprime : bien que dans
la version de 1844 [Fig. 3] il existe une meilleure définition de l’expression
du visage et de l’anatomie en général, cela n’est pas le cas dans les deux
autres [Fig. 1 et 4], en particulier dans la dernière, du Louvre, conçue avec
une touche bien plus libre – même s’il raconte une histoire, l’intérêt de
Delacroix pour la méthode picturale déplace l’appréciation de la narration à
celle de la peinture elle-même, mais sans que l’une prédomine sur l’autre ;
comme si notre perception ne reposait pas totalement sur l’objet (quel est-il
en définitive?), en se construisant au centre de sa propre inquiétude, ou
plutôt, en se construisant sans centre.
L’exécution, écrit Delacroix, ajoute toujours à la pensée59. Pour lui, sans
une « vraie exécution » la pensée de l’artiste n’est pas complète. Mais il
nous semble que, dans le cas des « toiles ébauches60 », en particulier
celles en petites dimensions, si nous affirmions que l’exécution soustrait
une partie de la pensée et qu’elle garde la pensée d’une exposition
définitive, nous serions plus proche de la question que ces travaux posent
aujourd’hui, quand le préjugé contre l’inachevé s’est déjà dilué
historiquement.
Il faut préciser que, pour Delacroix, « l’inachevé » serait plutôt une
résistance à la tentation du détail et de la description minutieuse au cours
de l’exécution qu’un désir impératif de ne pas conclure :
« La plus grande difficulté consiste donc à retourner dans le tableau à cet
effacement des détails lesquels pourtant sont la composition, la trame
même du tableau.
Je ne sais si je me trompe, mais je crois que les plus grands artistes ont eu
59
Journal, p. 1084.
60
Chesneau, dans le catalogue Robaut (1885, p. 322, 383, 384, 406, 437, 464), emploie ce terme
pour faire référence à quelques toiles de Delacroix qui n’ont été qu’ébauchées, c’est-à-dire, qui ont
été abandonnées avant la fin. Ici il y a un sens plus général associé à la manière plus expéditive de
l’artiste de peindre. Il ne faut pas oublier que le degré de l’achèvement dans son œuvre était déjà
sujet à controverse à son époque.
278
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
à lutter grandement contre cette difficulté, la plus sérieuse de toutes. Ici
ressort plus que jamais l’inconvénient de donner aux détails, par la grâce
ou la coquetterie de l’exécution, un intérêt tel qu’on regrette ensuite
mortellement de les sacrifier quand ils nuisent à l’ensemble. [...] Le tableau
composé successivement des pièces de rapport, achevées avec soin et
placées à côtés les unes des autres, paraît un chef-d’œuvre et le comble
de l’habilité, tant qu’il n’est pas achevé, c’est-à-dire tant que le champ n’est
pas couvert : car finir, pour ces peintres qui finissent chaque détail en le
posant sur la toile, c’est avoir couverte cette toile. [...] ce qui semblait une
exécution seulement précise et convenable devient la sécheresse même
par l’absence générale de sacrifices. [...] les grands artistes seuls partent
d’un point fixe, et c’est à cette expression pure qu’il leur est si difficile de
revenir dans l’exécution longue ou rapide de l’ouvrage. L’artiste médiocre,
occupé seulement du métier, y parviendra-t-il à l’aide de ces tours de force
de détails qui égarent l’idée, loin de la mettre dans son jour ? Il est
incroyable à quel point sont confus les premiers éléments de la
composition chez le plus grand nombre des artistes. Comment
s’inquiéteraient-ils beaucoup de revenir par l’exécution à cette idée qu’ils
n’ont point eue61 ? »
Au-delà de l’exécution (longue ou rapide) de l’œuvre, ce qui compte pour
Delacroix c’est l’idée, non pas une idée volatile, qui change au cours de
l’exécution, mais plutôt une idée originale, fraîche et en même temps fixée
a priori, vers laquelle l’artiste s’efforce d’aller en exécutant la peinture. Ne
pas se détourner de cette idée première, que justement l’ébauche exprime
si bien, tout au long de l’exécution (de façon, par exemple, à se perdre
dans la recherche de l’exactitude des détails) c’est l’épreuve du feu du
grand artiste. Tout chef d’œuvre exige du peintre des sacrifices des détails
qu’il s’était éventuellement beaucoup efforcé à bien définir – et quand
Delacroix écrit sacrifier il ne veut pas dire seulement supprimer, mais aussi
subordonner à l’ensemble, de sorte qu’il admire Rubens, un artiste
prodigue en détails, grâce à sa technique picturale (« la franchise de
61
Italiques de l’auteur, le 23 avril 1854, Journal, p. 156.
279
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
l’exécution »), qui les met au service de la communication de l’idée
centrale62. Ces sacrifices sont donc directement liés au retour ou maintien
de l’idée originale, qui guide l’exécution. Delacroix a une façon intéressante
de rapprocher l’ébauche du tableau terminé sans renoncer à la méthode
plus traditionnelle de production picturale, laquelle prévoit un pas à pas qui
va de la première idée, souvent élaborée en maintes esquisses, à
l’ébauche et au processus de transformation en une œuvre finale, ce qui
est beaucoup plus qu’une science de remplissage des espaces délimités
par la ligne (comme le faisaient David et son école63) – la question pour ce
maître ni totalement classique ni totalement romantique, c’est de passer
par toutes les étapes traditionnelles de création d’une œuvre d’art sans
avoir perdu la force de la première idée, fruit, par excellence, de
l’inspiration.
Ainsi le geste est un facteur important dans l’analyse des lithographies et
des peintures. Pour Delacroix, il présente une relation stricte avec
l’expression des émotions et sentiments des figures et logique avec l’idée,
bien que l’exécution ne fasse pas toujours fonctionner ce mécanisme
comme prévu, en s’opposant à la clarté en faveur de l’effet d’ensemble, ce
qui met en lumière le geste du peintre, lequel rivalise désormais avec celui
des personnages peints. Pour le spectateur, le résultat peut être inquiétant,
parce qu’il est confronté davantage, dans la réception esthétique, avec la
contradiction entre pulsions opposées qu’avec une possible synthèse entre
elles.
Conclusion
Delacroix n’a pas été, dans ses différentes versions de La mort d’Ophélie,
totalement conforme au texte de Shakespeare, au sens où la façon dont
62
Journal, p. 687.
63
Delacroix considérait l’ébauche comme nulle dans l’école de David « car on ne peut donner ce nom
à de simples frottis qui ne sont que le dessin un peu plus arrêté et recouverts ensuite entièrement
par la peinture », Journal, p. 1088.
280
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Ophélie tient la branche dans ses compositions donne moins l’impression
qu’il s’agit d’un accident inévitable, lié à l’aliénation mentale ou à un
suicide, qu’une action trahissant un désir de vivre. En réalité, comme il
s’agit d’une image qui rapproche sexualité et mort – rapprochement qui
crée un terrain propice à ce qu’engendre la mélancolie – ces quatre
œuvres de Delacroix vivent dans cette tension.
Nous avons pu noter, encore, que La mort d’Ophélie, de Delacroix : 1)
s’éloigne d’un possible modèle anglais ou même français, mais se
rapproche du dessin d’Achille Devéria ; 2) précède, étant donné que ce
dessin n’est pas devenu public, les œuvres qui la dépeignent à l’horizontale
sur l’eau au moment de sa mort ; 3) existe dans le contexte de la
production de l’artiste liée formellement aux peintures qui représentent des
femmes enlevées, attaquées par des fauves ou se baignant ; 4) peut être
associée, hypothétiquement et symboliquement, à la représentation de la
Vénus Anadyomène, celle qui naît des eaux, d’un côté, et à celles qui se
trouvent plus « humainement » allongées dans les peintures de la
Renaissance, de l’autre ; 5) se présente sous l’injonction de forces
hétérogènes – désir de vivre contrebalancé par celui de mourir – de sorte
qu’il peut être dit de sa mort qu’elle est semblable à celle d’un martyr
chrétien, bien que totalement dénuée d’héroïsme. Finalement 6) nous
avons indiqué l’Hélène du Tintoret, au Prado, comme un possible prototype
pour le corps d’Ophélie.
Toutes les œuvres qui représentent La mort d’Ophélie ont été réalisées en
petites dimensions. Les petits tableaux constituaient un format dans lequel,
en général, l’artiste ne se sentait pas obligé d’achever la peinture, faisant
usage d’une technique expéditive comparable à celle de l’ébauche. Le
résultat, comme l’avait observé Delacroix lui-même, gagnait en qualité de
touche et en franchise, mais perdait en expression (au sens de
communication des sentiments et émotions des figures humaines).
Autrement dit, une espèce de rivalité opère désormais entre le geste du
personnage et le geste du peintre, ce qui accentue la contradiction entre la
pulsion de raconter et celle de peindre, mais sans que l’une prédomine sur
281
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
l’autre – et, en ce sens, nous avons affirmé que les « toiles ébauches »,
petits tableaux y compris, inquiètent, du point de vue de notre perception,
parce qu’il semble qu’elles ne possèdent pas de centre.
Ainsi, même en étant confronté à l’énergie provenant de l’intérêt de
Delacroix pour la méthode en peinture, le geste des figures concentre
encore fortement le contenu narratif des images de l’artiste qui illustrent
Hamlet – en nous arrêtant sur lui, nous sommes capables d’identifier
facilement ce qui se passe dans la représentation. Ces images peuvent
contenir quelque réminiscence de la scène théâtrale ; elles peuvent trahir
dans leur structure une pensée scénique ; mais à cette référence au
théâtre se combine toujours l’interprétation personnelle du texte par
l’artiste.
Bien que l’épisode de La mort d’Ophélie ne soit pas joué dans la mise en
scène de la pièce, Delacroix dramatise, dans l’image, le geste. Mais il
rompt la logique de son intention par rapport à celle du texte, parce qu’au
lieu de se casser en faisant tomber Ophélie dans le ruisseau, la branche
sert d’appui à son corps suspendu sur l’eau. Le geste d’Ophélie prend une
valeur ambiguë, mais d’une ambiguïté différente de celle critiquée par
Delacroix chez Courbet, dans les Baigneuses, par exemple, dès qu’il
renferme un but, même si ce but suscite un doute (mourir ou ne pas mourir
?) semblable à celui d’Hamlet lui-même dans le célèbre monologue de
l’acte III, scène 1. Et c’est en ce sens, curieusement, que l’ambiguïté du
suicide d’Ophélie, présente dans le texte de Shakespeare, est soutenue
visuellement par l’artiste.
282
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 1
Eugène Delacroix (1798-1863)
La mort d’Ophélie, 1838
Huile sur toile, 37,9 x 45,9 cm
Munich, Neue Pinakothek
© droits réservés
Figure 2
Eugène Delacroix
La mort d’Ophélie, 1843
Lithographie, 18,1 x 25,5 cm
Paris, Musée Eugène Delacroix (don Société des Amis du musée, 2002) MD 2002-69
© RMN-Grand Palais / R.-G. Ojéda
283
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 3
Eugène Delacroix
La mort d’Ophélie, 1844
Huile sur toile, 55 x 64 cm
Winterthur, Oskar Reinhardt Museum ‘am Römerholz’
© droits réservés
Figure 4
Eugène Delacroix
La mort d’Ophélie, 1853
Huile sur toile, 23 x 30 cm
Paris, Musée du Louvre, Département des Peintures (Legs Thomy-Thiéry, 1902)
© Musée du Louvre, Dist. RMN-Grand Palais / Angèle Dequier
284
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 5
John Everett Millais (1829-1896)
La mort d’Ophélie, 1851
Huile sur toile, 76,2 x 111,8 cm
Londres, Tate Gallery
© Tate, Londres, Dist. RMN-Grand Palais / Tate Photography
Figure 6
Léopold Burthe (1823-1860)
Ophélie, 1851
Huile sur toile, 62,4 x 100 cm
Poitiers, Musée Sainte-Croix
© droits réservés
285
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 7
Paul Delaroche (1797-1856)
La jeune martyre, 1855
Huile sur toile, 1,71 x 1,48 m
Paris, Musée du Louvre, Département des Peintures
(Don Rose, Adolphe et Louis d’Eichtal, en exécution de la volonté de leur père, 1895)
© RMN-Grand Palais (musée du Louvre) / René-Gabriel Ojéda
286
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 8
Charles Taylor (1756-1823)
La mort d’Ophélie, d’après Robert Smirke
In: The Picturesque Beauties of Shakespeare, being a Selection of Scenes,
from the Works of that Great Author, Londres, C. Taylor’s and Mr. Taylor’s, 1783-1787
Collection particulière
© droits réservés
287
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 9
James Parker (1750-1805)
La mort d’Ophélie, d’après Richard Westall
In: The Dramatic Works of Shakespeare, Londres, J. and J. Boydell, 1803
Collection particulière
© droits réservés
288
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 10
Ophélie et les moires
In: Anna Jameson, Characteristics of Women: moral,
poetical and historical, Londres, Saunders and Otley, 1832
Collection particulière
© droits réservés
289
Luciana Lourenço Paes
Figure 11
Achille Devéria (1800-1857)
La mort d’Ophélie
Crayon
Paris, Bibliothèque Nationale de France
© droits réservés
290
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 12
Eugène Delacroix
Femmes turques au bain (Baigneuses), 1854
Huile sur toile, 92,7 x 78, 7 cm
Hartford, Wadsworth Atheneum
© droits réservés
Figure 13
Gustave Courbet (1819-1877)
Les Baigneuses, 1853
Huile sur toile, 227 x 193 cm
Montpellier, Musée Fabre (Don A. Bruyas, 1868)
© droits réservés
291
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 14
Aphrodite accroupie
Réplique romaine d’un prototype grec
(les bras et la tête ont été complétés à une époque plus récente)
Marbre ; IIIe-Ier siècle avant J.-C.
Paris, Musée du Louvre, Département des Antiquités Grecques et Romaines MA 53
© RMN-Grand Palais / H. Lewandowski
292
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 15
Eugène Delacroix
Étude d’après la Vénus accroupie du Louvre, vers 1818-1822
Crayon
Paris, Musée du Louvre, Département des Arts Graphiques
(Legs Ét. Moreau-Nélaton, 1927) Album RF 9151
© droits réservés
293
Luciana Lourenço Paes
Figure 16
Jacopo Robusti, dit Le Tintoret (1518-1594)
L’enlèvement d’Hélène, 1588-1589
Huile sur toile, 186 cm x 307 cm
Madrid, Prado
© droits réservés
294
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 17
Eugène Delacroix
Le Printemps – Eurydice cueillant des fleurs est mordue par un serpent, 1856-1863
Huile sur toile, 196 x 166 cm
São Paulo, Museu de Arte
© droits réservés
295
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 18
Eugène Delacroix
Femme nue à mi-corps et deux études de jambes
Crayon
Paris, Musée du Louvre, Département des Arts Graphiques
(Legs Ét. Moreau-Nélaton, 1927) RF 9620
© droits réservés
Figure 19
Eugène Delacroix
La folie d’Ophélie, 1834
Lithographie
Paris, Musée Eugène Delacroix
(don Société des Amis du Musée Delacroix, 2002) MD 2002-68
© RMN-Grand Palais (Musée du Louvre) / Franck Raux
296
Figura: Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica • 3 • 2015
Figure 20
Achille Devéria (1800-1857)
Louis Boulanger (1806-1867)
Harriet Smithson interprétant la folie d’Ophélie, 1827
Lithographie coloriée in Souvenirs du théâtre anglais à Paris, Paris, Henry Gaugain
Collection particulière
© droits réservés
Figure 21
Eugène Delacroix
La reine s’efforce de consoler Hamlet, 1834
Pierre lithographique
Paris, Musée Eugène Delacroix MD 1968-10
© RMN-Grand Palais (Musée du Louvre) / René-Gabriel Ojéda
297
Luciana Lourenço Paes
Les quatre représentations de La mort d’Ophélie
Figure 22
Eugène Delacroix
Hamlet veut suivre l’ombre de son père
Lithographie
Paris, Musée Eugène Delacroix
(don Société des Amis du musée Eugène Delacroix, 2002) MD 2002-58
© RMN-Grand Palais (Musée du Louvre) / René-Gabriel Ojéda
298
Evelyne Azevedo
22
O ideal da beleza apolínea
FIGURA
Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica
Nº 3 • 2015
_________________________________________________________________________

Documents pareils