no. 12 Etnocenologia - revista teatro e dança UFBA

Transcription

no. 12 Etnocenologia - revista teatro e dança UFBA
REPERTÓRIO
TEATRO E DANÇA
REPERTÓRIO
TEATRO & DANÇA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor: Naomar de Almeida Filho; Vice-Reitor: Francisco Mesquita; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação:
Antonio Alberto Lopes; Coordenador de Ensino de Pós-Graduação: Marcelo Embiruçu de Souza;
Coordenador de Pesquisa: Rogério Hermida Quintela.
Docentes: Ângela Reis, Antonia Pereira (Coordenadora), Armindo Bião, Catarina Sant’Anna, Cássia Lopes, Ciane
Fernandes, Cleise Mendes, Daniel Marques, Denise Coutinho, Dulce Aquino, Eliana Rodrigues, Eliene Benício,
Eloisa Domenici, Érico Oliveira, Evelina Hoisel, Ewald Hackler, Fernando Passos, Gláucio Machado, Hebe
Alves, Ivani Santana, Jacyan Castilho, João de Jesus Paes Loureiro, Lúcia Fernandes Lobato, Luiz Cláudio Cajaíba,
(vice-coordenador), Luiz Marfuz, Maria Albertina (Betti) Grebler, Meran Vargens, Sérgio Farias, Sonia Rangel,
Suzana Martins; Representante discente: Nadir Nóbrega Oliveira; Secretária: Daiane Milene Carvalho Ramos.
CONSELHO EDITORIAL: André Helbo, Université Libre de Bruxelles, Bélgica; Antonia Pereira, Universidade
Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Armindo Bião, CNPq, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil (Editor
Responsável); Cássia Navas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil; Hans-Thies Lehman,
Goethe Universität Frankfurt am Main, Alemanha; Idelette Muzart-Fonseca dos Santos, Université de Paris Ouest
- Nanterre La Défense, Paris X, França; Jean-Marie Pradier, Université Vincenne Saint Denis, Paris VIII, França;
Josette Féral, Université du Quèbec à Montreal, Canadá; Marta Isaacsson Sousa Silva, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS, Brasil; Michel Maffesoli, Université René Descartes, Paris V, França; Paulo Filipe
Monteiro, Universidade Nova de Lisboa, Portugal; Rodolfo Obregon Rodriguez, Universidad Nacional Autónoma
de México – UNAM, México; Sílvia Fernandes, Universidade do Estado de São Paulo – USP, Brasil.
CONSELHO CONSULTIVO: Bernard Müller, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França;
Carlos Alba, Instituto Politécnico de Leiria, Portugal; Cássia Lopes, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil;
Catarina Sant’Anna, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Cleise Mendes, Universidade Federal da Bahia
- UFBA, Brasil; Christian Marcadet, Université Panthéon Sorbonne, Paris I, França; Denise Coutinho, Universidade
Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Fernando Mencarelli, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Brasil;
Jean-François Dusigne, Université de Picardie Jules Verne, Amiens, França; Jorge das Graças Veloso, Universidade
de Brasília – UNB, Brasil; Lucas Robatto, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Luiz Cláudio Cajaíba,
Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Luiz Freire, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Mário
Fernando Bolognesi, Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, Brasil; Nara Keisermann, Universidade
Federal do Estado Rio de Janeiro – UNIRIO, Brasil; Nathalie Gauthard, Université de Nice Sophia Antipolis,
França; Samuel Araújo, Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFRJ, Brasil; Sonia Gomes Pereira, Universidade
Federal do Rio de Janeiro - IFRJ, Brasil; Sérgio Farias, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil.
Organização deste número e projeto gráfico: Armindo Bião
Capa e diagramação: João Paulo Perez Cappello
Editoração eletrônica: Nádia Pinho
Imagem da capa: colagem de fotos do Alcazar de Sevilha (Baños de Doña María de Padilla), de dança flamenca,
leques e plumas.
Revisão: Polyana Nunes
Tiragem: 500 exemplares
ISSN 1415-32-03
Ano 12 Nº 12 2009.1
REPERTÓRIO
TEATRO & DANÇA
Proscênio: Etnocenologia
Peças: Dramaturgia para teatro e dança
Persona: Jean Duvignaud
Sala de Ensaios: Dança, teatro, cinema e televisão
Bastidores: Malê Debalê
© 2009, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA
PPGAC/ UFBA/ Escola de Teatro
Avenida Araújo Pinho, 292 – Campus do Canela
40110-150 Salvador Bahia Brasil
Telefone 55 71 3283 7858
[email protected]
www.teatro.ufba.br/ppgac
Repertório Teatro & Dança é um periódico semestral do PPGAC/ UFBA, estruturado em:
Proscênio: artigo ou conjunto de artigos de diversos autores, sobre a temática central do número,
equivalendo ao que em outros periódicos é denominado de Dossiê.
Peça ou Peças: texto(s) original(is) de dramaturgia de espetáculo teatral, coreográfico ou correlato, relativo
ao Proscênio.
Sala de ensaios: artigo ou conjunto de artigos de diversos autores sobre temas variados, necessariamente
inéditos, relativos a música, artes visuais, literatura, ciências sociais, artes e ciências do espetáculo; equivalendo ao
que em outros periódicos é denominado de Varia.
Persona: artigo sobre ou entrevista com personalidade do mundo artístico e acadêmico, relativos à
temática abordada no Proscênio ou em Sala de Ensaios.
Bastidores: texto ou conjunto de textos sobre espetáculos, publicações e grupos artísticos, equivalendo
ao que em outros periódicos é considerado como resenhas e relatos.
Reunindo, prioritariamente, artigos solicitados a pesquisadores convidados, aos eventuais
interessados em terem trabalhos publicados, Repertório recomenda:
1. Envio do original em Microsoft Word (times new roman 11; interlinha 1,5; texto justificado; títulos,
palavras-chave e resumos na língua original e em inglês, bem como notas de pé de página, em times new
roman 10, interlinha simples, texto justificado), com o mínimo de duas e o máximo de 20 páginas (com
imagens até 25), de acordo com as normas da ABNT, acompanhado de declaração autorizando a
publicação e cedendo seus direitos autorais para Repertório, que se compromete a enviar aos autores
publicados três exemplares da revista contendo seu artigo.
2. Uso do sistema de chamada “autor-data” da ABNT e inclusão de notas de pés de página estritamente
necessárias e das referências ao final do texto imprescindíveis.
3. As ilustrações (gráficos, fotografias, quadros, esquemas etc) devem ser designadas como Figuras,
numeradas no texto, de forma abreviada e acompanhadas de legenda e indicação da fonte e/ ou autoria.
4. Qualquer parte desta revista poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte.
5. Os conceitos emitidos em textos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Dados Internacionais de C atalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca Nelson de Araújo, TEATRO/UFBA, BA, Brasil)
R epertório: teatro & dança / Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro.
Escola de Dança. Programa de Pós-Graduação em ArtesCênicas.
– Ano 12, n. 12 (2009) - Salvador: UFBA/ PPGAC, 2009 -
142 p. ; 21 cm.
Periodicidade irregular
ISSN 1415-32-03
1. Teatro - Periódicos. 2. Dança – Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia.
II. Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas. III. Título
REPERTÓRIO
REPER
TÓRIO
REPERTÓRIO
Editorial
Armindo Bião
Proscênio:
Etnocenologia
7
Persona: Jean
Duvignaud
9
Jean Duvignaud
Sergio Guedes
Caboclo: N° 2 do Tríptico Lenda do Boto
Sonia Rangel
10
L’expansivité du rituel
Jean-Marie Pradier
Savoirs de la représentation
et représentations du savoir
André Helbo
“Ensaiando dentro da mente”: dança e
neurociência
95
Mônica Ribeiro e Antonio Teixeira
21
Pour une anthropologie des pratiques
spectaculaires
Bernard Müller
35
Pour une scénologie générale
Jérôme Dubois
44
Peças: Dramaturgia para
teatro e dança
53
CEIBA dança Lorca
Jesús Cosano Prieto
Sala de Ensaios: Dança,
teatro, cinema e
televisão
93
11
Da antropologia teatral à etnocenologia
Gilberto Icle
28
GIPE-CIT canta Padilla
Armindo Bião
87
Formas de representação do corpo negro em
performance
Marcos Antônio Alexandre
104
Samba de roda como una práctica
espectacular en Barravento (1961) de
Glauber Rocha
Jolanta Rekawek
115
Espaço e teatralidade na minissérie “Hoje é
dia de Maria”
Sylvia Nemer
126
Bastidores:
Malê Debalê
135
Uma origem, uma tribo, uma festa
Lúcia Fernandes Lobato
137
55
77
Identidade visual dos colóquios internacionais de etnocenologia,realizados em Paris, França (1995 e 2005), Cuernavaca, Morelos
México (1996) e Salvador, Bahia, Brasil (1997 e 2007).
Editorial
No momento em que se prepara a
realização do VI Colóquio Internacional de
Etnocenologia, para o período de 2 a 5 de
agosto de 2009, em Belo Horizonte, Minas
Gerais, Brasil (veja as identidades visuais dos
cinco colóquios anteriores na página ao lado,
à esquerda desta), a revista Repertório Teatro
& Dança começa uma nova fase e retoma
velhos ícones e emblemas dos orixás de seus
primeiros números.
De fato, o Proscênio deste seu número 12
é dedicado à etnocenologia, repetindo, assim,
o início de sua primeira fase, em 1998,
quando começamos a publicar Repertório
Teatro & Dança
Dança. Então também se preparava
a realização de um Colóquio Internacional de
Etnocenologia (Salvador, Bahia, Brasil, 1998)
e, também, a etnocenologia era a temática do
Proscênio de seu número 1.
Agora, ampliamos o Conselho Editorial
de Repertório Teatro & Dança
Dança, que passa a
ser semestral, e incluímos textos em outras
línguas além do português: o francês e o
espanhol. Em todos os textos, há resumos,
títulos e palavras-chave em três línguas:
sempre na língua original, em que cada texto
foi escrito; em inglês; e em português, quando
a língua original foi o francês, e em francês,
quando a língua original foi o português ou o
espanhol. Assim, pretendemos, também,
ampliar o alcance do que publicamos em
Repertório Teatro & Dança
Dança, que passa a
colocar à disposição de todos os interessados
uma versão on-line integral de suas edições.
Em Procênio , contamos com a
colaboração de cinco colegas e amigos, dos
quais três vinculados a universidades
francesas. Assim, contamos com Jean-Marie
Pradier, pioneiro da etnocenologia, que
também colaborou com o número um de
Repertório Teatro & Dança, Bernard Müller,
que já colaborou conosco num livro coletivo
Artes do corpo e do espetáculo
(Artes
espetáculo, P & A, 2007),
no qual tratou do teatro contemporâneo de
matriz iorubá na Nigéria, e Jérôme Dubois,
que já participou de nossos grupos de
pesquisa na França e no Brasil. Também
contamos com André Helbo, da Universidade
Livre de Bruxelas, coordenador do Master de
Artes do Espetáculo Erasmus Mundus 2007/
2009, que aprofunda as questões
epistemológicas no âmbito das ciências do
espetáculo. E, ainda, como nosso colega da
UFRGS, Gilberto Icle, que nos revela seu
percurso da Antropologia Teatral à
Etnocenologia.
Em Peças
Peças, trazemos dois textos
dramatúrgicos mergulhados no Atlântico
Negro. Um, de nossa própria autoria, com
ampla colaboração de alunos e orientandos,
de caráter teatral e musical, é sobre o
percurso da personagem histórica espanhola
Doña María de Padilla, do século XIV, até sua
quase homônima entidade da umbanda
brasileira contemporânea. De passagem,
apresentamos, como ilustração, de modo algo
perverso e narcisístico, um pequeno álbum
de fotos e anotações sobre um espetáculo
dirigido por um de nossos ex-alunos da Escola
de Teatro da UFBA, Vinício de Oliveira
Oliveira, sobre texto de nossa amiga e colega,
também ex-aluna da Escola de Teatro da
UFBA, Haydil Linhares. O outro texto de
Peças é de nosso amigo Jesús Cosano Prieto,
de caráter coreográfico, para um espetáculo
de flamenco de Juan de Juan, sobre o impacto
da cultura afro-americana dos EUA e de Cuba
na obra do poeta Federico Garcia Lorca. Aí
incluímos brevíssima referência fotográfica à
pesquisa de uma de nossas colegas do
PPGAC/ UFBA, Eliana Rodrigues, sobre a
dança
flamenca,
como
ilustração
complementar pertinente.
Para a Persona
P ers o n a , es co l h em o s n osso
saudoso amigo e professor Jean Duvignaud e
encomendamos o texto a nosso amigo e aluno
Sergio Guedes, que também o conheceu na
França.
Reunimos, na Sala de Ensaios (que,
anteriormente, chamávamos, simplesmente,
de Ensaios
Ensaios), um belo conjunto de artigos,
todos também, igualmente, inéditos e de
horizontes diversos das artes do espetáculo.
Da dança, em diálogo com as neurociências,
temos a colaboração de Mônica Ribeiro e
Antônio Teixeira. Do teatro, na perspectiva
da performance de corpos negros, a
contribuição de Marcos Antônio Alexandre.
Do cinema, em diálogo com a roda-de-samba
tradicional da Bahia, temos a comunicação
d e Jolan t a Rekawek, já apresen ta d a ,
parcialmente, no V Colóquio Internacional de
Etnocenologia, realizado em Salvador, Bahia,
em 2007. E, ainda, temos, do diálogo do
teatro com a televisão, o artigo de Sylvia
Nemer, discutindo espaço e teatralidade.
Finalmente, fechamos, em Bastidores
(que chamávamos anteriormente de
Resenhas e Relatos ) este número de
R
Re
e p e rt ório Teatro & Dança com a
Repertório
comunicação de nossa colega e amiga Lúcia
Fernandes Lobato, reelaborada de sua
participação no V Colóquio Internacional de
Etnocenologia, realizado em Salvador, Bahia,
em 2007, e que é dedicada às origens da tribo
e da festa espetacular do Malê Debalê, marca
maior de nossa cultura e de nossa
etnocenologia.
Junto à ficha catalográfica deste número
de Repertório Teatro & Dança
Dança, divulgamos a
estrutura editorial de nossa revista e suas
normas editoriais, para os eventuais
interessados em colaborarem com nossa
revista, da qual, assumo, agora, a
responsabilidade editorial. Informamos,
também, na contracapa deste número, a
temática dos três próximos números de
Repertório Teatro & Dança
Dança, que aparecerá
em seus respectivos Proscênios
Proscênios. Reiteramos,
enfim, aqui, a nossos prezados leitores, que
nossa Sala de Ensaios estará sempre aberta
a contribuições sobre quaisquer temáticas,
assim como aceitaremos sugestões de perfis
de personalidades das artes do espetáculo
para nossas Personas
Personas, textos dramatúrgicos
para nossas Peças e resenhas e relatos para
nossos Bastidores
Bastidores.
Armindo Bião
CNPq/ Universidade Federal da Bahia, Brasil
Coordenador do Grupo de Trabalho de Etnocenologia da
ABRACE, Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação
em Artes Cênicas e do GIPE-CIT, Grupo Interdisciplinar de
Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e
Teatralidade
Teatralidade.
Sonia Rangel*
Cabloco Nº 2 do Tríptico Lenda do Boto
Acrílica sobre tela
30cm X 30cm
2002
* Professora das Escolas de Teatro e de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Brasil
10
L’expansivité du rituel :
autorité du novlangue ou
changement de paradigme?
Jean-Marie PRADIER*
RÉSUMÉ : Depuis quelques décennies le mot rituel présente
une occurrence particulièrement élevée dans les études et les
pratiques artistiques, au point de prendre la place d’un vaste
ensemble lexical particulièrement riche et précis. A première vue,
cet usage quelque peu abusif semble accompagner l’extension
des Performance studies, et une certaine interprétation des recherches
de Jerzy Grotowski (1933-1999). L’analyse de son ontogenèse
révèle une histoire complexe et de multiples sources :
l’anthropologie évolutionniste, l’opposition de l’anglicanisme
au cérémonial catholique, la rencontre de l’anthropologie (Victor
Turner) et de l’éthologie (1965).
MOTS CLÉS : ethnoscénologie; rituel ; performance.
RESUMO : Nas últimas décadas, a palavra ritual aparece,
sobretudo nos estudos e práticas artísticas, com tanta frequência,
que chega a ocupar o lugar de um conjunto lexical
particularmente rico e preciso. À primeira vista, esse uso um
tanto abusivo parce acompanhar o crescimento dos Performance
studies e uma certa interpretação das pesquisas de Jerzy Grotowski
(1933-1999). A análise de sua ontogênese revela uma história
complexa e múltiplas fontes : a antropologia evolucionista, a
oposição do anglicanismo ao ceremonial católico, o encontro da
antropologia (Victor Turner) e da etologia (1965).
PALAVRAS-CHAVE : etnocenologia; ritual ; performance.
The ritual expansiveness: the Newspeak authority or paradigm
shift?
ABSTRACT: In recent decades, the word ritual appears, so
often, particularly in education and artistic practices, that comes
to occupy the place of a particularly rich and precise lexical set. At
first glance, this use somewhat abusive goes along the growth
of Performance Studies and a certain interpretation of the
research of Jerzy Grotowski (1933-1999). The analysis of their
ontogeny reveals a complex history and multiple sources: the
evolutionary anthropology, the opposition of the Catholic
ceremonial to Anglicanism, the meeting of anthropology (Victor
Turner) and ethology (1965).
KEYWORDS: Ethnoscenology; ritual; peformance.
En dehors de supprimer les mots dont le sens n’était
pas orthodoxe, l’affaissement du vocabulaire était
considéré comme une fin en soi et on ne laissait subsister
aucun mot dont on pouvait se passer. Le Novlangue
était destiné, non à étendre, mais à diminuer le domaine
de la pensée et la réduction au minimum du choix des
mots aidait indirectement à atteindre ce but. Georges
ORWELL, 19841
Dans le souci d’éviter toute dérive
d’ethnocentrisme, l’ethnoscénologie se doit
d’attirer l’attention sur les conséquences de l’emploi
d’un terme générique – le « rituel » - profondément
marqué par les péripéties historiques de la pensée
euro-américaine. Longtemps reléguée dans les
limbes de l’anthropologie européenne qui lui
préférait l’étude du mythe, 2 maltraitée par la
perspective évolutionniste, la question du rituel
jouit à présent d’une vogue étonnante non sans
provoquer un effet de mode pour le moins ambigu.
De nombreux colloques et publications lui sont
consacrés notamment dans le champ des études
théâtrales et des performance studies.3 L’édition sème
le mot rite ou rituel dans les titres de revues et
d’ouvrages, allant même jusqu’à en modifier
l’appellation originelle.4 Les journalistes en abusent.
*Professeur à l’Université Paris 8/ Maison des Sciences de l’Homme
Paris Nord, France
1
George Orwell: 1984, traduit de l’anglais par Amélie Audiberti, NRF,
Gallimard, Quatorzième édition, 1950, p. 360.
2
sur la relation entre le modèle implicite de la « religion » et le statut
secondaire du rite, voir Daniel Dubuisson: L’Occident et la religion –
Mythe, science et idéologie, Editions Complexe, 1998, p. 202 et s.
3
Jean-Marie Pradier : « Los nuevos tiempos del Rito– Entre la dilución
del sentido y el cambio de paradigma », Teatro y diálogo entre culturas,
Murcia 06/07, 2008, pp. 119-130.-” L’ethnoscénologie et la question du
rituel” (actes du colloque international Le rituel dans les études polonaises,
Paris, 2007 (actes du colloque international “les études sur le rituel en
Pologne – octobre 2007)- “Flesh is spirit. Ritual or the Problem of
Action”, proceedings of the international conference Religion, Ritual,
Theatre, Copenhague, 2006 (à paraître 2008).
4
l’ouvrage d’Arthur Maurice Hocart Social Origins, Watts & Co, Londres,
1954, devient en français: Au commencement était le rite – De l’origine
des sociétés humaines, préface de Lucien Scubla, Avant-propos de Lord
Raglan, Traduit par Jean Lassègue avec la collaboration de Mark Anspach.
Recherches, La Dé couverte. M.A.U.S.S., 2005. la revue Hermès, n° 43,
2006, CNRS Editions, présente sous le titre « Rituels », un ensemble
d’articles hétérogènes sur les objets les plus divers.
11
La locution « théâtre-rituel » n’est plus réservée à
désigner des pratiques exotiques dont les
organisateurs de spectacles se régalent de proposer
à un public qui en raffole. Elle est adoptée par des
praticiens euro-américains tel Antero Alli et bien
d’autres. Les mots rite et rituel présentent une
occurrence particulièrement élevée dans les
sciences humaines, au moment où s’efface de la
mémoire collective le riche vocabulaire qui
désignait la grande diversité des pratiques
auxquelles se réfère aujourd’hui le substantif. Il
devient nécessaire de s’interroger sur cette adoption
lexicale par des tribus du savoir aussi dissimilaires
que l’anthropologie des religions, la psychologie
clinique, la sociologie interactionniste et l’éthologie.
Emballement médiatique, paresse lexicale ou
changement de paradigme ? À moins que l’on ne
retrouve sous le vocable triomphant deux notions
clefs de la recherche contemporaine : l’action et
l’organisation. L’action, caractéristique des
organismes vivants : « …un système nerveux ne
sert qu’à agir. Tout ce qu’il peut faire en plus n’est
que d’améliorer cette finalité première, suivant les
possibilités que lui offre le niveau qu’il a atteint
dans l’échelle des espèces. Ce qu’il est convenu
d’appeler la « pensée » n’est que le moyen le plus
perfectionné, propre à l’Homme, de réaliser cette
fin »(Laborit, 1979).5 Organisation : du génome au
langage, du déplacement des astres à la vie des
sociétés, il n’est pas un moment du monde qui ne
renvoie à un système de codification, à un type
d’organisation.
L’éthologie a pris une part décisive dans la
propagation de la notion de rituel dans les sciences
humaines et l’opinion commune. Par ailleurs, elle
a contribué à conforter une nouvelle façon de
considérer la relation du symbolique et du
biologique, la corporéité de la pensée, la chair de
l’esprit, une tentative de résolution du « body-mind
problem ». Une façon de poursuivre la réflexion de
Kant sur notre espèce, aussi peu ménagée par la
nature que n’importe quelle espèce animale :
« l’homme n’est donc jamais qu’un membre dans
la chaîne des fins naturelles. »6
12
Expansion lexicale et dilution
sémantique
Les langues mortes et vivantes disposent
toutes d’un capital lexical d’une étonnante richesse
pour désigner des types d’action organisées
efficaces qui à première vue ne semblent pas
répondre aux besoins élémentaires inhérents au
maintien de l’intégrité individuelle et collective. À
l’œuvre dans chacune des instances de la vie
sociale, ces actions se caractérisent par l’implication
physique des personnes, des codifications formelles
spécifiques, des qualités esthétiques, une densité
symbolique, et une gratification émotionnelle. Leur
efficacité ne répond pas au principe de la causalité
linéaire du monde matériel qui nous est coutumier :
une pierre tombant de haut sur un œuf fraîchement
pondu brise sa coquille. Ces actions ont une
dimension spectaculaire, dans la mesure où elles
contrastent avec l’ordinaire sensible des jours en
une polyphonie sensorielle souvent rehaussée par
le recours à des accessoires et des ornements. Elles
mettent en œuvre des techniques et des usages du
corps singuliers et constituent des évènements
symbiotiques. Leur étonnante diversité a donné lieu
à des taxinomies culturelles qui permettent de les
distinguer les unes des autres en fonction de leur
finalité, et pour en souligner les aspects
remarquables. L’abondance des termes qui les
désigne ne manifeste pas une différenciation de
surface. Elle exprime l’extrême hétérogénéité des
modalités de la conscience et de la pensée qui
fondent ces multiples types d’action dont la
complexité échappe largement à l’analyse. Le
protocole qui régule les relations entre dignitaires
n’est pas à confondre avec le culte de l’Eglise
Réformée, lui-même étranger au sacrifice
eucharistique Catholique, inassimilable à une
parade militaire, une séance de tribunal, la prière
du vendredi dans une mosquée, le flirt tel qu’il est
pratiqué dans une famille de l’ancienne bourgeoisie
5
Henri Laborit: L’inhibition de l’action, Masson, 1979, p. 1.
Emmanuel Kant: Critique de la faculté de juger, traduction et
présentation par Alain Renaut, GF Flammarion, 1088, 1995, p. 428.
6
bostonienne, une soutenance de thèse, la gestuelle
compulsive d’un obsessionnel, une cérémonie dans
la cour des Invalides en l’honneur de soldats tués
au combat, la parade pré-copulatoire de colibris,
et l’exhibition intimidante de ses organes génitaux
par un singe vert posté en sentinelle.
Les points de contact que l’on peut déceler
ou imaginer entre ces situations produisent plus
de faux-semblants que de signes d’apparentement.
La perception de l’observateur est dans ce cas
manipulée à la façon de ce que produit l’art du
trompe-l’œil. L’illusion est provoquée par une
certaine idée préconçue des apparences, détachée
de l’activité psychique qui les sous-tendent. La
description comparée du moment de partage du
pain et du vin entre fidèles lors d’un culte luthérien
et une messe catholique ne peut produire qu’une
grossière esquisse si l’on ne tient pas compte de
l’élément décisif apporté dans l’Eglise Romaine par
le mystère de la transsubstantiation dont la réalité
a été proclamée par les Pères lors du concile de
Trente en 1551. Mordre par convivialité dans un
morceau de pain et mâcher une hostie consacrée
ne revient pas au même ! Il est certain que la
méconnaissance des sensibilités liées aux
croyances, plus que l’ignorance des doctrines, est
à l’origine de bien des malentendus et de bien des
conflits.
Ritual, ritualization
Le recours croissant aux termes unitaires de
rituel et de rite témoigne-t-il pour les sciences
humaines de l’anglicisation qui travaille le
vocabulaire de l’industrie et du commerce ? Mais
alors, par quel détour aurait opéré cette adoption ?
La réponse n’est pas simple. Par une étrange
pirouette de l’histoire, la faveur nouvelle accordée
au rituel est venue de la culture qui avait concouru
à sa déconsidération. Dans le contexte de
l’anglicanisme et de la violente querelle du
puséisme, 7 la liturgie catholique et les fastes
romains n’étaient pas sans cousiner avec les cultes
païens et la pensée magique aux yeux de certains.
James George Frazer et ce que l’on a coutume
d’appeler les « ritualistes de Cambrige »8 avaient été
enclins à envisager l’évolution humaine comme
partant d’un état primitif avec ses étranges
obser vances collectives pour s’élever
progressivement vers une « religion » purifiée de
toute théurgie et la science. Déjà au XVIIIe siècle,
le traducteur français de Johann Jacob Engel avait
soutenu une thèse similaire dans sa préface. Pour
lui, l’art du pantomime plongeant ses racines dans
les « differens cultes du paganisme & même de la
religion judaïque », serait sorti de « l’enfance des
peuples », passant de « génération en génération,
jusqu’à ce que les progrès de la culture, l’amour
des arts & le besoin de nouvelles jouissances » lui
accordent son autonomie.9 Si les diverses théories
évolutionnistes ont semblé apporter une certaine
caution scientifique à ces représentations
schématiques et ethnocentrique du processus de
civilisation, les travaux de Ch. Darwin en revanche,
ont contribué à reconsidérer la rupture supposée
entre le genre animal et l’humain. C’est ainsi que
dans le sillage de Darwin, Ch. O. Whitman (18991919), O. Heinroth et W. Craig l’éthologie naissante
n’a pas tardé à donner naissance à un néoritualisme d’inspiration et de signification
radicalement nouvelles, entre biologie et culture,
animalité et humanité.
Initialement conçu en tant que suite de The
Descent of Man (1871), l’ouvrage intitulé The
Expression of the Emotions in Man and Animals avait
provoqué dès sa publication en 1872 un
engouement hors du commun dans les milieux les
plus divers aussi bien en Grande-Bretagne qu’en
Europe et aux Etats-Unis. L’auteur jetait en effet
un pont entre « les découvertes récentes de la
biologie et les nouvelles formes de connaissance
7
Dunom du Professeur E.B. Pusey (1800-1882), le puséysme, encore
appelé Mouvement d’Oxford regroupait au sein de l’Eglise anglicane
les partisans d’un rapprochement avec la religion catholique par le
rétablissement de certains cultes et rites propres à la liturgie romaine.
Le puséysme est également connu sous le nom de « ritualisme ».
8
Ackerman, Robert. - The myth and ritual school : J.G. Frazer and the Cambridge
ritualists , Routledge, 2002.
9
Johann Jacob Engel: Idées sur le Geste et l’Action Théâtrale (1795) I-II,
présentation de Martine de Rougemont , réimpression, au format original,
de l’édition de Paris, 1795, Slatkine Reprints, Genève, 1979, p. 27.
13
du comportement humain, comme l’ethnologie ou
la psychanalyse, qui se développent dans la
deuxième moitié du XIXe siècle ».10 Analysant
l’influence de Darwin sur Freud, Lucile B. Tivo
souligne comment le psychanalyste tire argument
de la théorie de la descendance, venue abattre selon
ses propres termes « le mur d’orgueil séparant
l’homme de l’animal ».11 La cure analytique met à
jour en effet des traces mnésiques de l’héritage
archaïque dérivé de la phylogénèse. Aussi Freud
souscrit-il à la définition darwinienne de l’instinct
animal dans l’Expression des émotions chez l’homme et
l’animal, ajoutant : « Il n’en irait au fond pas
autrement de l’animal homme. Son propre héritage
archaïque correspond aux instincts des animaux
même s’il diffère par son ampleur et son contenu ».12
Pour les zoologistes et naturalistes attentifs à saisir
le comportement in toto de l’animal en liberté dans
son milieu naturel, le regard scrutateur et la plume
alertement descriptive de Darwin furent un modèle
à suivre. Cette attitude devait distinguer par la suite
les éthologistes de la méthode des spécialistes en
psychophysiologie comparée expérimentale qui
n’arpentaient plus le terrain mais oeuvraient en
laboratoire.
Sir Julian S. Huxley (1887-1975)
Un talentueux biologiste, essayiste et
philosophe londonien alors âgé de 27 ans a joué
un rôle prépondérant dans la construction et la
propagation du néo-ritualisme. Né en 1887, Julian
Sorell Huxley est le petit-fils de l’éminent
zoologiste, essayiste et pédagogue d’avant-garde
Thomas Henry Huxley (1825-1895), ami de
Darwin, adversaire de l’évêque d’Oxford avec qui
il polémiqua à propos de l’évolution, et inventeur
en Angleterre du mot « agnostique » en 1869. Le
père de Julian, Leonard Huxley, dirigeait la revue
The Cornhill Review. Tandis que son frère Aldous
(1894-1963) entreprenait la rayonnante carrière
littéraire que l’on sait, Julian s’engageait dans la
recherche en suivant la tradition de l’ornithologie
britannique du bird watching. Sur les pas de Selous
qui en 1901 avait noté la première observation
14
détaillée d’une parade mutuelle complexe chez un
oiseau d’une espèce très commune, le Grèbe huppé
(Podiceps cristatus), Huxley donna en 1914 la première
description et la première analyse scientifique des
cérémonies prénuptiales auxquelles il se livrait au
moment des amours. Proche du mouvement
rationaliste et humaniste anglais, fidèle à
l’agnosticisme de son grand-père, l’imagination du
jeune scientifique a-t-elle été inspirée par la vision
des grandes cérémonies religieuses, le majestueux
et rigoureux ordonnancement de la liturgie, les
gestes réglés et la mine compassée du clergé, la
somptuosité des vêtements sacerdotaux, le
chatoiement des ornements sacrés, l’émotion et la
participation des fidèles ? Cinquante ans plus tard,
il déclare : « j’ai remarqué qu’une partie de la parade
se déroulait d’une manière rituelle, et en ai conclu
que certaines parades servaient à établir un lien
émotionnel entre les membres du couple ».13
Pendant un certain temps, de même que Selous
l’avait fait pour d’autres volatiles, Huxley hésita
entre les mots rites et cérémonies pour qualifier
ces séquences comportementales qui se
distinguaient par leur codification et une esthétique
spectaculaire. Plus enluminé que la femelle, paré
de ses plumes, le mâle pouvait suggérer la figure
d’un évêque coiffé de sa mitre, affairé à accomplir
une célébration solennelle. A moins qu’il ne fasse
songer à une réception à la cour, ou à un général
en grand uniforme passant la troupe en revue.
Non sans lyrisme, Konrad Lorenz est revenu
sur l’observation princeps de Julian Huxley.
10
Jacqueline Duvernay-Bolens, préface à la reproduction de l’édition de
1890 de la traduction française de L’Expression des émotions chez l’homme et
les animaux (traduit de l’anglais par les Docteurs Samuel Pozzi et René
Benoît), Paris, Éditions du Comité des travaux historiques et scientifiques,
Format 29, 1998.
11
Lucille B. Ritvo : L’ascendant de Darwin sur Freud, (Darwin’s Influence on
Freud – A Tale of Two Sciences) traduit de l’anglais et préfacé par Patrick
Lacoste, coll. Connaissance de l’inconscient, Gallimard, 1992, p. 132.
12
Sigmund Freud: L’homme Moïse et la religion monothéiste, cité par
L.B. Ritvo p. 133.
13
Julian Huxley (sous la direction de): Le comportement rituel chez
l’homme et l’animal (Ritualization of Behaviour in Animals and Man,
Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological
Sciences, Vol. 251, No. 772, A Discussion on Ritualization of Behaviour in
Animals and Man, Dec. 29, 1966), traduit de l’anglais par Paulette
Vielhomme, Bibliothèque des sciences humaines, Editions Gallimard,
1971, p. 7. voir également les archives de l’UNESCO.
Évoquant la luxuriance des formes et l’esthétique
de la situation, il en vient à faire allusion à l’art
théâtral des humains pour dépeindre le
spectaculaire animal :
Cette « exagération mimique » - écrit-il à propos de
l’étiquette animale et humaine - a pour résultat un
cérémonial qui se rapproche beaucoup d’un symbole et
qui produit cet effet théâtral qui frappa pour la première
fois sir Julian Huxley, lorsqu’il observa, caché dans les
roseaux, les rites nuptiaux des grands grèbes huppés.
Un déchaînement de formes et de couleurs développées
au service de cet effet particulier accompagne aussi bien
les rites culturels que les rites phylogéniques. Les belles
formes et couleurs des nageoires d’un combattant
siamois, le plumage d’un paradisier, la queue du paon et
les couleurs étonnantes aux deux « bouts » d’un
mandrill ont tous évolué pour renforcer quelque
mouvement ritualisé particulier.14
La suite semble reprendre les thèses de
l’évolutionnisme culturel et social : « Il ne fait
d’autre part presque aucun doute que tout l’art
humain s’est développé au service des rites et que
l’autonomie de « l’art pour l’art » n’a été obtenue
que grâce à un nouveau pas du progrès culturel. »
Le passage cité apparaît au chapitre intitulé
« habitude, cérémonial et magie » d’un ouvrage à
succès publié pour la première fois en allemand
l’année 1963, puis traduit en diverses langues. Il
avance l’idée novatrice d’une relation étroite entre
la théâtralité – les caractéristiques de cet art majeur
en Occident que nous appelons « théâtre » - et des
comportements ancrés au plus profond du
biologique. Conscient du caractère provocateur de
ses propositions, et de l’aporie à laquelle elles
renvoient, Lorenz, tente d’anticiper les critiques :
« Comme souvent quand je parle du comportement
humain en me plaçant au point de vue des sciences
naturelles, je risque d’être mal interprété ». Avisé,
il se garde d’assimiler la ritualisation animal dont
les codes ont été reçus par héritage biologique, et
les rituels humains transmis par la culture. Ce qui
est frappant, conclut-il en rappelant une situation
vécue par la petite oie cendrée qui partageait sa
demeure, est de constater le pouvoir et l’autorité
des deux types de comportement.
Vulgarisateur prolifique, hostile aussi bien aux
théories vitalistes qu’aux schémas expérimentaux
des behaviouristes, Konrad Lorenz (1903-1989) n’a
pas seulement pris part au développement de
l’éthologie dans le cercle restreint des spécialistes.
Sociologues, théoriciens des études théâtrales et
notamment des performance studies, artistes et grand
public ont trouvé dans son œuvre éléments et
stimulants pour ouvrir de nouvelles pistes de
réflexion et d’action. L’attribution du Prix Nobel
de physiologie et de médecine en 1973 pour les
études sur les schémas de comportements innés,
partagé avec Karl von Frisch (1886-1982) et
Nikolaas Tinbergen (1907-1988), n’ont fait que
conforter sa notoriété. Toutefois, c’est un
événement majeur organisé en 1965 à Londres par
Julian Huxley, élu membre de la Royal Society
depuis 1938 et annobli en 1958, qui produisit l’une
de ces secousses intellectuelles à l’origine de ce
que Thomas S. Kuhn dans son livre The Structure of
Scientific Revolutions (1962) avait appelé un
« paradigm shift », approximativement traduit par
« rupture de paradigme ». Secousse qui ébranla tout
d’abord le monde anglo-saxon, prédisposé par le
pragmatisme à l’accueillir favorablement, et
beaucoup plus tardivement l’Europe latine
largement orientée vers une vision intellectualiste
et religieuse des rituels.15
Le colloque d’Huxley (1965) et
Victor Turner (1982)
Dix-sept ans après le colloque de Londres, se
tint du 12 au 14 novembre 1982 dans le quartier
universitaire de Hyde Park, à Chicago, The
14
Konrad Lorenz: L’agression – Une histoire naturelle du mal, (Das
Sogenannte Böse zur Naturgeschichte der Agression, Verlag Dr. G. BorothaSchoeler, 1963) traduit de l’allemand par Vilma Fritsch Flammarion,
1969, p. 87.
15
le Que sais-je ? de Jean Maisonneuve – Les rituels – PUF, 1988, ne
mentionne pas l’éthologie dans sa présentation des théories du rite.
Quant à Claude Lévi-Strauss, il récuse « l’emploi fait habituellement par
les zoologistes – avec trop souvent les ethnologues à leur suite – de la
notion de rituel pour caractériser ces conduites stéréotypées qu’on
remarque chez de nombreuses familles animales en diverses occasions
telles que la pariade ou la rencontre de congénères du même sexe,
conduites auxquelles leur complication, leur minutie et leur hiératisme
a valu le nom de « ritualisation ». En dépit des apparences, ces caractères
les mettent à l’opposé du rituel, car ils démontrent que ces conduites
consistent en mécanismes montés d’avance, inertes et latents jusqu’à ce
qu’une stimulation d’un type déterminé se manifeste et les déclenche
automatiquement. ».
15
Symposium on Human Adaptation, organisé par
l’Institute on Religion in an Age of Science, en
association avec le Center for Advanced Study in
Religion and Science, le Chicago Thelogical Seminary, la
Disciples of Christ Divinity House, et la Lutheran School
of Theology at Chicago. Invité en tant que conférencier
principal, Victor Turner (1920-1983), alors
professeur d’anthropologie à l’université de Virginie
aux Etats-Unis, prononça une communication qui
résonne d’autant plus puissamment qu’elle se lit
aujourd’hui comme une sorte d’ultime leçon
testamentaire, un an avant qu’une crise cardiaque
ne l’emporte brutalement. Turner commença par
un aveu auto-critique : « Cet exposé est pour moi
l’une des tâches les plus difficiles auxquelles je me
suis attaqué. Ceci, parce que je dois remettre en
cause quelques-uns des axiomes que les
anthropologues de ma génération – et de plusieurs
générations suivantes – ont appris à vénérer. Ces
axiomes expriment la croyance que tout
comportement humain est le produit du
conditionnement social. »16
Quelques digressions après, Turner en vient à
l’essentiel : les circonstances qui l’ont conduit à
mettre en doute le bien-fondé de ces axiomes
favorables aux chimères du substantialisme.
En juin 1965, je pris part à des débats sur la ritualisation
du comportement chez l’animal et l’homme
(“ritualization of behavior in animals and man”) organisés
par Sir Julian Huxley au nom de la Royal Society et qui se
sont tenus – peut-être fort opportunément – dans le
grand amphithéâtre de la Zoological Society of London,
près des Mappin Terraces, où s’ébattent les singes. Le
cœur du colloque était constitué de zoologistes et
d’éthologistes, Huxley, Konrad Lorenz, R.A. Hinde,
W.H. Thorpe, Desmonds Morris, N.M. Cullen, F.W.
Braestup, I. Eibl-Eibesfeldt, et d’autres. Sir Edmund
Leach, Meyer Fortes, et moi-même représentions
l’anthropologie britannique pour définir le rituel, mais
nullement d’une voix aussi unanime que celle des
éthologistes définissant la ritualisation. D’autres
universitaires représentaient différentes disciplines: pour
la psychiatrie, il y avait Erik Erikson, R.D. Laing, et G.
Morris Carstairs. Sir Maurice Bowra et E.H. Gombrich
parlèrent de la ritualisation dans les activités culturelles
humaines, la danse, le théâtre et l’art en général. Basil
Bernstein, H. Elvin et R.S. Peters évoquèrent le rituel
dans l’éducation et David Attenborough nous fit
partager ses films ethnographiques sur la cérémonie du
16
Kava au Tonga, et celle du plongeon aérien de l’île de la
Pentecôte aux Nouvelles-Hébrides.17
Arrêtons-nous un instant pour attirer
l’attention sur deux déatails significatifs : l’unité
culturelle des participants ; leur qualité. Chacun
dans son domaine est un expert reconnu, même
s’il lui arrive, à vrai dire rarement, d’avancer des
points de vue pour le moins stupéfiants. Ainsi, Sir
Maurice Bowra (1898-1971), Professeur de lettres
classiques à l’université d’Oxford, évoqua et
commenta en ter mes impériaux les danses
communautaires des Pygmées du Gabon, des
Yamana de la Terre de Feu et des Boschiman,
encore récemment répandues: « Mais à ce niveau,
l’homme n’a pas encore dépassé l’animal. »18 Le
dialogue entre éthologistes, psychiatres,
anthropologues, historiens de l’art donna lieu à des
discussions animées introduites par les réserves
prudentes de Sir Julian Huxley sur la notion même
de ritualisation :
Bien que les avis soient extrêmement partagés sur le
bien-fondé de l’emploi d’un terme comme rituel dans
un contexte anthropologique ou psychologique, je
continuerai pour plus de simplicité à utiliser celui de
ritualisation au sens large pour désigner la formalisation
et la canalisation adaptatives des activités motivées de
l’homme, qui tendent à augmenter l’efficacité de la
fonction de communication (signalisation), des systèmes
de limitation des pertes à l’intérieur du groupe, et des
liens internes du groupe.19
Huxley précise: « …il y a une différence
foncière entre l’évolution biologique animale,
fondée sur la transmission génétique, et l’évolution
culturelle, fondée sur la transmission culturelle
(traditionnelle) non génétique ».
16
“The present essay is for me one of the most difficult I have ever
attempted. This is because I am having to submit to question some of
the axioms anthropologists of my generation – and several subsequent
generations – were taught to hallow. These axioms express the belief
that all human behavior is the result of social conditioning.” Les actes
de ce symposium ont été publiés par la revue Zygon – Journal of
Religion & Science, September 1983, vol. 18, Number 3. la communication
de Victor Turner avait pour titre: Body, Brain, and Culture, pp.221-245. Elle
est reprise dans le recueil de textes publié après la mort de Turner par
Richard Schechner : The Anthropology of Perfor mance, PAJ
Publications, New York, 1986, pp. 156-178.
17
Zygon, p. 222.
18
Sir Maurice Bowra : « La danse, l’art dramatique et la parole », in
Huxley 1971, o.c. p. 217.
19
Huxley, 1971, o.c. 23.
Prudence adoptée par Konrad Lorenz luimême dans sa communication qui relève la mise
en garde du Professeur G.M. Carstairs, spécialiste
de psychiatrie transculturelle à l’université
d’Edimburg. Conscient de se trouver aux frontières
de la recherche, Carstairs avait fait remarquer: « Il
est dangereux de faire des analogies de
comportement entre des espèces très différentes ;
mais ce symposium a été expressément conçu pour
nous encourager à penser dangereusement. »20
Ce que découvre Turner à Londres est moins
une théorie du rituel que ce que Freud avant lui avait
entrevu et entrepris, c’est-à-dire réduire le fossé que
par « présomption humaine, les époques antérieures
ont exagérément creusé entre l’homme et l’animal. »
Le dualisme qui oppose l’homme à l’animal, a pour
corollaire le dualisme qui dissocie l’esprit et le corps.
Distinction, spécificité ne signifie pas rupture. En
conséquence, il convient d’examiner dans les
conduites humaines à la fois leur part d’animalité,
l’héritage archaïque inscrit dans le biologique, et
l’invention, l’œuvre de l’imaginaire, de la pensée, et
l’articulation des deux ensembles. Pour reprendre une
formulation ancienne, inné et acquis – nature and
culture - ne s’opposent pas, ils se combinent. Reste à
comprendre la complexité de cette dynamique.
La rencontre de Londres si bien menée par Sir
Julian Huxley – qui fut le premier directeur élu de
l’UNESCO -, n’a pas conduit Turner à embrasser
les thèses de Lorenz, ni à négliger les leçons du
symposium, à la différence de certains
anthropologues qui jetèrent le bébé avec l’eau du
bain. Ainsi Claude Lévi-Strauss récusait en 1971
« l’emploi fait habituellement par les zoologistes –
avec trop souvent les ethnologues à leur suite – de
la notion de rituel pour caractériser ces conduites
stéréotypées qu’on remarque chez de nombreuses
familles animales en diverses occasions telles que la
pariade ou la rencontre de congénères du même sexe,
conduites auxquelles leur complication, leur minutie
et leur hiératisme a valu le nom de « ritualisation ».
En dépit des apparences, ces caractères les mettent
à l’opposé du rituel, car ils démontrent que ces
conduites consistent en mécanismes montés
d’avance, inertes et latents jusqu’à ce qu’une
stimulation d’un type déterminé se manifeste et les
déclenche automatiquement. »21
Il ne s’agit pas pour Turner d’abandonner le
point de vue selon lequel le rituel est
essentiellement un système culturel. Ce qui importe,
déclare-t-il à Chicago en 1982, est de faire profit
des nouvelles avancées de la génétique, de
l’éthologie, de la neurobiologie et en particulier de
la neurobiologie cérébrale. Il précise en
mentionnant nommément le modèle de Paul. D.
MacLean du « cerveau triune », les hypothèses de
Ralph Wendell Burhoe sur la transmission, les
recherches sur la latéralisation hémisphérique –
pionnier en ce domaine, R.W. Sperry a obtenu le
prix Nobel de médecine en 1981 -, les
expérimentations de James Olds et Peter Milner
sur ce que l’on appelait le système de récompense
cérébrale, les travaux de Michel Jouvet sur le rêve.
En ce sens, Turner apparait moins enclin à adopter
la méthode macroscopique de l’éthologie telle qu’il
l’a entrevue à Londres, qu’à se rallier à une forme
de transdisciplinarité. Il n’est pas étonnant que dans
ses écrits, il se réfère à des chercheurs comme
Eugene G. d’Aquili, Charles D. Laughlin, Jr., John
McManus instaurateurs du Biogenetic Structuralism22,
proche de la biologie évolutionniste et de la
neurobiologie, plutôt qu’à Lorenz ou Huxley.
Rituel, theatre, performance
La question de la ritualisation, introduite par
l’éthologie naissante s’inscrit dans l’histoire
composite de la notion d’instinct. Elle renvoie aux
représentations antinomiques de comportements
programmés, et, à l’opposé, à celles de
prédisposition, d’aptitude, de potentialité innées.
Les premières éveillent l’image rustique d’un
déter minisme causal linéaire. Les secondes
20
G.M. Carstairs : « Ritualisation des rôles dans la maladie et la guérison »,
in Huxley, 1971 o.c. p. 90.
21
Claude Lévi-Strauss: L’Homme Nu – Mythologiques ****, Plon, 1971,
p. 610.
22
Pour la définition de ce courant de recherche, également présent au
colloque de Chicago 1982, voir: Charles D. Laughlin, Jr., John McManus,
Eugene G. d’Aquili: Brain, Symbol & Experience – Toward a
Neurophenomenology of Human Consciousness, New Science Library,
Shambhala Publications, Boston and Shaftesbury, 1990.
17
présupposent la mise en œuvre de modèles
dynamiques d’interaction et d’apprentissage
complexes. Dans son périple autour du monde sur
le Beagle, Darwin avait été frappé par l’unité
physique et mentale – « in body and mind » - de
l’espèce, et la variété de ses inventions. Citant dans
The Descent of Man les travaux de Tylor (1865) et
de Sir J. Lubbock (1869), il note parmi les
similitudes étroites entre humains celles qui lui
paraissent les plus significatives dont « le plaisir
que tous prennent à danser, faire de la musique,
interpréter un rôle imaginaire (acting), peindre, se
tatouer ou décorer son propre corps ».23 Inspiré par
la théorie de l’instinct de Darwin, autant que par
son expérience de metteur en scène, le dramaturge
et théoricien russe Nikolaï Evreinov (1879-1953),
a proposé dans les années vingt une notion nouvelle
qu’il considérait comme étant sa plus grande
découverte : teatral’nost’, la théâtralité. Ce qu’il
entend par là est l’expression d’un instinct :
« l’instinct de transformation des apparences de la
nature »(instinkt transformacii vidimostej priody).
Comme tout instinct, il est pré-esthétique, universel
et aussi nécessaire à la survie de l’homme que “le
lait de sa mère pour le nouveau-né ».24 Exposée dans
plusieurs de ses écrits, la thèse adopte une
démonstration quasi-éthologique dans le Théâtre chez
les animaux (1924). Dans cet ouvrage,
malheureusement non traduit en français, Evreinov
« tente de prouver que la théâtralité est un instinct
en retraçant son évolution à la manière de Darwin,
depuis le règne végétal jusqu’à l’homme lui-même
en passant par l’animal » (S.M. Carnicke).
Mésestimée de son temps, la proposition théorique
d’Evreinov à qui l’on reprocha l’emploi du mot
instinct, n’a pas reçu l’attention qu’elle méritait.
Inattention d’autant regrettable qu’Evreinov, en
dépit d’un style souvent ampoulé et confus fait état
des divers comportements que recouvre le terme
générique de « théâtralité », dont l’étude
aujourd’hui constitue l’objet de l’éthologie
animale : le camouflage passif et actif, l’imitation,
l’exhibition, la feinte et le simulacre, les parades.
L’instinct de théâtralité d’Evreinov est assurèment
18
une hypothèse approximative et rudimentaire dans
la mesure où il agrège de multiples éléments en un
tout incertain. N’incite-t-il pas, cependant, à
inverser cliché évolutionniste selon lequel le théâtre
serait issu des rites primitifs, en mettant en évidence
ce que ces rites doivent à la théâtralité ?
Ritualisation, ethologie et
performance theory
L’influence de l’éthologie dans les sciences
humaines,
notamment
la
sociologie
25
interactionniste , reste un vaste sujet à explorer. Il
est à remarquer qu’elle s’exerça au temps où
s’estompait la notion d’instinct, sans pour autant que
ne se flétrisse l’intérêt pour le comportement animal.
C’est tout d’abord et essentiellement aux États-Unis
que la biologie du comportement est venue alimenter
la réflexion qui dans le domaine de la théorie
accompagnait l’avant-garde des pratiques théâtrales.
La tradition du pragmatisme lui avait préparé un
accueil bienveillant accommodé par une culture de
la religiosité, et les codes de vie des nombreuses
communautés de croyants. L’effervescence du temps
fit le reste. Les voltigeurs des expérimentations
théâtrales radicales agissaient dans une société
fractionnée par de violents conflits internes et
extérieurs. Affrontements raciaux. Conservatismes
religieux, politiques et sexuels affrontés aux
mouvements de libération des genres et des mœurs.
Guerre froide avec l’URSS ; guerre chaude en Asie.
Pour le public l’avant-garde affichait un paganisme
libertaire insolemment naturiste célébrant des cultes
archaïques qui se réclamaient à l’occasion du
dionysisme. Les ritualistes avaient trouvé la souche
du théâtre dans le sacer ludus. Darwin n’avait-il pas
vu en l’animal l’ancêtre de l’Homme ?
23
Charles Darwin: The Descent of Man and Selection in Relation to Sex,
new edition, revised and augmented, New York, D. Appleton and
Company, 1897, p. 178.
24
Sharon Marie Carnicke : « L’instinct théâtral: Evreinov et la théâtralité »,
Evreinov – L’Apôtre russe de la théâtralité, Revue des Etudes Slaves, T.
LIII, fasc. 1, Paris, 1981, p. 99.
25
sur Goffman et l’éthologie, voir Yves Winkin : « La notion de rituel
chez Goffman », Hermès, 43, 2005, pp. 69-76. Winkin remarque que
Goffman mentionne les actes du colloque de 1965 dans la première
note du chapitre 3 de Relations en public, consacrée à la notion de
« ritualisation ».
En avril 1974 à Florence, invité à la Rassegna
Internazionale de Teatri Stabili, Richard Schechner
pionnier de la performance theory présente une
communication intitulée « du rituel au théâtre
et retour » - From Ritual to Theatre and Back. Il y
opère une distinction entre les rituels religieux
et les rituels écologiques (ecological rituals) dont
la finalité réside dans les « performers » euxmêmes, sans référence à quelque « Autre
transcendantal ». Décrivant rituels écologiques,
il déclare : « On ne peut être que frappé par
l’analogie avec certaines adaptations biologiques
du monde animal. » La version corrigée de la
communication, publiée ultérieurement,
complète la phrase par une longue note dans
laquelle l’auteur commente le point de vue de
Konrad Lorenz et de son disciple Irenaüs EiblEibesfeldt, et le met en rapport avec des données
ethnographiques. 26 Au premier recueil de ses
articles sur la Perfor mance Theor y (1977),
Schechner ajoute un chapitre particulier :
« Ethology and Performance ».27 La ritualisation
y occupe une place importante. Toutefois ce n’est
pas à Huxley, mais à Lorenz que le théoricien
metteur en scène se réfère. Désormais, dans les
schémas dont il accompagne ses écrits, celui du
« Fan » - l’éventail – devient une référence
prééminente. Les sept lames déployées qui le
composent rayonnent autour d’un point :
perfor mance.
Elles
comprennent
successivement, partant du bas : « ritualization ;
Art-making process ; Play ; Performance in
everyday life ; Eruption and resolution of crisis ;
Shamanism ; Rites, ceremonies, performances ».
Un autre schéma non moins connu – « the web »,
le réseau – expose en plus complexe les liens
entre le théâtre et d’autres champs de la
performance, dont l’un : les études éthologiques
sur le rituel - « Ethological studies of ritual ».
La rencontre et la collaboration avec Victor
Turner au milieu des années soixante-dix a
infléchi du côté de l’anthropologie l’attention
que Schechner avait porté à l’éthologie. Pour
l’anthropologue, installé aux Etats-Unis depuis
1964, la fréquentation du théâtre expérimental
alors en plein essor représenta une nouvelle
initiation. Sensibilisé à la scène classique dans
l’enfance par sa mère Violet Witter qui avait été
membre fondateur et actrice du Scottish
National Theater, il découvrit le concret d’une
galaxie artistique infiniment plus animée que la
scène de ses vertes années. Son illumination
première lui était venue à Londres au contact
des éthologistes. L’avant-garde du théâtre et la
notion nouvelle de performance acquise auprès
de Richard Schechner lui permit de transformer
la fulguration en un programme de recherche
mené jusqu’au terme de sa vie.28
La ritualisation et le refoulement
d’Eros
Étrangement, l’attrait de la notion
éthologique de ritualisation n’a pas attiré
l’attention sur les fondements du phénomène
originel qui a donné lieu à son invention, alors
que les moralistes chrétiens les avaient pointés
du doigt pour condamner fer mement la
fréquentation des théâtres : la sexualité.29 Bien
avant que je ne m’aventure à avancer l’image du
« slave market effect » 30 , Bossuet fustige la
parade érotique que lui paraît être la scène de
théâtre. L’évêque de Meaux inverse les rôles tels
qu’ils sont tenus dans le scénario décrit par
Huxley : ce n’est pas le mâle qui tente d’échauffer
la génitalité de la femelle, mais l’actrice qui excite
la concupiscence du spectateur. La parade pré-
26
Richard Schechner: Essays on Performance Theory 1970-1976, Drama
Book Specialists (Publishers), New York, 1977, p. 96.
27
pp. 157-201.
28
sur l’échange entre anthropologues et artistes inspiré par
l’anthropologie, voir Victor Turner: From Ritual to Theatre– The Human
Seriousness of Play, PAJ Publications, New York, 1982, en particulier
pp. 100-101.
29
Jean-Marie Pradier: “ le rituel de toulon et le péché de comédie ” in
Le Théâtre au plus près – pour André Veinstein. PUV –,(coordonné par
Jean-Marie Thomasseau), 2005, pp.132-153.“ Las caricias del ojo, las
escenas de eros ”, Teatro XXI, Revista del GETEA, Universidad de
Buenos Aires Facultad de Filosofía y letras , Año IX, Numero 17 – 2003,
pp. 1-16.
30
Jean-M. Pradier : “Toward a Biological Theory of the Body in
Performance” : New Theatre Quarterly, vol. VI, 21, February 1990,
Cambridge University Press: 86-98.
19
copulatoire est pour les espèces qui la pratiquent
le corollaire de la reproduction sexuée. Le coït
n’est pas l’aboutissement d’un processus
automatique et mécanique. Il survient après une
période de choix et de mise en condition des
partenaires. Effet du refoulement ou d’un reste
d’essentialisme, c’est le concept de ritualisation
en lui-même qui a séduit, non l’une de ses
finalités primordiales. Des comportements
primaires dits ritualisés, l’agression a été
distinguée, de préférence à la sexualité. Ce choix
apparaît explicitement dans un texte publié en
conclusion d’un séminaire conduit à Mexico dans
les années 90 par la critique de danse Patricia
Cardona. Partant de la notion d’agression
ritualisée, elle propose une théorie éthologique
de l’origine des arts de la scène:
Dans la carte des comportements animaux et
humains innés, celui qui comporte le plus grand
nombre d’éléments pour les arts scéniques est celui
qui se rapporte à la défense. En éthologie, il est
connu sous le nom d’agression ritualisée. Il contient
un type d’expression corporelle et de stratégie
défensive si éloquente quant à son intention
dramatique que nous pouvons voir dans l’agression
ritualisée l’origine génétique du comportement
théâtral dans la nature. 31
Le plus étrange est le désaveu apporté par
le film documentaire qui accompagne le texte
publié. En une alternance de fort belles
séquences de comportement animalier de chasse,
et d’extraits de spectacle, ce qui est
essentiellement donné à voir sont des analogies
de rythmes corporels. De fait, ce qui est montré
est la décomposition classique du mouvement,
naturelle chez l’animal en liberté à l’affût puis à
l’attaque, acquise par l’exercice chez les
praticiens des arts de la scène, qui de Zeami à
Etienne Decroux ont appris à conquérir par la
maîtrise du tempo l’attention du spectateur.
Un attracteur étrange
Interrogeant la définition possible de la
tradition, Gérard Lenclud introduit son propos
sur les pièges posés par l’usage des mots : « Il
y a des mots-outils et il y a des mots20
problèmes. Un mot-outil est un mot qu’on
utilise sans trop penser à son sens. Il est une
procédure
grossière
d’identification.
L’important, c’est à quoi ce mot permet de vite
référer. (…) Un mot-problème est un mot-outil
sur lequel on s’est arrêté». 32 Le mot
ritualisation retenu par Huxley a ser vi
utilement de mot-outil aux éthologistes en
quête de lexème pour mettre en évidence un
phénomène d’autant plus difficile à définir qu’il
rencontre plusieurs apories de civilisation, des
tics culturels, et dans les milieux des arts du
spectacle la nostalgie d’un sens perdu, le désir
de se défaire des modèles du théâtre littéraire.
Le mot rituel est devenu mot-problème
lorsque l’extrême variété des pratiques qu’il
désignait a été perdue de vue. Il me semble
que « rituel » s’inscrit dans une nouvelle
catégorie de mots : les mots-appâts. Le motappât est un mot qui attire et stimule en raison
de sa capacité à prendre sens par projection, à
la façon d’un test projectif. Chacun le charge
d’interprétations et d’attentes.
Les mots outils, problèmes et appâts ne
sont pas inutiles. Dans le meilleur des cas, ils
révèlent l’expectation. L’annonce de
développements futurs. Il me paraît certain,
dans le cas du rituel, que sa fortune annonce
une façon de penser autrement les questions
de l’action, de la spectacularité, de la
cognition, de l’émotion dans une perspective
déjà explorée dans d’autres cultures. 33 Le
dialogue des logiques, des pratiques et des
disciplines s’avère indispensable.
31
«En este mapa de comportamientos programados de la naturaleza animal
y humana, el que contiene mayor número de elementos para las artes
escénicas es el defensivo. En etología se lo conoce como agresión ritualizada.
Contiene un tipo de expresión corporal y estrategia defensiva tan elocuente
en cuento a su intención dramática que podemos encontrar en la agresión
ritualizada el origen genético del comportamiento teatral en la naturaleza.
Además, es el preámbulo a la lucha franca o competitiva donde se define
el desenlace del enfrentamiento. » La Perception del Espectador, Serie de
Investigació1n y Documentación Segunda Epoca, México, 1993, p. 45.
32
Gérard Lenclud : « Qu’est-ce que la tradition ? », in Marcel Detienne
(sous la direction de): Transcrire les mythologies – Tradition, écriture,
historicité, Albin Michel, 1994, p. 25.
33
les travaux de Yuasa Yasuo (1925-2005) au Japon, me paraissent un bon
exemple d’une façon de considérer autrement la question de la ritualité
au sens large du terme.
Savoirs de la représentation et
représentations du savoir
André Helbo*
RÉSUMÉ : Partcipant actif du débat espistémologique autour
des arts du spectacle, l’auteur présente un historique de la
sémiologie du spectacle et de l’ethnoscénologie, tout en
démontrant leurs dissemblances et proximités, pour en conclure
sur la necessité d’aprrofondissemnt du débat.
MOTS-CLÉS : sémiologie ; ethnoscénologie ; arts du spectacle.
Saberes da representação e representação do saber
RESUMO : Participante ativo do debate epistemológico sobre
as artes do espetáculo, o autor apresenta um histórico da
semiologia do espetáculo e da etnocenologia, assinalando suas
diferenças e semelhanças, para concluir sobre a necessidade de
aprofundamento do debate.
PALAVRAS-CHAVE: semiologia ; etnocenologia ; artes do
espetáculo.
ABSTRACT: active participant of the epistemological debate
on the performing arts, the author presents a history of
semiology of performing arts and Ethnoscenology, noting their
differences and similarities, to conclude on the need for
deepening the debate.
KEYWORDS: semiology; ethnoscenology; performing arts.
Epistémologie
‘La notion de rupture épistémologique, dérivée
du concept d’obstacle proposé par Gaston Bachelard
dans La philosophie du non, n’a pas fini de démontrer
sa pertinence aujourd‘hui.
L’époque se caractérise par une remise en cause
des certitudes. Et la réévaluation de la doxa des pairs
débouche sur l’invention de nouvelles voies de
recherche, légitimant parfois un changement de
référentiel de la pensée. Ainsi par exemple, le
domaine de l’épigénétique (« l’étude des changements
héréditaires dans la fonction des gènes, ayant lieu
sans altération de la séquence ADN) semble apparu
pour combler la brèche entre l’inné et l’acquis, voire
pour ébranler le dualisme ambiant.
En matière d’étude de représentation
spectaculaire, la contestation de la réduction de
l’inconnu au connu, le croisement des savoirs ont
fini par naturaliser les mises en perspective,
masquant le fait que les effets de distance résultent
de processus et de dynamiques dialectiques en
constante interaction.
Ainsi par exemple, la théâtrologie peut donner
l’illusion de l’homogénéité : elle s’est fondée
longtemps sur un savoir conceptuel externe porté
par la raison graphique (la théorie de l’acteur/
performeur/ danseur, chez Stanislavski et
Meyerhold par exemple). C’est par essais et erreur
que les Performance Studies ont été amenées à définir
ensuite un savoir intime de l’incorporation (selon
lequel, l’acteur doit savoir jouer à être un autre ou
effectuer un « travail sur soi » : Artaud évoque
l’athlète affectif, Copeau cerne l’expressivité du
corps, etc.). Une prise en compte conjuguée du
dire et du faire qui a élargi les perspectives mais qui
ne pouvait cependant, aux yeux de la sémiologie,
valider sans autre forme de procès une construction
de l’objet spectacle réduite au discours
professionnel ou aux impensés de la tradition,
fussent-elles venues d’ailleurs. L’expertise des codes
et la sémiotique des seuils ont fait figure de
démarches complémentaires à ces approches,
permettant de comprendre comment la
représentation signifie, voire communique, par
delà les traditions culturelles, les supports et les
objets. Arlequin ou la danseuse de kathakali, par
exemple expriment — et constituent des moyens
de produire avec le spectateur —, un discours
sur le corps de l’acteur, convenant d’une manière
de regarder autrement le corps et du fait que le
comédien change de corps.
Professeur à l’Université libre de Bruxelles, Belgique
21
Ces processus nécessitent des outils cognitifs
dont les développements sont aujourd’hui intégrés,
non sans mal, dans les études sur le spectacle vivant.
Sans doute les connaissances et le cadre
d’observation relatifs au spectacle dépendent-ils
étroitement de découpages pédagogiques liés à
l’institution et d’enjeux idéologiques. Le poids des
études de littérature, de l’historiographie (et en
particulier l’histoire de l’art), de l’esthétique, de la
philosophie, de la sociologie ont déterminé
l’approche de thématiques de recherche et, dans
une certaine mesure, contribué à ralentir la
dialectisation de certains opérateurs.
Ainsi en est-il de la catharsis, longtemps aperçue
dans le seul sillage aristotélicien. Il a fallu exploiter,
entre autres, les travaux d’orientation
psychanalytique (Minet, 2006) pour retourner à
Artaud et faire émerger le cas échéant, la généalogie
des contresens.
De même, la notion de patrimoine spectaculaire
a longtemps été appréhendée de manière
monodisciplinaire (associée en philosophie à
l’échange, au sens kantien « de l’autre », ou, dans la
sociologie de la culture allemande, au rôle dynamique
selon Georg Simmel, de la « sociabilité » ou du
principe de « publicité » cher à Jürgen Habermas).
Si bien qu’il n’est pas possible de parler
d’approche métadisciplinaire sans consacrer
quelques lignes à la question préjudicielle des
catégories épistémologiques.
L’archéologie des savoirs, Foucault y insistait,
permet de mesurer les contraintes présidant à la
constitution d’une discipline. « (L’archéologie) est
toujours au pluriel : elle s’exerce dans une
multiplicité de registres ; […] elle a son domaine là
où les unités se juxtaposent, se séparent, fixent
leurs arêtes, se font face, et dessinent entre elles
des espaces blancs. Lorsqu’elle s’adresse à un type
singulier de discours […], c’est pour en établir par
comparaison les bornes chronologiques ; c’est aussi
pour décrire en même temps qu’eux et en relation
avec eux, un champ institutionnel, un ensemble
d’événements, de pratiques, de décisions
politiques, un enchaînement de processus
économiques » (Foucault, 1969, 205).
22
Le développement d’un discours sur le
spectacle vivant est donc au confluent de
déterminations. Ses conditions d’expression
influent sur son inscription dans le paysage
culturel : parmi elles, figurent les institutions (les
universités), les disciplines (clivées ou non selon
les normes de la pédagogie classique), les pratiques
(artistiques), les champs transdisciplinaires
(identité, etc.).
Le champ spectaculaire, théatrologique en
particulier, peut donc, sans doute, être situé dans
cette contextualisation que Foucault appliquait aux
discours sur l’enfermement carcéral ou mental.
L’objet spectacle est visé par un réseau de prises en
charge légitimes, adossées ou non à l’institution et
qui contribuent à créer un champ d’observation voire
d’explication dont les modalités méritent examen.
Sémiologie
Lors d’un séminaire organisé à Alcabideche il
y a près de 25 ans, et publié ensuite sous le titre
Semiotics and International Scholarship : a Language of
Theory (Evans-Helbo, 1986), le regretté Thomas
Sebeok proposait de circonscrire les enjeux préparadigmatiques de la sémiologie : effort
d’intelligibilité transformant l’objet réel en objet
de connaissance, démarche modélisante confrontée
à la résistance inévitable du corpus, métalangage
tantôt organisateur tantôt créateur.
Ces
questions
étaient
traversées
d’interrogations plus souterraines sur l’articulation
aux champs du savoir dit institué. Le mérite de
l’initiative était à la fois de dénoncer le caractère
ancillaire de méthodologies ventriloques habitées
par les disciplines dominantes et de souligner la
pluralité des démarches : les diverses sémiotiques
remettant en cause, entre autres, les liens aux outils
hérités de la linguistique, des sciences de la
communication, les emprunts métaphoriques, la
relation entre le descriptif et les hypothèses de
lecture, le départ entre création scientifique et
création esthétique.
Un quart de siècle plus tard, le débat a évolué.
Il a gagné en humilité, circonscrit l’ambition
holistique et gagné en spécificité. Au-delà de la
propédeutique du dialogue, la méthodologie s’est
affranchie et recentrée sur les processus de
modélisation méta-disciplinaires. Une révolution
paradigmatique comparable à celle des
neurosciences s’est produite.
C’est ainsi par exemple que la question du
rapport au monde sensible est devenue centrale et
se trouve réévaluée à la fois par la théorie de
l’interprétant peircien et par l’ultime phase de
recherche de Greimas (De l’Imperfection, 1987). Ce
qui fait sens, selon cette optique, ne passe pas par
la médiation de catégories linguistiques venant se
superposer au monde perçu mais émane, selon le
mot de Landowski, « de qualités esthésiques
immédiatement perceptibles qui « agissent
directement sur l’homme ». Parallèlement la
question de la corporéité produite-reçue trouve sa
juste place dans le débat théorique. Fontanille parle
de médiation proprioceptive de la sensibilisation
du corps percevant (Fontanille 2004 : passim).
La maturation de la réflexion entraîne sa
confrontation à des objets nouveaux. Citons à titre
d’exemple l’émergence de la biosémiotique, qui
aborde le vivant en termes de processus de sémiose,
au sens peircien du terme : les processus chimiques
et physiques animant les organismes vivants sont
envisagés comme des échanges, contextualisés et
énoncés dans une sémiosphère. Comme tout
ensemble de signes, l’échange biologique est
appréhendé en tant que processus de signification
soumis aux lois de la sémiose. La biosémiotique
ne constitue pas une nouvelle discipline mais
associe de façon métadisciplinaire la biologie et les
sciences du signe. Née de la rencontre
épistémologique de Jakob von Uexküll (1864-1944)
et de Peirce, la mutation théorique a permis
d’élargir le champ d’investigation à l’ensemble des
systèmes du vivant.
En matière de spectacle vivant, la sémiologie
joue un rôle métadisciplinaire comparable dans la
recomposition du paysage pédagogique.
Elle a d’abord favorisé l’émergence d’une prise
de conscience selon laquelle le spectacle vivant
constitue le scandale de la théorie. En raison de
son caractère éphémère et complexe, la
représentation échappe à la notation, elle résiste à
l’interprétation voire aux modèles les plus puissants.
La question préjudicielle de toute analyse
sémiologique se réduit à celle-ci : l’objet spectacle
existe-t-il ? Comment puis-je me doter d’outils
permettant de construire et de comprendre l’objet
de mon étude. En d’autres termes, ce sont bien les
problématiques de l’extériorité du chercheur qui
sont ici pointées et celles des conditions de la
description, de l’analyse, de la construction
méthodologique.
Une pseudo-extériorité face à un objet
multipolaire et qui suppose que l’on convoque
aussi le discours des praticiens et autres metteurs
en scène-pédagogues dont l’expérience et les
réflexes neurobiologiques jettent des lumières
précieuses sur l’objet spectacle.
On sait que bien, à l’inverse, des
dramaturges ont appréhendé leur art en se
référant à des corpus scientifiques. Les univers
de référence sont foison: Stanislavski et la
psychologie moderne, Antoine et le positivisme,
Brecht et le matérialisme historique, Vitez et la
sémiologie, Barba et l’anthropologie. Le
dramaturge, poseur de signes, met en scène
l’attention, vectorise des hiérarchisations de
sens : il assume donc alternativement deux rôles,
de créateur et de lecteur exceptionnellement
informé de la création.
D’autre part, depuis 1975, la sémiologie
contribue paradoxalement à une prise en compte
matérialiste de la représentation, évacuant la
sujétion au texte. Rupture de cordon ombilical qui
ne s’est pas opérée sans douleur dans un contexte
académique et scientifique où le poids des études
littéraires était largement dominant. L’événement
scénique, dans sa dimension de rencontre vécue et
stimulatrice de comportements spectaculaires et
d’affects significatifs, est l’objet d’investigation et
de modélisation sémiotique. L’idée d’un lien
textuel préalable n’est pas évacuée
systématiquement, mais la nécessité d’une
conversion à la performance réalisée par une ou
des instance(s) élargit le champ patrimonial de
l’objet de recherche.
23
Enfin, à la faveur des études de réception, la
sémiologie privilégie également l’analyse du
spectateur et plus largement l’analyse des processus
d’observation spécifiques de la représentation
jouée. Plus que la thématique de l’effet esthétique
produit, celles de l’énonciation collective, du regard
partagé, des processus émotionnels, de la
proprioception sont au centre de la réflexion
sémiologique et nourrissent une réflexion sur les
seuils de conscience de l’identité spectaculaire.
La théâtrologie n’échappe pas à pareil mode
de questionnement, voire à l’introspection.
Lorsqu’en 1987, avec Anne Ubersfeld, Patrice
Pavis, Dines Johansen, nous proposons (Helbo et
alii, 1987) une modeste tentative de radiographie
de la doxa de l’époque en matière d’étude de la
représentation, le découpage cerne des axes
d’intelligibilité référant aux disciplines suivantes :
l’histoire des codes, la sociologie, l’anthropologie,
la sémiotique, la dramaturgie Un glissement
significatif est constaté qui souligne l’importance
du paradigme spectaculaire, compare le spectacle
vivant aux médias, et propose des questionnaires
sur les spectacles joués. Il importe d’insister sur le
contexte de rupture épistémologique qui entoure
l’émergence des modèles spectaculaires. L’ouvrage
atteste un déplacement méthodologique notable,
revendiquant par opposition au champ
institutionnel légitime (savoir de l’université,
réduction au connu par le répertoire esthétique
consacré, valeurs partagées de la haute culture)
l’étude systématique de la représentation jouée tout
en continuant à privilégier, à son corps défendant,
un paradigme, celui des études théâtrales.
Cinq ans plus tôt, l’Association internationale
pour la sémiologie du spectacle organise son
congrès fondateur (Degrés, 1982). S’y rencontrent,
outre des sémiologues, des scientifiques issus de
multiples horizons et des créateurs : citons, parmi
d’autres, Eugenio Barba, Henri Laborit, Franco
Ruffini, Erving Goffman, Anne Ubersfeld, JeanMarie Pradier. Les conclusions convergent et
contestent la prééminence du corpus théâtral au
profit de la représentation dans ses multiples
pratiques, danse, musique, opéra, rituels. La
24
présence d’Erving Goffman n’est pas étrangère à
cette redéfinition de l’objet et à la mise en
évidence des démarches interactionnistes. En
outre, les postures scientifiques dégagées hésitent
à démêler commentaire sur le spectacle et
discours produit par les moyens propres du
spectacle. Sont, en effet, à prendre en
considération les regards de chercheurs, mais
aussi, ceux des praticiens. Enfin, le concept
d’ethnocentrisme du spectateur, défini par
Eugenio Barba, invité à ouvrir le congrès, conforte
la nécessité d’une réflexion ouverte sur le point
de vue de l’observateur et sur l’accès du champ
d’exploration. à toutes les cultures. Il importe de
comprendre « le comportement physiologique et
socioculturel de l’homme dans une situation de
représentation » (g).
En 2004, Shannon Jackson propose, dans son
ouvrage Professing Performance. Theatre in the Academy
from Philology to Performativity, une « généalogie des
contingences » qui a pour ambition de définir
l’originalité de la recherche américaine mais qui
conforte surtout l’énergie de la dynamique de
recherche en marche depuis vingt ans. Elle rappelle
que très tôt aux Etats-Unis les sections de littérature
se sont croisées avec l’anthropologie culturelle pour
fonder les départements de Performance Studies. La
New York University est considérée comme
emblématique. Richard Schechner et Victor Turner
inspirés de l’avant-garde new-yorkaise et attentifs
aux pratiques rituelles non occidentales, y
dénoncent l’enseignement traditionnel du théâtre
à l’université, qu’ils taxent d’amblyopie
ethnocentriste. Ils s’intéressent au tiers théâtre, aux
actes de langage et aux traditions occultées par le
savoir occidental, sans remettre en cause le textocentrisme (la rhétorique de la parole-action du
dialogue théâtral) lié au poids des études littéraires.
Ils favorisent aussi une réflexion réticulaire entre
l’artiste face à la vie et le scientifique face à l’artiste.
La voie est ouverte à une évolution qui
suscitera rapidement la rencontre entre la
sémiopragmatique, l’anthropologie, les recherches
sur la performativité et l’iconicité.
Ethnoscénologie
L’ethnocénologie, présentée à l’origine
comme étude des comportements spectaculaires
organisés, subit en mai 1995, lors du colloque
fondateur, un glissement sémantique intéressant
que
remarque
Jean-Marie
Pradier.
« L’ethnoscénologie étudie les pratiques
spectaculaires et performatives des divers groupes
ethniques et communautés culturelles du monde
entier - monde européen inclus- en prenant soin
de tempérer ou de maîtriser l’ethnocentrisme de la
perception de l’observateur et des références
théoriques ». Le colloque de 2005 souligne plus
encore une sensibilisation à la saisie des processus
de création incorporés dans les instances vivantes
que sont les perfor meurs. La question de
l’association du terrain à sa réduction théorique
est de plus en plus interrogée sur un mode rappelant
les théories du signe. « Une attention particulière
sera donnée à l’examen des rapports de l’expérience
sensible et de la conceptualisation de l’expérience,
alors que de nombreuses notions de l’anthropologie
classique sont aujourd’hui perçues comme
discutables et sont effectivement discutées. Les
pratiques spectaculaires (ce que l’on voit, que l’on
perçoit) et performatives (ce que l’on fait et qui
est perçu) constituent des maquettes
anthropologiques par excellence. Véritables
modèles réduits culturels, elles sont de puissants
attracteurs pour tout ethnocentrisme en raison de
leur complexité. L’enchevêtrement du symbolique
et du charnel, des signes et des signaux physiques
rend malaisée leur analyse » (Colloque, 2005).
Dans son dernier état, l’ethnoscénologie
apparaît comme une constellation paradigmatique
dont le statut épistémologique mérite réflexion.
Kuhn souligne que plusieurs « paradigmes »
peuvent prendre place dans une « matrice
disciplinaire » (Kuhn, 1970). « Celle-ci est d’abord
disciplinaire – puisque se référant à la possession/
option commune d’un groupe de recherches ;
ensuite matrice car composée d’éléments divers,
ordonnés, chacun nécessitant une spécification
ultérieure ; ici vont s’inscrire les « généralisations
symboliques » (…), les options communes (…), les
valeurs reconnues par le groupe (…), enfin
l’exemplarité » (Ilie Balea.1982)
Le paradigme assure le fonctionnement de la
recherche grâce à un consensus, une « ressemblance
de famille » (Wittgenstein) qui pousse à saisir la
similitude de problèmes distincts. La matrice
disciplinaire du spectacle vivant couvre plusieurs
types
de
recherches
paradigmatiques
(complémentaires ou contradictoires, la
vectorisation importe peu) dont les deux suivantes
peuvent être soulignées dans les termes mêmes
proposés par Balea :
- les macrostructures dont la marque traverse
l’anthropologie et l’histoire des spectacles et
interroge les modèles à la base des conduites
opératoires, de rituels. Il s’agit de « protomodèles
des syncrétismes (actes performatifs) permettant
de reconstituer une ligne phylétique actualisée /
convertie » en pratiques/ perfor mativité
spectaculaires (Balea, ibidem),
- la morphogenèse formalisante des relations
entre signes et circulation sémiosique.
Bien que la sémiologie fonctionne de façon
déductive ou plus exactement abductive et que
l’ethno-scénologie procède de façon inductive, différence notable et irréductible, puisqu’ elle
conditionne la relation au terrain -, trois points de
tangence méthodologique méritent d’être mis en
exergue.
Le premier trait porte sur l’extériorité du
chercheur : l’observation participante répond en
anthropologie à la double contrainte de proximité
et de prise de distance par rapport à l’objet. Elle
impose une réflexion sur le point de vue de
l’observateur et sur la construction de l’objet qui
rappelle les débats sur la sémiotique de
l’observateur. Démarche par ailleurs renforcée
éventuellement à l’aide d’autres outils, et
notamment par l’approche, externe, des contextes.
Rappelons que la sémiologie, constatant la difficulté
de textualiser le spectacle, tente par d’autres
moyens de traduire cette question de la relation à
l’objet. Elle évoque la chaîne expériencielle du
spectateur, ses hypothèses de sens au moyen
25
d’interprétants culturels propres. L’impossible
notation, la difficulté à textualiser le spectacle
vivant est une des problématiques majeures de la
plupart des recherches dans le domaine.
L’ethnoscénologie, quant à elle, choisit de résoudre
la question par le faire, par l’élucidation d’une
relation engagée avec l’acteur observé, pour ériger
la construction de cette relation en objet d’étude
également. Daniela Amoroso s’intègre au groupe
rural qu’elle observe, accomplit avec dextérité un
pas de danse appartenant à la matrice samba-deroda ? Cette rencontre se noue cependant dans les
limites d’une pratique acculturée affrontant des
codes indigènes à partir d’habitus propres (en
l’occurrence des transferts d’apprentissages
réservés aux universitaires blancs) (Amoroso,
2008). L’interaction entre l’outil et l’objet, au
centre du processus de sémiotisation, constitue
un opérateur cardinal de la démarche.
Le deuxième facteur relève précisément de
l’attitude à l’égard de l’objet. Plus généralement,
la conception de l’objet en ethnoscénologie, quelque chose qui est là pour représenter
l’irreprésentable et qui finalement le rend présent
néanmoins -, renvoie à la définition de la fonction
sémiotique de base, celle qui est définie par Peirce
en termes de substitution du signe à l’objet. (Le
signe est ce qui représente l’objet pour quelqu’un
d’un point de vue donné).
Le troisième paramètre réside dans la mise en
question du fonds de commerce conceptuel d’un
certain nombre de disciplines au profit de la
définition d’outils spécifiques. C’est ainsi que
l’ethnoscénologie substitue au concept
d’interculturalité celui de matrice esthétique (Biao,
2000) ou de famille d’esprit (Pradier, 2008) ou de
carrefour (Amoroso, 2008). Ce concept (matrice
esthétique) exprime l’ « idée qu’il est possible de
définir une origine sociale commune, qui se
constituerait, au long de l’histoire, dans une famille
de formes culturelles apparentées, comme s’il
s’agissait de ‘filles de la même mère’, identifiées
par leurs caractéristiques sensorielles et artistiques,
donc esthétiques, autant dans un sens ample, de
26
sensibilité, que dans un sens strict, de création et
de compréhension du beau » (Bião, 2000:15). La
sémiologie évoque, pour sa part de façon nouvelle,
le collectif d’énonciation, les contraintes
culturelles de l’énonciation.
Au-delà de ce qui rapproche et sépare les
démarches du chercheur, c’est le champ de la
performativité qui apparaît de loin comme le
territoire le plus traversé.
Pour l’ethnoscénologue, on peut considérer la
performativité comme une marque d’épistèmè.
L’expression “pratique performative” se réfère au
néologisme proposé par Jerzy Grotowski lors de sa
leçon inaugurale pour la chaire d’anthropologie
théâtrale au Collège de France, le 24 mars 1997.
Dans le domaine du théâtre par exemple, la position
de l’expert serait appelée à prendre en compte tant
le savoir du faire que celui du voir : l’expérience
du spectateur empirique (voir faire), du créateur
(faire), de l’expert (faire voir), et l’expérience de
l’acteur du script (auteur), acteur du théâtre
(dramaturge), de l’acteur performeur constituent
au même titre les étapes d’un processus
expérienciel ouvert à une appréhension vécue
éloignée de tout ethnocentrisme.
On sait que, parallèlement, la sémiologie
contemporaine et en particulier la sémiopragmatique s’intéressent aux processus
d’instanciation à travers lesquels circulent des
processus d’énonciation collective de la
représentation. La sémiotique peircienne développe
des outils cognitifs particulièrement topiques tels
- l’abduction (bio-abduction sensorielle,
socio-abduction sur le monde communicable,
érotico-abduction : le désir et le rêve de l’autre)
(Peirce 1958, 7-8) ;
- l’interprétant (émotif (affect), énergétique
(action), logique) : qui ne porte pas sur la
transformation du sujet mais sur les modalités de
l’expérience émotionnelle.
Sémiologie, ethnoscénologie
Sémiologie et ethoscénologie sont appelées à
dialoguer même s’il ne fait pas de doute que leurs
horizons d’attente sont dissemblables. A la croisée
des démarches, s’imposent le paradigme du
spectacle vivant et la théorie de l’énonciation. Du
côté des points de fuite, l’approche du spectaculaire
marque la ligne de crête : pour le sémiologue,
l’approche n’est pas empirique et la mise en seuil
(frayage de la transition vers le spectaculaire)
s’opère en fonction de processus de construction
et de niveaux de pertinence du discours (Helbo,
2007). Pour l’ethnoscénologue, le « seuillage » du
spectaculaire passe forcément par l’acceptation
préliminaire et clivée des univers de référence
spécifiques de l’observateur et de l’observé. Le
savoir indigène n’est pas assimilable à l’exogène,
celui de l’observateur diffère de celui de l’observé
dont les pratiques quotidiennes ne sont pas
analogues, et sans doute les acteurs de l’échange
ethnoscénologique ne partagent-ils que certains
présupposés.
Il n’empêche que, malgré la marque de
partage entre les postures, une convergence
majeure sera soulignée : l’énonciation d’un « vivre
ensemble » l’événement spectaculaire au travers de
modalités diverses (réflexions sur la convention,
sur la définition de la frontière entre monde naturel
exclu et réintroduit dans le monde spectaculaire,
prise en compte de l’actant obser vateur et
complémentarité entre le processus et l’analyse
externe). Dialectique féconde centrée sur la
création du sens, fût-ce par l’empathie du faire, et
qui renvoie à cette fonction essentielle du théâtre et
des autres arts vivants : réinventer la vie.
Evans, Jonathan et Helbo, André. Semiotics and International
Scholarship : a Language of Theory, Dordrecht-BostonLancaster, Martinus Nijhoff, 1986.
Fontanille, Soma et sema. Figures du corps, Paris, Maisonneuve
et Larousse, 2004.
Greimas, A. Julien, De l’imperfection, Paris, éd. Pierre Fanlac,
1997.
Foucault, Michel, L’Archéologie du savoir, Paris, Gallimard,
1969 .
Helbo, André, Johansen Dines., Pavis Patrice, Ubersfeld
André, Théâtre. Modes d’approche, Paris-Bruxelles, MéridiensKlincksieck, Labor, 1987.
Helbo, André, Le théâtre. Texte ou spectacle vivant ? Paris,
Klincksieck, 2007.
Jackson, Shannon, Professing Performance. Theatre in the
Academy from Philology to Performativity, New York, Cambridge
University Press, 2004.
Kuhn Thomas, The Structure of Scientific Revolution, The
University of Chicago Press, 1970.
Minet, Serge, Du divan à la scène. Dans quelle pièce je joue ?, Liège,
Mardaga, 2006.
Peirce, Charles Sanders, Collected Papers, Cambridge, Harvard
University Press, vol 1 à 6 et 6 à 8, 1931-1935 et 1958.
Pradier, Jean-Marie, (S’) adapter ou périr. La virginité impossible,
Degrés 134-135, Bruxelles, 2008.
Références
Amoroso, Daniela, Samba-de-roda: une matrice culturelle
brésilienne. UFBA. R. Dos Artistas, 197. Muritiba. BA, 2008.
Bachelard, Gaston, La philosophie du non, Paris, PUF, 2005.
Balea, Ilie, Le paradigme du spectacle. Opéra et théâtralité, Degrés,
29, 1982.
Bião, Armindo, Bião, Armindo, Matrizes Estéticas: o espetáculo
da baianidade., In Temas em contemporaneidade, imaginário e
teatralidade. São Paulo, Annablume GIPE-CIT, 2000, p.15-30.
Colloque international d’ethnoscénologie, Université de Paris 8,
12/13/14 septembre 2008.
Degrés, Sémiologie du spectacle, 29-32, Bruxelles, 1982.
27
Da Antropologia Teatral à
Etnocenologia: pré-expressividade e
comportamento espetacular1
Gilberto Icle*
RESUMO: Os conceitos de pré-expressividade da Antropologia
Teatral e de comportamentos espetaculares da Etnocenologia
são descritos e analisados, por intermédio da discussão de seus
contextos de origem e de alguns problemas de ordem teórica
com os quais se confrontam. Tais conceitos e seus
desdobramentos são problematizados a partir de duas
problemáticas distintas e solidárias: o universalismo e o inatismo.
São apresentadas argumentações em favor do esclarecimento de
pontos fundamentais para afastá-los de tais perspectivas. Por
fim, são circunscritos espaços discursivos nos quais se inserem
possibilidades para repensar os perigos apresentados.
PALAVRAS-CHAVE: Antropologia Teatral; Etnocenologia;
pré-expressividade.
ABSTRACT: The concepts of pre-expressiveness – from
Theatre Anthropology – and spectacular behavior – from
Ethnoscenology – are described and analyzed from the point
of view of their original contexts and theoretical problems.
The axes of this discussion are the ideas of universalism and
inatism. The analysis also intends to make clear the following
proposition: it is not possible to consider these concepts – preexpressiveness and spectacular behavior – from the perspective
of inatism and universalism. It also inserts a few possibilities
to rethink the discursive space of Theatre Antrhopology and
Ethnoscenology.
KEYWORDS: Theatre Anthropology; Ethnoscenology; preexpressiveness.
RÉSUMÉ: Les concepts de pré-expressivité de l’Anthropologie
Théâtrale et de comportement spectaculaire de l’Ehtnocénologie
sont décrits et analysés par le biais de leur contexte d’origine et
de certains problèmes dans la théorie avec laquelle ils font face.
Ces concepts et leurs développements d’ordre théorique sont
traités dans le carde des problématiques distinctes et solidaire:
l’universalisme et l’innatism. Des arguments en faveur de la
clarification des points fondamentaux sont présentés pour les
éloigner de ces perspectives. Enfin, des espaces discursifs sont
limités pour qu’on puisse repenser les dangers indiqés.
chama de antropologia e as artes do espetáculo,
mais especificamente o teatro. Assim, as
empreitadas em prol da Teoria da Performance nos
Estados Unidos, com Schechner e Turner ou a
Antropologia do teatro do italiano Piergiorgio
Giacché são alguns exemplos. Entretanto, neste
trabalho vou discutir duas vertentes dessa ligação
que, na falta de um termo melhor, vou designar
como antropologias do teatro. Ainda que radicalmente
distintas – e não caberia aqui desenvolver seus
pontos de aproximação e distanciamento – elas
constituem aportes usuais na pesquisa em teatro
no Brasil. Assim, pretendo discorrer um pouco
sobre alguns usos, funções e, sobretudo,
articulações teóricas que são possíveis (e um tanto
perigosas) tanto na Antropologia Teatral de
Eugenio Barba, quanto na Etnocenologia, tal qual
Pradier a defende.
Foucault (1999) nos ensinou que as palavras
comportam perigos ao formarem, elas próprias, na
superfície da linguagem, os objetos que designam,
sem, contudo, estarem necessariamente coladas de
forma positiva às coisas que evocam. Assim,
quaisquer dessas antropologias do teatro configuram
modos específicos de discurso nos quais
encontramos coisas ditas e coisas não ditas, mas
que, com efeito, ditam maneiras de pensar e agir.
Ao pensar assim, tais proposições – numa
posição diagnóstica e um tanto crítica – estão
eivadas de enunciados (FOUCAULT, 2005) ao
formarem conjuntos dispersos e nem sempre
coerentes de saberes sobre o teatro.
MOTS CLÉS: Anthropologie Théâtrale; Ethnoscénologie; préexpressivité.
Esforços bastante grandes têm sido realizados
no âmbito de vincular o que normalmente se
28
* Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
1
Este texto é uma versão ampliada e revisada da comunicação intitulada
Pré-expressividade, inatismo e universalidade, apresentada no V° Colóquio
Internacional de Etnocenologia, em Salvador-Bahia, em 2007.
Vejamos, por exemplo, que a própria palavra
teatro é substituída em ambos os casos por termos
considerados
mais
adequados:
os
“comportamentos cênicos” (BARBA, 1993, p.23)
são o alvo certeiro dos estudos chamados
Antropologia Teatral, enquanto que os
“comportamentos humanos espetaculares
organizados” (PRADIER, 1996, p.16) são, por sua
vez, o foco de estudo e o objeto de investigação
da Etnocenologia.
Antropologia Teatral
Para situar o leitor menos avisado, de forma
rápida e esquemática, bastaria dizer que a
Antropologia Teatral é um estudo empírico, sem
pretensões de cientificidade, levado a cabo por um
artista da cena que convoca a cada período não
regular um conjunto de artistas de diferentes estilos
e tradições de teatro e dança, de diversas partes do
mundo. Para Barba, promotor de tal estudo, ele não
passa de “um conjunto de bons conselhos” (1995,
p.08) para o artista da cena, a partir do olhar sobre
a própria cena.
Tanto para a teoria, quanto para a prática do
trabalho do ator, nenhum outro termo parece mais
consistente, dinâmico e imanente à Antropologia
Teatral do que o conceito de pré-expressividade, a
ponto de tornar-se a teoria, proposição ou
princípio definidor do que Barba denominou
como “o estudo do comportamento cênico préexpressivo que está na base de diferentes gêneros,
estilos, papéis e das tradições pessoais ou
coletivas” (1993, p.23). A hipótese de que subjaz
ao trabalho do perfor mer uma dimensão
intrínseca, a qual seja detentora do poder de
organização de um bios cênico, configura a
centralidade da questão que a Antropologia
Teatral se coloca desde suas origens.
Barba delimita na teoria da pré-expressividade
duas instâncias distintas, embora solidárias, o
cotidiano e o extra cotidiano, esse último,
constituindo a dimensão que caracteriza o que
chamamos no mundo euro-americano de teatro.
Mover-se, respirar, falar, agir sob a égide do extra
cotidiano significa, com efeito, trabalhar a energia
numa qualidade que se distingue da cotidiana. Ao
contrário do que se poderia pensar num primeiro
momento, Barba define a dimensão cotidiana, na
qual nos constituímos como sujeitos de uma
deter minada cultura, como a dimensão
automatizada, domesticada e banalizada. Não
necessitamos nenhum tipo de consciência mais
rebuscada para vivermos e agirmos na
inconsciência dos automatismos cotidianos. Por
outro lado, no teatro – e nas artes do corpo que lhe
são similares – o uso distinto do corpo, com bases
e princípios pouco comuns para a vida cotidiana,
constituem uma utilização intencional a produzir
tensões que fazem atrair a atenção do espectador.
Essa qualidade intencional de dar-se a ver,
circunscrita como “presença”, supõe “a utilização
extra cotidiana do corpo-mente [e] é isso que se
chama ‘técnica’” (BARBA,1993, p.23).
A abordagem pragmática do diretor italiano
supõe uma pesquisa, uma experimentação e uma
conseqüente reflexão sobre os dados extraídos.
Apesar das lacunas ou, segundo De Marinis (s/d),
“parcialidades” que a Antropologia Teatral
contém, suas explorações parecem render um sem
número de questões e desdobramentos, em
particular, às pedagogias do ator que se
beneficiaram sobremaneira dos princípios
descritos e desenvolvidos pela Antropologia
Teatral, tais como o princípio da oposição, do
desequilíbrio, da equivalência entre outros. Esses
princípios podem ser considerados verdadeiros
instrumentos, pois organizam o bios cênico,
permitindo um cor po dilatado, capaz de atrair a
atenção do espectador, quase a margem de seu
caráter semântico. Eles circunscrevem uma idéia,
tomada de Decroux, na qual as artes “[...] ‘se
assemelham nos seus princípios, não em suas
obras’. Poderíamos acrescentar: também os atores
não se assemelham nas técnicas, mas nos
princípios” (BARBA, 1993, p.29-30).
A semelhança atribuída por Barba – tomada
de empréstimo de Decroux – aos princípios, referese, tão somente, ao nível pré-expressivo. É nele e
29
não no nível expressivo – semanticamente
articulado, culturalmente deter minado e
individualmente singular – que os princípios
encontram modos de operação similares. Esses
modos similares que recorrem em distintas culturas,
articulando o nível pré-expressivo para lhe conferir
a possibilidade de organicidade e eficiência, não
existem separados da expressão, tampouco podem
ser cientificamente identificados, delimitados,
rastreados. Eles estão, com efeito, articulados na
própria ação, no próprio comportamento. Podem
ser mais ou menos conscientes; gradualmente
explícitos ou implícitos na ação. Mas nunca
configuram o objeto do ator, senão seu instrumento
de trabalho.
É preciso também afastar as interpretações
equivocadas sobre o nível pré-expressivo, as quais
compreendem ou fazem relações entre conteúdo e
forma; preparação e atuação; dentro e fora; técnica
e emoção. Nenhum desses pares traduz a diferença
– que só existe virtualmente – entre os planos
expressivos e pré-expressivos.
Se o nível pré-expressivo constitui um
instrumental para o ator ele seria, em conseqüência,
uma técnica? Não se poderia, a essa altura, tomar
a palavra técnica no sentido restrito, mas, perceber
que por detrás, por baixo (a posição na qual
localizamos não é essencial) do modo expressivo
do ator trabalhar, existe um conjunto de princípios,
mais ou menos objetivos, nos quais a superfície
semântica se apóia. Como toda técnica é sempre
um segredo, pois não deve estar à frente do que o
espectador vê, mas sim, sub-repticiamente
entranhada, mascarada, escondida, o nível préexpressivo é, com efeito, a organização dinâmica e
culturalmente variada, senão de todos, ao menos
de muitos dos modos espetaculares que
conhecemos. O nível-expressivo se ocupa do como,
antes de se ocupar do significado. Funciona à parte,
mas não independentemente, do nível semântico
que expressa e ao qual confere apoio. Esse como
não é a forma de tradução cultural, a técnica, os
códigos, o tema, tampouco, as idéias intencionais,
os não do artista cênico; mas, um mundo de modos
liminarmente corporais de se fazer presente e, com
30
isso, interessar, encantar, atrair a atenção do Outro.
Abusando um pouco dessa exploração, não
seria incorreto dizer que a Antropologia Teatral é
a teoria, por excelência, da pré-expressividade, essa
última, por sua vez, circunscrevendo um campo
novo de investigação e abrindo um sem número
de problemas a serem explorados, tal qual tem sido
feito em diversos espaços, nos últimos anos.
Etnocenologia
Bem mais recente, talvez a versão ulterior das
antropologias do teatro, a Etnocenologia é mais uma
perspectiva de pesquisa que um conjunto
organizado de objetos bem conformados. Segundo
seu idealizador, Jean-Marie Pradier, o prefixo etno
indica a necessidade de marcar a devida distância
das posturas etnocêntricas que comumente os
Estudos Teatrais aduzem. Da complexidade do
termo scéno, em sua origem grega, ele retém a idéia
de que o corpo é o lócus dos comportamentos e
práticas espetaculares.
Numa definição, segundo Pradier, provisória,
a Etnocenologia é “o estudo nas diferentes culturas
das práticas e dos comportamentos humanos
espetaculares organizados” (1996, p.16). Ainda que
o autor francês se esforce em sublinhar a não
conformidade do termo comportamento com as
posturas comportamentalistas, o termo remete em
muitos casos a um tipo de compreensão,
proveniente em muito das psicologias
comportamentais ou behavioristas, que há muito
foram colocadas na berlinda da validação. Assim,
prefiro pensar na ampliação do termo práticas, com
o qual poderíamos tratar tais experiências em
diferentes culturas. Por Práticas espetaculares dirse-ia a necessária relação de comunicação entre os
seres humanos mediada pela presença física de ao
menos dois indivíduos se dando a ver em tal
experiência.
A palavra espetacular – opção primeira de
Pradier, novamente para enfatizar a distância
segura do etnocentrismo que palavras como
teatro, cena, dança, e tantas outras implicam –
circunscreve o foco dos estudos da Etnocenologia
ao pretender não se reduzir ao puramente visual,
mas, também, a um conjunto de modalidades
perceptivas humanas. No âmbito do estudo do
espetacular estão implicados os aspectos globais
das manifestações emergentes, incluindo as
dimensões somáticas, psíquicas, cognitivas,
emocionais e espirituais. É preciso lembrar que a
palavra emergentes (do francês émergentes) carrega
não apenas o sentido de algo que vem de dentro,
que emerge, como também, que aparece aos
sentidos, que se dá a ver, que se mostra, que se
torna aparente, ou seja, “a dimensão espetacular
de um evento corresponde à aparição de
elementos perceptíveis” (PRADIER, 1996, p.17).
O termo espetacular se adequa aos propósitos
de Pradier para reforçar a idéia de que tais práticas,
as espetaculares, espraiam-se para além daquilo
que o mundo euro-americano convencionou
chamar de teatro ou espetáculo.
Da mesma forma, o termo espetacular envolve
uma dupla relação, ou seja, ele indica a
impossibilidade de distinção entre as dimensões do
atuante e do público. Uma abordagem sistêmica
requerida por Pradier aduz, portanto, não só a
necessidade de um estudo que envolva essas duas
dimensões, mas, também, e de forma mais
acentuada, uma abordagem que não reduza as
práticas espetaculares e seus fenômenos à simples
descrição linear.
Na visão da Etnocenologia, o estudo das
práticas espetaculares, envolve, principalmente,
colocar em evidência a diversidade e a unidade das
práticas espetaculares humanas; desenvolver o
estudo sistêmico dos elementos (psíquicos e não
psíquicos) e das organizações que lhes funda;
realizar uma abordagem das estratégias cognitivas
que sustentam a emergência/aparição dos
comportamentos e das práticas; analisar as
estratégias relacionais que caracterizam os eventos
estudados; empreender uma descrição das
modalidades nas quais as práticas e os
comportamentos humanos espetaculares
organizados se inserem dentro do seu quadro
sociocultural; e, por fim, tomar em consideração a
história sinuosa e múltipla do corpo, portadora e
criadora das representações e das técnicas, dos
códigos, dos modos e do modelos que geram e
regulam as atitudes e os comportamentos do
indivíduo em sociedade (PRADIER, 1996, p.18).
Se a multidisciplinaridade é a condição
necessária para a pesquisa nessa área, a
interdisciplinaridade seria a escolha justa. Pradier
propõe, nesse sentido, estudos cruzados entre análises
interiores com critérios próprios da cultura estudada e
análises exteriores, fundadas em noções e métodos
científicos em uso. (1996, p.20). Tais análises
sistêmicas, como já mencionadas, abandonam as
estratégias unidimensionais e sublinham o caráter
intercultural das práticas espetaculares, em razão de
sua imediatez para o espectador.
A Etnocenologia, portanto, circunscreve uma
nova dimensão de estudo, procurando analisar as
práticas espetaculares a partir de diferentes culturas.
Dos perigos, das verdades
Uma das questões que os estudos de Barba, e
seus colaboradores – por intermédio da ISTA –
International School of Theatre Antropology –
apresenta é justamente a condição de imanência
da pré-expressividade. Assim sendo, para se pensar
a pré-expressividade como condição ou, melhor
ainda, pré-condição do trabalho do ator, algumas
problematizações são necessárias. Os problemas
que gostaria de levantar no momento dizem
respeito a duas ordens distintas: a primeira de
natureza antropológica, na qual questiona-se a
universalidade da proposição e, a segunda, de
caráter epistemológico, que aborda possíveis laivos
de inatismo.
A pretensão universalista de Barba representa
um ponto atenuado na demonstração de seu
pensamento, re-discutido em La canoa di carta
(1993). Dizer que existiria um nível universal no
trabalho do ator, significaria reconhecer uma
unidade – lingüística, discursiva, prática – que seria
capaz de englobar e dar um sentido único à palavra
teatro. Barba não se arrisca de forma tão ingênua.
31
Quando Barba define a pré-expressividade
como condição de possibilidade do trabalho do
ator, de que ator ele estaria falando? Essa parece
ser uma questão basilar para se problematizar o
sentido universalista da pré-expressividade.
Suporíamos que ele fala de todos os atores ou uma
parte deles? Ao procurar uma condição universal,
Barba estaria imerso numa posição etnocêntrica,
na qual a verdade teatral estaria, do seu ponto de
vista, na dimensão pré-expressiva. Esse olhar
centrado, reduzido, trataria as diferentes formas
espetaculares como o teatro, como um fenômeno
generalizado. Entretanto, chamar teatro
determinadas manifestações e práticas culturais
individuais e/ou coletivas é alocar no discurso
hegemônico euro-americano e somente por efeito
de uma operação artificial o rico e infinito modus
operandis de dar-se a ver, de chamar a atenção, de
se fazer humano por intermédio da ação
espetacular. Isso – essa posição de quem fala sobre
– plasmaria outras formas espetaculares,
circunscrevendo-as nos limites daquilo que uma
determinada cultura – a qual pertence o autor –
convencionou chamar de teatro.
A saída para tal armadilha pode ser pensada
com a Etnocenologia de Pradier (2002) e, do
mesmo modo, no próprio plano imanente, o qual a
teoria de Barba supõe.
Os modelos caóticos propostos por Pradier
(2002), para compreender os comportamentos
humanos espetaculares, borram as fronteiras entre
o biológico e o cultural. A idéia de comportamento,
para ele, não se reduz a um padrão de respostas de
ação a partir de um estímulo (como ao gosto de
Skinner), e tampouco a biologia se reduz ao
funcionamento da substância viva. Ao contrário,
comportamento e biologia se emaranham de tal
sorte que as fronteiras entre o que é inato e o que é
adquirido se tornam cada vez mais obnubiladas pela
visão não linear de sua investigação.
Assim, se o olhar de quem pensa tais práticas
do ator é uma posição sempre comprometida com
sua própria cultura é, com efeito, uma condição de
qualquer teorização, pois toda manifestação carrega
em si o prefixo etno, uma vez que sempre estará
32
impregnada, advinda e constituída de e numa
determinada cultura. Fala-se sempre de um lugar
preciso, logo, nos manifestamos dentro de uma
cultura, ainda quando falamos do Outro.
Os laivos dessa dificuldade de se afastar de si
mesmo já impregnam o próprio conceito de préexpressivo. O prefixo pré possui tão somente um
caráter lógico e não cronológico, dessa forma, não
há uma anterioridade à expressão. É nela que os
indícios, os sinais, as inferências do pré-expressivo
se assinalam. É no plano da expressão que vivemos
– nós os atores – nossas vidas espetaculares. Tratase da dimensão na qual nos reconhecemos como
herdeiros de uma tradição, como possuidores de
uma técnica, como artesãos de nós mesmos, mas
representantes autorizados de nossa comunidade
– ainda que ela não seja apenas o nosso entorno.
Essa posição é, então, dada a partir do ponto
de vista – profundamente cultural – do espectador.
São os efeitos de atenção, a eficiência da presença
do ator que Barba normatiza como o princípio dos
princípios. Ele pré-supõe que todo teatro estaria
preocupado, interessado e se apoiaria na premissa
de chamar a atenção do espectador, antes mesmo
de querer significar. Há, portanto, um sentido quase
biológico e, senão biológico, limiar entre o biológico
e o cultural. É nessa função de espectador que
Barba, ainda nos primórdios da Antropologia
Teatral, reconhece os princípios recorrentes e deles
extrai, abstrai, considerações. No entanto, nas
palavras de De Marinis, “afirmar que todo teatro
[...] tem a ver com a atenção do espectador significa
que todo teatro, indubitavelmente, tem que ver com
o mesmo problema, mas não exatamente com a
mesma coisa e, muito menos, com as mesmas
soluções (1997, p.104).
Um possível universalismo da Antropologia
Teatral se desfaz, dessa forma, na medida em que
o olhar que Barba lança sobre os fenômenos
estudados, ainda que de seu próprio ponto de vista
cultural, faz reconhecer que para essa cultura, da
qual ele fala, chamar a atenção do espectador pareça
ser uma verdade profundamente legitimada
culturalmente. Trata-se, também, de uma operação
lingüística que faz unir o que reconhecemos como
teatro com um modo específico de se dar a ver, de
se comportar de forma espetacular e, sobretudo,
de ter êxito em chamar a atenção do Outro nessa
tarefa. É desse ator que Barba fala e somente dele.
Do ator que apoiado em um comportamento
espetacular, culturalmente constituído e
intencional, é eficiente em chamar a atenção do
espectador além do que narra, conta, expressa e
significa. Além, mas não independentemente.
Se Barba não está falando de qualquer ator,
de um modelo universal, resta ainda pensarmos:
seria a pré-expressividade uma condição inata do
ser humano? Haveria um a priori definitivo nessa
dimensão pré-expressiva? Barba suporia um antes
como condição suficiente e necessária para as artes
de dar-se a ver? Da mesma forma, Pradier na
discussão nomeada como Etnocenologia, não
atinge um estatuto universalista ao propor um
estudo sobre os comportamentos humanos
espetaculares e ao propor que a espetacularidade
humana cumpre um dispositivo biológico?
A questão é complexa e sugiro aqui uma
primeira aproximação. Dificilmente poderíamos
sustentar – depois de tudo o que, no século XX,
foi desenvolvido nessa área – um discurso sobre
um a priori como condição, na qual se apoiariam e
se sustentariam os desdobramentos do préexpressivo ou o vínculo biológico dos
comportamentos espetaculares. A esse respeito se
pode lembrar dos trabalhos desde Piaget (1990)
até Maturana (2002), para citar alguns.
O comportamento de chamar a atenção - que
Bião (1996) já localiza nas reações do bebê como
gênese do que virá a ser ulterior mente
comportamento espetacular – poderia ser até uma
espécie de instinto, uma informação genética que
se manifesta em nosso comportamento, mas, as
estr uturas de pensamento e ação que essa
informação pode engendrar pressupõem, em
grande medida, a interação. E não devemos
subestimar o poder desse conceito. Interagir
possibilita, sobretudo, tomar as informações
biológicas e refazê-las na ação. O processo de
interação é um processo limiar – está já dado
biologicamente como potência, como
possibilidade, mas forma, também, e na mesma
direção, o processo de culturalização, de ingresso
em uma cultura, pois permite ao sujeito se tornar
o que é, ou o que virá a ser. Esse caráter de
dinamismo das relações de interação entre o
biológico e o cultural – presentes em teorias tão
distintas quanto a Epistemologia Genética de
Piaget, as ciências cognitivas de Maturana, a
Etnocenologia de Pradier – que se manifesta nas
fronteiras de idéias, que nossa tradição insistiu em
delimitar como separadas, articula suposições para
o pré-expressivo e para os comportamentos
espetaculares que vão além de um mero inatismo.
Quando Barba fala sobre uma dimensão préexpressiva do trabalho do ator como um nível de
organização do bios cênico, não está a defender um
a priori, pois não há uma separação entre o plano
pré-expressivo e o plano expressivo. Somente por
uma operação racional de investigação inferimos
que a eficiência – também ela culturalmente
constituída – em chamar a atenção, é constituída
no amálgama que forma a constituição da dimensão
expressiva.
Eis dois usos duvidosos que poderíamos fazer
dos conceitos de pré-expressividade e
comportamentos espetaculares, e que constituem
perigos preementes para a pesquisa: tomá-los como
universais e como inatos. Poderíamos,
entrementes, pensar que o trabalho do ator na
dimensão pré-expressiva é um lugar limiar entre a
ficção e a vida (RUFFINI, 2001), local descontínuo
no qual o ator se dá a ver, explorando e articulando
informações culturalmente construídas a partir de
pequeninas – mas fundamentais – possibilidades
biológicas. Não se é ator, portanto, desde sempre,
torna-se ator. Tampouco, não existe um único modo
de ser ator, senão uma diversidade de
possibilidades.
Barba não está, portanto, falando de qualquer
ator. Não poderá fazê-lo. Não haverá de ser o seu,
um ator transcendental, ideal, legítimo. Sua
pesquisa se baseia, ainda que parcialmente, em
33
experimentos artísticos que, sem um controle
científico no senso tradicional (De Marinis, s/d),
estão inseridos numa cultura, ao mesmo tempo
pessoal e histórica. Disso, sobressai o caráter
pessoalizado de sua proposição. E cabe a nós,
sabendo de todas as parcialidades e limites da
Antropologia Teatral, aceitá-la ou não, usá-la como
pedagogia ou não, pensar com ela, a favor dela, a
partir dela, mas conscientes que estamos falando
de um lugar determinado e, portanto, o que dizemos
serve aos interesses teatrais não como uma verdade
única e normativa, mas como um conjunto de
explorações titubeantes, provisórias e parciais.
Num caminho muito similar, a
Etnocenologia pode inferir justamente à
diversidade cultural. O prefixo etno já indica essa
vocação. E a compreensão de sua dinâmica pode
ser bem estabelecida quando Pradier (2000)
demonstra, por inter médio de inúmeros
exemplos e dados, a correlação das idéias do
corpo representado na cena e do corpo
interpretado e descrito pelas ciências.
Falamos, portanto, de dentro dos
comportamentos espetaculares, pois eles não são
objetos separados de nós, eles não constituem uma
positividade a ser alcançada. Eles são construídos
histórica e culturalmente nas nossas práticas.
Precisamos entendê-los, portanto, a partir de sua
condição efêmera e mutável.
E não seria essa a postura de qualquer ciência
das artes do espetáculo contemporânea?
Referências:
BARBA, Eugenio. La canoa di carta: Trattato di Antropologia
Teatrale. Bologna: Il Mulino, 1993.
_____. A arte secreta do ator: dicionário de Antropologia
Teatral. São Paulo/Campinas: Hucitec/Unicamp, 1995.
BIÃO, Armindo. Estética performática e cotidiano. In:
Performáticos, performance e sociedade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996.
DE MARINIS, Marco. Dal pre-expressivo alla drammaturgia
dell’attore. Saggio sulla “canoa di carta”. In: _____ (Org.).
Drammaturgia dell’attore. Porreta Terme: I Quaderni Del
Battello Ebro, s/d, p.225-293.
34
_____. Compreender el teatro. Buenos Aires: Galerna, 1997.
_____. Contra la distancia: hacia nuevos paradigmas para la
experiencia teatral. In: PELLETTIERI, Osvaldo (Org.).
Imagen del teatro. Buenos Aires: Galerna, 2002, p.35-52.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
_____. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo
Horizonte: Ed.UFMG, 2002.
PIAGET, Jean. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
PRADIER, Jean-Marie. El bios y la cultura en el arte de lo
viviente. In: PELLETTIERI, Osvaldo (Org.). Imagen del teatro.
Buenos Aires: Galerna, 2002, p.19-34.
_____. La scène et la fabrique des corps : Ethnoscénologie du
spetacle civant en Occident (Ve siècle av. J.C. – XVIIIe siècle).
Bordeaux : Presses Universitaires Bordeaux, 2000.
_____. Ethnosceénologie: la profondeur des émergences. La
scène et la terre : questions d’ethnoscénologie. Internationale de
l’imaginaire. Maison des cultures du monde. n.05, 1996, p.13-41.
RUFFINI, Franco. Per piacere: itinerari intorno al valore del
teatro. Roma: Bulkzoni, 2001.
Pour une anthropologie des
pratiques spectaculaires : le
moment du spectacle, le temps
de l’événement et le temps de
l’enquête
Bernard Müller*
RÉSUMÉ : Quand il est montré au Brésil, le théâtre yoruba du
Nigeria est présenté comme une forme culturelle typiquement
africaine, en l’occurrence yoruba. Pour son public américain, cette
forme de théâtre qui met en scène des moments d’une saga des
orishas, serait une sorte de témoin vivant de la culture que les
ancêtres déportés ont quittée. Participer à une représentation de
théâtre yoruba permettrait ainsi de se relier au monde des
origines, ce monde idéal situé en Afrique avant la traite négrière,
c’est-à-dire avant la « contagion » moderne. Pourtant, aux yeux
des adeptes des cultes des orishas des villes de l’intérieur du pays
yoruba au Nigeria, cette forme de théâtre est un genre considéré
comme « amaro », c’est-à-dire « brésilien ». On tentera d’expliquer
ce paradoxe en montrant comment le théâtre yoruba s’inscrit
dans une histoire transatlantique dont les dynamiques informent
d’une construction sociale complexe, et contemporaine.
MOTS-CLÉS : anthropologie du spectacle ; ethnosociologie ;
épistémologie ; mouvement culturel ; construction des
identités ; histoire transatlantique.
RESUMO : No Brasil, o teatro iorubá da Nigéria é apresentado
como uma forma cultural tipicamente africana, iorubá neste
caso. Para seu público americano, essa forma de teatro, que põe
em cena momentos de uma saga dos orixás, seria um tipo de
testemunho vivo da cultura que os ancestrais deportados haviam
deixado. Partcipar de uma representação do teatro iorubá
permitira, assim, de se religarem ao mundo das origens, esse
mundo ideal situado na África antes do tráfico negreiro, isto é,
antes da « contaminação » moderna. No entanto, aos olhos dos
adeptos dos cultos dos orixás das cidades do interior do país
iorubá na Nigéria, essa forma de teatro é um gênero considerado
como « amaro », isto é, « brasileiro ». Vai se tentar explicar esse
paradoxo mostrando como o teatro iorubá se inscreve numa
história transatlântica cujas dinâmicas revelam uma construção
social complexa e contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE : antropologia do espetáculo;
etnosociologia ; epistemologia ; movimento cultural ;
construção de identidades ; história transatlântica.
ABSTRACT: In Brazil, the Yoruba theater from Nigeria is
presented as a typical African cultural event, Yoruba in this case.
For his American audience, this form of theater that puts on
the scene moments of a saga of “orixás”, it would be a kind of
live testimony of the ancient culture that deportees had left.
Participating in a theatrical representation of the Yoruba theater
would thus be a new link towards an original world, this ideal
world located in Africa before the slave trade, that is, before the
modern “contamination”. Nevertheless, in the eyes of
supporters of worship “orixás” of the cities in the interior of
the Yoruba country in Nigeria, this form of theater is a genre
considered to be “amaro”, or “Brazilian”. In this text, the author
tries to explain this paradox showing how the Yoruba theater
fits in a transatlantic history whose dynamics reveal a complex
and contemporary social construction.
KEYWORDS: anthropology of spectacle; ethnosociology;
epistemology; cultural movement; construction of identities;
transatlantic history.
“No senhor padre”, old Francisco is reported to have
said, “Africa is not my country, I was born in Brazil, in
Bahia, in terra dos brancos, the land of the white man…
Yes, I was happy there, in that bounteous land of Brazil!
What beautiful churches, what lovely houses!”
Journal du Père Baudin, 1874/1875, SMA
Introduction
Longtemps domaine exclusif des études
littéraires puis bringuebalée entre des approches
académiques diverses, notamment les études
*Chercheur à l’IRIS, École des Hautes Études en Sciences Sociales EHHESS, France
35
théâtrales, littéraires, esthétiques, philosophiques
ou mêmes thérapeutiques, l’analyse du spectacle
semble en vérité avoir souffert d’un certain
cloisonnement disciplinaire. L’absence, en langue
française, d’une traduction de la notion que
recouvre le terme anglo-saxon de performance
témoigne aussi d’un vide théorique. L’homme de
théâtre polonais, Jerzy Grotowski, lors de sa leçon
inaugurale au Collège de France le 24 mars 1997 a
tenté d’introduire la notion d’art performatif pour
englober l’ensemble des “pratiques spectaculaires”
(du théâtre au rituel) et pour ne pas limiter ces
pratiques au seul point de vue des spectateurs
qu’implique le terme spectacle. Dans cette optique
l’ethnoscénologie a incontestablement ouvert de
nouvelles pistes de recherche à la croisée des
nombreuses disciplines, de manière à entrer « dans
le vif des apories de civilisation que chacun
s’efforce de régler à sa manière : le problème du
corps et de l’esprit, de la rationalité et de l’émotion,
de l’imaginaire, du vrai et du faux, du nécessaire et
du contingent, du sacré, de la vie, de la maladie et
de la mort1".
Ainsi, alors que le spectacle gagne des
domaines dans lesquels on ne le rencontrait pas
jusqu’alors ou vise des objectifs politiques et
sociaux qui ne leur étaient pas familiers (le théâtre
comme producteurs d’identité localisée), on est
surpris de constater qu’il est peu abordé comme
objet social, c’est-à-dire comme un moment qui
s’inscrit dans un processus qui va au-delà de
l’œuvre.
Il s’agit dans cet article de prendre acte de
cette position inconfortable et d’y remédier en
ouvrant une perspective nouvelle résultant du
croisement des approches existantes, à la lumière
d’une anthropologie du spectacle résolument
descriptive. Pour cela, on passera par une étude de
cas, celui du théâtre yoruba nigérian et des
problèmes posés par sa description, de manière à
poursuivre une réflexion continue sur les
fondements épistémologiques d’une anthropologie
de l’action, de l’événement et des transformations
sociales, dans une perspective qui souligne le
36
caractère processuel des phénomènes sociaux. Tout
en se situant au carrefour des apports des
chercheurs en sciences sociales, études théâtrales,
histoire de l’art, littérature, esthétique ou
l’ethnoscénologie – sans en brader ni en renier
l’héritage de quelque manière - on tentera de porter
un regard renouvelé et comparatiste sur une
pratique universelle.
On focalisera dans ces pages notre attention
sur une forme de théâtre urbaine qui met en scène
des passages d’une mythologie relatant les faits et
gestes des divinités du panthéon yoruba, appelés
orishas. On s’intéressera toutefois ici davantage aux
problèmes de méthode inhérents à la description,
dans la perspective d’une anthropologie du
spectacle, qu’à la description elle-même, qui a déjà
donné lieu à plusieurs publications2.
Le paradoxe du theatre Yoruba
En réalité, le cliché de l’authenticité qu’ont
développé les brésiliens à propos du théâtre yoruba,
et que véhiculent parfois aussi les membres des
compagnies de théâtre nigérianes, ressemble
étonnamment à celui des ethnologues d’obédience
structuraliste quand ils déclarent rechercher des
données qui permettent de rendre compte d’une
« structure » comme d’une permanence
transhistorique qui existe malgré les individus, et
auquel l’ethnologue aurait le drôle de privilège
d’accéder. Comme je l’ai déjà montré, dans cette
optique, le théâtre yoruba devient l’expression
d’une culture, entendue comme un isolat, qui
existerait en dehors de l’histoire, reléguant par la
même ses adeptes, i.e. les membres de cette culture,
hors du temps ou du moins hors de la chronologie
1
in “Ethnoscénologie : une discipline éblouie”, Passerelles Paris 8, n°
22, juin 1998, p.15-18
2
Voir articles Bernard Müller, « Entre invenção e continuidade: O nó
górdio do Yoruba Traditional Theatre ou a tradição renovada», In Artes do
corpo e do espetáculo : questões de etnocenologia, Salvador, Armindo
Bião (Org.), pp. 463-478, 2007 ou Bernard Müller, « Nos ancêtres les
Yoruba. Splendeur et misère de la bourgeoisie yoruba du Nigeria »,
Cahiers d’études africaines, XLIII (3), 171, pp. 483-503), 2003 ou Bernard
Müller, La tradition mise en jeu– Une anthropologie du théâtre Yoruba,
Editions Aux lieux d’être, Paris, 2006, 170 p.
principale, celle précisément dans lequel navigue
le bateau de la civilisation, et du progrès, « nous »
bien sûr. Johannes Fabian a clairement mis en
lumière la manière dont Claude Lévi-Strauss – et il
n’est pas le seul - se donne pour objet d’observation
privilégié « une société indigène qui, dans l’idéal
du moins, se tiendrait immobile à la manière d’un
tableau vivant3 ».
Il est vrai que depuis sa genèse au 19ème siècle,
l’anthropologie/ethnologie considérait que les rites,
les mythes et les coutumes des « primitifs »
appartenaient au passé de l’humanité. Les étudier
revenait à faire un pas en arrière dans « notre »
l’histoire, à « nous » les Occidentaux. Ce paradigme
qui caractérisait les théories évolutionnistes serait
toujours d’actualité ; et permettrait donc toujours
d’informer la méthode employée par les sciences
sociales. Pour Johannes Fabian, en effet, les courants
modernes de l’anthropologie (fonctionnaliste,
structuraliste, et pour partie culturaliste) n’ont
absolument pas cessé de projeter l’objet de leur savoir
dans un « autre temps » (autrement dit dans une
« allochronie »). Entre la rencontre « sur le terrain »
et la production scientifique, bien des choses se
passent qui, sous couvert d’esprit de science,
s’emploient à mettre à distance les acteurs de la scène :
évitement de la narration, bannissement du sujet,
présent ethnographique, formalisation, transcription
visuelle de ce qui fut, en réalité, un « morceau de vie »,
mise en place de médiations symboliques, etc.
Cette approche nous paraît ici la meilleure
manière de passer à côté de l’objet, car elle
envisage d’emblée son objet comme autre chose
que ce qu’il est. En voyant à travers la
représentation théâtrale la manifestation d’une
sorte d’ « arrière-monde 4» nietzschéen, conçu
comme un univers culturel ordonnancé qui se
profilerait derrière les comportements sociaux.
Dans ce raisonnement, la « structure » une fois
inventée/découverte, permettrait alors de faire
des rapprochements entre, par exemple, les
mouvements d’une danse des egunguns yorubas,
ou l’agencement des motifs de composent les
pans du costume de ce masque-ancêtre yoruba
tourbillonnant dans le vent, d’une part, et
l’organisation familiale de la société yoruba,
d’autre part…
L’objet flou de l’anthropologie
Il est vrai que la nature de la connaissance
anthropologique est pour le moins floue. Son
pendant en est l’opacité des situations que le
chercheur, au cours de l’enquête, tente de dissiper
comme s’il s’agissait d’une sorte de brouillard
épistémologique, envisagé comme un incident de
parcours et non comme une dimension
consubstantielle à la manière dont est construit
l’objet de recherche.
Les chercheurs ne sont par ailleurs pas
d’accord sur la nature de cette connaissance qui
est sensée émerger au cours de l’enquête, ou
« terrain ». Or, le fait de chercher (c’est l’activité
principale du chercheur) des structures ne relève
pas du même exercice que celui qui consiste à
rendre intelligible une pratique qui a priori paraît
curieuse. Ce n’est pas la même chose de
reconstituer une mécanique culturelle, du type de
la structure qui intéresse par exemple Lévi-Strauss,
et d’essayer de comprendre ce qui se passe durant les
séquences d’actions, en l’occurrence des spectacles.
En effet, la plupart des approches ne tirent pas les
conséquences théoriques découlant de la situation
d’«allochronie » dans laquelle ils se placent en
mettant leur objet à distance, comme si
l’observation d’une situation sociale impliquait la
même méthode qu’une observation en laboratoire.
Si cette approche permet peut-être de faire
apparaître des « structures », elle ne permet pas
réellement de comprendre ce qui se passe, mais de
3
Johannes Fabian, Le Temps et les autres : Comment l’anthropologie
construit son objet (en collaboration avec Estelle Henry-Bossonney),
édition Anarcharsis, Marseille, 2006, p. 125-126.
4
Nietzsche appelle «arrière-monde» cette réalité stable, identique à soi,
éternelle, impassible, ignorant le changement, la lutte, la douleur et la
mort, qui caractérise précisément la condition humaine et sa charge
d’angoisse. Cette notion se rapproche de la notion de « culture » que
nous critiquons ici. Il écrit : « Un jour Zarathoustra jeta son illusion par
delà les hommes, pareil à tous les hallucinés de l’arrière-monde. L’œuvre
d’un dieu souffrant et tourmenté, tel lui parut alors le monde. Le
monde me parut être le rêve et l’invention d’un dieu ; semblable à des
vapeurs coloriées devant les yeux d’un divin mécontent ». (in :
ZARATHOUSTRA - Des hallucinés de l’arrière-monde).
37
saisir ce qui existerait quand même, même quand il
ne se passe rien.
Le projet qui consiste à essayer de décrire ce
qui se passe procède, en vérité, d’une tension inverse
à celle des approches fonctionnalistes, car elle
implique une réduction de l’altérité ; ce qui était
initialement opaque doit devenir translucide, et ce
qui était étrange doit devenir familier. Comme
l’écrit Jean Bazin : « Comprendre une action, ce
n’est pas déchiffrer le sens d’un comportement en
imputant aux indigènes observés (en mettant au
compte de leur culture ou de leur « programme
mental ») des croyances ou des représentations que
nous n’avons pas et ne saurions avoir ; c’est l’avoir
décrite d’une manière telle qu’elle nous apparaisse
comme l’une des manières de faire selon d’autres
règles ou dans d’autres conditions ce que nousmêmes nous faisons. Découper les dernières
partition de Schubert en petits morceaux et les
distribuer à ses élèves préférés est, comme dit
Wittgenstein, une marque de piété qui nous est
aussi compréhensible, même si nous aurions plutôt
choisi de les conserver intactes et à l’abri de tous».5
A ma connaissance, les disciples de Schubert
n’étaient pas Yoruba, mais la tentative d’explication
de leur geste, a priori déplacé, relève de la même
tension intellectuelle que celle qui consiste à rendre
compte de n’importe quelle situation, en
l’occurrence celle à laquelle je participe lorsque
j’assiste à Lagos ou à Ibadan à des représentations
de Yoruba Theatre.
« Interpréter ou décrire ?6 »
Pour comprendre ce qui se passe alors, il me
faut essayer de saisir les enjeux qui animent le
moment du spectacle, aux yeux et dans la bouche
des personnes en présence. La meilleure manière
d’accéder à la compréhension de ces enjeux
consiste tout simplement, dans un premier temps,
à poser la question aux personnes concernées et
d’essayer de saisir ce que les acteurs saisissent euxmêmes de la situation dans laquelle ils sont
impliqués, à côté de l’ethnologue, forcément.
Il apparaît ainsi d’emblée que si ce théâtre est
38
bien présenté comme une forme intacte,
culturellement pure, comme le veulent aussi
l’entendre les Brésiliens quand ils assistent à une
représentation d’une telle pièce, on s’aperçoit aussi
que cette formulation fait d’abord partie d’un
discours. Il s’agit d’un trope qui n’explique que très
partiellement le sens des actions théâtrales propres
à ce genre. En réalité, la dimension culturelle du
théâtre yoruba fait partie de l’objet, mais elle
n’entretient aucun lien causal avec celui-ci.
Pour comprendre, il me faut ainsi occuper la
position d’un observateur, i.e. m’installer à un point
de vue à partir duquel il devient possible de rendre
compte du jeu social dont je subodore l’existence,
sans toutefois encore en saisir ni les enjeux, ni les
contours. Pour cela il est nécessaire que je
m’immisce dans le monde des gens qui réalisent le
moment/la situation à décrire. Il me faut donc
mettre en œuvre une méthode qui m’aide à être
dans la même temporalité7 que ceux dont j’ai le projet
de décrire les pratiques et avec lesquels je partage,
que je le veuille ou non, le temps de l’échange qui
marque la rencontre. Comme le rappelle Alban
Bensa cette rencontre constitue un événement
marquant au cours duquel interagissent
l’ « observateur » et l’ « observé », au point parfois
de ne plus savoir avec certitude qui est qui : « le
chercheur de terrain participe à la vie de ses hôtes
moins comme le maître rusé de la situation […]
que comme le pion, fort peu averti d’une partie
dont les tenants et les aboutissants l’englobent et
souvent le dépassent8 ».
5
Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse,
2008: p. 380.
6
Je reprends ici le titre d’un article de Jean Bazin, véritable manifeste
pour une anthropologie, autrement. Jean Bazin, Des clous dans la
Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse, 2008: p. 380, voir chapitre
intitulé : « Interprêter ou décrire. Notes critiques sur la connaissance
anthropologique », p. 407-435.
7
Johannes Fabian parle de « co-temporalité » in [Le Temps et les Autres,
Editions Anacharsis, Toulouse, 2006], Jean Bazin de « co-présence »
[Science des mœurs et description de l’action, Le genre humain, 19992000 : p. 55-56 ], Gérard Althabe de « communication partagée » [Gérard
Althabe, “Ethnologie du contemporain & enquêtes de terrain”, Terrain,
14, mars 1990, pp. 126-131].
8
« De la micro-histoire vers une anthropologie critique » in Jeux
d’échelle. La micro-analyse à l’expérience, Paris, Hautes Études/
Gallimard/Le Seuil, 1996, p. 44.
9
Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse,
2008: page 362.
C’est précisément la complexité du jeu social,
du fait de la multiplicité de ses ressorts et de la
variété des formes, notamment esthétiques ou
théâtrales, dans lesquelles se déroule ce jeu, qui
constitue l’objet de la recherche. Cette complexité
est empirique et son élucidation nécessite une
démarche pragmatique. Or, comme nous le rappelle
encore Jean Bazin 9 : « il n’y a pas derrière les
événements [en l’occurrence un moment théâtral,
ndla] une « structure » dont j’aurais à établir la
permanence sous-jacente, ni un sens caché que
j’aurais à déchiffrer, comme si les acteurs suivaient
un texte secret, une partition illisible. Que des
actions humaines soient conformes à des règles
signifie seulement qu’elles ont une certaine capacité
à se répéter, à être « les mêmes » (savoir comment
on fait, c’est être capable de répéter l’acte) ; mais
cette conformité n’est pas moindre lorsque ces
règles changent, y compris lorsque (dans une
situation instable) elles changent tout le temps.
L’analogie du jeu a bien sûr ses limites : il faudrait
en imaginer un qui soit tel que sa règle serait
modifiée à chaque fois qu’un coup nouveau serait
accepté par les partenaires ». Il rajoute ensuite: « il
faut imaginer un jeu – autre limite de l’analogie –
où les explications fournies aux spectateurs seraient
éventuellement des coups dans le jeu».10
L’un des ressorts de ce jeu - quelque peu
surréaliste - dont les règles ne cessent de se modifier
au grès des actions des joueurs, est la dimension
historique de l’événement. Son analyse doit
permettre de rendre compte des dynamiques
sociales, et des conflits qui la caractérisent.
L’œuvre contient cet ensemble de relations, comme
un entrelacs de sédiments historiques ; celles-ci la
font en quelque sorte exister et la rendent descriptible.
En enracinant notre objet d’étude, le spectacle,
dans une anthropologie rigoureusement
descriptive, il nous faudra donc procéder à un jeu
d’échelle où l’observation d’un événement
ordinaire, comme par exemple la représentation
d’une pièce de théâtre, permet de discerner, non
seulement les cadres de l’action, les ressorts sociaux,
économiques et politiques, mais aussi les enjeux
globaux dont il se fait l’écho.
Le théâtre yoruba comme objet
transatlantique
Pour comprendre ce qui est en jeu à l’occasion
de la représentation d’une pièce de Yoruba Theatre,
il est essentiel de savoir que le théâtre yoruba est
le fruit d’une élaboration progressive, inexistante
dans sa forme actuelle avant la traite négrière,
résultant de la combinaison de plusieurs registres
et traditions performatives, initialement opérée à
la fin du 19ième siècle par un milieu social spécifique,
chrétien, urbain et cosmopolite, avant de connaître
une diffusion populaire. Ce milieu est riche de
l’apport des esclaves affranchis, revenus du Brésil,
de la Jamaïque ou de la Sierra-Leone. Le théâtre
yoruba est en ce sens un objet protéiforme dont
les composantes se maintiennent dans un équilibre
instable, une fragilité et une ambiguïté qui en font
précisément la beauté ! Il témoigne non seulement
à sa manière de la puissance des orishas, mais aussi
de l’inventivité des hommes qui ont su leur
redonner un sens, dans un monde nouveau que ce
soit dans les Amériques ou en Afrique, régions du
monde alors également chamboulées.
On découvre ainsi que ce genre de spectacle
vivant total11 tire son matériau dramaturgique d’un
corpus de textes, rédigés à partir de la seconde
moitié du 19ème siècle par des folkloristes puis par
10
Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse,
2008: page 371.
11
La notion d’art total vient de l’allemand Gesamtkunstwerk. Elle indiquait,
à la fin du 19ème siècle, une utopie en vogue dans les milieux artistiques,
parfaitement illustrée par le drame lyrique wagnérien. L’opéra était le
genre par excellence, capable de rassembler la musique, les arts plastiques
et la littérature en une parfaite synthèse. Cet art total puise évidemment
nombre de ses ressources dans un romantisme soucieux d’assurer au
monde sa vocation esthétique.
12
Bernard Müller, « Nos ancêtres les Yoruba. Splendeur et misère de la
bourgeoisie yoruba du Nigeria », Cahiers d’études africaines, XLIII (3),
171, 2003, pp. 483-503.
13
“Yet in spite of their rivalry, Brazilians and Saros occupied the same
structural position. They constituted a rising bourgeoisie, wich saw
itself as the natural heir of the colonial regime”, Marianno Carneiro da
Cunha, Da senzala ao sobrado : arquitetura brasileira na Nigéria e na
República Popular do Benim = Da senzala ao sobrado : arquitetura
brasileira na Nigéria e na República Popular do Benim = From slave
quarters to town houses : Brazilian architecture in Nigeria and the
People’s Republic of Benin / / Marianno Carneiro da Cunha ; fotos de
Pierre Verger ; introdução de Manuela Carneiro da Cunha, ( fotos de
Pierre Verger ; introdução de Manuela Carneiro da Cunha), São Paulo,
SP : Nobel : EDUSP, c1985, p. 32.
39
des ethnographes et des dramaturges locaux12. Ce
processus de mise en forme textuelle se poursuit
aujourd’hui. Le milieu constitué dans la deuxième
moitié du 19ème siècle (celui-là même qui a « écrit »
la culture yoruba ; voir thèse) qui, à l’instar du
théâtre qu’il produit, tient une position stratégique13
sur l’échiquier social yoruba, et nigérian. Cette
position est le fruit d’une alliance entre, d’une part,
une bourgeoisie cosmopolite issue principalement
de la diaspora Sierra Leonaise (dite « saro »),
d’esclaves libérés du Brésil dits « amaro » et, d’autres
part, des élites traditionnelles des cités-États
yorubas, notamment des membres de l’aristocratie
de la ville d’Oyo14.
Or voilà, aussi surprenant que cela puisse
paraître, l’une des composantes de ce monde social
yoruba est originellement brésilienne ou « amaro ».
Le théâtre, comme le nationalisme culturel auquel
il renvoie, estsont l’expression de la quatrième ou
cinquième génération d’une bourgeoisie
appartenant initialement à une diaspora noire
générée par l’esclavage. Cette diaspora qui se forma
dès la fin du 18e siècle est à la l’origine de plusieurs
nationalismes africains qui empruntèrent le masque
de la culture de la région dans laquelle ils
s’installèrent, de gré ou de force.
Dans la seconde moitié du 19ième siècle, les
esclaves affranchis vont constituer jusqu’à un
cinquième de la population de la ville de Lagos.
Appelés aguda ou amaro, ces revenants retornados
viennent pour la plupart du Brésil. Cette diaspora
est estimée à 350000 personnes dont les deux tiers
débarquent à Lagos où ils s’installeront près de
Campos Square dont les quelques maisons qui
subsistent aujourd’hui portent immanquablement
un cachet « brésilien ». Leurs positions d’allochtone
va les contraindre à développer certaines activités
plutôt que d’autres. Marc-Antoine Pérouse de
Montclos écrit ainsi à leur propos : «D’après la loi
coutumière, cependant, ils ne peuvent ni cultiver
ni pêcher parce que ce sont des migrants.
Singularisés par leur identité lusophone et
catholique dans un milieu à dominante
protestante et anglophone, il leur est tout aussi
40
difficile d’entrer dans la fonction publique
coloniale. Ils deviennent alors des commerçants
influents, formant les premières strates de la
bourgeoisie locale qui défendra les idéaux du
mouvement nationaliste à l’indépendance […]. Ne
représentant nullement les intérêts du Portugal,
ces Afro-Brésiliens réapprennent les parlers
vernaculaires […]15. »
En quelques générations ce milieu est passé
d’un statut d’élite exogène “para-coloniale” à celui
d’une bourgeoisie yoruba reliée à l’aristocratie des
cités-états yoruba. Des stratégies d’alliances
matrimoniales16 permirent ainsi aux grandes familles
de se fondre dans une classe commune. Ces
stratégies ont eu pour effet d’entremêler les arbres
généalogiques de telle manière qu’il soit devenu
pour tout le monde possible d’établir une
consanguinité avec une famille aristocratique locale
dans un cas ou avec une famille de la bourgeoisie
amaro et saro dans l’autre cas.
Ce rapport entre bourgeoisie transnationale
avant l’heure (le Nigeria n’était pas encore constitué
comme colonie britannique) et les chefs locaux
constitue un trait caractéristique du milieu qui nous
intéresse ici. Contrairement à d’autres régions
d’Afrique colonisées, la bourgeoisie saro/amaro à
la fin du 18 e siècle a elle même déclenché le
processus d’ethnogenèse qui constituera le groupe
yoruba comme une entité distincte et surtout à
distinguer. Pour ce faire, elle a produit un discours
historique qui rattache cette élite exogène à
l’histoire ancienne de cette région. Comme nous le
rappelle Old Francisco, cité en exergue de cet
article, quand il déclare que l’ « Afrique n’est pas
mon pays » : la classe des saros/amaros se lança
alors dans l’édification d’une filiation fictive en
direction de ce qu’elle considéra comme ses
14
Bernard Müller; « L’année prochaine à Ile-Ife ! La ville idéale dans la
construction de l‘identité yoruba », in G. Holder & A.-M. Peatrik (s. dir.),
cité-État et statut politique de la ville en Afrique et ailleurs, Journal des
Africanistes 74 (1-2), 2004.
15
Marc-antoine Pérouse de Montclos, Villes et violence en Afrique
noire, Karthala, Paris, 2002, p. 205
16
Kirstin Mann, Marrying well : Marriage, status and social change among
the educated elite in colonial Lagos, London, Cambridge University
Press, 1985.
ancêtres. Les amaros furent d’abord des étrangers
dans leur propre pays et la façon dont aujourd’hui
leurs descendants pratiquent le théâtre témoigne
de cet exil et de se désir de redevenir autochtones.
La racine Egba
Au cours de ce processus, les saros et amaros
ont incontestablement joués sur le souvenir
qu’avaient certains d’entre eux de leur origine
Egba. Et en effet, la deuxième vague d’esclaves
libérés à regagner la Sierra Leone après le noyau de
Nova scotians et de Marrons de Jamaïque fut
majoritairement composée d’Egbas fait prisonniers
par les ennemis du royaume d’Oyo alors en phase
de déliquescence. On estime à 40.000 le nombre
d’Egba qui atteignirent Freetown entre 1820 et
1840. Ceux-ci furent aussi les premiers à retourner
dans cette région qui ne s’appelait pas encore le
Nigeria, ni même le Yorubaland. Ils s’installèrent
dans un premier temps à Abeokuta où plusieurs
milliers d’Egba, fuyant les guerres intestines yoruba
et la menace haussa-peule avaient déjà trouvé
refuge.
Le théâtre moderne en Sierra Leone apparaît
dans les églises de Freetown au 19 e siècle qui
avaient recours au théâtre pour illustrer certains
passages de la bible. Cette pratique évolua ensuite
vers une forme de “variety-concert”, l’ancêtre du
“concert-party” qui se répandra ensuite tout au
long de la côte du golfe de Guinée. Les “créoles”
de la Sierra Leone appelèrent les “concert-party”,
les “pleasant Sunday afternoon gathering”. Une pièce
de théâtre ou un extrait d’une œuvre célèbre
constituait le clou de ces rencontres.
C’est vers 1860 que des nouvelles formes de
“concerts” et de pièces de “music-hall” d’inspiration
occidentale virent le jour à Lagos. Ces spectacles
s’adressaient à une nouvelle élite africaine
constituée en bonne partie d’anciens esclaves du
Nouveau Monde et hétéroclite du point de vue
culturel. Ces tentatives de créer un théâtre “néoafricain” reposant sur un alliage de formes théâtrales
occidentales et locales portèrent leurs premiers
fruits dès 1880. Les troupes exerçaient
principalement à Lagos, Ibadan et Abeokuta.
Le théâtre yoruba est en ce sens, comme cela
a été montré, un objet protéiforme dont les
composantes se maintiennent dans un équilibre
instable, une fragilité et une ambiguïté qui en font
précisément la beauté ! Il témoigne non seulement
à sa manière de la puissance des orishas, mais aussi
de l’inventivité des hommes qui ont su leur
redonner un sens, dans un monde nouveau que ce
soit dans les Amériques ou en Afrique, régions du
monde alors également chamboulées.
L’espace transatlantique dans lequel évolue
le Yoruba Theatre ne cesse d’interagir comme en
témoigne par exemple la tenue du 8ième congrès
intitulé ‘International Congress of Orisha Tradition
and Culture » qui s’est déroulé à La havane en août
2003 ou encore l’ouverture récente (septembre
2008) d’une maison du Nigeria à Salvador de Bahia
qui ne manquera pas de proposer du théâtre yoruba
dans son programme.
On ne sera alors pas surpris que constater que
bon nombre des animateurs du mouvement culturel
yoruba contemporain, notamment en Amérique,
s’avèrent être les descendants d’esclaves libérés et
revenus qui ont joué un rôle décisif dans l’invention
du théâtre yoruba nigérian et dans la mise en forme
textuelle, patrimonialisée, d’une variété de
traditions orales, notamment divinatoires, dans
lesquelles les gens de théâtre vont aujourd’hui
puiser leurs matériaux dramaturgiques. Il semblerait
que le réseau yoruba s’articule à la fois en puisant
à de nombreuses racines et en se déployant en de
nombreux rhizomes et branches. S’il apparaît que
les acteurs circulent d’un espace territorial et
national à l’autre et qu’ils puisent à plusieurs sources
« culturelles » (ce qui peut les faire apparaître
comme « métis » ou créoles). Son fonctionnement
n’est pas pyramidal, il comporte plutôt plusieurs
noyaux et poursuit plusieurs objectifs selon le
contexte et l’échelle à laquelle se placent chacun
des acteurs. L’espace transnational n’est pas
l’unique cadre de référence des membres et la
plupart des acteurs occupent une place dans
d’autres réseaux, associations et organisations
41
politiques ou autres. C’est aussi de cette histoire
que met en forme esthétique le Yoruba Theatre.
Ainsi, pour comprendre le théâtre yoruba, et
pour en apprécier davantage les ressorts et les
enjeux, il ne faut pas tant être initié aux mystères
des orishas qu’à la complexité historique des
relations transatlantiques qui développent depuis
des siècles d’étonnants objets culturels. Ce constat
ne devrait pas décevoir : il n’enlève rien à la qualité
du spectacle dont il met en valeur les enjeux. Ce
théâtre devient ainsi compréhensible : les Brésiliens
ont finalement raison de s’y reconnaître puisque
ce genre est bien, pour une part, le résultat d’une
histoire commune.
Performance comme mise en
forme du social
Nous envisageons donc la notion de
performance comme une succession ou une série
d’actions17 dont la description n’implique pas le
recours à des données surplombantes à cette
situation. Il s’agira pour nous de décrire
convenablement les séquences d’une action
spectaculaire ou théâtrale, non pas en vue d’en
découvrir les ressorts symboliques qui seraient
cachés derrière les actions, mais de manière à
déployer l’ensemble des enjeux et des rapports
sociaux lisibles dans la performance elle-même et
dans les évènements qui l’accompagnent.
La description d’une performance ainsi définie
ne relève pas de la reconstitution d’un ordre
préexistant mais une action ou une séquence
d’actions qui s’effectuent en une situation
spécifique et dont les acteurs sont munis
d’intentions, de stratégies et de tactiques dans le
but de produire un certain effet (émotion, efficacité,
etc.) sur le public. À la fois action singulière,
puisque les individus n’agissent jamais tout à fait
de la même manière ni dans le même contexte, et
réitération d’actions fondées sur un même référent,
la performance est comme un pari sans cesse remis
en jeu. La notion de jeu comme élément central de
l’action spectaculaire est en effet décisive. Elle met
en lumière les procédés qui font exister – le temps
42
de la représentation - un cadre de convention
théâtrale mettant en abîme un artifice culturel. Les
techniques de mise en scène et de scénographie,
de construction du personnage et de jeu de l’acteur,
de dramaturgie et de construction d’une fiction,
de musique et de résonance auprès des publics, etc.
doivent aider à comprendre les ressorts esthétiques
et les enjeux sociaux de la fabrique de l’illusion.
L’opération consistant à transposer dans un
« monde fictif », celui de la scène, des éléments d’un
monde considéré comme « réel », celui du
quotidien, nous apparaît comme une clé heuristique
fondamentale.
Le spectacle sera envisagé comme un fait
social qui met en forme des rapports sociaux, qui
sont aussi des rapports politiques, non exempts de
rapports de force. On se propose ainsi d’élaborer
des outils de description qui permettent
simultanément de rendre compte du spectacle dans
sa dimension éphémère et dans le processus des
interactions sociales qui le construit. On
comprendra le spectacle comme une
« perfor mance » qui, comme l’indique
l’étymologie18 de ce terme, « exécute » un ensemble
de rapports sociaux en lui donnant une forme
spectaculaire ; chacune de ces actualisations
constitue un événement qui s’inscrit dans l’histoire
d’un groupe, d’une communauté, d’un milieu qui
peut être appréhendé comme un monde. La
construction de notre objet tend ainsi à fondre
l’œuvre dans la situation dont elle constitue
néanmoins l’occasion.
Conclusion
Comme toutes les sciences sociales et
humaines, l’anthropologie est confrontée à un
problème logique radical, à une aporie. Ce
problème n’est pas spécifique à un champ pratique
spécifique, mais il tient à la manière dont nos
disciplines construisent leur objet, quel qu’il soit.
17
Etym. drame qui se dit draô en grec et signifie « faire », « agir ».
XIX e siècle, de l’anglais performance, de l’ancien français (XVI e)
parformer: exécuter.
18
Il se peut que se problème soit insoluble,
et que la posture du chercheur en sciences
humaines relève d’une certaine manière de
l’absurde. Dans quelle mesure est-il possible
d’accéder à la compréhension d’une action, aussi
théâtrale soit-elle, sans la pratiquer ? Est-il possible
de comprendre une action humaine sans se mettre
soi même en situation de réaliser cette action, ou
une action du même ordre ? Il est bien possible
que ces questions demeurent sans réponse, et que
le projet de description de l’anthropologie s’avère
impossible, tout au moins tant que ces disciplines
ne se seront pas radicalement libérées du joug du
paradigme positiviste, sans pour autant tomber
dans la littérature post-moderne. Sur ce point aussi,
l’ethnoscénologie – en affirmant la compatibilité
heuristique du souci théorique et de la pratique,
habituellement dissociés, ouvre un champ de
recherche radicalement nouveau, inespéré ?
Il s’agit d’assumer la tragédie de l’allochronie
et d’en tirer les conséquences à la fois sur la
manière dont nos disciplines construisent leur objet
et sur le statut de la connaissance ainsi acquise
parmi les sciences. En effet, comme le rappelle
Johannes Fabian : « Ce qu’il nous est possible de
savoir ou d’apprendre à propos d’une culture/
société n’apparaît pas sous forme de réponses à
nos questions, mais comme performance dans
laquelle l’ethnologue agit, comme Victor Turner
l’a formulé un jour, à la maniere d’un
ethnodramaturge, c’est à dire comme quelqu’un qui
cherche à créer des occasions au cours desquelles
se produisent des échanges significatifs19 ».
Cette approche qui peut paraître originale n’est
en rien marginale, tant elle essaie de saisir la
dynamique sociale en son cœur, en construisant
son objet comme un « fait social total20 ». Il ne s’agit
pas moins de renouer avec une anthropologie à la
mesure des changements - et des crises - que
traversent aujourd’hui les sociétés de ce continent,
une crise dont on tentera de saisir la spécificité
historique par la mise en oeuvre d’outils
permettant de saisir leurs transformations
présentes. En réalité il s’agit plutôt de revenir sur
une terre en jachère ; un chantier quelque peu
abandonné, que le spectacle pourrait bien
contribuer à relancer. George Balandier n’écrivaitil pas déjà, en 1961: « L’une des premières règles
de méthode que doit respecter la science sociale,
comme toute science, est la recherche des niveaux
« privilégiés » d’observation et d’analyse ; elle peut
tenter alors de déceler des agencements réels, des
liaisons dynamiques et non seulement des rapports
logiques, des « choses sociales en mouvement »
plus que des structures fixées ; elle s’impose de le
faire, si elle entend saisir la société dans sa vie
même et dans son devenir, à l’occasion de
circonstances ou de conjonctures qui mettent cette
dernière en cause, dans sa totalité ou presque. […]
Un large horizon paraît ainsi, sur le fond duquel se
dessinent les principaux phénomènes sociaux, leurs
relations et leurs tendances respectives. »21 ?
19
[Much of what we can know or learn about a culture/society does
not come in the form of answers to our questions, but as performances
in which the ethnographer acts, as V. Turner once put it, as an
“ethnodramaturg” or as a kind of producer or provider of occasions
where significant communicative events happen.] Fabian, Johannes.
Theater and Anthropology, Theatricality and Culture Research in African
Literatures - Volume 30, Number 4, Winter 1999, pp. 24-31
20
Marcel Mauss, «Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les
sociétés archaïques», Article originalement publié dans l’Année
Sociologique, seconde série, 1923-1924.
21
Georges Balandier, « Phénomènes sociaux totaux et dynamique sociale»,
SociologieS, Georges Balandier, mis en ligne le 28 octobre 2008.
URL : http://sociologies.revues.org/document2243.html . Ce texte est
un article paru initialement dans les Cahiers Internationaux de Sociologie,
, volume 30, 1961, pp. 23-34.
43
Pour une scénologie générale
Jérôme Dubois*
RÉSUMÉ : À partir des considérations historiques et
epistémologiques autor de la question du corps au sein des
sciences de l’homme, l’auteur revient à la proposition faite par
Jean-Marie Pradier d’une « scénologie générale » comme
convergence théorique à l’horizon de l’ethnoscénologie. Tout
en discutant cette proposition à travers ses activités
d’enseignement et de recherche dans des groupes de travail en
France et au Brésil, l’auteur conclut sur l’urgent besoin de bases
de données et félicite les initiaves dans ce sens.
MOTS-CLÉS : scénologie générale ; ethnoscénologie ;
epistémologie.
Por uma cenologia geral
RESUMO : A partir de considerações de caráter histórico e
epistemológico sobre a questão do corpo no âmbito das ciências
do homem, o autor discute a proposição feita por Jean-Marie
Pradier de um « cenologia geral », como convergência teórica no
horizonte da etnocenologia. Discutindo essa proposição através
de suas atividades de ensino e de pesquisa omo participante de
grupos de trabalho na França e no Brasil, o autor conclui sobre
a urgente necessidade de bases de dados e felicita as iniciatvas
existentes nesse sentido.
PALAVRAS-CHAVE : cenologia geral ; etnocenologia ;
epistemologia.
For a general scénologie
ABSTRACT: From considerations of historical and
epistemological character on the question of the body within
human sciences, the author discusses the proposition made by
Jean-Marie Pradier a general scenology as a theoretical convergence
on the horizon of Ethnoscenology. Discussing this proposition
through his activities of teaching and researching as a participant
in working groups in France and Brazil, the author concludes
the urgent need for databases and congratulates the initiatives
in that direction.
KEYWORDS: general scenology; ethnoscenology;
epistemology.
L’objet de cet article est de revenir à la
proposition faite par Jean-Marie Pradier d’une
« scénologie générale » comme convergence
théorique à l’horizon de l’ethnoscénologie qui si
elle s’attache à rendre compte de la singularité des
pratiques performatives et spectaculaires ancrées
dans des aires culturelles spécifiques, consiste
également à « comprendre la nature des liens qui
44
unissent en profondeur des formes si diverses »1.
Si l’ethnoscénologie peut donc être orientée
différemment, en fonction de la sensibilité culturelle
des ethnoscénologues et des pratiques qu’ils
étudient, la « scénologie générale » vise à rassembler
les ethnoscénologues autour d’une même question :
Pourquoi et comment l’Humain pense-t-il avec son corps ?
Nous proposons de faire le point sur les
implications d’une telle démarche.
1) Premier point, cette question fondamentale
induit de considérer le corps humain comme outil
et instrument de mesure, concept épistémologique
et levier méthodologique. Si cela va de soi pour les
ethnoscénologues qui se définissent comme tels,
et bien qu’encore peu nombreux nous sommes de
plus en plus nombreux, cela ne va pas de soi pour
l’ensemble des chercheurs en sciences sociales et
humaines. Or nous nous devons d’être reconnus
bien au-delà de l’ethnoscénologie afin de faire que
celle-ci ait la plus large audience possible parmi
les chercheurs de toutes les disciplines ; non
seulement pour permettre une pleine et entière
légitimité académique et institutionnelle (ce qui
advient peu à peu, depuis sa naissance en France
en 1995 sous l’égide de l’Unesco, à l’initiative de
Jean-Marie Pradier et du regretté Jean Duvignaud,
par l’accroissement de l’enseignement de
l’ethnoscénologie, dernier exemple en date,
l’Université de Nice Sophia Antipolis a pris, pour
axe pédagogique de la section théâtre du
Département des Arts, les principes
ethnoscénologiques, proposant par ailleurs une
ethnomusicologie pour la musique et une
ethnochorégraphie pour la danse ; ce qui advient
par l’accroissement, également, des publications,
des colloques, des doctorants, des blogs, etc.), mais
*Maître de conférence à l’Université Paris 8, France
1
Jean-Marie Pradier, « Ethnoscénologie: la chair de l’esprit », Théartre 1,
L’Harmattan, 1998, p.27.
aussi, pour créer des collaborations
transdisciplinaires
essentielles
à
son
2
développement .
C’est pourquoi, je vais revenir brièvement sur
ce qui a posé problème à un sociologue
épistémologue renommé, à savoir Jean-Michel
Berthelot, quant à la reconnaissance académique
de la sociologie du corps comme discipline à part
entière et par conséquent du corps comme objet
de recherche et concept fondateur d’une discipline
en sciences sociales. Ce que Berthelot reprochait à
ce qui se voulait la sociologie du corps,
spécialisation consacrée au corps quand d’autres
spécialisations de la sociologie se consacrent à la
famille, au travail, etc., c’est de ne pas voir l’aporie
à laquelle elle ne peut échapper : en essayant
d’atteindre le corps on ne fait que produire des
discours sur le corps, on n’atteint finalement jamais
le corps en tant que tel. Autrement dit, toute
discipline des sciences humaines et sociales qui
viserait à dire le corps, tomberait dans un régime
discursif3 et ne ferait qu’alimenter les discours tenus
sur le corps. Deux objections peuvent être faites à
ce point de vue : d’une part, tout discours qui dénie
le corps n’obéit-il pas au corps ? Ce fut l’hypothèse
de Nietzsche, et c’est encore celle de la
psychanalyse. D’autre part, ne peut-on appréhender
le corps autrement que par un régime discursif ?
C’est l’hypothèse de Jean-Marie Brohm4 qui voit à
l’œuvre deux autres régimes : le régime
institutionnel permettant de considérer certaines
organisations humaines à l’image organique du
corps, et surtout le régime pragmatique faisant voir
le corps comme une énergie vitaliste qui trouve
l’intelligibilité de son expression à travers ses
usages. Alors, même si le corps reste un objet
énigmatique par la parole qui l’entoure, il n’en
constitue pas moins un objet appréhendable par
les techniques qui caractérisent ses usages, les actes
qui désignent son action et les situations dans
lesquelles il se trouve. C’est par ces situations qu’il
acquiert une dimension sociale, culturelle,
artistique, au-delà de la seule dimension
anatomique et biologique. Le corps en tant que tel
n’est donc pas ce qui intéresse le chercheur en
sciences sociales ; ce qui l’intéresse c’est le corps en
situation. C’est d’ailleurs étrangement Berthelot5 qui
proposait cette voie dans un article antérieur à celui
où il annonce l’aporie de la sociologie du corps. Et
de même que l’ethnoscénologue s’intéresse aux
corps en situations performatives et spectaculaires,
c’est dans ces situations que pour lui les sciences
biologiques, anatomiques, neuronales, prennent
tout leur sens. Il y aurait par conséquent eu, de la
part de Berthelot, un malentendu sur les visées des
sciences sociales et humaines qui s’intéressent au
corps. Là où il a raison, c’est que le corps comme
champ de recherche ne peut être délimité par une
seule discipline, que la sociologie ne peut suffire
pour dire ce qu’est socialement le corps et donc se
constituer en discipline avec un objet qui traverse
de nombreux champs de la sociologie et de
nombreuses sciences humaines. C’est donc
l’ensemble des disciplines s’y rapportant qui
permettent d’avoir un point de vue pluriel et
pertinent sur ce qu’il est, au regard des potentialités
innombrables qu’il contient. C’est pourquoi le
sociologue David Le Breton a finalement choisi le
terme d’anthropologie du corps pour désigner son
champ de recherche. Et c’est pourquoi le parti pris
transdisciplinaire de l’ethnoscénologie, qui fait
appel autant aux sciences de la vie qu’aux scienceshumaines, autant aux théoriciens qu’aux praticiens,
est pertinent et essentiel à son développement.
Lorsque le praticien Jerzy Grotowski6 définissait
le théâtre et donc l’objet de l’anthropologie du
théâtre par ce qui se passe entre le performer et
celui qui assiste à la performance, c’est bien d’un
2
A ce propos, Armindo Biao a très bien décrit dans un tableau comparatif
ce qui spécifie l’ethnoscénologie par
ce qui la rapproche et la met à distance d’autres champs de connaissance.
Cf. Armindo Biao, « Um trajeto, muitos projetos » in Armindo Biao
(Org.), Artes do corpo e do espetáculo: questões de etnocenologia, Salvador: PA, 2007,
pp. 21-42.
3
Jean-Michel Berthelot, « Du corps comme opérateur discursif ou les
apories d’une sociologie du corps. » in Sociologies et sociétés, Vol. XXIV,
n°1, printemps, 1992.
4
Jean-Marie Brohm, Le corps analyseur, Economica, 001, p.44.
5
Jean-Michel Berthelot, « Corps et société (problèmes méthodologiques
posés par une approche sociologique du corps) », in Cahiers internationaux
de sociologie, Vol. LXXIV, Janvier-Juin 1983.
6
Jerzy Grotowski, Vers un théâtre pauvre, Lausanne, La cité, 1971, pp.26, 27.
45
corps à corps dont il parle. Jean-Marie Pradier a
d’ailleurs très bien décrit certains éléments de cette
relation. Je vous renvoie à sa communication
publiée en 1988 dans les annales du 1er Congrès
mondial de sociologie du théâtre : « Le public et son
corps : de quelques données paradoxales de la
communication théâtrale. »7
Pour ma part, j’ai suivi une formation doctorale
en sociologie à l’Université Paris V, dans un
laboratoire qui s’appelle le Centre d’Etudes sur
l’Actuel et le Quotidien, au sein d’un groupe de
recherche qui a été fondé en 1987 par Armindo
Biao alors qu’il était doctorant en sociologie, le
Groupe de Recherche sur l’Anthropologie du Corps et ses
Enjeux (GRACE). L’un de ses enjeux est justement
la question que se propose de traiter la scénologie
générale. Aussi, bien que je sois désor mais
chercheur au laboratoire d’ethnoscénologie de
Paris 8, je garde toujours un lien affinitaire avec
mon laboratoire d’origine pour lequel je suis
chercheur associé, et je compte bien entretenir ce
lien et créer d’éventuelles collaborations entre ce
groupe de recherche sur l’anthropologie du corps,
le laboratoire d’ethnoscénologie et d’autres
chercheurs travaillant sur le corps, notamment
Bernard Andrieu qui enseigne en tant que
philosophe l’épistémologie du corps. Je rappelle que
ma thèse de sociologie a porté sur les concepts
dramaturgiques utilisés en sciences sociales, pour
laquelle j’ai problématisé la notion de corps,
notamment à partir des travaux de Marcel Mauss ;
cette thèse est disponible chez l’éditeur
l’Harmattan sous le titre La mise en scène du corps
social, contribution aux marges complémentaires des
sociologies du corps et du théâtre. Je signale enfin que je
viens de diriger pour la revue Magma 8, revue
électronique bilingue français/italien consacrée aux
méthodes qualitatives des sciences humaines et
sociales, un numéro sur Le corps comme étalon de
mesure qui rassemble une quinzaine de chercheurs
venant de diverses disciplines (sciences politiques,
sociologie, anthropologie, arts, sports). Je souhaite
activement poursuivre cette recherche sur le corps
en proposant à la rentrée prochaine, à la Maison
46
des sciences de l’Homme, pour la saison 2010/
2011, voire plus longtemps, un ralliement
international des ethnoscénologues et des
chercheurs de toutes disciplines autour de la
question fondamentale que pose la scénologie
générale : Comment et pourquoi l’Humain pense-t-il avec
son corps ?
2) Second point, cette question qui part du
postulat que, comme l’écrit Jean-Marie Pradier, « la
forme spectaculaire est une pensée étendue dans
l’espace » et « le corps est pensée »9 implique une
méthode commune à tous les ethnoscénologues,
méthode qui vient en plus des principes
méthodologiques et épistémologiques de
l’ethnoscénologie, je veux parler de la méthode
comparative. En effet, penser ensemble le corps
implique que nous confrontions ce qu’il en est de
lui dans les situations performatives et
spectaculaires diverses où nous l’avons appréhendé
en nous posant la question du comparable. Il y a
un double mouvement : dans un premier temps une
distance à prendre avec les autres chercheurs pour
se rapprocher des contextes dans lesquels
s’inscrivent les situations du corps, et ensuite un
rapprochement à faire avec les autres chercheurs
pour tenter de comprendre les fluctuations du corps
en fonction des situations. Bien entendu, la
conception du corps change culturellement en
fonction de la réponse à la question fondamentale
que porte en elle la scénologie générale, mais il n’en
reste pas moins que c’est bien le corps qui est le
point de départ commun de cette réflexion. Je viens
de faire un essai de réflexion collective dans un
cours de Master intitulé Etude comparative des
pratiques performatives et spectaculaires fonctionnant
comme un laboratoire où chaque étudiant présente
l’avancée de sa recherche aux autres et compare
ainsi sa méthode et son objet en s’appuyant
notamment sur la notion de corps et je dois dire
7
Jean-Marie Pradier, « Le public et son corps : de quelques données
paradoxales de la communication théâtrale. » in 1er congrès mondial de sociologie
du théâtre, Rome, 27-28-29 juin, Bulzoni, 1988.
8
Dont voici l’adresse du site: www.magma.analisiqualitativa.com
9
Jean-Marie Pradier « Ethnoscénologie: la chair de l’esprit », Théartre 1,
L’Harmattan, 1998, p.19.
que l’essai est plutôt concluant, puisque des points
de comparaison sont venus alimenter une réflexion
sur les différences et les ressemblances entre les
recherches des étudiants et entre les pratiques
performatives et spectaculaires présentées dans le
cadre du cours (certaines de la région de Bahia telles
que la samba de roda, le candomblé, la capoeira,
d’autres des amérindiens du Nord, telles que le
powwow, la danse du cerceau, le potlatch, ou
encore d’Asie et d’Europe orientale, telle que le
théâtre d’ombres).
A titre d’illustration de la méthode
comparative en ethnoscénologie, je vais maintenant
présenter les résultats d’une étude que j’ai faite
d’avril à juin 2007 au Brésil au sein du Groupe
Interdisciplinaire de Recherche et Extension en
Contemporanéité, Imaginaire et théâtralité (GIPECIT) dirigé par le Professeur Armindo Biao à
l’Ecole de Théâtre de l’Université Fédérale de
Bahia.
Mon étude visait à décrire certaines pratiques
performatives bahianaises, afin de relativiser l’étude
que j’avais faite en France sur les formes théâtrales
au sein et en dehors du théâtre et ainsi arriver à
déterminer des éléments de comparaison entre ces
deux régions. En transposant mon étude doctorale
au sein d’une nouvelle région, j’entendais
relativiser les formes régionales bahianaises et
françaises les unes par rapport aux autres et tendre
théoriquement vers une forme commune de mise
en scène, autrement dit vers une « scénologie
générale ». Autrement dit, ma problématique était
celle-ci : quels sont les éléments de comparaison
entre les pratiques performatives et spectaculaires
bahianaises et françaises ?
Quelle fut la méthodologie mise en place ? Sur
le plan linguistique, j’ai dans un premier temps suivi
durant cinq mois des cours de portugais du Brésil
à l’Université de la Sorbonne à Paris, afin de pouvoir
comprendre, une fois à Bahia, les cours que je
suivrai, les chercheurs avec lesquels je serai en
relation, les acteurs des pratiques performatives et
spectaculaires et ceux de la théâtralité quotidienne
avec qui j’aurai des entretiens non-directifs et semi-
directifs, les revues et livres que je consulterai, les
pratiques que je pourrai observer sur place.
Une fois là-bas, quel fut le mode opératoire ?
J’ai participé à l’activité de l’Ecole de théâtre en
suivant certains cours et séminaires, en participant
aux séances du GIPE-CIT, en assistant aux
représentations des travaux des étudiants, en
donnant deux communications sur la sociologie de
l’œuvre de Bernard-Marie Koltès, en tenant un
atelier de traduction du français vers le portugais
d’une pièce de Koltès, Combat de nègre et de chiens,
ce qui m’a permis de rencontrer des doctorants et
des enseignants-chercheurs. J’ai par ailleurs assisté
à des pratiques performatives dans des théâtres,
dans la rue, lors de rituels religieux et sportifs.
Enfin, je me suis entretenu avec des acteurs de la
vie artistique, religieuse et quotidienne en me
mêlant le plus possible aux activités en tant
qu’observateur non-participant ou participant, en
me reposant notamment sur une méthode
d’enquête à la fois sociologique, ethnographique
et ethnoscénologique.
J’ai donc résidé deux mois et demi à Salvador
de Bahia où j’étais convié en tant que « professeur
invité » à l’Ecole de Théâtre de l’Université
Fédérale de Bahia. Cette première incursion à
Salvador m’a permis de repérer quelques éléments
de comparaison. Je vais donc vous les livrer. Mais
avant, il me faut préciser que je parle des formes
théâtrales au sens large. Je m’intéresse autant au
monde du théâtre qu’au quotidien. Du point de
vue sociologique, je pars du principe qu’une forme
est théâtrale à partir du moment où elle entre dans
ce que le sociologue Erving Goffman a appelé le
« cadre théâtral » : autrement dit, si elle a un temps
et un espace déterminés qui l’isole du reste du
monde et une spectacularité qui appelle un
« public » plus ou moins défini. C’est ce qui se passe
entre les spectateurs et les acteurs dans cet espacetemps qui spécifie la forme théâtrale. Et nous
pouvons transposer cette définition en termes
ethnoscénologiques, en parlant non d’acteurs mais
de performers, non de « cadre théâtral » mais de
cadre performatif et spectaculaire, car par ailleurs
47
demeure inchangée cette idée qu’il existe une
contrainte
spatio-temporelle
et
une
spectacularisation. Or le fait est que ce rapport
spatio-temporel change selon que l’on se trouve
en France ou à Bahia en fonction de certains
paramètres extrathéâtraux que nous pouvons
définir comme suit :
Tout d’abord un paramètre démographique et
culturelle, qu’on pourrait appeler, pour reprendre
un néologisme d’Aimé Césaire, la négritude10. En
effet, au moins 80% de la population de Salvador
est d’origine africaine. Pourquoi ? Non seulement
parce que les colons portugais ont, durant 300 ans,
jusqu’en 1888, date de l’abolition de l’esclavage
au Brésil, concentré la grande majorité des africains,
notamment Guinéens et Angolais, dont ils faisaient
des esclaves, dans cette région de Bahia où se
trouvaient les plantations de canne à sucre ; mais
aussi, parce que ces mêmes colons ont, tout comme
avec les indiens Tupi Guarani dès le départ de la
colonisation, été contraints aux couples mixtes et
au métissage avec les femmes esclaves, du fait
même du peu de femmes européennes à faire la
traversée en bateau. Ainsi, malgré le racisme
omniprésent aujourd’hui, beaucoup de blancs de
type indo-européen sont convaincus que dans leurs
veines coule du sang africain ou que, du moins,
leur éthos est en grande partie d’origine africaine.
Exemple parlant, un journaliste blanc de la chaîne
régionaliste TV Bahia qui faisait un reportage
montrant les coutumes en Guinée, conclue son
reportage en disant que le prochain se passera aussi
en Afrique car « c’est là », je cite, « que sont nos
racines ». Le « nous » englobe et le journaliste blanc
et la région de Bahia. Autre fait significatif : si
« négro » est comme en France un terme péjoratif,
il existe en outre un terme qui peut (cela dépend
comment on le dit) exprimer au contraire la
fraternité noire avec son interlocuteur, c’est le
terme « negao ». Or, cette appellation sert
indistinctement pour le blanc comme pour le noir.
Il n’est pas rare que le commerçant noir, dans le
but de vendre un produit quelconque, interpelle
de cette manière le blanc qui passe. Tout comme
48
on entend aussi « irmao », c’est-à-dire frère. Ceci
dit, chose curieuse pour un parisien habitué à vivre
dans la polyphonie linguistique des immigrés, au
quotidien, les descendants des esclaves ne parlent
pas de langues africaines, si ce n’est à travers les
chants et les incantations religieuses à l’occasion
des cultes du Candomblé, cultes qui sont, tout
comme l’art martial de la capoeira, une forme de
résistance, un attachement à leur culture d’origine.
De fait, ces deux formes – le candomblé et la
capoeira - sont essentiellement afrobrésiliennes et
originaires de la région de Bahia, elles n’existent
pas telles quelles en Afrique et sont des pratiques
culturelles sorties de leur contexte quand on les
trouve en Europe par exemple à Lisbonne. Il serait
intéressant de déterminer le sens de ces pratiques
dans le contexte français, comparativement à Bahia
où le sens a évolué depuis que l’abolition de
l’esclavage et la liberté de culte ont permis une
pleine reconnaissance culturelle de ces pratiques
devenues des fiertés régionales soutenues
financièrement par l’Etat. C’est une piste de
réflexion comparative. Par ailleurs, ce qui est
intéressant, c’est que cette histoire du colonialisme,
très marquée à Salvador - où il existe encore des
vestiges, tel que le quartier du Pelorinho dont le
nom vient du mat en bois, qui se trouve encore sur
une place publique, auquel les colons attachaient
les esclaves récalcitrants afin de les battre à mort , fait remonter en mémoire la participation de la
France au colonialisme, à la traite des esclaves,
époque qui n’est pas si éloignée dans le temps et
que les hommes politiques français ont eu du mal
et ont encore du mal à reconnaître. Nous en avons
pour preuve la volonté encore récente d’inscrire
dans les livres d’Histoire le rôle soit disant positif
de la France durant sa période colonialiste, décret
qui a été dénoncé par les historiens de profession,
tout comme par Aimé Césaire, lequel a refusé de
recevoir Nicolas Sarkozy jusqu’à ce que la loi soit
10
Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme, suivi de discours sur la négritude,
Présence Africaine, 2004 (1955).
retirée ; ceci montre le dénie de la France sur ses
propres agissements lors de cette période. Il serait
donc intéressant de faire un parallèle entre la
considération du noir dans le théâtre en France et
dans le théâtre à Salvador. Il y aurait beaucoup à
dire : par exemple, quels sont les dramaturges qui
ont traité la question de l’esclavage, quels sont les
différentes représentations du noir, comment les
acteurs noirs sont-ils considérés, etc. ? Quand un
dramaturge comme Castro Alves - dont le théâtre
de la ville de Salvador porte aujourd’hui le nom dénonce l’esclavage en 1865 dans son œuvre
poétique Les esclaves, devenant alors le portedrapeau des abolitionnistes ; en France, le sujet est
rarement traité et l’esclavage n’est pendant
longtemps pas dénoncé en tant que tel. Si Voltaire
dénonce la brutalité de l’esclavage, il ne le
condamne pas. Pour que cette question noire
apparaisse de façon critique au théâtre français, il
faut attendre l’engagement politique de Jean Genet
qui met en abîme dans la pièce Les nègres les préjugés
des blancs sur les noirs ; ou à peu prés à la même
période, l’engagement politique de Bernard-Marie
Koltès lorsqu’il dit vouloir écrire au moins un rôle
pour un acteur noir dans ses pièces, dénonçant le
manque d’épaisseur des personnages d’origine
africaine dans la dramaturgie française, la nonreprésentativité de leur population, les clichés
exotiques des metteurs en scène européens qui
montent Combat de nègre et de chiens avec un décor
de cocotiers et du sable, ou les abus de pouvoir
lorsque Dans la solitude des champs de coton certains
metteurs en scène font jouer le rôle du dealer par
un acteur blanc. Au delà de l’écriture de la
condition du noir, il y a en effet la manière dont le
théâtre nègre prend forme. A Salvador, depuis 1990
il existe une troupe de théâtre exclusivement noire,
O Bando de Teatro Olodum11, en résidence dans le
théâtre Vila Velha, ce qui leur permet d’une part
d’entrer dans le territoire blanc de la culture, d’autre
part d’échapper à la Bahiatursa, cet organisme
d’Etat chargé du tourisme et des productions
culturelles d’origine populaire, et enfin d’être en
relation avec la fondation culturelle de l’Etat de
Bahia, autrement dit de préserver leur indépendance
ethnoculturelle tout en officialisant leur démarche
artistique. Le seul équivalent, en France, est peutêtre le théâtre de Peter Brook aux Bouffes du Nord.
Son théâtre n’est pas exclusivement africain,
l’africain est une des influences culturelles, parmi
l’indienne, etc. Mais il a monté des pièces d’auteurs
africains avec des acteurs d’origine africaine.
D’autre part, le travail poétique du Bando de Teatro
Olodum repose sur des improvisations collectives
ancrées sur la recherche de terrain, l’observation
et la critique sociale du quotidien de Salvador. Il y
a là une manne sociologique. Le trait marquant de
leur théâtre est que leur mise en scène (des textes
d’auteurs tels que Brecht, Büchner, Sartre,
Shakespeare, ou des créations basées sur leurs
improvisations telles que Le cabaret de la race ou
La trilogie du Pelo) crée l’espace scénique avec les
corps des acteurs. Nous retrouvons l’espace vide
de Brook. Le décor est minimaliste : il y a des lignes
sur le sol qui figurent une allée et des maisons, il y
a des bancs sur la scène qui entoure l’espace ludique
pour que les comédiens puissent s’asseoir et
regarder leurs partenaires jouer, et une estrade sur
laquelle se trouvent des musiciens. Bref, c’est la
dramatisation du « corps noir » qui est en jeu. On
retrouve le présupposé moniste de l’ethnoscénologie : non seulement le corps est pensée, mais
il donne à penser, en l’occurrence la condition du
corps noir.
Autre paramètre, c’est le facteur économique,
lequel a aussi une incidence culturelle. Il faut savoir
que la richesse du Brésil n’est pas répartie de la
même façon sur le territoire. Il y a des régions riches
vers le sud et notamment le sud-est où l’on trouve
Rio et Sao Paulo, et des régions pauvres, voire très
pauvres, dans le nord et le nord-est. Salvador fait
partie des villes les plus pauvres. Le chômage y est
extrêmement élevé. Et cette donnée économique
11
A ce sujet lire: Amindo Biao, « Teatro e negritude na Bahia » in Trilogia do
Pêlo de Marcio Meirelles; Catarina Sant’Anna, « Dramatis/Cidade : uma poética
do espaço na « Trilogia do pelô » do Bando de Teatro Olodum. », Anais do
congresso brasiliero de pesquisa de pos-graduaçao em artes cênicas, setembro 1999.
49
va se refléter dans le paysage culturel et artistique.
Ainsi, il n’y a aucun festival organisé à Salvador,
quand beaucoup d’autres villes du Brésil, fortes
économiquement, attirent des sponsors brésiliens
et étrangers. Car en effet, la quasi totalité du
financement des événements culturels se fait par
sponsoring. L’état incite l’investissement privé par
la loi dit « Rouanet » qui permet aux entreprises
ou aux individus de déduire partiellement ou
totalement de leurs impôts sur le revenu, le montant
investi dans un projet culturel approuvé par le
ministère de la culture. Cette privatisation des
institutions culturelles rapproche plus le système
culturel brésilien du système états-uniens que de
celui de la France. L’aspect négatif de ce mécanisme
est que le choix des projets est plutôt orienté par
l’intérêt financier des entreprises et non pas par
l’intérêt du public : la concentration de 77%12 des
investissements dans la région du sud-est, qui a le
plus fort pouvoir économique du pays, se fait au
détriment des autres régions et au détriment du
théâtre expérimental, au profit du théâtre
commercial. Par ailleurs, la monnaie du Brésil est
faible sur le plan international, ce qui empêche
beaucoup d’artistes brésiliens de partir donner des
spectacles à l’étranger, et ne permet pas aux
structures brésiliennes d’inviter de nombreux artistes
étrangers. Cette difficulté est très présente à
Salvador, moins à Rio et Sao Paulo.
Proportionnellement, Rio et surtout Sao Paulo sont
ouvertes à l’art contemporain, quand Salvador est
plus fermée sur l’art traditionnel, plus régionaliste.
De fait, l’absence de festival de théâtre international
à Salvador ne permet pas aux compagnies de théâtre
de rencontrer des compagnies étrangères et
d’échanger leur expérience. Quant au public, il faut
savoir que les classes défavorisées sont exclues en
grande partie du marché des arts du spectacle, soit
en raison du prix des billets, soit en raison du prix
du transport pour se rendre jusqu’à la salle de
spectacle, soit encore par un manque d’informations
et d’habitudes à assister à des spectacles. Le fait est
que les classes défavorisées ne fréquentent quasiment
pas les théâtres en France, mais le théâtre leur est
financièrement plus accessible qu’au Brésil sauf à
50
la limite lorsque certains spectacles sont accessibles
à partir du moment où l’on apporte un litre de lait
ou un sac de riz. Par contre, le théâtre de rue qu’est
à sa manière le carnaval permet une accessibilité
complète aux pauvres. Quand cent vingt mille
personnes sont attendues dans les rues à Rio ou à
Sao Paulo, on estime à deux millions le nombre de
personnes à Salvador, dont la moitié de touristes,
soit tout de même un tiers de la ville de Salvador13.
Ceci dit, il faut sans doute retirer tous ceux qui
« travaillent » : les glaneurs de canettes vides par
exemple, qui revendront leur butin aux entreprises
de recyclage. Bref, hormis les sponsors privés, le
tourisme est la manne providentielle de Salvador
en matière culturelle. On voit ainsi des terreiros,
c’est-à-dire des lieux de culte pour le candomblé,
s’ouvrir aux attitudes iconoclastes des touristes,
assouplir leurs règles, tandis que certains terreiros,
souvent dans des quartiers plus pauvres et
dangereux, mais aussi par volonté de préserver le
rituel, ne permettent pas aux touristes de venir, si
ce n’est en étant conviées par des filles et des fils
de saints et en respectant strictement le rituel.
Autre paramètre en effet, le religieux. Ce n’est
pas pour rien que le pape a été faire une promenade
de santé au Brésil. Le Brésil est le pays avec le plus
grand nombre de chrétiens au monde. L’Eglise
Universelle possède une chaîne de télévision
publique qui montre les marches pour Jésus, les
messes organisées dans les stades, etc., et possède
des temples monumentaux. C’est assez
impressionnant compte tenu de la misère qui règne
par ailleurs. Ainsi, plus qu’en France, la religiosité
et les croyances s’affichent : on verra tous les
joueurs de foot ou l’arbitre se signer avant le match
et à la fin du match, et quand il y a une session de
pénaltys, on voit les deux équipes dire chacune de
leur côté des Ave Maria afin que le sort tourne en
leur faveur. Et au-delà de la chrétienté, on trouve
notamment à Salvador, les croyances sur lesquelles
repose le candomblé. Ainsi, il m’est arrivé de voir
12
D’après une Etude du marché des arts du spectacle au Brésil réalisée
pour le Ministère du patrimoine canadien, en 2005.
13
Ibidem.
quelqu’un se signer avant d’entrer dans la mer pour
se baigner. Signe syncrétique, puisqu’il évoque à la
fois le Christ, mais aussi Yemanja, la déesse
africaine des eaux. Cette thématique religieuse sera
très présente dans les productions culturelles
profanes, au théâtre comme au cinéma, parfois de
manière ironique. Ainsi, outre la religion instituée,
nous trouvons la superstition et la magie. Or on
pourrait croire que la magie n’est pas présente dans
la religion catholique en Europe, mais il suffit de voir
le pape bénir la photo de la petite anglaise disparue
au Portugal pour se rendre compte du contraire : le
geste de la croix censé bénir une personne peut aussi
se pratiquer sur l’image de cette personne et arriver
jusqu’à son destinataire. Bref, par rapport au théâtre,
la question serait celle-ci : comment le religieux s’y
inscrit en France et à Bahia ?14
Voilà, cette liste de paramètres donnant les
premiers éléments qui permettent une comparaison
entre les formes performatives et spectaculaires
bahianaises et françaises n’est bien entendu pas
exhaustive. J’aurais pu parler de l’incidence de
l’urbanisme, du tropicalisme, et enrichir mon
analyse d’autres pratiques performatives. Mais
cette première étape d’une recherche que je
souhaite approfondir ultérieurement montre en
quelques points l’intérêt d’une comparaison entre
les pratiques performatives et spectaculaires de
deux aires culturelles aussi différentes et présente
à mon sens quelques éléments significatifs en
développant ces trois paramètres extrathéâtraux
que sont la démographie, l’économie et le religieux,
du point de vue historique et socioanthropologique, en se reposant notamment sur
l’ethnographie et l’ethnoscénologie, avec en
filigrane la question du corps : esthétique,
politique, ludique et critique d’un coté, objetmarchandise et festif de l’autre, mystique enfin,
ces multiples dimensions pouvant se recouper en
fonction des situations.
3) Le troisième point qu’implique une
scénologie générale, c’est la non-spécialisation des
chercheurs. En effet, si la spécialisation du
chercheur est une étape dans sa carrière et une
nécessité qui répond au fait que les
ethnoscénologues tâchent de couvrir le maximum
de pratiques performatives spectaculaires et d’aires
culturelles du monde en se répartissant donc des
aires et des pratiques dont ils seront en quelque
sorte les spécialistes, il n’en reste pas moins que
pour confronter les pratiques entre elles, il est
également nécessaire d’être fin connaisseur de
plusieurs pratiques et donc de ne plus être spécialisé
dans une seule pratique. Pour ma part, après m’être
intéressé aux pratiques bahianaises, j’espère
approfondir ma connaissance lors d’un séjour plus
long, mais je ne vais pas pour autant me considérer
spécialiste, car il me semble que les
ethnoscénologues de Bahia sont les spécialistes les
plus légitimes des pratiques qu’ils côtoient ; je vais
donc partir dès ce mois d’aout 2009 dans une autre
région du monde où il n’y a à ma connaissance pas
encore d’ethnoscénologues, à savoir en Ontario au
Canada, faire l’étude de certaines pratiques
performatives et spectaculaires amérindiennes.
4) Quatrième point, la production et le partage
documentaire ethnographique. En effet, pour
enseigner et comparer ces pratiques que nous
étudions en ethnoscénologie, l’outil filmique est
des plus utiles. Or il me semble que les données
existantes (par exemple à la Maison des cultures
du monde) sont peu nombreuses et demandent à
être développées de façon importante. Lorsque
nous évoquons en cours ces pratiques, la vidéo est
un moment essentiel de transmission de nos
connaissances sur ces pratiques performatives et
spectaculaires qui ont toutes la particularité d’être
des expériences vécues sur le mode de l’action, et
non pas toujours sur le mode discursif. Il est très
difficile de faire comprendre et décrire ces pratiques
sans l’apport d’images et notamment d’images
filmiques. Cet outil est également primordial dans
la perspective qu’est la scénologie générale et
demande donc à être développé comme ingrédient
de base de la recherche. Il faudrait idéalement
rendre accessible à tous les ethnoscénologues une
base de données et d’échanges de ces données
14
Par exemple, avec le dernier spectacle de Robert Hossein - « N’ayez
pas peur », Jean-Paul II - organisé au Palais des congrès à Paris en 2007; la
pièce « Vixé Maria » qui existe depuis 10 ans à Salvador ; etc.
51
essentielles à l’enseignement comme à la recherche.
En conclusion, je voudrais féliciter l’initiative
de Nathalie Gauthard de créer à Nice une Association
Française d’Ethnoscénologie ; cela pourrait donner
l’idée à d’autres pays où les ethnoscénologues sont
présents d’en créer une au sein de leur nation
respective, et par la suite nous pourrions envisager
de fonder une Association Internationale
d’Ethnoscénologie au sein de laquelle la scénologie
générale serait une question fondamentale.
52
GIPE-CIT canta Padilla*
Armindo Bião *
RESUMO: texto teatral, elaborado no curso do semestre letivo
2008.2, da Universidade Federal da Bahia, como parte do
programa da disciplina TEA 507 Tópicos Especiais em Artes
Cênicas, Turma 01, Objetos e corpus de pesquisa em artes
do espetáculo/ etnocenologia e como produto parcial do
projeto de pesquisa Mulheres por um fio: inferno, purgatório
e paraíso no Atlântico Negro, financiado pelo CNPq com
bolsa de produtividade em pesquisa para o período de março
de 2008 a fevereiro de 2011, para ser lido em público como
atividade de extensão correlata, tendo como tema a personagem
histórica espanhola Doña María de Padilla, que se transforma
em personagem mítica do romanceiro espanhol e dos inquéritos
da inquisição ibérica, personagem teatral na Europa e, finalmente,
em entidade da umbanda brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: María Padilla; romanceiro; teatro;
umbanda.
RÉSUMÉ: texte théâtral, produit au cours du semestre 2008.2,
de l’Université Fédérale de Bahia, dans le programme de TEA
507 Thématiques Spéciales en arts du Spectacle, Groupe 01,
Objets et corpus de recherche/ ethnoscénologie, comme
produit partiel du projet de recherche Des femmes sur un fil;
enfer, pourgatoire et paradis dans l’Atlantique Noir,
soutenu par le CNPq, avec une bourse de productivité pour la
période de mars 2008 à février 2011, pour être lu devant le
public en tant qu’activté d’extension universitaire, autour du
thème du personnage historique espagnol Doña María de Padilla,
qui devient perosonnage mythique du romancero espagnol et
de l’inquisition ibérique, personnage théâtral dans l’Europe de
l’Ouest et, enfin, entitié de l’umbanda brésilienne.
MOTS-CLÉS: María Padilla; romancero; théâtre; umbanda.
ABSTRACT: theatrical text, prepared during the semester
2008.2, at Federal University of Bahia, as part of the program
of discipline TEA 507 Special Topics in Performing Arts, Class
01, objects and research corpus in performing arts /
Ethnoscenology. It is a partial result of a research project
Women by a thread: hell, purgatory and paradise in the
Black Atlantic, financed by a CNPq fellowship research for the
period from March 2008 to February 2011. The text, meant to
be read in public as an extension activity, is about the spanish
historic character Doña María de Padilla, who becomes a mythical
character of iberic romanceiro and Inquisition, a theatrical
character in Europe and, finally, an entitity in Brazilian umbanda.
KEYWORDS: María Padilla; romancero; theatre; umbanda.
Homens
(Pianíssimo) Ay! un galán de esta villa,
(sedutores, apresentando-se às mulheres)
Mulheres
(Forte) Válgame la Virgen Santa! (reagindo)
Homens
(Forte com brio) Ay! un galán de esta villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
Mulheres
(Mezzo Piano Descrescendo) Válgame la
Virgen Santa! (reagindo)
Homens
(Crescendo) Ay! un galán de esta villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
Mulheres
(Forte Staccatto) Ay! un galán de esta casa
(reagindo)
Homens
(Fortíssimo) Ay! un galán de esta villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
Mulheres
(Pianíssimo) Ay! un galán de esta casa.
(reagindo)
* Pesquisador do CNPq, Professor Titular da Escola de Teatro da UFBA,
Salvador, Bahia, Brasil
1
Primeira versão de texto dramatúrgico, para ser lido e cantado, cuja
primeira apresentação pública ocorreu em 26.11.2008, no Instituto
Cervantes, em Salvador, Bahia, no encerramento do Ciclo de Encontros
do GIPE-CIT 2008, com roteiro e dramaturgia de Armindo Bião e a
colaboração de Carmen Paternostro, Cristiano de Araújo Fontes, Daiseane
Andrade, Étoile Santos da Silva, Inès Perez Wilke, João Carlos Chaves da
Silva, Manuel Zergarra Guerrero, Maria Lúcia Pereira, Marcelo Benigno
Amorim, Marconi de Oliveira Araponga, Osvaldice de Jesus Conceição,
Rafael Rolim Farias, Sonia Costa Amorim e Marcelo Jardim (preparação
para o canto).
55
(PAUSA)
Rafael
ou 1334.
Bião
Boa noite minha gente! (para o público)
Todos
Castela, França e Bahia! (para o público)
Étoile
Vamos contar pra vocês (para o público)
Todos
uma história de Maria! (para o público)
Inès
Numa aula teatral (para o público)
Todos
de etno/ ceno/ logia! (para o público)
Guerrero e João
(Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
Osvaldice
(Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa.
(reagindo)
Bião
Nossa Maria nasceu com o nome de Mari Diaz, numa
importante família de Castela, provavelmente na
região de Palência, talvez até mesmo na localidade
de Astudillo, no norte da atual Espanha, em 1332,
Marconi
ou 1333,
Fotos de A. Bião:
Fachada do Palácio Mudéjar de D. Pedro;
56
João
Com cerca de,
Guerrero
talvez,
Marcelo
20 anos, Mari Diaz passou a ser conhecida como
Doña María de Padilla, em maio de 1352,
Marconi
quando ela conheceu o jovem Rei Don Pedro, de
Castela, que se encontrava então com apenas 18
anos incompletos.
Homens
(Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
Mulheres
(Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa.
(reagindo)
Bião
Doña María de Padilla foi amante desse Rei D.
Pedro durante nove anos, até julho de 1361, quando
morreu, com menos de 30 anos, provavelmente,
João
por conta da terrível epidemia de peste que
devastou Sevilha, inclusive os alcáceres reais, onde
viveram e folgaram Doña María e D. Pedro.
Detalhe interno de decoração;
Perspectiva interna sobre um pátio.
Mulheres
(Primeira melodia) Válgame la Virgen Santa!
(pela alma de Maria)
Marconi
Doña María, conhecida em vida como a preferida
do Rei, seria posteriormente reconhecida como
Rainha de Castela,
Marcelo
o que aconteceu um ano após sua morte,
João
quando D. Pedro declarou, com as bênçãos da Igreja
Católica,
Marconi
haver se casado com ela em segredo, em função de
razões de estado.
Foto de A. Bião:
Vista parcial da Catedral de Sevilha, em cuja cripta real repousam os despojos de Doña María de Padilla
Rafael
Nas crônicas históricas do Chanceler Ayala, que a
conhecera na corte do Rei D. Pedro, Doña Maria
aparece como
Homens
(Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa,
(reafirmando-se para as mulheres)
João
uma mulher muito discreta,
Mulheres
(Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa.
(reagindo e referindo-se a D. Pedro)
Ayala (Guerrero, escrevendo)
mujer de buen linaje, e fermosa, e pequeña de
cuerpo, e de buen entendimiento.
Carmen
O Rei D. Pedro foi o único filho legítimo de dois
primos irmãos.
57
Daise
De fato, o Rei Afonso XI, de Castela, pai de D.
Pedro, era primo carnal,
Carmen
A mãe do Rei D. Pedro, a “fermosíssima Maria”,
era irmã do Rei D. Pedro I, de Portugal.
Étoile
tanto por parte de mãe quanto por parte de pai,
Daise
O português Rei D. Pedro I é o mesmo que fizera
rainha depois de morta sua amante Inês de Castro.
Lúcia
de sua única e legítima esposa, a princesa de
Portugal, imortalizada pelos Lusíadas de Camões,
como “a fermosíssima Maria”.
Mulheres
(Piano; melodia 8) Ay! un galán de esta casa.
(reagindo e referindo-se a D. Pedro)
Osvaldice
O Rei D. Pedro viveu em constante conflito com
seus 10 irmãos por parte de pai.
Sonia
Filhos do Rei Afonso XI, de Castela, e de sua
amante Doña Leonor de Gusmão.
Inès
O Rei D. Pedro ficou conhecido, inicialmente, como
O Cruel e, depois, como O Justiceiro.
Carmen
Entre as inúmeras pessoas que ele mandou matar,
estavam:
Bião
a amante de seu pai e mãe de seus 10 meio-irmãos,
Doña Leonor de Gusmão;
João
e sua primeira esposa legítima, assim publicamente
reconhecida, a nobre francesa Blanche de Bourbon,
Guerrero
rejeitada e que teria morrido virgem.
Mulheres
(Piano; melodia 8) Válgame la Virgen Santa!
(reagindo e referindo-se a D. Pedro)
58
Marcelo
A Inês “tão linda”, que fora assassinada por ordens
do pai de seu amante real e avô do Rei D. Pedro de
Castela.
Ètoile
O desesperado Rei D. Pedro I, de Portugal, que
perdera sua preferida por ordens de seu próprio pai,
ficou conhecido como o Cru ou O Cruel e também
o Justiceiro.
Lúcia
Assim, talvez, esse infeliz rei português tenha
inspirado, ao menos em parte, seu colega,
homônimo e sobrinho espanhol, o Rei D. Pedro I,
de Castela.
Osvaldice
A preferência do Rei D. Pedro I, de Castela, por
Doña María de Padilla,
Marconi
a desgraça da rainha francesa enjeitada Blanche de
Bourbón e a guerra fratricida na descendência do
Rei Afonso XI,
João
são temas de quase vinte histórias cantadas pelo
“romancero viejo español”.
Carmen
... El Cruel Pedro llamado
Caso-se con Doña Blanca
Bião (ruídos noturnos e sussurros)
Esses romances começam a ser difundidos por toda
a Espanha e, depois, por Portugal, após o
assassinato do Rei D. Pedro, em 1369, por seu único
meio irmão que lhe sobreviveu D. Henrique, de
Trastâmara, o primeiro de uma nova dinastia em
Castela.
Todos
... El Cruel Pedro llamado
Caso-se con Doña Blanca
Fuese para Montalván
Que alli es barraganado
Con Doña Maria de Padilla
Que lo tiene enhechizado
Inès
Em quase todos esses romances cantados são
narradas crueldades do Rei D. Pedro e de sua
amante, Doña María de Padilla, sempre
apresentada como mulher traiçoeira, adúltera,
sedutora, perversa, diabólica, feiticeira.
Guerrero
fue enhechizado esta suerte
La Reina al Rey habia dado
Una cinta mucho rica
De oro muy bien labrado
Con perlas piedras preciosas
Ceñiala el rey Don Pedro
con placer, de muy buen grado
Porque se la Dió la Reina
Que del era muy amado
Inès
Doña María de Padilla
La cinta hubiera en su mano
Dió la en poder de un judio
Que era magico e sábio
Puso el ella tales cosas
Que al Rey mucho han espantado
Culebra le ha semajado
Marcelo
As reviravoltas da história e do destino, assim
como os interesses pessoais e familiares, fizeram
com que a descendência do rei D. Pedro I e de Doña
María de Padilla se unisse com a descendência de
D. Henrique, seu assassino e sucessor, gerando,
inclusive, quatro gerações depois,
Marconi
D. Isabel, a rainha católica, uma das responsáveis
por D. Pedro de Castela ser conhecido como o
Justiceiro.
Sonia
O teatro do século de ouro espanhol,
Carmen
que na verdade vai do Renascimento do Século
XVI ao Barroco do Século XVII,
Daise
daria atenção ao Justiceiro D. Pedro e à mulher
discreta e de
Guerrero
“buen entendimiento”,
Daise
que seria Doña María, como foi o caso de Lope de
Vega e Calderón.
Rafael
O teatro ganha enfim a corte e os romances se
recolhem no meio do povo pequeno das províncias,
inclusive de Portugal, que de 1580 a 1640, fazia
parte da Espanha.
Bião
O teatro e o romanceiro divulgam, assim, dois perfis
opostos de Doña María.
Carmen
Guardando o teatro o perfil da heroína, vítima
romântica de seu amor por um rei em tempos difíceis.
Étoile
E o romanceiro divulgando a história da mulher
terrível, maligna, manipuladora, entendida nos
artifícios da beleza, do amor, do sexo e dos feitiços.
59
Lúcia
É bem provável que daí tenha surgido o que ficaria
registrado pela Inquisição.
Osavaldice
De fato, os tribunais da inquisição, espanhóis e
portugueses, dos séculos XVII e XVIII, assim
registram a invocação de mulheres feiticeiras:
Feiticeira (Étoile)
Por Barrabás, Satanás, Caifás, y María Padilla con
toda su cuadrilla ablandasen el corazón del dicho...
Feiticeira (Lúcia)
Por Barrabás, Satanás y por Lúcifer/ por doña Maria
de Padilla y toda su compañia,
Narrador (Marconi)
Lembremos que de 1580 a 1640, Portugal e
Espanha formaram um só Reinado e que as línguas
e os imaginários respectivos se misturaram para a
eternidade...
Feiticeira (Marcelo)
Paloma, paloma, todos te chamam paloma, só eu
te chamo hermana senhora, pelo poder que em ti
mora. Que vás à cama de Pedro, dos lençóis lhe
faças espinhos, dos cobertores lagartos vivos, que
o espinhes e o atravesses, que não possa dormir
nem sossegar, sem que comigo venha estar.
Narrador (João)
Algumas dessas mulheres foram degredadas para
o Brasil, outras para a África, desviando-se
posteriormente também para o Brasil,
possivelmente trazendo em sua bagagem essas
invocações, como sugerem as pesquisadoras Laura
de Mello e Souza, em 1986, Marlyse Meyer, em
1993 e Monique Augras, em 2001.
Feiticeira (Osvaldice)
Eu te conjuro vinagre, pimenta e enxofre em nome
de Pedro, com três da padaria, três da cutilaria,
três do açougue, três do terreiro, três do haver do
peso, todos três, todos seis, todos nove se ajuntarão
no coração de Pedro entrarão, se mais são, ou
menos são, 56 diabos se ajuntarão, à torre do
60
Primão se treparão, nove varas de amor apanharão,
na mó de Caifás as aguçarão, no coração de Pedro
as cravarão, que não possa estar, nem sossegar, até
comigo não vir estar; Dona Maria de Padilha com
toda a quadrilha me trazeis Pedro pelos ares e pelos
ventos; Marta a perdida que por amor de um
homem fostes ao inferno, assim vos peço que do
vosso amor repartais com Pedro, que não possa
dormir, nem sossegar, até comigo vir estar.
Feiticeira (Bião)
Por aquela rua nem Pedro com o ligado do
enforcado ao pescoço, vem dizendo acode-me
Maria, não te quero acudir, valha-te Barrabás,
valha-te Satanás, e Natam, e quantos no inferno
estão, e então no teu coração se meterão, chegome ao ar, ao ar me chego, Pedro veio vir, dizendo
Maria vale-me, valha-te Barrabás, valha-te Satanás,
valha-te verdete, ó meu Deus e que é meu Príncipe,
que andas pelas encruzilhadas descasando os
casados, e ajuntando os amancebados, ajunta-me
com Pedro, Dona Maria de Padilha com toda a
quadrilha me trazeis Pedro pelos ares e pelos
ventos, Marta a perdida que por amor de um
homem fostes ao inferno, por ele ao inferno fostes,
assim se perca Pedro por mim.
Feiticeira (Sonia)
Por São Pedro e por São Paulo, por Jesus
crucificado, por Barrabás, Satanás, Caifás, e por
quantos eles são, por Dona Maria de Padilha e toda
sua quadrilha, me digas, peneira, se as ditas duas
pessoas estão presas
Narrador (Daise)
E dizia que dizia isto, para não ser morta pelo
marido, fazendo fervedouro com pedaços de pano,
coração de pombo, alecrim...
Feiticeira (Rafael)
Satanás, Barrabás, Caifás, Diabo coxo, sua mulher...
Com Barrabás, Satanás, com Lúcifer e sua mulher...
O céu vejo, estrelas acho, Senhora Santana ai que
farei que ainda hoje não vi a Pedro e Maria...
Senhora Santana, assim como o mar mareja, o céu
estreleja e o vento ventaneja, e os peixes não
podem entrar no mar sem água, nem o corpo sem
alma, assim Pedro e Maria não possam estar sem o
perdão virem a dar
Narrador (Bião)
E metia a boca na tigela, batia no chão com três
varas de marmeleiro.
Feiticeira (Carmen)
Barrabás, Satanás, Caifás, Maria Padilha com toda
a sua quadrilha, Maria da Calha com toda a sua
canalha, cavalo marinho que com pressa os traga
pelo caminho.
Narrador (João)
Jogava num fervedouro pedra d’ara, buço de lobo,
alfazema, sangue de leão, barbasco... para prender
o amante cortava um queijo de cabra em três
porções e, colocando-os à janela entre nove e dez
da noite, dizia:
Feiticeira (Bião)
Este queijinho queremos partir a primeira talhada
para Barrabás, a segunda para Satanás, a terceira
para Caifás, que todos três se queiram ajuntar
presto, e asinha e isto que pedimos nos queiram
outorgar, que Pedro nos vá a buscar e que pela
porta venha entrar, e sem nós não possa estar, e
tudo quanto Maria lhe pedir queira fazer, e
outorgar.
Narrador (Inès)
O que lembra a Marlyse Meyer as orações da cabra
preta afamada.
Narrador (Guerrero)
E assim invocava a feiticeira Antonia Maria, que
talvez se parecesse com Doña María de Padilla,
pois era mulher graciosa, de pequena estatura, alva
de rosto, e este largo, olhos pretos, e fermosos, em
sua casa em Pernambuco
Feiticeira (Carmem)
Neste portal me venho assentar, e não vejo Pedro
nem tenho quem o vá buscar, vá Barrabás, vá
Satanás, vá Lucifer, vá sua mulher, vá Maria
Padilha com toda sua quadrilha, e todos se queiram
juntar e em casa de Pedro entrar, e o não deixem
comer, dormir nem repousar sem que pela minha
porta adentro venha entrar, e tudo quanto eu
lhe pedir me queira fazer, e outorgar, e se isto
me fizerem uma mesa prometo de lhe dar.
Narrador (Bião)
Esta tradição feiticeira aparece na famosíssima
novela de Prosper Mérimée, de 1845, Carmen,
como percebeu bem Roberto Motta, em 1980.
Nas palavras de Don José:
Don José (Étoile)
Pendant mon absence, elle avait défait l’ourlet
de sa robe pour en retirer le plomb. Maintenant,
elle était devant une table, regardant dans une
terrine pleine d’eau le plomb qu’elle avait fait
fondre, et qu’elle venait d’y jeter. Elle était si
occupé de sa magie qu’elle ne s’aperçut pas
d’abord de mon retour. Tantôt elle prenait un
morceau de plomb et le tournait de tous les
côtés d’un air triste, tantôt elle chantait
quelqu’une de ces chansons magiques où elles
invoquent Marie Padilla, la maîtresse de Don
Pédro...
Don José (João)
Durante minha ausência, ela tinha desfeito a
barra de seu vestido para dali retirar o chumbo.
Agora, ela estava diante de uma mesa, olhando
dentro de uma vasilha cheia d’água o chumbo
que ela havia derretido e que ali tinha jogado.
Ela estava tão ocupada com sua magia que de
início não percebeu meu retorno. Tanto ela
pegava um pedaço do chumbo e o girava de
todos os lados com um ar triste, tanto ela
cantava uma dessas canções mágicas onde elas
invocam Maria Padilha, a amante de Don
Pedro...
Narrador (Marconi)
Outro testemunho da presença, de algum modo,
de Maria Padilha, no romantismo francês, é o
poema de Victor Hugo, de 1828,
61
Étoile
La légende de la nonne,
Marconi
que seria parcialmente adaptado para a música
popular,
Étoile
Por Georges Brassens.
Todos
Venez, vous dont l’œil étincelle
Pour entendre une histoire encor
Approchez: je vous dirai celle
De doña Padilla del Flor
Elle était d’Alanje, où s’entassent
Les collines et les halliers
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Bião
Il est des filles à Grenade
Étoile
Il en est à Séville aussi
62
Étoile
Elle fuyait ceux qui pourchassent
Les filles sous les peupliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Bião
Elle prit le voile à Tolède
Au grand soupir des gens du lieu
Comme si, quand on n’est pas laide
On avait droit d’épouser Dieu
Étoile
Peu s’en fallut que ne pleurassent
Les soudards et les écoliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Étoile
Or, la belle à peine cloîtrée
Amour en son cœur s’installa
Un fier brigand de la contrée
Vint alors et dit:
Bião
Qui, pour la moindre sérénade
A l’amour demandent merci
Bião
“Me voilà!”
Étoile
Il en est que parfois embrassent
Le soir, de hardis cavaliers
Étoile
Quelquefois les brigands surpassent
En audace les chevaliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Étoile
Ce n’est pas sur ce ton frivole
Qu’il faut parler de Padilla
Bião
Car jamais prunelle espagnole
D’un feu plus chaste ne brilla
Étoile
Il était laid: les traits austères
La main plus rude que le gant
Bião
Mais l’amour a bien des mystères
Étoile
Et la nonne aima le brigand
Bião
On voit des biches qui remplacent
Leurs beaux cerfs par des sangliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Étoile
La nonne osa, dit la chronique
Au brigand par l’enfer conduit
Bião
Aux pieds de Sainte Véronique
Donner un rendez-vous la nuit
Étoile
A l’heure où les corbeaux croassent
Volant dans l’ombre par milliers
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Bião
Or quand, dans la nef descendue
La nonne appela le bandit
Au lieu de la voix attendue
C’est la foudre qui répondit
Étoile
Dieu voulu que ses coups frappassent
Les amants par Satan liés
Todos
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
Todos
Cette histoire de la novice
Saint Ildefonse, abbé, voulut
Qu’afin de préserver du vice
Les vierges qui font leur salut
Les prieurs la racontassent
Dans tous les couvents réguliers
Enfants, voici des bœufs qui passent
Cachez vos rouges tabliers
João
Aí se conta a história de uma jovem e bela freira
espanhola, que cai em tentação amorosa, atraída
por um militar, merecendo de Deus, juntamente
com ele, a condenação eterna ao inferno e a ter
seu infeliz destino relembrado de convento em
convento, como alerta às demais jovens e virgens
freiras.
Bião
A relação da protagonista dessa canção com a
personagem histórica de Doña Maria de Padilla é
muito tênue.
Marcelo
Mas vale a pena lembrar que ela fundou o Convento
das Clarissas em Astudillo, onde viveu por algum
tempo e onde viveria e morreria freira uma de suas
filhas.
Guerrero
O conjunto arquitetônico onde viveram Doña
Maria e o Rei Don Pedro, em Astudillo, no século
XIV, atualmente restaurado, reúne;
Carmen
um museu, no que se chama o Palácio de Don
Pedro
Daise
e o convento com uma capela, onde suas imagens
aparecem num retábulo como mártires do
cristianismo e o claustro.
63
Fotos de A. Bião:
Vista parcial interna do Convento de Astudillo;
Marconi
A cidade de Astudillo é também conhecida por
seus mais de dois quilômetros de subterrâneos e
suas dezenas de bodegas, incrustadas nas pedras,
onde se produziu vinho por muitos séculos.
Rafael
Numa de suas entradas se lê infierno,
Inès
Infierno,
Guerrero
Infierno.
Lúcia
Ainda na tradição romântica, entre a Itália, a
Espanha e o Brasil, lembremos que Gaetano
Donizzetti criou uma ópera intitulada Maria
Padilla.
Osvaldice
Esta ópera teve estréia em Milão em 1841,
publicação em edição bilíngüe e temporada em
Lisboa em 1845.
Sonia
No Rio de Janeiro, em 1856, a ópera Maria Padilla
foi apresentada em espetáculo de gala no Teatro
Lírico Fluminense e também mereceu uma edição
brasileira, no Rio de Janeiro.
64
Retábulo da Capela do Convento
Inès
Aí, voltamos à Doña María discreta e amorosa
vítima do amor constante, todo o oposto de uma
feiticeira, conforme ficaria personificada pela
tradição espanhola, que produziu, entre outras, a
peça Doña María de Padilla, de Francisco
Villaespesa, de 1913.
Bião
E que mereceria duas biografias exemplares:
Inès
A da poeta Casilda Ordoñez Ferrer, intitulada María
de Padilla, esa dulce y equilibrada castellana.
Guerrero
E a de Don Carlos Ros Carballar Doña María de
Padilla, El Angel Bueno de Pedro El cruel.
Carmen
Antes de chegarmos ao Brasil, a terra da umbanda,
onde reina a pombagira Maria Padilha,
Marcelo
a linda, a gostosa, a feiticeira, a poderosa,
Marconi
A que adora rosas ver melhas, cigarrilhas e
champagne,
Rafael
passemos rapidamente pelo teatro baiano, inspirado
pela ópera de Georges Bizet e a novela de Prosper
Mérimée Carmen.
Carmen
Vamos a cantar um trechinho da Habanera,
cantada originalmente por Carmen, em sua primeira
aparição na ópera, para celebrar o amor como um
pássaro rebelde, que ninguém consegue domar, de
acordo com o libreto de Henri Meilhac e Ludovic
Halévy.
Bião
Em O Pique dos Índios ou A Espingarda de
Caramuru, montagem de A Outra Companhia de
Teatro, sobre um texto de Haidyl Linhares, no
Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, durante
quatro semanas do mês de março de 2008, assim
cantava a Professora de Música e Poeta Dona
Ambrosina Embevecida do Arcanjo e do Amor
Perfeito, que permanecia virgem, embora já
madura, por haver perdido seu noivo, ainda jovem,
num desastre de trem:
Osvaldice
Oh senhora Maria Padilha
Minha alma venha alegrar
Traga paz aqui para sua filha
Que só canta para não chorar
Amor
Amor
Amor
Amor
O amor é mais
Mais que um poema
65
Fotos: João Meirelles
(em todas as fotos: Prêmio Braskem dos Melhores do Teatro Baiano de 2008, na categoria Ator Coadjuvante, por esse trabalho, Armindo Bião,
cuja personagem invoca Maria Padilha; em uma foto com Amós Heber e em outra com Haydil Linhares)
Espetáculo: O Pique dos Índios ou A Espingarda de Caramuru, de A Outra Companhia de teatro, grupo residente do Teatro Vila Velha;
Temporada: 16 apresentações ao longo de quatro semanas, de quinta-feira a domingo, às 20h, durante o mês de março de 2008, no Teatro Vila
Velha, em Salvador, Bahia, Brasil, para público estimado de 1.500 espectadores; Texto: Haydil Linhares; Direção: Vinício de Oliveira Oliveira;
Cenário: Lorena Torres Peixoto; Figurino e maquiagem: Luiz Santana; Iluminação: Rivaldo Rio; Coreografia: Jairson Bispo; Direção
musical: João Meirelles; Preparação e arranjo vocal: Marcelo Jardim; Produção: Eddy Veríssimo; Indaiá Oliveira; Luiz Antônio Jr.; Realização:
A Outra Companhia de Teatro; Baobá Produções Artísticas; Teatro Vila Velha; Funarte/ MinC; Patrocínio: Petrobrás; Elenco: AC Costa; Amós
Heber; Armindo Bião; Ava Soani; Camilo Fróes; Chica Carelli; Érica Ribeiro; Haydil Linhares; Indaiá Oliveira; Jéferson Dantas; Luiz Antônio
Jr.; Manuela Santiago; Rita Carelli; Roquildes Júnior; Thaís Rissi.
66
Daise
A Maria Padilha, conhecida no Brasil e nos países
vizinhos da América do Sul, é a rainha das
encruzilhadas, das pombagiras e dos exus.
Fotos de A. Bião:
Esquinas de ruas espanholas com seu nome: em Astudillo e Sevilha: encruzilhadas; o nome da rua em Sevilha fica no muro da antiga fábrica de
tabacos (onde teria trabalhado a Carmen da novela e da ópera), hoje Universidade de Sevilha
João
Parenta próxima do grego Hermes Trimegisto, o
três vezes grande, o que ajuda os homens a
compreenderem o que lêem
Marconi
realizado com alunos do Bacharelado em Artes
Cênicas, com Habilitação em Interpretação Teatral,
da Escola de Teatro da UFBA.
Étoile
E do romano Mercúrio, o dos pés e do capacete
alados, que rege o comércio e as artes.
Étoile
Aí voltamos à tradição do romanceiro ibérico
Guerrero
Assim, meio deus, deusa, diabo e criança, rainha,
prostituta e travesti, nossa Maria Padilha é
Lúcia
a encantada pombagira, exu fêmea, como sua outra
variante,
Marcelo
a Nega de Um Peito Só, que aparece em diversos
folhetos de cordel brasileiros, um dos quais, de José
Costa Leite, O encontro de Lampião com a
Negra Dum Peito Só, adaptado para o teatro, em
2001, para o espetáculo Isto é bom!,
Lúcia
que usa a rima e o metro da poesia de fácil
memorização,
Rafael
a musicalidade, enfim, para contar histórias,
Osvaldice
para narrar e representar
Bião
Viabilizando, enfim, a experiência do teatro épico
narrativo e crítico, ao lado do teatro dramático, da
identificação e da reflexão dos atores sobre si
próprios como pessoas,
67
Inês
em relação a questões, como, por exemplo, do
machismo e do racismo.
Carmen
Maria Padilha e a Nega de Um peito Só são a mesma
encarnação do feminino, sexualizado, como a
tentação diabólica,
Rafael
são a personificação da natureza sensual e sensível,
do prazer, do gozo.
Bião
Vamos ouvir a história
da velha Rita Gogó
afamada e respeitada na arte de catimbó
dando toda explicação
e a Luta de Lampião
com a Negra dum Peito Só.
Carmen
Sabemos que Lampião
na fama de cangaceiro
o seu nome amedrontou
o Nordeste Brasileiro
com repercussão tamanha
a sua grande façanha
assombrando o mundo inteiro.
No ano de 32
o bandido Lampião
andava pelo Nordeste
de bacamarte na rnão
dizendo:
João
ninguém me zangue
Étoile
A velha Rita Gogó
residia no sertão
era bamba no feitiço
e o povo da região
sem ter compaixão nem dó
mandava fazer catimbó
para matar Lampião
Guerrero.
E a velha começou
fazendo uma panelada
pra botar pra Lampião
ali, numa encruzilhada
numa noite sem ter lua
e a panelada sua
foi ficando preparada.
Lúcia
Dentro da panela dela
tinha um rabo de tatu
uma unha de macaco
um bico de urubu
uma pena dum vira-bosta
uma pimenta da costa
e um casco de aratu.
Marcelo
Alecrim de taboleiro
duas gias num cordão
duas penas de macuca
duas pedras de carvão
duas unhas de veado
dois chifres de amancebado
e dois cavalos do cão.
Daise
gravando o nome com sangue
na história do sertão.
68
Osvaldice
Três canelas de defunto
3 pés de capim assu
3 galhos de pinhão roxo
3 escamas de mussu
3 galhos de mussambê
3 bicos de zabelê
e 3 penas de jacu.
Marconi
Quatro rabos de arraias
4 pés de siriema
4 maracais de cobra
4 folhas de jurema
4 caveiras de gente
4 dentes de serpente
e 4 penas de ema.
Sonia
Cinco bicos de socó
5 costelas e um papo
5 folhas de maconha
5 cabelos de sapo
5 grilos encangados
5 vidros preparados
do suco do genipapo.
Lampião ia passando
e viu a velha abaixada
fez logo o pelo sinal
e deu uma gargalhada
então perguntou de cá
dizendo:
João
Quem está lá?
Rafael
A oração do sapo-seco
ela rezou com cautela
benzeu com a mão esquerda
e depois botou na panela
o suco de um pepino
a raspa do som do sino
e o leite da favela.
Inès
Rezou mais a oração
da cabra preta falada
e a de São Cipriano
e foi com a panelada
muito contente e faceira
numa noite de sexta-feira
botar numa encruzilhada.
Bião
A meia noite em ponto
ela levou a panela
botou na encruzilhada
e acendeu uma vela
benzeu sua panelada
e ficou ali abaixada
rezando as orações dela.
Carmen
e a negra ficou calada.
João
Se não falar eu atiro!
Carmen
Lampião disse em seguida:
a velha pensou consigo
Daise
já vi que estou perdida
Guerrero
e logo com medo dele
pensou.
Daise
Eu vou botar ele
num beco sem ter saida.
Marcelo
A velha se levantou
com a panela na mão
e foi se aproximando
rezando uma oração
e com toda astúcia dela
quiz rebentar a panela
na cara de Lampião.
Marconi
Lampião chegou pra perto
e deu-lhe um murro danado
que a velha caiu no chão
69
e ele já preparado
com o maior ódio dela
meteu o pé na panela
foi caco pra todo lado.
Étoile
A velha se levantou
e passou-lhe uma rasteira
que Lampião quase cai
mas puxou logo a peixeira
e disse:
João
Ninguém te aconselha
Carmen
entiado de Canguinha
o cachimbo dela tinha
5 palmos de canudo.
Étoile
E com 2 meses depois
o feitiço estava feito
examinou com cuidado
e viu que estava perfeito
ficou contente na hora
dizia a velha:
Rafael
cortou logo uma orelha
da velha catimboseira.
Lúcia
Com a orelha cortada
a velha Rita Gogó
saiu em toda carreira
gritando de fazer dó
vermelha igual uma brasa
e quando chegou em casa
remexeu no catimbó.
Bião
Preparou a buginganga
com água do oceano
e terra do cemitério
pimenta, arruda e tutano
mexeu durante 3 meses
ferveu a água l0 vezes
e depois coou num pano
Carmen
Ela deu 3 fumaçadas
no cachimbo Sabe-Tudo
e ajoelhou-se chamando
o seu guia
Daise
Zé Bochudo!
70
Daise
Eu agora
desgraço aquele sujeito.
Guerrero
Lampião pegou sentir
uma dor no mocotó
e cada dia que passava
ia ficando pió
Lampião desmantelou-se
e uma noite encontrou se
com a Negra dum Peito Só.
Lúcia
Era uma negra feia
banguela, só tinha um dente
do cabelo arrepiado
parecia uma serpente
imitava ao Capeta
Bião
Eta racismo porreta!*
Lúcia
alem de feia e cambeta
tinha um peito somente.
* Este verso, em negrito e em itálico, assim como mais dois, também em
negrito e itálico, mais à frente, referentes à esma questão do racismo, foi
acrescido ao texto original do folheto, por inspiração de Bertolt Btecht,
Oscarito e Hugo Pozzolo, no intuito de fortalecer o caráter épico
crítico da encenação, do jogo e do trabalho dos atores.
Marcelo
Era um peito bem grande
igual a um mamão caiana
com 5 quilos ou mais
o Lampião não se engana
disse:
João
Esta negra é o diabo
eu vou arrancar-lbe o rabo
pra fazer ponche com cana.
Guerrero
la atravessando um rio
a uma distância pouca
viu a negra e ela disse:
Bião
Por você eu vivo louca
já que a hora é chegada
lave a boca bem lavada
e venha beijar minha boca
Bião
Quer ou não quer?
deixas de cavilação
eu vim pra você mamar
você deve aproveitar
esta boa ocasião.
Sonia
Lampião lhe disse assim:
João
Me respeite negra safada
eu não sou de sua iguala
eu dou-lhe é uma braçada
veja que sou Lampião
cangaceiro do sertão
sujeito da vida errada.
Inès
Lampião dizendo assim:
a negra disse:
Bião
Sujeito:
Não me troco por você
me trata com mais respeito
segure o chapéu na mão
peça desculpa e perdão
e venha mamar no meu peito
Osvaldice
Lampião disse:
João
Te dana!
negra feia desgraçada
não gosto de negra moça
quanto mais velha e pelada
Bião
ê coisa racista danada
João
é bom que não te esqueça
de ti só quero a cabeça
pra eu fazer garrafada.
Carmen
Ela balançava o peito
pro lado de Lampião dizendo:
Osvaldice
Lampião deu-lhe uma tapa
que a negra caiu lá fora
mas se levantou e disse
Bião
Hoje chegou sua hora
nunca apanhei de ninguém
sou pió do que o trem
você me paga é agora.
Fique sabendo qu’eu sou
urna negra de respeito
você desmoralizou-me
vai sofrer de qualquer jeito
com sua imbecilidade
71
por gosto ou contra a vontade
tem de mamar no meu peito.
Carmen
Botou o peito pra fora
que parecia uma jaca
Lampião se afastou
e pegou no cabo da faca
dizendo:
João
Daí pra traz
Carmen
a negra disse:
Étoile
Lampião lhe disse assim:
João
Negra imunda desgraçada
deixe de tanto cinismo
cachorra velha pelada
eu te matando, bandida
é uma bala perdida
porque tu não vales nada.
Marcelo
Disse a Negra:
Bião
Rapaz você está feito vaca?
Daise
Lampião disse:
João
Moleca
eu peso igualmente o trem
Guerrero
disse a negra a Lampião
Bião
Pois é como cá também
porque com macho safado
eu sempre tenho tirado
as manhas que ele tem.
E você vai mamar apulso
veja que sou eu que quero
e é pra vir mamar mesmo
faz dias que lhe espero
você diz que tem coragem
se não mamar com vantagem
em nada lhe considero.
Há dias que venho atraz
do famoso Lampião
Pernambucano valente
72
o assombro do sertão
pió do que satanaz
pra eu tirar seu cartaz
e a fama de valentão.
Bião
Não se faça
de valente nem manhoso
você tem nojo de mim
mas o meu peito é cheiroso
deixe de beocidade
pode mamar a vontade
meu leite é doce e gostoso.
Marconi
Lampião se aproximou
de bacamarte na mão
a negra deu-lhe um bofete
que ele caiu no chão
e quando ele tombou
a negra se escanchou
nas costas de Lampião.
Dizendo:
Bião
Eu vim vencê-lo
por força de catimbó
e fazer toda vingança
da velha Rita Gogó
hoje chegou sua hora
você vai mamar agora
na Negra dum Peito Só.
Rafael
Lampião ficou tremendo
devido a conversa dela
nunca ninguém lhe fizera
uma proposta daquela
inda sendo um valentão
e logo ali Lampião
começou fitando ela.
Disse a negra:
João
Negra danada
você me paga é agora
de você pode vir dez
Étoile
a negra meteu-lhe os pés
que ele caiu lá fora.
Osvaldice
Foi serrado o tiroteio
bala vinha e bala ia
o fumaceiro cobriu
ninguém ali se rendia
Lampião metia bala
negro caía sem fala
e nem a pestana batia
Bião
É isso mesmo
diga se mama ou não mama
se não quiser, mama apulso
porque esse é meu programa
dizem que você é mau
hoje, debaixo do pau
você mama e não reclama.
Lúcia
Chegou o diabo Cambeta
e trouxe a negra Carijó
e o diabo Três Contigo
irmão de Forrobodó
o negro gritou de lá
Marcelo
Lampião vai mamar já
na Negra dum Peito Só.
Carmen
Ela começou a fumar
no cachimbo Sabe-Tudo
era um cachimbo que tinha
5 palmos de canudo
ali foi se ajoelhando
na mesma hora chamando
o seu guia
Bião
Zé Bochudo!
Daise
A negra botou o peito
na boca de Lampião
Lampião deu-lhe um murro
com toda força da mão
ela deu um grito rouco
e quando afracou um pouco
ele tomou posição.
Rafael
Lampião se escanchou
na negra na mesma hora
dizendo:
Marconi
A negra Carijó tirou
um cabelo do corpo dela
não sei se foi da pestana
do umbigo ou da “titela”
e avançou pra Lampião
com o cabelo na mão
mas Lampião chutou ela.
Sonia
A negra tirou a saia
e fez um sassaricado
quando puxou o facão
Lampião pulou de lado
dizendo:
73
João
Negra safada
eu sou bamba na brigada
e o meu braço é pesado.
Guerrero
Veio a negra Maricota
da bunda de tanajura
com uma mão de pilão
e um facão na cintura
era uma negra até boa.
de vez em quando atirava
na cara de Lampião.
Lampião já enfadado
lutava muito cansado
da grande revolução.
Bião
O racismo aqui voa!
Guerrero
vinha igualmente uma leoa
quando sai da furna escura.
Carmen
Lampião viu um moleque
por traz dum muro atirando
Lampião atirou nele
que ele caiu berrando
ficou ciscando e tremendo
chorando e se maldizendo
sorrindo e assobiando
Inès
Cambeta partiu danado
Lampião deu-lhe um soco
que ele subiu 10 metros
e caiu sentado num toco
se acabou em seguida
pois quando cuidou na vida
a metade estava oco.
Marconi
Diabo Cueca Suja
chegou trazendo um chicote
dizendo assim:
Rafael
Lampião
você hoje errou o bote
Carmen
Lampião estava louco
deu-lhe um monstruoso soco,
que ele saiu de trote.
Daise
Cara Preta e Rabo Fino
armados de mosquetão
74
Étoile
A Negra dum Peito Só
chegou como um furacão
querendo botar o peito
na boca de Lampião
pra fazer ele mamar
ele quiz lhe segurar
ela deu-lhe um empurrão.
Guerrero
Já tinha morrido diabo
de causar tristeza e dó
outros fizeram carreira
que subiu nuvem de pó
no meio da confusão
ficou somente Lampião
com a Negra dum Peito Só.
Lúcia
Lampião agarrou a negra
com toda disposição
quando puxou o punhal
a negra entrou em ação
disse:
Bião
Vou borrar seu mapa
Marcelo
na cara deu-lhe uma tapa
e tomou-lhe o punhal da mão.
Carmen
Caveirinha vem tomar xoxô
Caveirinha vem tomar xoxô xô
Lúcia
Era uma luta danada
que só mesmo o leitor vendo
Lampião dava e levava
cada bofete tremendo
e a negra desgraçada
ficou com a cara inchada
e a munheca doendo.
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Marconi
Lampião pegou a negra
sem ter compaixão nem dó dizendo:
João
Arranca toco vem tomar xoxô
Arranca toco vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
João
Eu não acredito
em feitiço nem catimbó
Marcelo
Sete facadas vem tomar xoxô
Sete facadas vem tomar xoxô xô
Marconi
veloz como um furacão
tomou o punhal da mão
da Negra dum Peito Só.
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Guerrero
Rompe nuvem vem tomar xoxô
Rompe nuvem vem tomar xoxô xô
Osvaldice
A negra deu uma dentada
na venta de Lampião
depois um galo cantou
e ela ficou sem ação
na vista dele despiu-se
deu um estouro e sumiu-se
sem deixar sinal no chão.
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Bião e Marconi
Tibiriri vem tomar xoxô
Tibiriri vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Labareda vem tomar xoxô
Labareda vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Osvaldice
Pombagira vem tomar xoxô
Pombagira vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
75
Lúcia
Lucifer vem tomar xoxô
Lucifer vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Sonia
Lebara vem tomar xoxô
Lebara vem tomar xoxô xô
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
DONIZETTI. Maria Padilla: melodrama em 3 actos para
se representar no R. T. São Carlos. Edição bilíngüe, em
italiano e português. Lisboa: Typographia de P. A. Borges
[Rua d’Oliveira (ao Carmo) No. 65], 1845.
FERRER, Casilda Ordoñez. María de Padilla, esa dulce y
equilibrada castellana. In Publicaciones de la Institución
Tello Téllez de Meneses 36, 1975, p. 89.105.
LEITE, José Costa. O encontro de Lampião com a Negra
Dum Peito Só. [Folheto de cordel]. Condado, PE: [S. L.], [S.
N], [S. D.].
MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda sua quadrilha: de
amante um rei de Castela a Pomba-Gira de Umbanda. São
Paulo: Duas Cidades, 1993.
MÉRIMÉE, Prosper. Carmen et treize autres nouvelles.
Paris: Gallimard, 1965.
Daise
Dona da casa vem tomar xoxô
Dona da casa vem tomar xoxô xô
MOTTA, Roberto. Transe, Possessão e Êxtase nos Cultos
Afro-brasileiros do Recife. In: CONSORTE, Josildeth
Gomes; COSTA, Márcia Regina da (Org.). Religião, política, identidade. São Paulo: EDUC, p. 109-120, 1988.
Todos
Maria Padilha vem tomar xoxô
Maria Padilha vem tomar xoxô xô
Étoile
Tranca rua vem tomar xoxô
Tranca rua vem tomar xoxô xô
PIDAL, Ramón Menendez. Romancero Hispânico:
hispamo-portugués, americano y sefardí – teoría e historia.
Madrid: Espasa-Calpe, 1968.
Todos
Rosedá
Referências
AUGRAS. Monique R. Maria Padilla, reina de la magia. In:
Revista Española de Antropología Americana, n. 31.
Madrid: [s. n.], p. 293-319, 2001.
CARMEN. Direção: Giorgio Crocci. Produção: Wolfgang
Werner. Intérpretes: Malgorzata Walewska, Mario Malagnini e
outros. Libretto: Henri Meilhac; Ludovic Halévy. Música:
Georges Bizet. St. Margarethen: Movieplay Music, c 1998, 1
DVD (80 min), NTSC, widescreen 4X3, color.
CAROSO, Carlos; RODRIGUES, Núbia. Exus no Candomblé de Caboclo. In: PRANDI, Reginaldo (Org.). Encantaria
brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de
Janeiro: Pallas, p. 331-362, 2004.
DÍAZ-MAS, Paloma (Ed.). Romancero. Barcelona: Crítica,
2001.
76
DONIZETTI, musique de. Maria Padilla: opéra italien.
Paris: Paris, Schonenberger, 18—].
ROIG, Mercedes Díaz. El Romancero viejo. 23. ed. Madrid:
Cátedra, 2007.
ROS, Carlos. Doña María de Padilla: el ángel bueno de
Pedro el Cruel. Sevilla: Castillejo, 2003.
SANTOS, Percília de Jesus. Percília de Jesus dos Santos:
entrevista [set. 2008]. Entrevistador: Armindo Bião. Salvador:
2008. MP4 (3 min).
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz:
Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1986.
VILLAESPESA, Francisco. Doña María de Padilla: drama
histórico en tres actos y en verso. Madrid : Renacimiento,
1913.
Sites consultados
http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:D%C3%B3nde_vas_Alfonso_XII.png acesso em 7 de
janeiro de 2009.
http://www.dailymotion.com/video/x3znop_brassens-lalegende-de-la-nonne-rep_music acesso em 7 de janeiro de
2009.
http://www.abc-lettres.com/legende-nonne/poeme.html
acesso em 7 de janeiro de 2009.
IMAGENS DA LEITURA DRAMATIZADA DE GIPE-CIT CANTA PADILLA
Cortesia de Isa Trigo e Inès Perez Wilke
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Carmen Paternostro
Osvaldice Conceição e Inès Perez Wilke
Marconi Araponga, Marcelo Benigno, Manuel Guerrero e Rafael Rolim
Osvaldice Conceição, Inès Perez Wilke e Lúcia Pereira
Carmen Paternostro, Osvaldice Conceição e Inès Perez Wilke
Sonia Amorim, Daiseane Andrade e Étoile Silva
Armindo Bião, João Silas, Marconi Araponga, Marcelo Benigno, Manuel Guerrero, Rafael Rolim, Carmen Paternostro e Osvaldice Conceição
77
CEIBA danza Lorca El poeta y
los sones negros: de El Rey de
Harlem a Los Negritos sin
drama
Jesús Cosano Prieto *
RESUMEN: Script para un espectáculo coreográfico de danza
flamenca, sobre el impacto de la cultura afro-americana de los
Estados Unidos y Cuba en la vida y obra del poeta Federico
García Lorca (1898 / 1936).
PALABRAS-CLABE: Lorca; flamenco, cultura afro-americana.
RESUMO: Dramaturgia para espetáculo coreográfico de dança
flamenca, tendo como tema o impacto da cultura afro-americana
dos Estados Unidos e de Cuba na vida e obra do poeta Federico
Garcia Lorca (1898/ 1936).
PALAVRAS-CHAVE: Lorca; flamenco, cultura afro-americana.
ABSTRACT: Dramaturgical papper and choreographic play
for a flamenco dance show on the overwhelming impact of
afro-american culture, from US and Cuba, on poetry and life of
Federico Garcia Lorca (1898/ 1936).
KEYWORDS: Lorca: flamenco; afroamerican culture.
Espectáculo de imágenes, música y danza,
basado en la impresión que Federico García Lorca,
recibió cuando en su viaje (a Estados Unidos
primero y a Cuba después), descubre al pueblo
negro y su cultura.
Lorca, que llevaba ya en su ser dos culturas
ancestrales, la andaluza y la gitana, descubre la
cultura negra en sus vertientes afroamericana y
afrocubana. Y percibe que la cultura negra tiene
elementos y similitudes con la gitana que podrían
enriquecer, complementar, lo hispano: la música,
el ritmo, la oralidad..., la condición humilde y
marginal de las dos culturas, la coincidencia del
nacimiento en la misma época, finales del XIX, de
tres músicas que nacidas en la marginalidad y
prohibidas en sus comienzos con el paso del tiempo
78
se convertirán en patrimonio musical de la
humanidad; el son cubano, el flamenco y el blues.
Lorca, se convierte en un puente de transición entre
ambos, en él se fusionan tres culturas, la blanca, la
gitana y la negra.
El espectáculo que proponemos estará
inspirado en la influencia que la música de los
negros produjo en Lorca y a través de ella y
apoyada en sus textos y en el de otros autores,
realizar una recreación sobre su desarrollo y las
posibles influencias de las músicas de origen
africano en el flamenco.
Descartamos premeditadamente el resto de
estudios e intereses del poeta en ese tiempo: sus
creaciones, las conferencias, sus impresiones de las
ciudades y personajes, el momento histórico por el
que estaba pasando América en esos años, etc.,
para ceñirnos exclusivamente en las impresiones
que la música y la danza de los negros del “norte y
del sur”, produjeron en Federico Gracía Lorca.
El espectáculo recorrerá la llegada de Lorca a
Nueva York, su descubrimiento de la negritud y
continuará con el viaje a Cuba que inmediatamente
después realizó.
Estará apoyado en imágenes antiguas y en
textos y poemas del propio Lorca, Langston Huges,
Nicolás Guillén, Cabrera Infante, Gastón Baquero,
Miles Davis, Fernando Ortíz, Juan Marinello,
Rolando A. Perez, Lydia Cabrera y Concha
Zardoya. Asimismo, contará con la colaboración
recitando los poemas de Gastón Baquero, del poeta
* Director de la Fundación de Cultura Afrohispanoamericana, CEIBA,
Espanha
cubano Bladimir Zamora y del músico español
Santiago Auserón.
La música será toda creada nueva
específicamente para este espectáculo. Serán la
compositora y cantaora flamenca Lola Molina y el
propio Juan de Juan, sus creadores. Todos los temas
serán interpretados y tocadas en directo por un
grupo de músicos de jazz formado entre otros por
Jerry Gonzalez, Alaín Pérez y Antonio Serrano.
Además se utilizará música grabada antigua de los
inicios del blues y jazz, música tradicional cubana
y música flamenca. Sevilla, 31.1.2008
BALLET JUAN DE JUAN
Presenta: EL POETA Y LOS
SONES NEGROS
Mi corazón se encoge y luego crece antes
de volverse a encoger.
Con el flamenco sucede lo mismo que con
mi música…,
...esta música sale también del alma, del
pasado, de mil vidas: es sentimiento.
El flamenco es como el blues...
Por eso yo siempre me he acercado a él
con respeto, con muchísimo respeto.”
Miles Davis
Inmediatamente después del texto de Miles
Davis se proyecta en la pantalla en blanco y negro
fragmentos de imágenes y música de los viejitos
del blues, del documental de Scorsese, flauta, baile
y percusión.
-Tiempo 1 ó 2 minutos
De El Rey de Harlem a los
Negritos sin Drama
Idea original: Jesús Cosano Prieto
Coreografías y música: Juan de Juan
Composición musical: Lola Molina
Asesoría Científica: María Paz Moreno
(Universidad Ohio State)
Colaboraciones especiales: Bladimir
Zamora; Santiago Auserón; Jerry Gonzalez
***
ESCENA PRIMERA
Escenografía.
Espacio limpio, oscuridad total, fondo de
pantalla.
Poco a poco aparece este texto de Miles Davis:
“Cuando toco aquí (en España) siento
una sensación muy especial.
Hay algo en este país que me llega hondo.
A veces, cuando oigo f lamenco, me
arrodillo.
...Continua la escena y en la oscuridad total
se proyectan en pantalla las imágenes siguientes
acompañadas de blues de los más añejos (prisión),
en una primera parte y en la segunda coincidiendo
con las imágenes de música, bandas de blues.
(“imágenes antiguas de archivos de J. C., de la
población negra en USA y Caribe)
Duración 2- 4 minutos
…………………………………
Al finalizar las imágenes y la música, en
silencio vuelven a aparecer
las primeras imágenes de los negros del
principio alternadas y “fundiendose” con los
viejitos de Triana Pura y Pura.
20-30 segundos de duración.
A continuación desde el silencio de la sala nace
o se hacen uno de los gritos más desgarradores del
flamenco (de la Niña de los Peines)
En la pantalla a la vez lentamente aparece el
siguiente texto:
79
“El grito extraño salvaje de su flamenco
era para mí
muy parecido al primitivo blues negro del
Sur más profundo”
Madrid, 1937
Langston Hughes sobre Pastora Pavón “
La Niña de los Peines”
Finalizado el grito de La N. De los P.,
acompañado de gritos del primitivo blues a la vez
el escenario oscurece y finaliza la primera escena.
ESCENA SEGUNDA
Coreografia de N. Y. De la época. Imágenes,
que permitan sentir que se está en aquella ciudad
metido en el ambiente de los negros.
No tiene que ser algo necesariamente de
cabaret, aunque la atmósfera que se respire si debe
acercar al espectador a ello.
Llegada de Lorca a N. Y.
Lorca descubre a la población negra y su
cultura. Su música.
En pantalla aparece el texto de la carta de
Federico García Lorca
a su familia desde Nueva York:
En casa de Nella Larsen, “los negros cantaron
y bailaron” …
¡Pero qué maravilla de cantos!
Sólo se puede comparar con ellos el cante
jondo…
Federico García Lorca, 1929, N.Y.
Se escuchan cantos antiguos de blues, durante
10 segundos aproximadamente.
Entra inmediatamente después (o enlaza),
Juan de Juan que empieza a bailar en principio
sólo con la música en directo que será
80
prioritariamente de jazz y blues y que darán pie a
fusionar el cante de las voces flamencas con la
instrumentación. Después entran las voces
flamencas cantando el poema:
De España a Alabama (Bulerias)
Concha Zardoya
¿Adónde ha ido la gente,
que ya no canta
su flamenco?
La gente
no ha ido a ninguna parte:
todavía canta
su flamenco.
¿Adónde ha ido la gente,
que ya no canta
su blues?
La gente
no ha ido a ninguna parte:
todavía canta
su blues.
… y aquí Juan de Juan…
Juan baila jazz, blues, junto a los
instrumentos primero y después la voz de cante
jondo como si fuera Lorca percibiendo, sintiendo
y escuchando sus primeros cantos en casa de
Nela Larson
Hacia el final de la escena el blues y el jazz
se van apagando y entra con Juan en escena la
voz de L. H. recitando “El negro habla de los
ríos” a la vez que en la pantalla aparece el texto
en castellano.
Inmediatamente después las voces flamencas
y Juan interpretan
con el más rancio flamenco el poema:
EL NEGRO HABLA DE LOS
RÍOS (Soleá por bulerías)
Langston Hughes
He conocido ríos:
He conocido ríos antiguos como el mundo y
más viejos que el
flujo de sangre humana en las humanas venas.
Mi alma se ha hecho profunda como los ríos.
Me bañé en el Eúfrates al comienzo de los
amaneceres.
Me construí una cabaña cerca del Congo que
arrullaba mis sueños.
Miré hacia el Nilo y sobre él alcé las pirámides.
Oí el canto del Mississippi cuando Abe
Lincoln
bajó a Nueva Orleans, y vi su embarrado
pecho tornarse dorado al amanecer.
He conocido ríos:
Ríos antiguos, oscuros.
Mi alma se ha hecho profunda como los ríos.
Fin de la segunda escena.
ESCENA TERCERA
Aparece en pantalla el texto de Lorca y a la
vez una bailaora de belleza contrastada,
acompañada de percusión representará lo que
Federico García Lorca dice que sintió en su texto.
Coreografía: Luna saliendo por el mar.
…En la reunión había una negra que es, y lo
digo sin exagerar, la mujer más bella y hermosísima
que yo he visto en toda mi vida. Bailó sola una
especie de rumba acompañada de un tam-tam y
era un espectáculo tan puro y tan tierno verla bailar
que solamente se podía comparar con una salida
de la luna por el mar.
Federico García Lorca, carta a su madre New
York, 1929
ESCENA CUARTA
Transición: la bailaora va dando paso a Juan
de Juan (nuevo vestuario), que entra con la
percusión de ella.., poco a poco finaliza, se retira y
suenan los instrumentos y las voces gitanas…,
comienza el final de la primera parte.
Escenografía: en pantalla proyección de
imágenes antiguas de Harlem, lugares, músicos,
Langston Hughes, etc.
.-Transición en el tiempo como si fuera algo
escrito que Lorca vio en aquella época, pero visto
a través de los poemas de L H y y Concha
Zardoya, en versos cantados a diversos palos,
a seleccionar entre los poemas de L. H. y Concha
Zardoya. Estos temas cantados y bailados son los
que explicarían esa impresión de Lorca.
Fondo escenario: Imagen del gitano y la Luna
de Zaida
Temas a interpretar:
SIEMBRA TU ARROZ EN EL AGUA (Jaleo)
Concha Zardoya
Siembra tu arroz en el agua.
Planta algodón en el llano.
Coge tu musgo del roble.
Canta en la plaza los salmos.
Tunde tu hierro en la fragua.
Poda las ramas del árbol.
Come tu pan... El que sobre
dalo, cantando, a los pájaros.
CANCIÓN DE ESPAÑA (FRAGMENTO)
(Seguirillas)
Langston Huges
Venid, todos los que sois cantantes
y cantadme la canción de España.
Cantadla sencillamente para que pueda
entenderla.
¿Cuál es la canción de España?
81
El flamenco es la canción de España:
gitanos, guitarras, baile,
muerte, amor y pena
al ritmo del taconeo y del chasquido de los dedos
sobre tres cuerdas.
El flamenco es la canción de España.
BAILE (Son flamenco)
Concha Zardoya
¡El son! ¡El son! ¡El son!
¿La zebra galopando?
¡El son! ¿Oyes el son?
¿Inmensos elefantes,
llamados por un dios?
¡El son! ¡El son! ¡El son!
¿Invitan a la danza?
¿El son del agua? ¡El son!
Tam-tam que no se calla...
¡Que bailes, negro! ¡El son!
¡El son! ¡El son! ¡El son!
Y bailas de alegría,
y bailas de dolor,
y bailas cuando odias,
y bailas por amor.
¡El son! ¡El son! ¡El son!
Y bailas cuando rezas:
tu baile es devoción.
Tu baile es pasatiempo,
conjuro bajo el sol.
¡El son! ¡El son! ¡El son!
La arena de la pena
se pisa en el danzón.
Y bailes o no bailes,
te baila el corazón.
¡El son! ¡El son! ¡El son!
Fin de la primera parte, 40-45 minutos aprox.
…………………………………………
SEGUNDA PARTE
Escenografía:
Imágenes del Puerto de Cuba, El Malecón,
barco de la época entrando en el puerto.
82
Se escucha el suave sonido de olas y un toque
profundo de sirena del barco entrando en La
Habana.
Imágenes de la entrada en el Puerto de La Habana,
el Malecón.
A medida que aparecen los primeros textos
de Lorca va sonando la
primera música: Son del Trio Matamoros
“...el barco se acerca y se acerca, y el olor a
palmera comienza a inundar el espacio, el perfume
de las Américas, con sus raíces, las Américas de
Dios. Pero que me encuentro aquí? España de
nuevo?
De nuevo, La Andalucía de todo el mundo?
Es este el color amarillento de Cádiz, que incluso
aquí es mas intenso, es el rosa de Sevilla, casi roja
y el verde de Granada unido con una luz azul clara
que deslumbra”
“Si me pierdo, que me busquen en Andalucía
o en Cuba”
Federico García Lorca
La Habana,1930
…
Finalizada la introducción, entra Juan de Juan
y acompañado del texto de Lorca que sigue a
continuación, baila al ritmo de la música cubana
un pequeño tema
que servirá de introducción, para continuar
junto a la bailaora, la versión en flamenco “rumba”
de Lola de alguno de los poemas de Nicolás Guillén
“Motivos de son”.
Duración 12 minutos aprox.
“La Habana se alza sobre las plantaciones de
azúcar, el sonido de las maracas, las trompetas
divinas y las marimbas.
¿Y quien viene a darme la bienvenida en el
puerto?
Trinidad, la mujer negra de mi infancia.
Y los negros, con sus ritmos que descubro,
tan profundos y típicos como los de las gentes de
mi Andalucía, negritos felices que dicen con
orgullo: somos latinos.”
Federico García Lorca
La Habana, 1930
…….
“Lo andaluz es lo más cercano a lo criollo
antillano, porque allá como acá se entrecruza lo
español con lo africano. Lo negro posee
comunicaciones subterráneas con lo gitano …
Juan Marinello
Escritor cubano que estuvo con Lorca en Cuba
…….
“Lorca, se había hecho amigo de los morenos
de los sextetos y no había noche que la excursión
no terminase en
las “fritas” de Marianao.
Primero escuchaba muy seriamente. Luego
con mucha timidez , rogaba a los soneros que
tocasen este o aquel son.
Enseguida probaba con las claves, y como
había cogido el ritmo y no lo hacía mal, los morenos
reían complacidos..”
Adolfo Salazar
Musicólogo español, que estuvo con Lorca en
Cuba
Versiones varias (posibles pregones de Vallejo
y el Manisero interpretado por el cuarteto Machín),
posibles sones interpretadas por Lola Molina de
Nicolás Guillén.
A continuación sale el texto de los Ñañigos y
sólo Juan interpreta el canto y baile ñáñigo, como
“diablito”.
……
...De la mano de Lydia Cabrera, Federico asiste
a una ceremonia de iniciación ñáñiga,
manifestación del folclor afro-cubano.
“El poeta parecía fascinado por la celebración
y los movimientos del diablito”
Lydia Cabrera, escritora cubana amiga de
García Lorca que le acompaño en su visita a Cuba.
Fin de la escena
SIGUIENTE ESCENA
Se recita el poema de Gastón Baquero (recita
Bladimir Zamora)
“La frontera andaluza está en La Habana.
Cuando un poeta andaluz aparece en el puerto,
Las calles se alborotan, y en las macetas
De todos los balcones
florecen los geranios”.
“El poeta sale de paseo. Confunde las calles
de la ciudad marina con plazas sevillanas,
con rincones de Cádiz, con patios cordobeses,
con el run-run musical que brota de las piedras
de Granada
“Federico a solas,
Federico solo, deslumbrado
Por el duende de luz de la
calle habanera.
No se sabe quién toca, pero repiquetean
guitarras
sobre un fondo de maracas movidas
suavemente”.
El aire,
Es tan increíble como la dulzura de los rostros,
Y el cielo
Es tan puro como el papel azul en que
escribían los árabes
Sus prodigiosos poemas”
El poeta sale de paseo. Confunde las calles
De la ciudad marina con plazas sevillanas,
Con rincones de Cádiz, con patios cordobeses,
con el run-run musical que brota de las
piedras de Granada
...
83
Resuenan himnos callejeros: síncopas nacidas
del ayuntarse
de una princesa de Benin con un caballerito
de Jerez de la Frontera.
Resuenan en el alma del poeta enajenado por
las calles habaneras,
Himnos caídos del sol, cantados por espejos,
por las piedras
de la ciudad antigua: himnos entonados a toda
voz
por niños vendedores de frutas, acompañados
de guitarra tañida por jóvenes etíopes con
sombreros de jipijapa
y la camisa roja abierta hasta el ombligo:
himnos alucinantes
columpiados en la calle habanera por el
percutir de pequeños bongoses,
arrastran al poeta hacia el Cielo Mayor de la
Poesía.
Juan y los músicos escuchan al poeta. Tenuemente
mientras se recita el poema se escucha a lo lejos sonidos de
maracas y cantos de pregones antiguos, Juan poco a poco se
va acercando a la voz, cuando finaliza el recitado, los
músicos rodean a Juan, al Poeta, y al compás de tangos y
otros continúa el espectáculo.
Los tipos de música deberían parecerse a lo
que el poema va diciendo.
Finaliza esta escena con las imágenes de
Joseito Fernández
y el Punto Cubano, y Juan bailando por ese
palo, para dar paso a la siguiente escena.
Comienza con el recitado de Santiago Auserón
(y en pantalla aparecería el trozo de poema),
de Gastón Baquero
Negros y Gitanos por el cielo de Sevilla.
...Gitanos y negros tienen lenguaje en el tacón,
lenguaje de hablar con sus dioses secretos, con
sus bisabuelos
trasformados en piel de tambor o en media
luna de castañuelas…
84
Gastón Baquero
Fragmento del poema:
“Negros y Gitanos vuelan por el cielo de
Sevilla”
Sentado al lado de una mesa al golpe de
nudillo y de tacón, Juan primero al compás de la
música de Cuba y después de música flamenca
improvisará “increscendo” ese “lenguaje” del que
habla Baquero. Finalizada la improvisación, se
canta y baila la versión flamenca del poema de
Nicolás Guillén:
CUANDO YO VINE A ESTE MUNDO
(Soleá)
Nicolás Guillén
Cuando yo vine a este mundo,
nadie me estaba esperando;
así mi dolor profundo
se me alivia caminando,
pues cuando vine a este mundo,
te digo,
nadie me estaba esperando.
Miro a los hombres nacer,
miro a los hombres pasar;
hay que andar,
hay que mirar para ver,
hay que andar.
Otros lloran, yo me río,
porque la risa es salud:
lanza de mi poderío,
coraza de mi virtud.
Otros lloran, yo me río,
porque la risa es salud.
Camino sobre mis pies,
sin muletas ni bastón,
y mi voz entera es
la voz entera del sol.
Camino sobre mis pies,
sin muletas ni bastón.
Con el alma en carne viva,
abajo, sueño y trabajo;
ya estará el de abajo arriba,
cuando el de arriba esté abajo.
Con el alma en carne viva,
abajo, sueño y trabajo.
Hay gentes que no me quieren,
porque muy humilde soy;
ya verán cómo se mueren,
y que hasta a su entierro voy,
con eso y que no me quieren
porque muy humilde soy.
Miro a los hombres nacer,
miro a los hombres pasar;
hay que andar,
hay que vivir para ver,
hay que andar.
Cuando yo vine a este mundo,
te digo,
nadie me estaba esperando;
así mi dolor profundo,
te digo,
se me alivia caminando,
te digo,
pues cuando vine a este mundo,
te digo,
¡nadie me estaba esperando!
ESCENA FINAL
Aparece el texto siguiente describiendo el viaje
de vuelta en barco ya con Lorca totalmente “pillado”
por la música de los negros del “frio y del calor”.
“…Federico y yo llevamos en el barco de
vuelta a España, los primeros sones que en
Granada y en Madrid golpearon sus claves y
rechinaron sus gúiros y exhalaron los gritos roncos
de marimbas y bongoes salpicados por la lluvia de
maracas”.
Adolfo Salazar
Musicólogo español, que estuvo con Lorca en
Cuba
Orgía de música y danza final al son del poema
de Federico García Lorca:
SON DE NEGROS EN CUBA (Son,
guaguancó)
Cuando llegue la luna llena
iré a Santiago de Cuba,
iré a Santiago,
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Cantarán los techos de palmera.
Iré a Santiago.
Cuando la palma quiere ser cigüeña,
iré a Santiago.
Y cuando quiere ser medusa el plátano,
Iré a Santiago
con la rubia cabeza de Fonseca.
Iré a Santiago.
Y con la rosa de Romeo y Julieta
iré a Santiago.
Mar de papel y plata de monedas
Iré a Santiago.
¡Oh Cuba! ¡Oh ritmo de semillas secas!
Iré a Santiago.
¡Oh cintura caliente y gota de madera!
Iré a Santiago.
¡Arpa de troncos vivos, caimán, flor de tabaco!
Iré a Santiago.
Siempre dije que yo iría a Santiago
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Brisa y alcohol en las ruedas,
iré a Santiago.
Mi coral en la tiniebla,
iré a Santiago.
El mar ahogado en la arena,
iré a Santiago,
calor blanco, fruta muerta,
iré a Santiago.
¡Oh bovino frescor de cañavera!
¡Oh Cuba! ¡Oh curva de suspiro y barro!
Iré a Santiago.
FIN
85
Jean DUVIGNAUD
La Rochelle, 22 de Fevereiro de 1921 La Rochelle, 17 de Fevereiro de 2007
88
Sergio Guedes*
RESUMO: breve biografia do intelectual francês Jean
Duvignaud, sociólogo e homem de teatro , que presidiu o
primeiro colóquio internacional de etnocenologia.
PALAVRAS-CHAVE: Jean Duvignaud; teatro; etnocenologia.
RÉSUMÉ: brève biographie de l’intellectuel français Jean
Duvignaud, sociologue et homme de théâtre, qui a présidé le
premier colloque international d’ethnoscénologie.
MOTS-CLÉS: Jean Duvignaud; théâtre; ethnoscénologie.
ABSTRACT: brief biography of the French intellectual Jean
Duvignaud, sociologist and man of theater, who chaired the
first international colloquium of ethnoscenology.
KEYWORDS: Jean Duvignaud; theatre; ethnoscenology.
Escritor, crítico de teatro, sociólog o,
dramaturgo, ensaísta, roteirista, encenador,
antropólogo. Maître de conférence na Universidade
de Túnis, depois nas universidades de Tours
(1965-1980) e de Paris-VIII (1980-1991) da qual
foi Professor Emérito. Fundador de revistas, tais
como Arguments com Edgar Morin nos anos
50; Cause commune com o ex-discípulo Georges
Perec nos anos 70 e Internationale de l’Imaginaire,
2000 com Chérif Khaznadar. Fundador e
Presidente de honra da Maison des Cultures du
Monde. Presidiu na UNESCO o primeiro
colóquio internacional de etnocenologia. Suas
obras mais significativas são os romances : L’Or
de la République, L’Empire du milieu. Em
sociologia :Les Ombres collectives, Sociologie du
théâtre, L’Anomie, Fêtes et civilisations, La
Solidarité, La Genèse des passions dans la vie sociale.
E do que nós vivemos, sobrevivem somente os
momentos de antecipação, de utopia, de felicidade que
marcaram a vida presente, a única que importa; da efêmera
intuição de uma eternidade possível. Insubstituíveis
momentos quando estivemos ‘abertos para as coisas
futuras’. Nós não somos o que nós fomos, mas o que
nós fomos tentamos a viver, como suplemento da vida,
com outros e como se, por alguns dias ou semanas, se
pudesse esconjurar o tempo. J. Duvignaud, Les octos.
Béants aux choses futures.(trad. do autor).
Jean Duvignaud morreu na cidade onde
nascera 86 anos antes, La Rochelle, bastião do
Protestantismo, das aventuras míticas dos três
Mosqueteiros, das aventuras bélicas do Cardeal
Richelieu, da saída marítima importante de
navios e de capital para a Rota dos Escravos...
Perdeu cedo a sua mãe e refugiou-se nos
livros. Após estudos nas chamadas grandes écoles
e uma passagem pela Resistência durante a
Segunda Guerra Mundial sua vida profissional
debutou como professor de Filosofia e depois
de Sociologia.
Fiel aos destinos dos homens da sua
geração, cuja encarnação maior foi Jean-Paul
Sartre, Jean Duvignaud foi também um daqueles
intelectuais franceses polimorfos do pós-guerra.
Se a história do pensamento ocidental os distribui
por áreas de conhecimento estanques e assim
podemos classificá-los, compreender-lhes os
propósitos, filiá-los mais ou menos facilmente a
escolas, grupos e linhas de pesquisa, um olhar
distraído sobre a vasta produção do intelectual
Jean Duvignaud, homem de contrastes, põe em
evidência a sua participação com igual intensidade
a mundos aparentemente antagônicos como o da
literatura e o das ciências sociais; o da viagem e
da abertura ao outro como o do ensimesmamento
autobiográfico. A sua dedicação natural nos
diversos projetos que levou a cabo, bem como a
sua propensão a participar de vários “mundos”
simultaneamente o caracterizavam. Inclassificável
também na sua atuação nas ciências sociais.
Sob este ângulo, Jean Duvignaud era exemplar :
enquanto ele podia « instalar-se » no confortável
estatuto de « especialista da sociologia da arte e
do teatro », ele desenvolvia uma sociologia do
conhecimento, do imaginário, do cotidiano, do
riso. Ele recusava até que o considerassem mais
sociólogo que antropólogo e vice-versa. É sem
duvida por isso que ele sempre valorizava a escrita
superpondo a reflexão sociológica e a construção
romanesca.1
* Mestrando em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, Brasil
1
« De ce point de vue, Jean Duvignaud était exemplaire : alors qu’il pouvait
« s’installer » dans le confortable statut du « spécialiste de la sociologie de
l’art et du théâtre », il développait une sociologie de la connaissance, de
l’imaginaire, de la quotidienneté, du rire. Il refusait même qu’on le considère
plus sociologue qu’anthropologue et vice et versa. Sans doute est-ce aussi
pour cela qu’il valorisait toujours l’écriture imbriquant la réflexion
sociologique et la construction romanesque. » Jean-Pierre Corbeau, « Mise
en perspective de l’article de Jean Duvignaud « L’idéologie, cancer de la
conscience » », SociologieS, Jean Duvignaud, mis en ligne le 11 décembre
2007. URL : http://sociologies.revues.org/document1363.html. Consultado
em 17 de dezembro de 2008. (trad. do autor).
89
A característica plural da obra por ele
deixada se reflete de maneira insólita por situar-se
a igual distância entre a investigação científica e o
da ficção. Esta última servindo muitas vezes para
ilustrar, exemplificar ou ser até a própria expressão
daquela.
Duvignaud e as ciências humanas
Professor na Faculdade de Letras e
Ciências de Tunis, ele conduziu os seus
estudantes, regularmente entre 1960 e 1966, para
realizarem juntos, no Sul do país, uma pesquisa
cujo resultado é um marco na história da
etnografia. Na cidade de Chebika, terra incógnita
à beira do deserto. A esses jovens, oriundos de
uma elite intelectual e econômica, movidos por
uma incondicional admiração pelo ocidente
europeu, foi revelada uma realidade social até
então ignorada.
Rapidamente Duvignaud e seus alunos
compreenderam a impossibilidade de aplicar ali
o método quantitativo passível, segundo eles, de
falsear os resultados. Obtiveram bem mais
informações através da obser vação da vida
cotidiana e de discussões coletivas informais
com a população sem utilizar questionários
previamente estabelecidos. Em Chebika ou les
mutations
d’un
village
maghrébin
(J,
DUVIGANAUD, Paris, Gallimard, 1968) que é
o resultado dessa pesquisa de campo de seis anos
Duvignaud aborda expressamente o quanto a
pesquisa “mexeu” com o pesquisado e, com a
sua linguagem. Respondendo exaustivamente às
perguntas que lhe eram feitas, nota-se, no
decorrer do tempo, o quanto estas dão vida a
uma reflexão dos membros da comunidade de
quase 300.000 habitantes sobre suas próprias
práticas e tradições vivenciadas ou esquecidas,
suscitando uma tomada de consciência dos
papeis sociais, do estado em que se encontrava
a população em relação ao prog resso, à
administração central do país e ao mundo. O
resultado é uma obra com ver ve quase
romanesca, que dá a palavra ao sujeito da
90
pesquisa, “entrando” nos seus pensamentos,
descrevendo o seu comportamento e nos
revelando cada ponto de vista, evitando assim
uma simples abordagem estatística. Atento à
diversidade das tradições sociológicas e dos
limites de uma racionalização Duvignaud
preconiza e estabelece uma metodologia
concreta e uma ética da pesquisa etnográfica
inspiradas na complexidade das relações entre o
indivíduo, na sua experiência individual e
coletiva, baseadas na indeter minação e nas
rupturas sociais2. Ele parte do verdadeiro para
estabelecer “de dentro” uma narrativa colandose assim a realidade pura.
“Eles se revelam si mesmos”. É a imaginação
a serviço da verdade. É (estudo e) pesquisa de
campo, “onde a escrita transcende o objeto de
empatia atingindo a dimensão poética”.3
Imaginar segundo a verdade” indo ao campo “como se
vai à fonte” e honrar a expressividade literária caminhando
através do labirinto dos vestígios, usos e ritos que leva ao
significado escondido da existência comum. 4
Foi também o momento de constatar a
reversibilidade dos efeitos da pesquisa, e o quanto
esta também pode “mexer” com o pesquisador.
Enfim, para ele, “o vilarejo [lhe] ensinou que a vida
social, por mais desapontada e impotente que seja,
se determina sempre para além dela própria”5
Duvignaud e o teatro
O elemento essencial na obra de Duvignaud
foi o teatro enquanto linguagem artística que torna
2
Jean-Pierre Corbeau, op. cit.
« Etudes de milieu et récits de vie desdéshérités du monde où
l’écriture transcense l’objet d
’empathie en atteignant à la dimension poétique ». Pierre Lassave,
Dialogues avec la littérature : Louis Chevalier et Jean Duvignad, p. 130.
Pierre Lassave : « Dialogues avec la littérature : Louis Chevalier et Jean
Duvignaud », Genèses, Paris, n° 34, mars 1999, pp. 114-131.
4
« imaginer selon le vrai” em allant au terrain “comme on va à la
fontaine » et honorer l1’expressivité littéraire en cheminant à travers le
labyrinthe des bribes, usages e rites que mène au sens caché de
l’existence comune » (Jean Duvignaud, Chebika, changement dans un
village du sud tunisien, Paris, Plon, 1991 – introduction, p. 13-22.).
(Apud Pierre Lassave, op. cit.).
(trad. do autor).
5
Le village [Chebika] m’a enseigné que la vie sociale, si déçue ou
impuissante soit-elle, se détermine toujours au-delà d’elle-même. Ibid.
p. 429. (Apud Pierre Lassave, op. cit.). (trad. do autor).
3
mais evidentes os sistemas das relações sociais6.
Duas obras lhe foram essencialmente consagradas:
Sociologie du théâtre, Essai sur les ombres collectives, Paris,
PUF, 1965 e L’acteur, Esquisse d’une sociologie du das
relações entre autor, produção dramática e
sociedade; do modo como esta última “induz” a
criação da obra que lhe é endereçada. O segundo
livro põe em evidência a sociedade enquanto público
e as relações entre o ator, a criação e a personagem
Para ele o ato de representar uma personagem é uma
apropriação da substância social.
Já no romance Le singe patriote. Talma, un
portrait imaginaire, Arles, Actes Sud, 1993, Jean
Duvignaud, híbrido e raro com sua imensa cultura,
aborda o teatro como metáfora da sociedade7.
A obra de Jean Duvignaud se inscreve na
incessante alternância entre os gêneros e na
compreensão do outro na anomia, termo que lhe é
caro, dos contrastes, dos conflitos das existências
múltiplas, sucessivas, e movida pela profunda
Seus estudos o levam igualmente a investigar a
manifestações espetaculares através da festa (“e o
seu correlativo individual, o riso [como sendo] o fluxo
do excesso, da vitalidade criativa que submerge, a certos
momentos, os grupos e as pessoas” 9), o transe e a
possessão na Umbanda do Norte do Brasil, que
ele visitou, como portas da aestruturalidade, meios
“de afrontar uma livre espontaneidade existencial nunca
permitida pela vida social” (p. 35).
O imaginário, o sonho, a festa, o jogo, o riso, o
desejo, o transe, tudo o que as ordens
estabelecidas designam na história como
anômicas, subversivas ou perigosas vão então
marcar o autor através das suas experiências
vividas ou solicitadas de homem maduro, seus
textos de professor de sociologia do
conhecimento, seus romances de aventuras
passionais e crepusculares10
Em Le don du rien o sociólogo dizia-se estar na
contra-corrente de um movimento de idéias que há
vinte anos tem tentado reduzir na França a história
do desejo ou do imaginário ao formalismo de uma
lógica inconsciente ou à combinatória de signos11.
Duvignaud e a etnocenologia
O Colóquio de Fundação do Centro
Internacional de Etnocenologia em Paris, em 1995
sob os auspícios da UNESCO, da Maison des
Cultures du Monde, e da Universidade de Paris 8,
contou com a presença e participação de Jean
Duvignaud que o presidiu. Apesar de a sua própria
obra estabelecer correlações precisas entre a
sociedade e a representação teatral propriamente
dita, ele assinala que o projeto de instauração dos
estudos etnocenológicos “não se confunde com a
mise en scène da vida cotidiana nem com as formas
do imaginário de teatro” 12 . Essa disciplina
transcultural e emergente não cede à tentação de
se ater a essa prática artística – o teatro – e vai
além dela, da sua “aparição (...) em nosso domínio”,
e pensa o espetáculo como sistema complexo – em
suas dimensões biológicas e cognitivas. O seu
objeto são o estudo, a documentação e a análise
das formas de expressão espetaculares dos povos
destinadas a um público, seja ele passivo ou ativo,
como diz Cherif Hhaznadar13
É impossível não discernir nos seus textos
consagrados às manifestações espetaculares, uma
6
“Duvignaud montou várias peças de teatro (Woyzzeck de Büchner,
Maré basse de sua autoria, etc.) depois escreveu a sua tese em sociologia
precisamente sobre o teatro, vasto afresco histórico sobre as “correlações
funcionais” (Gurvitch) entre a cena, o ator, e a sua época, Sua obra
sociológica a partir de então é marcada pelo estudo da estilização das
paixões humanas para além da linguagem verbal assim como ela ilustra
sua interpretação do teatro antigo, shakespeariano, clássico ou romântico”.
(J. Lassave, Op cit. p.122). (trad. do autor).
7
Ver também o caso da jovem Rima, órfã, habitante de Chebika, pobre,
e “sem irmão para defendê-la”. É a oportunidade para J. Duvignaud
discorrer sobre o teatro a partir de um encontro presencial. Comparaa a Antígona essa jovem que aprendeu a ler sozinha e também por isso
incompreendida como única mulher alfabetizada do vilarejo. Rima não
conhece nada do futuro, ela padece, mas se insurge contra o presente
que, em nome de tradições do passado, a oprime. Ref. David Le Breton,
Le théâtre du monde: lecture de Jean Duvignaud. Colaboração Jean
Duvignaud. Presses Université Laval, 2004218 p.
8
J. Lassave, op. Cit. p.
9
« Ce qui m’intéresse ici, et qui concerne éminemment la fête et son
corrélatif individuel, le rire,c’est le flux d’excès, de vitalité créatrice, qui
submerge à certains moments les groupes et les personnes », car
« l’homme ne se réduit jamais à son activité pratique instituée » Le Don
du rien, essai d’anthropologie de la fête, Paris, Plon, 1977 (p. 287). Apud.
Alain Caillé, Prefácio « Jean Duvignaud, Le don du rien », Revue du
MAUSS permanente, 28 octobre 2007 [en ligne]. http://
www.journaldumauss.net/spip.php?article195.
10
J. Lassave. op. cit. p. 124. (trad. do autor).
11
Apud Allain Caillé. Op. cit. p. (p. 57
12
DUVIGNAUD, Jean. Uma nova pista. In: Greiner, Cristine; BIÃO,
Armindo (Orgs.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo:
Annablume, 1999. p. 31
13
KHAZNADAR, Chérif. Contribuição para uma definição do conceito
de etnocenologia. Trad. de Sergio Guedes. In: Greiner, Cristine; BIÃO,
Armindo (Orgs.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo:
Annablume, 1999. p. 58.
91
abordagem precursora da etnocenologia e do seu
objeto: as práticas e comportamentos humanos
espetaculares organizados (PCHEO). Além do
que, as suas teses sobre o teatro, a representação
e o jogo restam uma plena contribuição ao porvir
de uma Cenologia geral14.
O poder de análise visual de Duvignaud,
como vimos no seu trabalho junto aos habitantes
de Chebika como observador participante, é um
requisito indispensável para os estudos
etnocenológicos, conquanto que esse olhar não
se atenha apenas ao “pico emergente percebido”,
ao aspecto tão somente espetacular do fato
estudado15.
Os caminhos divergem quando, na sua obra,
ele insiste na noção de resistência do gesto
espetacular descrito como resposta às
“exigências” da fome, da sexualidade, da morte,
do trabalho, do sagrado, enquanto que para a
etnocenologia a atividade espetacular humana é
um traço fundamental da espécie.16
Segundo o seu codificador Jean-Marie
Pradier, a etnocenologia é uma etnociência cuja
“hipótese é que a atividade espetacular humana,
é um traço fundamental da espécie, sustentado
pela unidade do corpo/pensamento”17.
Entretanto, considerando a sua definição
de manifestações espetaculares no prefácio do
Atlas de l’Imaginaire, Duvignaud parece apontar
para um motor oculto dessas de efervescências
coletiva:
A vida humana não é a das colméias ou dos formigueiros!
Há mais coisas nessas cerimonias que parecem buscar
resolver um enigma. Nos confins do vivido e do
possivel. (...) Como é que esses espetaculos parecem visar
para além da curiosidade, do respeito das tradições ou
do prazer estético18.
Jean Duvignaud optou pela análise do
teatro para poder ir mais longe nas suas
especulações sociais. Franco-atirador diz dele
mesmo que “ia contra a corrente (...) de um
movimento de idéias que na França vem tentando
há vinte anos reduzir a história do desejo ou do
imaginário ao for malismo de uma lógica
inconsciente ou à combinatória de signos” 19. E
92
finalmente quando afir ma que “a invenção
dramática é imanente ao corpo social”20, podemos,
desde aí, inscrever o seu nome como um dos
precursores dos estudos sobre a espetacularidade
e, conseqüentemente, da etnocenologia.
14
PRADIER, Jean-Marie. « Ethnoscènologie : la chair et l’esprit ». Théâtre
1, Paris: Universidade de Paris 8, 1998, p. 17-37. Repertório Teatro &
Dança 1, Salvador UFBA/PPGAC/GIPE-CIT, 1998, p. 9-22.
15
Pradier, op. cit.
16
Ver a esse propósito a analogia que faz Jean Marie Pradier com a
musica e a linguagem: “[a] expansão e evolução cultural [ do sentido
musical e da linguagem] levou à formação de entidades espetaculares
autônomas que correspondem à distribuição das atividades humanas,
nas sociedades: liturgia, cerimônia, parada, ritos, rituais, festa, revista,
desfile, procissão, carnaval, circo, mímica, teatro são atualizações
históricas e locais de um atributo universal.”
Pradier, op. cit.
17
Pradier, op. cit.
18
« La vie humanine n’est pas celle des ruches ou des fourmilières
Gründ, Françoise et Chérif Khaznadar, Atlas de l’imaginaire, préface de
Jean Duvignaud, Maison des Cultures du Monde / Favre, Paris et
Lausanne, 1996, 206 pages. (Trad. do autor)
19
Apud. Alain Caillé, Prefácio « Jean Duvignaud, Le don du rien », Revue
du MAUSS permanente, 28 octobre 2007 [en ligne]. http://
www.journaldumauss.net/spip.php?article195
20
Jean Duvignau, Les ombres collectives, Sociologie du théâtre PUF,
Paris, 1973. p. 367. (trad. do autor) ! Il y a plus dans ces cérémonies qui
semblent chercher à résoudre une énigme. Aux confins du vécu et du
possible. (...) D’où vient que ces spectacles semblent viser plus loin que
la curiosité, le respect des traditions ou le plaisir esthétique.»
“Ensaiando dentro da mente”:
dança e neurociências
Mônica Medeiros Ribeiro*
Antonio Lúcio Teixeira**
RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar e discutir
algumas contribuições neurocientíficas ao estudo da
aprendizagem da dança. Aprender uma seqüência de
movimentos coreografados envolve uma série de processos
cognitivos (observação, simulação, imitação e repetição) que
podem ser estudados por meio do mapeamento cerebral. E o
aprendizado da dança coreografada pode ser organizado em
três estágios: o cognitivo per se, o associativo e o autônomo. No
último estágio, o automatismo permite que o dançarino
estabeleça novas associações neurais e singularize seus
movimentos. Esses movimentos são afetados ou coloridos,
principalmente, pelas emoções que variam a cada apresentação.
Assim, o intérprete pode recriar a mesma seqüência inúmeras
vezes, conferindo sempre originalidade.
PALAVRAS-CHAVE: dança; neurociências; aprendizagem.
ABSTRACT: The objective of the present text is to present
and discuss some neuroscientific contributions to the study of
dance learning. To learn a determined sequence of movement
involves a series of cognitive processes, such as observation,
simulation, imitation and repetition. Theses processes can be
studied by modern neuroimaging techniques. Cognitive,
associative and autonomous are the stages of learning a
choreographed dance. In this latter stage, automatism process
allows the dancer to form new neural associations and to
perform the movements in a singular manner. These
movements are mainly affected by the emotions that can vary in
each performance. Thus the performer can recreate the same
sequence of movements a thousand times with originality.
KEYWORDS: dance; neuroscience; learning.
RÉSUMÉ: Cet article vise à présenter et à discuter de certains
neurocientíficas contributions à l’étude de l’apprentissage de la
danse. L’apprentissage d’une séquence de mouvements
coreografados implique un certain nombre de processus
cognitifs (l’observation, la simulation, l’imitation et la répétition)
qui peuvent être étudiés par la cartographie du cerveau.
L’apprentissage et la chorégraphie de la danse peuvent être
organisés en trois étapes: le cognitif en soi, le monde associatif
et autonomes. Dans la dernière étape, l’automatisation permet
au danseur de nouvelles associations de neurones et de leur
mouvement. Ces mouvements sont affectés ou de couleur,
surtout par les émotions qui varient en fonction de chaque
demande. Ainsi, l’interprète peut recréer la même séquence à
plusieurs reprises, donnant toujours l’originalité.
MOTS CLÉS: danse; neurosciences; apprentissage.
Introdução
A Neurociência é o conjunto das disciplinas
que estudam, com os mais variados métodos, o
sistema nervoso e a relação entre as funções
cerebrais e as funções mentais. A dança é uma
forma de expressão humana que acompanha o
homem desde tempos imemoriais. Provavelmente,
evoluiu junto com a música como uma forma de
gerar ritmo (BROWN e PARSONS, 2008). Pode
ser considerada, portanto, em uma perspectiva
estética e uma teleológica. A dança é marcada,
sobretudo, por seu caráter ritualístico e extracotidiano, tendo como condição a escolha, ou seja,
a intencionalidade (GRUND, 2007).
Dotada de alta complexidade coordenativa
motora, tanto a dança, quanto os movimentos
esportivos têm sido alvo de estudos
neurocientíficos. Esses estudos tomaram um rumo
diferenciado quando alguns neurocientistas
começaram a se perguntar o que diferiria, com
relação às suas bases neurais, uma pir ueta
executada por uma primorosa bailarina durante a
encenação do “Lago dos Cisnes” de um arremesso
de Michael Jordan numa partida de basquete. Como
identificar as pegadas ou o “rastro” da arte no
cérebro? Teriam diferentes representações neurais
a nuance e a intenção de comunicação do
movimento expressivo na arte? O objeto de estudo
passou, então, das bases neurofisiológicas da ação
* Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG
** Professor da Faculdade de Medicina da UFMG
95
músculo-esquelética para as bases da expressão,
seja ela referente à dança, ao teatro, a música ou às
artes plásticas.
O estudo das bases neurobiológicas do
comportamento humano expressivo em suas
diferentes formas foi intensificado com a evolução
dos métodos de neuroimagem no final do século
XX, principalmente a ressonância magnética
funcional (fMRI) e a tomografia por emissão de
pósitrons (PET). A tomografia por emissão de
pósitrons quantifica o fluxo sanguíneo ou consumo
de oxigênio no cérebro, enquanto que a ressonância
magnética funcional trabalha a partir da criação de
um campo magnético que é registrado na forma de
ressonância magnética e transformado em imagem
com o auxílio de programas computacionais
(SANTOS, 2008). Com o auxílio desses métodos,
vários pesquisadores aventuraram-se no misterioso
universo neural subjacente às atividades artísticoexpressivas. Por exemplo, em Londres, Calvo
Merino e Cols.(2008) estudaram a percepção
estética no contexto das artes performáticas; Cross
e Cols. (2008) verificaram se a prática física e a
aprendizagem por observação tinham correlações
sensíveis na rede da ação observada; Grafton e
Cols. (2006), nos Estados Unidos, publicaram
trabalhos acerca da observação de dança por
bailarinos, todos por meio de fMRI. Sacco e Cols.
(2006), na Itália, investigaram também com fMRI
a atenção no treinamento motor numa execução
de passos de tango, enquanto, no Canadá, Brown e
Cols. (2005) descreveram, a partir dos resultados
da PET, as bases neurais da dança durante a
execução de passos de tango. Utilizando outros
métodos de pesquisa, podemos citar ainda o
trabalho do neurobiólogo inglês, Semir Zeki (2007),
que trabalha com a organização visual no cérebro,
estudando as bases neurais da criatividade e da
apreciação estética da arte; o pesquisador e
coreógrafo Ivar Hagendoorn (2004), na Alemanha,
que investiga a relação entre a neurocrítica da
dança, dança improvisacional e a neurociência
cognitiva; Stevens e McKechnie (2005), na
Austrália, que correlacionam ação, memória,
96
comunicação não verbal com dança
contemporânea; e Kevin Dumbar, nos Estados
Unidos, que pesquisa sobre os efeitos da educação
das artes e da ciência no cérebro.
Destes estudos emergem perguntas diversas:
Por que as pessoas dançam? A arte possui algum
traço neural específico? Os mecanismos neurais se
ampliam na execução de um virtuoso passo de balé?
Quais são os processos cognitivos subjacentes à
criação e à execução de uma dança? Dançar em
um ritmo não sincronizado, assimétrico, em relação
à música demanda novas áreas no circuito motor?
Como os passos dos bailarinos são ritmados? Qual
a diferença neural entre a emoção ‘real’ e a emoção
suscitada pelas vivências de um personagem
interpretado por um ator? Como é possível que a
emoção de uma noite de estréia afete um
movimento sem prejuízo na execução da
coreografia ou na sincronização com o grupo? É
possível mapear as rotas neurais da dança-teatro
de Pina Bausch, por exemplo? As neurociências
começam a ampliar seus estudos para além do
movimento patológico e não funcional para o
movimento virtuoso ou artístico. Pode-se dizer que
a arte tem servido à ciência na elucidação destas e
outras questões.
Neste artigo, pretendemos apresentar e discutir
algumas contribuições neurocientíficas ao estudo
da aprendizagem da dança coreografada a partir
de uma revisão narrativa da literatura.
Salientaremos o modelo de aprendizagem motora
e a participação dos processos de simulação, de
imitação, de repetição durante o aprendizado do
movimento expressivo em uma dança coreografada.
Apresentaremos também algumas evidências que
conferem ao automatismo a condição de facilitador
e viabilizador da coexistência de funções cognitivas
diversas junto ao ato motor durante a execução de
uma coreografia.
Aprender a dançar
A destreza de Louise Lecavalier, bailarina do
canadense La La La Human Steps Dance, ao
dançar na série de TV “Mondo Beyondo” (1987)
com seus saltos arrebatadores e surpreendentes; o
imperceptível esforço dos bailarinos do mesmo
grupo em “Amjad” (2007), espetáculo todo
executado com sapatilhas de ponta; a estarrecedora
precisão técnica e beleza de “Amelia” (2002)
também do La La la Human Steps; a sincronia cheia
de graciosidade e swing brasileiro nos movimentos
dos bailarinos do grupo Corpo em Lecuona (2004),
a dramaticidade do movimento de Malou Airaudo
quando dialoga rítmica e emotivamente com
Stravinsky em “A Sagração da Primavera” (1975)
de Pina Bausch são atributos decorrentes de muito
exercício e conseqüente aquisição técnica em
dança.
A dança é uma atividade motora altamente
complexa que demanda habilidades vísuoespaciais, cinestésicas, auditivas, dentre outras.
Brown e Parsons (2008) descrevem-na como uma
confluência de movimentos e ritmos que exige um
tipo de coordenação interpessoal no espaço e no
tempo praticamente inexistente em outros
contextos sociais (RIBEIRO E TEIXEIRA, 2008).
Além disso, numa dança como a dança-teatro de
Pina Bausch, o ato motor é inundado de
afetividade. A cognição deixa sua marca indelével
no movimento expressivo, permitindo-lhe ser
chamado de dança e fazer parte da herança cultural
da humanidade. É importante lembrar que aqui a
cognição é compreendida como um conjunto de
sub-funções que englobam, dentre outras, a
percepção, a emoção, a simbolização, a resolução
de problemas, a comunicação e a expressão de
informações (FONSECA, 2007). Então, aprender
uma coreografia, uma seqüência pré-estabelecida
de movimentos, requer complexas e especializadas
“ferramentas” neurais.
Sabe-se que o movimento é realizado por meio
da interação entre os sistemas sensório-motor,
cognitivo e afetivo/emocional. De maneira
simplificada, as áreas de processamento sensorial nos
lobos temporal, occipital e parietal interpretarão os
sinais recebidos do meio externo (ambiente) e interno
(estado dos órgãos internos), enviando sinais para
as áreas de planejamento do movimento no córtex
frontal. Em seguida, o córtex pré-frontal processa
que tipo de movimento deve ser executado, enviando
sinais para a área motora suplementar, cerebelo e
núcleos da base, responsáveis pela estratégia motora.
O cerebelo e os núcleos da base monitoram a
execução do movimento realizada pelos músculos
que, por meio de órgãos sensoriais, enviam
informações acerca da orientação do corpo no
espaço (RIBEIRO, 2007). Isso possibilita a
realização de ajustes nos movimentos readequandoos às circunstâncias dadas. Assim, a ação motora na
dança resulta da integração de estímulos sensoriais
e motores de forma proposicional, isto é, voluntária
e dotada de intencionalidade. Todo esse percurso
neural é ativado durante a execução de um
movimento como passar uma roupa, escrever um
relatório e até mesmo dançar uma coreografia. No
entanto, haveria algo mais nas redes neurais
envolvidas no aprendizado do movimento voluntário
expressivo pertencente à dança? Aprender uma
coreografia demandaria os mesmos circuitos neurais
que são recrutados, por exemplo, quando
aprendemos a dirigir?
Observar, Imitar e Repetir
Quando o bailarino observa o movimento que
lhe está sendo transmitido pelo coreógrafo, ele
simula o movimento internamente. Essa ação
simulada é definida como uma representação
interna do movimento sem o movimento
observável (JEANNEROD, 1994). O trajeto
neural desse processo é constituído pela a área
motora suplementar, pelo córtex pré-motor ventral,
lóbulo parietal inferior, sulco temporal superior e
pela área motora primária (BINKOFSKI et al.
2000).
Decety e colaboradores (1995, 1994),
demonstraram que regiões cerebrais ativadas
durante movimentos imaginados também são
ativadas na execução dos movimentos. Para
Bouquet e Cols. (2007), o sistema motor não
somente executa ações, mas também ressoa com
as ações observadas. Esse ressoar é a própria
simulação do movimento que se apresenta mais
97
forte quando os bailarinos possuem familiaridade
com os movimentos observados (GRAFTON et
al. 2006). De acordo com esses pesquisadores, a
experiência física do movimento altera as bases
neurais dos processos de simulação motora. Ou
seja, quando os bailarinos observam movimentos
que lhe são conhecidos corporalmente, as áreas do
circuito de simulação são afetadas. A simulação é
diferente se o sujeito possui uma vivência corporal
anterior ao momento de aprendizado. Daí pode-se
inferir que o aprendizado prévio de um
determinado estilo de movimento pode facilitar a
aquisição de novas combinações seqüenciais de
movimentos semelhantes. Então, a simulação
parece preceder o processo de imitação do
movimento.
A capacidade de ensaiar mentalmente é vital
para o processo de aprendizagem motora. Na
imitação, os processos cognitivos são altamente
exigidos, pois além de realizar movimento, o
bailarino necessita observar e sincronizar várias
modalidades sensoriais, e até mesmo criar. A
criatividade aqui se refere à busca de maneiras
diferenciadas para completar a meta do aprendizado.
Enquanto imita, obser va e executa a ação
simultaneamente requerendo a interação de funções
vísuo-motoras. É como se o movimento ocorresse
“dentro e fora” da mente ao mesmo tempo. Além
disso, é importante ressaltar que durante a execução
por imitação é importante estar atento no esquema
motor do movimento. Nas Artes Cênicas,
denominamos este estar atento de “ter consciência
do movimento”. Quando dizemos que um
performer tem muita consciência corporal, estamos
dizendo que ele tem grande capacidade de
execução de movimentos complexos, dado seu
conhecimento cinestésico. Quanto mais ele treina
este estar atento, ou desenvolve sua consciência
corporal, maior será a ativação em regiões frontais
posteriores envolvidas com a produção do
movimento (SACCO et al., 2006).
Sacco et al. (2006) hipotetizaram que,
enquanto a atenção envolve principalmente as
regiões pré-frontais, a atenção treinada produz uma
98
maior ativação das áreas frontais motoras,
favorecendo a imagem motora, o esquema corporal,
mais que a visual. Dessa maneira, o treino de
imagem motora poderia facilitar a aquisição do
próprio esquema motor.
Assim como a simulação, o processo de
imitação possui um circuito neural específico que,
de acordo com Iacoboni (1999) compreende três
regiões corticais perisilvianas (ou seja, próximas do
sulco lateral ou de Sylvius): o córtex temporal
superior, o córtex parietal posterior e o córtex
frontal inferior. O córtex temporal superior
forneceria uma descrição visual da ação observada
para os “neurônios espelho” do córtex parietal,
codificando inicialmente a descrição da ação a ser
imitada. Os “neurônios espelho” do córtex parietal
posterior
forneceriam
infor mações
somatosensoriais adicionais da ação observada e
as enviariam para os “neurônios espelho” do córtex
frontal inferior, codificando detalhadamente as
especificações motoras para a ação a ser copiada
(RIBEIRO E TEIXEIRA, 2008). Por fim, os
“neurônios espelho” do córtex frontal inferior
codificariam o objetivo da ação a ser imitada
(IACOBONI, 2005).
Os “neurônios espelho” foram originalmente
descritos no córtex pré-frontal do macaco, na área
F5 (RIZZOLATTI et al., 1996; GALLESE et al.,
1996). De acordo com os estudos acerca dessa
população de neurônios, eles se enquadrariam na
classe dos neurônios visuomotores, ativando-se
quando o animal fazia uma determinada ação e
quando ele observava a ação de outra pessoa. (DI
PELLEGRINO et al., 1992; RIZZOLATTI et al.,
1996; Gallese et al., 1996). Um aspecto funcional
importante desses neurônios é essa relação entre
propriedades visuais e motoras. A idéia por detrás
dessa interação visuomotora reside no fato de que
durante a imitação se requer tanto a observação
da ação, quanto a sua execução (IACOBONI,
2005).
Apesar de carecermos de evidências diretas
acerca da existência de “neurônios espelho” em
humanos, há uma expressiva quantidade de
trabalhos que sugerem isso (RIZZOLATTI &
CRAIGHERO, 2004, p.174). Essas evidências são
provenientes de experimentos neurofisiológicos e
de neuroimagem. Experimentos neurofisiológicos
demonstraram que quando os indivíduos observam
uma ação feita por outro indivíduo, seu córtex motor
se torna ativo na ausência de qualquer atividade
motora evidente. Mais evidências foram obtidas
por meio da técnica não-invasiva de estimulação
elétrica do sistema ner voso, a estimulação
magnética transcraniana (TMS). Quando a TMS é
aplicada no córtex motor, com uma intensidade
simulada apropriada, um potencial motor evocado
(MEPs) pode ser percebido na extremidade dos
músculos contralaterais. A amplitude desse
potencial é modulada pelo contexto do
comportamento. No experimento realizado por
Fadiga et al. (1995), ficou demonstrado que tanto
ações com significado (ações transitivas), quanto
ações sem significado (ações intransitivas)
determinaram um aumento nos MEPs. O aumento
envolvia seletivamente aqueles músculos que os
participantes usaram para produzir os movimentos
observados (RIZZOLATTI E CRAIGHERO,
2004). É importante notar que ações transitivas
ativam tanto o lobo parietal, quanto o frontal,
enquanto que ações intransitivas ativam apenas o
lobo frontal (RIZZOLATTI E CRAIGHERO,
2004). Então, os estudos realizados com TMS
indicaram a existência de um sistema de
ressonância motora, ou seja, um sistema de
“neurônios espelho” em humanos.
Cabe ressaltar que existem diferenças entre o
proposto sistema de “neurônios espelho” em
humanos e o descrito para macacos. Primeiramente,
movimentos sem significado produzem ativação
desse sistema em humanos (FADIGA et al., 1995;
MAEDA et al., 2002). Ainda, as características
temporais da excitabilidade cortical durante a ação
observada, sugerem que o provável sistema de
“neurônios espelho” nos humanos codifica também
movimentos formados na ação. Essas propriedades
devem desempenhar um importante papel na
capacidade humana de imitar a ação de outros
(RIZZOLATTI & CRAIGHERO, 2004, p.176).
Soma-se a isso o fato de o processo de imitação
ser fundamental para o próximo passo: a repetição,
tão necessária na aprendizagem de uma dança
coreografada
Repetição. Talvez este seja o momento chave
nos processos de aprendizagem aqui abordados.
Tanto a aprendizagem de uma coreografia, quanto
a direção de um carro demandam a repetida
execução de uma seqüência pré-determinada de
movimentos. Mas, antes de repetir, observa-se,
simula-se e imita-se. A partir daí, pode ocorrer o
chamado exercício consciente no qual a atenção e
a tomada de consciência são extremamente
necessárias. Voltando para o aprendizado na dança,
é fundamental reiterar a importância da
intencionalidade do movimento que gera um ato
motor consciente, voluntário e objetivado. O
bailarino tem uma série de tarefas durante a
execução da seqüência motora. Dentre elas,
destacam-se a atenção ao efeito de seu movimento
no observador, a consciência de onde imprimir um
tônus mais forte ao movimento, de qual frase do
movimento enfatizar, de quando acelerar, retardar
ou reter o fluxo. Comunicar com o espectador. Isso
se dá não necessariamente de maneira direta, mas
por meio da intenção de conduzir o olhar daquele
que frui a obra, ora acentuando, ora atenuando um
fragmento motor, dançando a coreografia com a
dinâmica que lhe é pertinente e, desta maneira,
imprimir-lhe sua assinatura pessoal. Tudo isso deve
estar presente no aprendizado e na execução da
dança. Somente por meio da experiência, resultado
de anos de treinamento e preparação, somados aos
princípios cognitivos da percepção e controle do
movimento que se pode alcançar excelência no
processo de aprendizagem que se repetirá ao longo
de toda a vida profissional do performer do
movimento (HAGENDOORN, 2004).
Observar, simular, imitar, repetir, hierarquizar,
categorizar e associar são “técnicas” utilizadas
pelos bailarinos para facilitar a compreensão, a
retenção e a execução de uma coreografia
(STEVENS e McKECHNIE, 2005).
99
Da ação pensada ao pensamento
expresso na ação
Para tornar uma idéia coreográfica visível, o
bailarino terá que, inicialmente, realizar um grande
esforço cognitivo. Mesmo que o estilo de
movimento lhe seja familiar, a seqüência motora
não o é. A novidade da tarefa produz grande
ativação nas regiões corticais pré-frontais. Essas
regiões estão fortemente relacionadas às funções
executivas. No primeiro estágio de aprendizagem
motora na dança, são recrutadas especialmente
algumas funções executivas: a atenção seletiva, a
memória operacional, a solução de problemas e a
tomada de decisões, o planejamento e a motivação.
Além da região pré-frontal, as áreas que estão
especificamente relacionadas com a produção
motora, como as áreas motora primária, motora
suplementar e pré-motora, são fortemente ativadas
neste primeiro momento. Este é o estágio cognitivo
per se no qual o bailarino compreende a natureza
da tarefa e desenvolve estratégias para atingir a
meta. Aqui não se pode exigir uma excelência de
desempenho, pois ele ainda está buscando a melhor
maneira de realizar os movimentos.
Durante os processos de imitação e,
principalmente, de repetição, a aprendizagem vai
se tornando mais processual e menos declarativa.
Nesse momento, o intérprete não necessita focar
tanto a atenção, nem mesmo planejar e escolher
caminhos para aprender a seqüência. No entanto,
caso deseje, ele pode interferir na execução motora.
Pode-se dizer, então, que coexiste aprendizagem
processual e declarativa na fase de aprendizagem
associativa, na qual ele começa a refinar os
movimentos com a repetição (RIBEIRO, 2007).
Após inúmeras repetições, o aprendizado se
consolida e alcança-se o estágio autônomo. O
bailarino pode evocar passos e agir sobre eles
alterando a dinâmica da seqüência por meio, por
exemplo, de mudança no tônus dos movimentos.
Aqui, o conhecimento adquirido pode ser
conscientemente lembrado, mas a atenção não está
voltada para os movimentos e sim para o que
100
chamamos de interpretação única de cada artista.
O intérprete interfere cognitivamente naquilo que
foi aprendido por meio de acentos, de acelerações e
desacelerações, retenções, o que dota a coreografia
de uma graça toda particular àquele que a executa.
Este é o estágio autônomo, também conhecido como
o de automatismo. Nesse momento, o intérprete
pode emocionar-se com alguém da platéia, com a
própria apresentação, pode lidar com algum
imprevisto na execução coreográfica, ou seja, pode
concentrar-se numa tarefa secundária por haver se
especializado na seqüência e otimizado a eficiência
do movimento (RIBEIRO, 2007).
Na área de estudos sobre comportamento
motor, o movimento automatizado refere-se,
portanto, àquele estágio no qual não se necessita
uma atenção e monitoração consciente. No entanto,
na área de Artes Cênicas, o termo automatismo é,
muitas vezes, compreendido, de maneira pejorativa,
como “robótico”. O caráter “robótico” está
relacionado à mecanicização do movimento, à falta
do sentimento de “presença cênica”, à ausência de
intencionalidade, à falta de espaço para as emoções
e sentimentos. Desconhece-se que, no sentido
neural, a automatização é um mecanismo protetor,
pois permite a ativação simultânea de diversos
circuitos concomitante à execução coreográfica. As
funções motoras sob responsabilidade dos circuitos
pré-frontais passam a ser monitorizadas pelo
cerebelo e núcleos da base, liberando os circuitos
pré-frontais para executarem novas tarefas. A
própria relação das seqüências com algum tipo de
emoção que as “acompanha”, dotando o bailarino
de um “quê” especial que o distingue dos demais,
pode ser possibilitada pela liberação dos circuitos
pré-frontais em decorrência da automatização.
Como exemplo dessa liberação de funções
estritamente motoras dos circuitos pré-frontais,
destacamos um interessante trabalho. A atividade
neural de um desenhista profissional e de uma
pessoa comum, enquanto desenhavam uma série
de faces, foram comparadas por técnicas de
neuroimagem funcional (SOLSO, 2001). Essas
técnicas permitem identificar quais áreas cerebrais
estão ativadas ou envolvidas durante a execução
de um determinado paradigma experimental, no
caso, o desenho de faces. A região parietal posterior
direita, tradicionalmente associada com o
processamento de faces, estava mais ativa no nãoartista, enquanto que, no artista, o córtex préfrontal direito estava significativamente mais ativo.
Esse estudo sugere que o artista não precisava mais
da informação básica relacionada ao
processamento de faces, mas estava provavelmente
envolvido com a composição do desenho. Isso
reforça nossa hipótese de que o não recrutamento
da área pré-frontal na coreografia automatizada
deixa “espaço livre” para novas associações e
permite uma dose de liberdade ao intérprete da
dança.
Durante a realização de uma coreografia num
corpo de baile, por exemplo, o bailarino terá sua
atenção dividida entre os companheiros, o espaço,
a música, as reações da platéia, a qualquer
imprevisto que possa ocorrer, as emoções próprias
daquele dia, as memórias que lhe assaltarem a
mente e as próprias contingências do estado físico
do corpo, sem prejuízo da execução motora. Ao
contrário, devido ao alto grau de excelência
alcançado pela consolidação da aprendizagem, ele
poderá imprimir sua assinatura pessoal aos
movimentos.
E as emoções do artista?
É comum ouvirmos falar a respeito da
condição emotiva dos artistas. Preconceito ou não,
o fato é que esses profissionais são treinados a
explorar, a expor suas emoções e sentimentos mais
profundos. É certo que nem todo trabalho de arte,
seja teatro, dança ou outro, parte ou faz uso da
emoção como partícipe da construção sígnica. Mas,
é impossível dissociar movimento e emoção. Seja
ela elemento de constr ução simbólica ou
simplesmente parte da natureza humana que
emerge de maneira inesperada durante uma
apresentação cênica.
Durante a aprendizagem do movimento na
dança, a afetividade também se evidencia. O
conhecimento que o bailarino soma à seqüência
coreográfica aprendida possui forte componente
episódico e autobiográfico, e geralmente se
apresenta acompanhado de emoções ou memórias
emotivas. Os aspectos expressivos e afetivos na
criação e na execução de movimentos na dança
são o que possivelmente distingue o processo de
aprendizagem na dança daquele que ocorre em
outras áreas do movimento complexo como
atletismo, a ginástica rítmica ou de solo, os jogos,
etc (STEVENS e McKECHNIE, 2005). O
movimento é contaminado pelas emoções e assim,
‘virulento’, passa a dizer algo mais, passa a ter uma
significância
própria.
Somente
assim
compreendemos as variações na execução de uma
idêntica seqüência motora durante uma longa
temporada de apresentações. As emoções afetam
os movimentos conferindo-lhes matizes
diferenciados. E isso, sem prejuízo da excelência
devido ao estágio autônomo e, segundo nossa
proposta, à conseqüente “liberação” do lobo frontal
que poderá interferir no dançar de maneira
intencional, modulando cada fragmento da
coreografia.
Conclusão
A aprendizagem da dança coreografada
envolve, portanto uma série de requisitos
neurobiológicos que podem ser observados por
meio do mapeamento neural dos processos de
observação, simulação, imitação e repetição. São
necessários três estágios para que se consolide o
aprendizado de movimentos coreográficos:
cognitivo, associativo e autônomo. No ultimo
estágio o automatismo permite que o indivíduo
recrute novas associações neurais e matize seus
movimentos com sua interpretação pessoal. Esses
matizes são coloridos, principalmente, pelas
emoções que variam a cada apresentação e
permitem que o intérprete recrie a mesma
seqüência inúmeras vezes.
Manifestação cultural tão antiga quanto o
homem, a dança socializa, ritualiza, comunica,
expressa crenças, pensamentos, emoções por meio
101
de sua linguagem silenciosa. Mas por que as
pessoas decidem se expressar através da dança?
Essa pergunta persegue vários pesquisadores que
decidiram aproximar arte e ciência. Estaria a
resposta “representada” no cérebro, por meio de
circuitos neurais específicos? Ainda não se tem
resposta para essas e várias outras perguntas que
emergem dessas profícuas aproximações de áreas
de conhecimento. Talvez essa seja a razão do
crescente aumento do número de pesquisas
neurocientíficas que abordam a expressão da
dança, da música, do teatro, a recepção estética,
os efeitos do aprendizado de arte no cérebro.
Mas, de acordo com Kandel (2008, p.73),
referência clássica acerca dos estudos sobre
memória, a “arte proporciona uma visão do que
há sob a superfície das coisas”. Zeki (2001)
apresenta a arte como uma das mais ricas
experiências das quais nós somos capazes, mas
principalmente como uma expressão da
variabilidade que é a característica evolutiva
mais importante do cérebro humano.
À ciência a arte tem proporcionado saberes e
descobertas inesperadas. À arte, a ciência
possibilita um misterioso e sedutor percurso de
conhecimento que promete repercutir nos
processos metodológicos do ensino de arte.
Conhecimento este que elucida questões do único
ser que faz arte, o homem.
Referências:
BINKOFSKI, F.; AMUNTS, K.; STEPHAN, K.M.; POSSE,
S.; SCHORMANN, T.; FREUND, H.J.; ZILES, K.; SEITZ,
R.J. Broca’s region subserves imagery of motion: A
combined cytoarchitectonic and fMRI study. Human Brain
Map.v.11,n. 4,p. 273-85, 2000.
BOUQUET, C.A.; GAURIER, V.; SHIPLEY,T.;
TOUSSAINT, L.; BLANDIN, Y. Influence of the perception
of biological or non-biological motion on movement
execution. J Sports Sci. v.25, n.5,p.519-30, 2007.
102
CALVO MERINO, B.; JOLA, C.; GLASER, D.E.;
HAGGARD, P. Towards a sensorimotor aesthetics of
performing art. Conscious Cogn. v.17, p.911-22, 2008.
CROSS, E.S.; KRAEMER, D.J.M.; HAMILTON, A.F.C.;
KELLEY, W.M.; GRAFTON, S.T. Sensitivity of the action
observation Network to Physical and Observational Learning.
Cereb Cortex, p.1-12, 2008.
DECETY, J.; Jeannerod, M. Mentally simulated movements
in virtual reality: does Fitt’s law hold in motor imagery?
Behav Brain Res. v. 72, n. 1-2,p.127-34,1995.
DECETY, J.; JEANNEROD, M.; BETTINARDI, V.;
TADARY, B.; WOODS, R.; MAZZIOTTA, J.C.; et al.
Mapping motor representations with positron emission
tomography. Nature, v.371, p.600-2, 1994
DI PELEGLEGRINO G, FADIGA L, GALLESE V,
RIZZOLATTI G. Understanding motor events: a
neurophysiological study. Exp. Brain Res. v. 91, p.17680,1992.
FADIGA L, FOGASSI L, PAVESI G, RIZZOLATTI G.
Motor facilitation during action observation: a magnetic
stimulation study. J. Neurophysiol.v. 73, p.2608-11, 1995.
FONSECA, V. Cognição, Neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
GALLESE, V.; FADIGA, L.; FOGASSI, L.; RIZZOLATTI,
G. Action recognition in the premotor cortex. Brain, v.119,
p.593-609, 1996.
GRAFTON, S.T.; CROSS, E.S.; HAMILTON, F.C.; Building
a motor simulation de novo: Observation of dance by
dancers. Neuroimage, v. 31p.1257 –67,2006.
GRUND, F. Danse. In: Marzano M. Dictionaire du corps.
Paris: Presses Universitaires de France, 2007.
HAGENDOORN, I. Some Speculative Hypotheses about
the Nature and Perception of Dance and Choreography. JCS.
v. 11n.3–4, p. 79–110, 2004.
IACOBONI, M. Understanding others: imitation, language,
empathy. In: HURLEY, S.; CHATER, N. eds. Perspectives
on imitation: From Neuroscience to Social Science.
Cambridge, MA: MIT, p.77-99, 2005.
BROWN, S.; PARSONS, L. Neuroscience and Dancing. Sci
Am. v. 299, n.1,p. 78- 83, 2008.
IACOBONI, M.; WOODS, R.P.; BRASS, M.;
BEKKERING, H.; MAZZIOTTA, J.C.; RIZZOLATTI, G.
Cortical mechanisms of human imitation. Science, v. 286, p.
2526-28, 1999.
BROWN S.; MICHAEL, J.; MARTINEZ, Lawrence P. The
Neural Basis of Human Dance. Cereb Cortex. v.16, p. 115767, 2006.
JEANNEROD, M. The representing brain: Neural correlates
of motor intention and imagery. Behav Brain Sci. v. 17, p.
187-245, 1994.
KANDEL, E.R. Sob a superfície das coisas. Mente e
Cérebro, v.191, p.72-05, 2008.
MAEDA, F.; KLEINER-FISMAN, G.; PASCUAL-LEONE,
A. Motor facilittion while observing hand actions: specificity
of the effect and role of observer’s orientation. J.
Neurophysiol. v.87, p.1329-35, 2002.
RIBEIRO, M.M. Em Busca das Bases Neurofisiológicas
da Dança-Teatro de Pina Bausch. [Monografia]. Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto
de Ciências Biológicas; 2007.
RIBEIRO, M.M.; TEIXEIRA, A.L.; Aprender uma Coreografia: Contribuições das Neurociências para a Dança.
Neurociências Brasil, 2008 [no prelo].
RIZZOLATTI, G.; Fadiga, L.; Fogassi, L.; Gallese, V.
Premotor cortex and the recognition of motor actions.
Brain. Res. v.3, p.131–141, 1996.
RIZZOLATTI, G.; CRAIGHERO, L. The mirror-neuron
system. Annu Rev Neurosci. v. 27, p.169-92, 2004.
SACCO, K.; CAUDA, F.; CERLIANI, L.; MATE, D.;
DUCA, S. Motor imagery of walking following training in
locomotor attention. The effect of the tango lesson.
Neuroimage, v. 32, p.1441–9, 2006.
SANTOS, E.C. In: FUENTES, D.; MALLOY DINIZ, L.F.;
CAMARGO, C.H.P.; COSENZA, R.M. Neuropsicologia
Teoria e Prática. São Paulo: Artmed, 2008.
SOLSO, R.L. Brain activities in skilled versus a novice artist:
an fMRI study. Leonardo, v. 34, p.31-4, 2001.
STEVENS, C.; McKECHNIE, S. Thinking in action:
thought made visible in contemporary dance. Cogn
Process.v. 6, p.243-52, 2005.
ZEKI, S. Essays on Science and Society: Artistic creativity and
the Brain. Science, v.293, n.5527, p.51-52, 2001.
ZEKI, S. [citado 2007 out 10]. Disponível em: http://
www.Neuroesthetics.org/índex.html.
103
Formas de representação do
corpo negro em performance
Marcos Antônio Alexandre*
RESUMO: Este artigo apresenta como objetivo trazer para
discussão as identidades negras, analisando e resgatando as
formas de representação do corpo negro em performances e em
suas concepções espetaculares e ritualísticas. Assim, no
desenvolvimento do trabalho, é discutido a presença do negro
nos festejos do Congado e em dois textos espetaculares
produzidos e apresentados em Belo Horizonte, Minas Gerais,
Exercício Nº 1 e O Negro, a Flor e o Rosário.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo; negro; performance; Cuba;
Brasil
RESUMEN: Este artículo presenta como objetivo traer a la
discusión las identidades negras, analizando y rescatando las
formas de representación del cuerpo negro en performances y
en sus concepciones espectaculares y ritualizadas. Así en el
desarrollo del trabajo se discute la presencia del negro en los
festejos del Congado y en dos textos espectaculares producidos
y presentados en Belo Horizonte, Minas Gerais, Exercício Nº 1
y O Negro, a Flor e o Rosário.
PALABRAS CLAVE: Cuerpo; negro; rendimiento; Cuba;
Brasil
ABSTRACT: This article aims to bring to discussion the black
identities, by examining and rescuing the ways of representation
of the black body in spectaculars and rituals performances. Thus,
in the development of this work, it is discussed the black
presence in the celebrations of the Congado and in two spectaculars
texts produced and presented in Belo Horizonte, Minas Gerais,
Exercício Nº 1 and O Negro, a Flor e o Rosário.
KEYWORDS: Body; black; performance; Cuba; Brazil
“[...] falava da benção que um filho representa
para a mãe e para toda a família, porque ele herda
e perpetua a história e a memória.” (Ana Maria
Gonçalves, 2006, p. 207)
O Congado não é para turista ver —
pode até vim para olhar —, é uma expressão. É
a fé dos Congadeiros que sustenta a sua história.
(Frei Chico, 2006)
104
A articulação social das identidades e da
diferença constitui uma negociação complexa pelo
fato de envolver aspectos que não se manifestam
simplesmente na questão das minorias em si, mas
em uma combinação de formulações que são
inscritas numa relação entre a força, as estratégias
de poder e a capacidade humana que não são
homólogas. Dentro desta perspectiva, interessa-me,
para o desenvolvimento deste artigo, trazer para
discussão as identidades negras com o objetivo de
analisar e resgatar as formas de representação do
corpo negro em perfor mances e em suas
concepções espetaculares e ritualísitcas.
A partir deste viés, defendo como postura
crítica, tendo como foco a leitura de algumas
manifestações ritualísticas, perfor máticas e
artísticas, que a negritude — inscrita no corpo e
na pele — se instaura e se converte, muitas vezes,
em uma escrita/inscrição performática e, por sua
vez, perlocutória. Performática no sentido de como
o negro e seu corpo aparecem nos trabalhos
artísticos e ritualísticos — cenicamente e/ou
dramaturgicamente. Trata-se de um corpo crivado
de reminiscências de memória, um lugar de saberes
e de identidades que são perpetuados através dos
tempos. Esse corpo, como espaço diaspórico, pode,
por um lado, ser reportado ao “atlântico negro” e,
por outro, é [ou se vê] ressignificado quando se
integra ao continente americano e passa a produzir
e legitimar a sua cultura. Estas reminiscências da
memória mencionadas integram os ritos religiosos
afro-brasileiros desde a “descoberta” do país; em
* Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, Brasil
princípio, com a catequização dos indígenas que
viviam sob o território brasileiro e, logo depois,
com as diversas etnias africanas que chegaram aos
portos brasileiros nos negreiros que cruzaram os
mares — lugar de enunciação e de disseminação
da diáspora negra — trazendo nossos ancestrais e,
com eles, uma parte de nossa cultura, religiosidade,
história e memória, que é constituída de esperanças,
mágoas, energias, resistência.
Na
nossa
contemporaneidade,
teoricamente, a memória vem sendo utilizada de
diversas formas pelo sujeito pós-moderno1. Em um
contexto social visto por muitos como um
momento de valorização da inexistência de
verdades absolutas, onde, muitos negam a utopia,
apesar de termos a consciência de que essa existe
em distintas instâncias — ideológicas, intelectuais,
pessoais, políticas e sociais —, recorrer à memória
pode parecer contraditório. No entanto, considero
esses elementos — as utopias recorrentes da
modernidade, principalmente as anteriormente
citadas, e a memória pessoal e coletiva —, aspectos
fundamentais para os meus estudos relacionados à
valorização da cultura negra na sociedade brasileira
e nos espaços de formação de conhecimento — os
ambientes acadêmicos e artísticos —, espaços que,
muitas vezes, não fomentam estratégias para
discussão e inserção da cultura negra na nossa
sociedade.
Paul Ricoeur (2000, p. 81) aponta que
“Lembrar não é somente acolher, receber uma
imagem do passado; é também buscá-la, “fazer”
algo. O verbo “recordar” duplica o substantivo
“lembrança” [“recordação”]. O verbo designa o fato
de que a memória é “exercida.2” Dos dizeres do
autor, salta-me à vista sua afirmação de que a
memória é (e eu acrescento, “pode ser”) exercida.
Nesse sentido, vale a pena refletir sobre como esse
ato de exercê-la3, que nem sempre assume um
caráter positivo, vem sendo utilizado. Para esta
análise, interessa-me observar como o ato de
construir e reconstruir a memória torna-se
significante para a propagação e transcriação das
culturas afro-brasileiras. Ricoeur (2000, p. 51)
acrescenta à sua reflexão o argumento de que “[...]
uma boa parte da busca do passado se coloca sob
o signo da tarefa de não esquecer.”4 O fato de não
esquecer, a necessidade de criar arquivos e, ao
mesmo, constituir e reconstruir repertórios5 é um
dos instrumentos de veiculação e manutenção da
memória de uma comunidade (de um povo, de uma
nação).
Considero relevante investir na formulação
de que todo sujeito se constrói a partir da memória.
Neste sentido, vale a pena destacar o fato de que
as comunidades e cidades mineiras são
reconhecidas por serem fontes de cultura que se
manifestam por meio da transmissão mnemônica.
Nos rituais religiosos afro-brasileiros, disseminados
em diferentes cidades e povoados mineiros, os
saberes são transmitidos de pais para filhos, de
famílias para famílias, de geração para geração. Por
outro lado, é reconhecida a existência de pesquisas
1
Entendido aqui como os sujeitos que se vêem, na nossa
contemporaneidade, enfrentados ao mundo globalizado e dito pósmoderno, com toda a sua falta de utopias e descrenças no conceito de
totalidade e das verdades absolutas. Neste sentido, interessa-me a
argumentação proposta por Terry Eagleton (1993, p. 273): “O pósmodernismo tem sido audacioso no questionamento das concepções
tradicionais de verdade, e seu ceticismo frente às pretensões de uma
verdade absoluta e monológica tem produzido efeitos radicais genuínos.
Ao mesmo tempo, essa corrente tem mostrado uma tendência crônica
a caricaturar as noções de verdade produzidas por seus adversários,
criando alvos de palha de conhecimento transcendentalmente
desinteressado para ter o prazer de destruí-los ritualmente. Uma das
armadilhas ideológicas poderosas do humanismo liberal tem sido a de
assegurar uma relação supostamente intrínseca entre verdade e o
desinteresse, e é importante que os radicais a critiquem. A não ser que
tenhamos interesses de algum tipo, não teríamos por que nos importar
em descobrir qualquer coisa. Más é simples demais imaginar que todas
as ideologias dominantes operem necessariamente com conceitos de
verdade absolutos e auto-idênticos, que um toque de textualidade, de
desconstrução ou ironia auto-reflexiva possa desmontar. Uma oposição
assim simplista ignora a complexidade própria dessas ideologias, que
são bastante capazes, de vez em quando, de incluir a ironia e a autoreflexão entre suas armas”.
2
Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “Acordarse es no
sólo acoger, recibir una imagen del pasado; es también buscarla, “hacer”
algo. El verbo “recordar” duplica el sustantivo “recuerdo”. El verbo
designa el hecho de que la memoria es “ejercida”.”
3
Ricoeur propõe uma instigante reflexão sobre os usos e abusos da
memória no seu livro La memoria, la historia y el olvido (2000).
4
Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “[…] una buena parte de
la búsqueda del pasado se coloca bajo el signo de la tarea de no olvidar.”
5
Entendido, aqui, na concepção de Diana Taylor (2002, p. 16): “Há
maneiras contínuas de preservar e transmitir memória que vão dos
“arquivos” aos “corpos”, ou ao que chamo de “repertório” do
pensamento/memória do corpo, com todos os tipos de modos, mistos
e mediáticos, entre eles.”
105
que revelam que, na nossa contemporaneidade, tem
acontecido um processo de desvalorização da
memória religiosa em algumas culturas. A título de
exemplo, há estudos que comprovam que existem
casas de umbanda e de candomblé que têm sido
fechadas pelo fato de que seus líderes vêm se
convertendo ao protestantismo. Essa relação, no
entanto, positivamente, não pode ser estabelecida
com os rituais do Congado, que continuam sendo
festejados em diferentes regiões do estado de Minas
Gerais, cultuando os santos católicos que integram
os reinados: Nossa Senhora do Rosário, Nossa
Senhora das Mercês, Santa Efigênia e São Benedito.
I – O Congado em Minas Gerais
Em Minas, as festas de Nossa Senhora do
Rosário integram várias comunidades. Segundo
Glaura Lucas,
Falar do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em
Minas Gerais, mais conhecido como Congado, é falar de
uma tradição historicamente importante na formação
cultural do país, e geograficamente tão próxima, apesar
de tão distante do conhecimento e do imaginário da
sociedade em geral, no que se refere ao seu contexto e
significado. (LUCAS, 2006, p. 75)
A pesquisadora, didática e criticamente,
conceitua:
O Reinado é uma manifestação religiosa afro-brasileira,
em sua especificidade mineira, fruto do sincretismo entre
o catolicismo europeu e expressões da religiosidade
africana, sobretudo de origem bantu, resultante da
imposição cultural sofrida pelos negros durante a
escravidão, no interior das irmandades religiosas. Sua
música representa igualmente uma síntese do impacto
de uma cultura sobre a outra, através do qual transcriações
e ressignificações se processaram juntamente como
estratégias de resistência para a preservação de elementos
e significados fundamentais. (LUCAS, ibidem)
A preservação desses elementos e significados
fundamentais citados pela autora são, em grande
parte, legitimados, estabelecidos e transmitidos por
famílias e comunidades afro-brasileiras a partir da
memória corporal, que é vivificada durante os
festejos. Nos meses de festa, as comunidades se
agrupam para louvar e agradecer a Nossa Senhora
do Rosário. Nesses momentos, os corpos dos
congadeiros em procissão se convertem em um
106
corpo de memória, sua significância é mais
abrangente, representam muito mais que o corpo
físico em performance, pois, no momento em que
se processa e se vive o ritual, os corpos permitem
estabelecer um diálogo entre o passado e o
presente, perde-se a dimensão espaço-físicocorporal e passa integrar a dimensão espaçomemória-corporal. Recorrendo mais uma vez às
palavras de Paul Ricoeur (2000, p. 191), que
explicita que “Entre o espaço vivido do corpo
próprio e do entorno e o espaço público se intercala
o espaço geométrico. [...] O ato de habitar, de “viver
em”, situa-se nos confins do espaço vivido e do
espaço geométrico. Porém, o ato de habitar só se
estabelece mediante o de construir.6" No momento
de vivência do ritual, a dimensão espacial, corporal
e mnemônica é rompida e o que se presencia é uma
integração. Como propõe Ricoeur, o ato de habitar
é estabelecido por meio da construção de um
momento único e podemos vivenciar uma escritura
que além de performática, corpórea e litúrgica no
tempo e no espaço, inscreve-se a oralitura 7,
possibilitando o surgimento de uma tessitura de
memória pessoal e coletiva de uma diáspora negra,
que se converte em um repertório enunciador de
um discurso de integração corporal, social e
comunitária.
Na manifestação performática do Congado, o
sujeito é parte integradora do festejo. Neste sentido,
o corpo é fonte de resistência e de propagação da
cultura e, claro, de perfor mance. Por que
6
Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “Entre el espacio
vivido de lo cuerpo propio y del entorno y el espacio público se
intercala el espacio geométrico. [...] El acto de habitar, de “vivir en”, se
sitúa en los confines del espacio vivido y del espacio geométrico. Pero
el acto de habitar sólo se establece mediante el de construir.”
7
Conceito proposto por Leda Maria Martins, no qual se trabalha a visão
da literatura afrodescendente no Brasil, entre outras formas de cultura,
que considera não só a produção escrita como também as manifestações
cunhadas a partir da oralidade. Segundo as palavras da autora: “A esses
gestos, a essas inscrições e palimpsestos performáticos, grafados pela
voz e pelo corpo, denominei oralitura, matizando na noção deste
significante a singular inscrição cultural que, como letra (littera) cliva a
enunciação do sujeito e de sua coletividade, sublinhando ainda no
termo seu valor de litura, rasura da linguagem, alteração significante,
constitutiva da alteridade dos sujeitos, das culturas e de suas
representações simbólicas.” (MARTINS, 2002, p. 87, grifos da autora)
performance? Porque, como Richard Schechener8, leio
e relaciono a performance como uma ação ritualizada,
reiterativa, um “comportamento recuperado”:
de um rei ou de uma rainha Conga, as
reminiscências da memória são evocadas.
Ajoelhai, senhora, enfrente de Nossa Senhora; ajoelhai,
senhora. (repetido por toda comunidade)
Arrecebei, senhora, arrecebei, senhora, o manto de Nossa
Senhora, arrecebei senhora. (repetido por toda comunidade)
Já recebeu, senhora, já recebeu, senhora, o manto de
Nossa Senhora, já recebeu, senhora. (repetido por toda
comunidade)
Vai receber, senhora, vai receber, senhora, a coroa de
Nossa Senhora, vai receber, senhora. (repetido por toda
comunidade)
Olhai no céu, vem descendo uma coroa,
Vai receber a coroa de Nossa Senhora [...]
Foi coroada, senhora, foi coroada senhora, enfrente de
Nossa Senhora, foi coroada, senhora. (repetido por toda
comunidade)
Bendito louvado seja! Que Nossa Senhora do Rosário
abençoa. Que vós tenha tanto amor pela coroa como
teve a senhora sua mãe. 12
As performances marcam identidades, redefinem o
tempo, reformulam e adornam o corpo, e contam
histórias. Performances — de arte, de ritual ou da vida
diária — são feitas de “comportamentos duplamente
realizados”, “re-estabelecem comportamentos
recuperados”, performatizam ações que as pessoas
treinam para realizar, que elas praticam e ensaiam.
(SCHECHENER, 2002, p. 22)9
Essas relações integram os rituais dos festejos
do Congado e se fazem presentes não só nos dias
em que se celebram as datas religiosas relacionadas
aos Santos patronos dos festejos — realizadas nos
meses de maio, julho, outubro, novembro de acordo
com o calendário de cada região —, como também
nos encontros para coroação e descoroação de reis
e rainhas Congos. Nestes momentos, os
instrumentos que são utilizados nas procissões e
cortejos 10 ressonam para que os participantes
performatizem — os ternos percorrem os espaços
públicos e urbanos em um cortejo compassado e
com passos marcados — e, ao mesmo tempo,
também são ritualmente ressignificados. Por
exemplo, a gunga, instrumento que nasceu de um
artifício usado para tolher a liberdade dos negros à
época escravidão11, converte-se em uma “arma” de
liberdade e de identidade, uma vez que pode ser
lida como um símbolo de cultura dos negros no ritual
performático, marcando o ritmo, a beleza e a leveza
do festejo. Por sua vez, semiologicamente, durante
o ritual, a gunga liga o corpo do negro a terra, e pode
ser interpretada como o instrumento que propicia
um elo entre a ancestralidade e a representação
mnemônica que vai possibilitar que os integrantes
possam reviver o momento de coroação do Rei
Congo. Os passos marcados e sincopados, com toque
dos pés no chão clamam pela terra, a grande mãe, o
espaço de vida e de morada eterna.
Segundo as palavras de Ana Cristina Pontes e
Marcelo Vilarino (2006, p. 43), no Congado, “As
coroas simbolizam duas esferas do sagrado que se
interpenetram — são o elo com os santos de
devoção e representam a vinculação com a
ancestralidade africana.” Portanto, no coroamento
8
Para Schechner, um dos pioneiros no campo dos estudos das artes
performáticas, performances são ações. Segundo o autor, as performances
“Ocorrem em diversas instâncias e tipos. A performance deve ser
construída como um “amplo espectro” ou “gama” de ações humanas
que englobam rituais, jogos, esportes, manifestações populares,
entretenimentos, as artes do espetáculo (teatro, dança, música), e
performances da vida quotidiana para a promulgação de papéis sociais,
profissionais, sexuais, raciais e de classes, bem como sobre a cura (do
xamanismo à cirurgia), os meios de comunicação e a internet. Antes dos
estudos da performance, pensadores ocidentais achavam que sabiam
exatamente o que era e o que não era “performance”. Mas, na verdade,
não há, histórica ou culturalmente, um limite fixo sobre o que é ou não
“performance”. A essa gama de ações, outros gêneros são adicionados,
outros são abandonados. A idéia subjacente é a de que qualquer ação que
está enquadrada, apresentada, que chama a atenção, ou que se expõe é
uma performance. Muitas performances pertencem a mais de uma
categoria dessa gama.” No original, em inglês. Tradução minha: “Occur
in many different instances and kinds. Performance must be constructed
as a “broad spectrum” or “continuum” of human actions ranging from
ritual, play, sports, popular, entertainments, the performing arts (theatre,
dance, music), and everyday life performances to the enactment of
social, professional, gender, race, and class roles, and on the healing
(from shamanism to surgery), the media, and internet. Before
performance studies, Western thinkers believed they knew exactly what
was and what was not “performance”. But in fact, there is no historically
or culturally fixable limit to what is or is not “performance”. Along the
continuum genres are added, others are dropped. The underlying notion
is that any action that is framed, presented, highlighted, or displayed is
a performance. Many performances belong to more than one category
along the continnum.”
9
No original, em inglês. Tradução minha: “Performances mark identities,
bend time, reshape and adorn the body, and tell stories. Performances
— of art, ritual, or ordinary life — are made of “twice-behaved
behaviors,” “restores restored behaviors,” performed actions that people
train to do, that they practice and rehearse.”
10
Alguns instrumentos utilizados são: acordeão, tambores (caixas), cuícas,
gungas, pandeiros e reco-recos.
11
O instrumento era amarrado ao tornozelo dos escravos fugidos para
que assim eles pudessem ser facilmente descobertos e “recuperados”.
12
A reprodução dos trechos descritos não é integral. Trata-se apenas de
um fragmento dos dizeres, que foram gravados durante uma cerimônia
de coroação de uma rainha e, depois, transcritos.
107
A santa retirada do rio atraída pelos tambores,
performatizados em uma batida compassada e
pelos cantos dos negros de Moçambique, mais uma
vez, volta à cena. Na coroação da rainha, à sua
coroa se une o manto — alusão à Virgem Santa e
ao seu manto sagrado, referência ao catolicismo e,
obviamente, aos reinados europeus —, que deverá
ser honrado e bem cuidado, como símbolo da
proteção e do poder, faculdade essa que é
legitimada pelos integrantes da comunidade e,
nesse sentido, representa muito mais do que
qualquer forma de poder legitimada pelo Estado.
É a representação de um coletivo, pois um dos
papéis que assumirá é o de guiar (aconselhar,
unificar) as pessoas que estarão sob seu reinado.
Ou seja, além da coroação e integração da rainha
na comunidade, há a constatação do legado que
lhe é transmitido e que deverá ser cuidado. É a
“benção que um filho representa para a mãe e para
toda a família [neste caso, para toda a comunidade],
porque ele herda e perpetua a história e a memória.”
Assim como na coroação, no ritual de
descoroação, também se revive e se recupera as
reminiscências da memória pessoal, coletiva e
corporal que são reiteradas a partir do corpo em
performance de todos da comunidade, que, no
momento de ação/representação (dança, rito,
gesto, ritmo, passagem), resgata um comportamento
ancestral possibilitando assim a interação
mnemônica entre o presente e o passado vivificado.
Neste caso, no entanto, não há como não deixar de
observar que o ritual é regido pelo sentimento de
perda. Na nossa sociedade, a vida é associada
socialmente à alegria, à boa ventura, ao futuro e,
por sua vez, a morte à tristeza, à perda, à ausência.
Somos conscientes de que os sentimentos
associados tanto à vida quanto à morte são
estabelecidos culturalmente e que a morte nem
sempre vai assumir o caráter negativo, de perda,
tão comum ao cristianismo. Há culturas em que se
festeja a morte e que o luto assume outra
conotação, onde não se evidencia apenas o
sentimento de perda, mas, principalmente, o de
passagem. A título de exemplo, destaco, em
108
primeiro lugar, alguns povos africanos que além
de realizarem todas as cerimônias fúnebres para os
seus mortos, festejam-nos cantando e dançando em
suas homenagem, além de comerem e beberem com
muita fartura, geralmente, os alimentos que eram
apreciados pelo defunto. Para esses povos não se
trata de uma violação de conduta ou de uma
profanação, mas simplesmente uma forma de
honrar ao parente ou conhecido que foi chamado
para voltar ao reino de Orum. Em segundo lugar, o
culto aos mortos no Mundo Maia13, que, hoje, é
uma mescla de rituais pagãos e cristãos. Neste
sentido, enquanto na Guatemala se dança rumo
ao cemitério, no México, os maias da península de
Yucatán, Tabasco e Chiapas preparam comidas,
levantam altares e rezam para os defuntos.
No ritual de descoroação de uma rainha, o
som sincopado das caixas também é entoado. As
crianças, jovens e adultos da comunidade (todos
com o rosário no peito) também cantam e dançam,
13
“Novembro é, para o Mundo Maia, o mês dos mortos. Acredita-se,
pressente-se, pela memória histórica e cultural, que, nestas datas, lhes
são permitidos abandonar o além e vagar uns dias pelo mundo. Eles
buscam suas casas, seus familiares, suas terras. Quando as encontram,
ficam para comer e beber, compartilham presentes, anedotas e, assim
que estão satisfeitos, retornam para sua morada eterna. Voltarão no
próximo ano, nos dias 1 e 2 de novembro, em um ciclo permanente
que mantém a vida e a morte unidas. Este perpétuo retorno é uma
crença fortemente arraigada entre as diversas comunidades do Mundo
Maia. São povos acostumados a olhar para o passado e tê-lo em conta e
para os quais morrer é somente abandonar este mundo e habitar outro.
Entretanto, cada lugar tem características distintas quando chega a hora
de se comunicar com seus mortos. Muitos o fazem sofrendo e revivendo
o luto, outros festejando e alguns, inclusive, dedicando-se aos jogos da
sorte. Todos têm o mesmo objetivo: deixar satisfeitos a aqueles que
voltam do além, pois se acredita que somente assim eles conseguirão o
descanso
de
suas
almas.”
Disponível
em
http://
www.mayadiscovery.com/es/vida/default.htm. No original, em
espanhol. Tradução minha: “Noviembre es, para el Mundo Maya, el mes
de los muertos. Se cree, se presiente, por memoria histórica y cultural,
que en estas fechas se les permite abandonar el más allá y vagar unos
cuantos días por el mundo. Buscan sus casas, a sus familias, sus tierras.
Cuando las encuentran, se quedan a comer y a beber, comparten regalos,
anécdotas y, una vez satisfechos, regresan a su eterna morada. Volverán
el próximo año, los días 1 y 2 de noviembre, en un permanente ciclo
que mantiene unidas la vida y la muerte. Este retorno perpetuo es una
creencia firmemente arraigada entre las diversas comunidades del Mundo
Maya. Son pueblos acostumbrados a mirar hacia el pasado y a tomarlo
en cuenta, para los cuales morir es solamente abandonar este mundo y
habitar en otro. Sin embargo, cada sitio tiene características distintivas
cuando llega la fecha de comunicarse con sus muertos. Muchos lo
hacen sufriendo y reviviendo el duelo, otros festejando y algunos,
incluso, dedicándose a los juegos de azar. Todos tienen el mismo
objetivo: dejar satisfechos a quienes vuelven del más allá, pues se cree
que solamente así éstos lograrán el descanso de sus almas.”
mas agora com o intuito de prestar a última
homenagem à sua rainha. Os sentimentos de dor e
tristeza não conseguem tomar conta do ambiente,
ou seja, não é que se cultue e se promova a alegria,
pois todos sentem a perda não só da rainha, mas da
mulher, da vizinha, da conselheira. É um momento
em que as guardas masculina e feminina se
despedem da rainha. O canto masculino se integra
ao feminino e, ao mesmo tempo, se evoca os nomes
dos santos patronos e todos respondem: “Viva Nossa
Senhora do Rosário” e “Viva São Benedito”. Rezase um pai nosso e, como salmo de resposta, três
Ave-Marias. Cada membro do cortejo beija a coroa
da rainha. Um líder local canta com voz grave e forte:
“Vou entregar êêê, vou entregar êêê”. A coroa é
entregue à filha que a beija e a segura solenemente
— mais uma vez, perpetua-se o legado ancestral. O
estandarte de Nossa Senhora do Rosário é erguido.
Oi tá chegando a hora de ir
Ôôô
Oi tá chegando a hora de ir
Ôôô
Meu coração tá me doendo
Ôôô
Com muita dor no coração
Vamos entregar a nossa rainha...
O rito de descoroação e de despedida está
completo. “É a fé dos congadeiros que sustenta a
sua história”. Retomo essas palavras de Frei Chico,
pronunciadas em uma missa conga, para corroborar
o meu discurso e postura crítica e ideológica, pois
interpreto e considero os rituais dos reinados e, por
sua vez, os Congadeiros como grupos de resistência,
pois cumprem com a função de fazer com que se
mantenham vivos os ritos e a memória dos
antepassados, representando aqueles que reviveram
e ainda revivem, no século XXI, a partir do corpo,
da memória corporal e da reiteração gestual, a
história do negro. Para a minha argumentação e
leitura crítica, considero que, nos festejos, cada
integrante em cena cumpre com a função de realizar
uma cerimônia social, que, por sua vez, enfatiza as
identidades culturais do povo mineiro (e de todos
afrodescendentes), fazendo dialogar seus mitos, sua
religião e sua ideologia.
II – Exercício nº 1 (2006)
O Exercício nº 1 é um espetáculo cênicomusical do grupo Rosa dos Ventos14. A concepção
e direção é de João das Neves e Titane, cantora
que também assina e a direção musical em parceria
com o cantor e compositor Sérgio Pererê.
Foto de João Castilho
A concepção do trabalho partiu de uma
dramaturgia do ator baseada em células rítmicas para
criação de personagens e desenvolvimento de
linguagem para coro e percussão. O espetáculo
integra elementos das Artes Cênicas, entendendo o
teatro, a música e a dança como práticas em espaços
coletivos: é uma encenação compartilhada com a
platéia, que é convidada a participar da montagem
em vários momentos da representação. A proposta
espetacular apresenta referências dos cortejos
populares e folias de reis e foi concebida e
14
O Grupo Rosa dos Ventos foi criado a partir das oficinas e formação
artística ministradas no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte pela
cantora Titane e o diretor teatral João das Neves. O projeto contou
também com a colaboração da preparadora corporal Irene Zivianni e do
músico Sérgio Pererê. Em atividade desde 2005, o grupo alia o teatro, a
dança e a música em um coro cênico-percussivo. As referências partem
da cultura popular como: congado, folia de reis, folguedos e festejos
populares. A proposta é realizar uma musicalidade próxima às raízes
afro-mineiras, movimento este que, uma vez desencadeado, gera força
expressiva e ocupação cênica. O Grupo participou de importantes
eventos do calendário cultural de Belo Horizonte como o 5º Festejo do
Tambor Mineiro (Agosto, 2007), o Festival de Arte Negra – FAN (2006),
o Festival Internacional de Teatro-FIT (2006), os Tambores de Natal
(2006); além de participar como convidado do show “Titane e o Campo
das Vertentes”, realizado no Grande Teatro do Palácio das Artes
(novembro de 2006). Entre novembro e dezembro de 2007, o Grupo
circulou com o Exercício nº 1, por quatro Centros Culturais de Belo
Horizonte (Alto Vera Cruz, Vila Marçola, Pampulha e Liberalino Alves).
109
apresentada, em um primeiro momento, no Parque
Lagoa do Nado, um espaço público de Belo Horizonte
em que a natureza se revela como grande aliada.
O espetáculo inicia com um grande cortejo,
onde o público, separado do espaço no qual estão
os atores/performers — um lago separa a audiência
dos atores (cerca de trinta integrantes) — não se
trata de um grupo de apenas atores negros, os
integrantes possuem diversas habilidades artísticas
nas áreas de dança, teatro e música —, começa a
acompanhar o deslocamento dos atores que,
segurando uma vela, cantam e se dirigem ao encontro
da audiência em direção ao outro lado do lago. Neste
momento, é como se fosse recriado um terno do
Congado. Ao som da música, os corpos de
movimentam em sincronia, integrados ao ritual que
é reconcretizado e corporificado cenicamente. O
espaço da Lagoa do Nado é ressignificado
dramaturgicamente. Os passeios públicos, a lagoa,
as árvores, são integrados à representação.
Foto de João Castilho
É de lei e é devera
É de lua, é de luar
Quando um negro velho canta
Faz as estrela brilhar
E a lua canta junto
Com o negro no congar.
É de lei e é devera
É de lua, é de luar
Vou seguindo entre os espinhos
Sem sequer me arranhar
110
Pois meu velho abre caminho
Ou me leva pelo ar.
É de lei e é devera
É de lua, é de luar
Quando um negro velho chora
Faz o rio virar mar
Mas não há de haver o dia
Dessa tristeza chegar.
É de lei e é devera
É de lua, é de luar
Uma legião de negro velho
Vem me visitar
Trazendo São Benedito
E a Senhora do Rosário.15
A música é uma das linguagens fundadoras da
proposta espetacular. É como se fosse construído
um mosaico composto por imagens, canções e
histórias, que remetem o espectador a um universo
de fabulações e de fragmentos de memórias pessoais
e coletivas. Tal assertiva pode ser corroborada a
partir da leitura da letra da música de Sérgio Pererê
que traz simbolicamente os festejos do Congado para
o texto espetacular. A figura do negro velho —
símbolo de ancestralidade, sabedoria e perpetuação
da memória — vai sendo reconstruída. Num
primeiro momento, por meio de sua canção, é signo
de esperança, guia e abre os caminhos que são
repletos de percalços (espinhos) — talvez, por que
não?, de um negro em fuga —; em seguida assume
simbolicamente a imagem da dor — o choro
ancestral de milhares de negros; e, por fim, é a
possibilidade de reencontro e de propagação da
cultura, pois é quem traz, tendo o corpo negro
multiplicado em uma legião de outros corpos negros
velhos, os santos para serem festejados.
III – O negro, a flor e o Rosário
(2008)
O espetáculo apresenta concepção, roteiro,
música e direção musical de Maurício Tizumba, a
direção cênica é de Paula Manatta e traz no elenco
15
Velhos de corôa. Música de Sérgio Pererê utilizada no espetáculo.
nove atrizes negras, entre elas a filha de Tizumba,
Júlia Dias. Trata-se de um musical, onde Tizumba
se propõe a levar para o palco, de forma lúdica,
“contos” e “figuras” da cultura afro-brasileira:
Orixás, Zumbi dos Palmares, Dandara, Saci Pererê,
Cosme e Damião e Nossa Senhora do Rosário.
Foto de Netun Lima16
No programa do espetáculo, Maurício
Tizumba informa sobre a sua origem e a sua
formação dentro da cultura e da religião afrobrasileira:
Quem sou eu? Sou um artista popular por profissão,
que teve a felicidade de nascer em meio a manifestações
tão ricas e de matriz africana.
Sou neto de Orminda de Souza, a benzedeira que curava
quebranto, vento virado e outras moléstias usando
guiné, arruda, espada de São Jorge e uma infinidade de
ervas que às vezes, a mando dela, a gente mesmo ia no
mato buscar.
Com ela eu aprendi a rezar o terço, o rosário e o gosto
pelos festejos de reinado, que é uma manifestação
religiosa bantu católica (o congado).
Sou filho de Eni Kizalelu, a primeira ekede de Belo
Horizonte, feita pelo bate-folha da Bahia, na casa de
Tateto Nepangi. Por ela, me tornei chicarangongo (ogan)
da casa de Tateto Londeji e lá eu aprendi a cultuar os
inquices (orixás), a adorar a natureza, ter espírito de
irmandade e rezar o kibuko no candomblé de Angola.
Tomei coragem de montar este espetáculo depois de ter
trabalhado quase dois anos com o grande mestre João
das Neves, no Rio de Janeiro.
O tema é o mesmo, negritude. A forma é a
mesma, contação de histórias. E, por que contação
de histórias? Por que a história do povo negro
brasileiro tem que se contada e recontada da maneira
correta.
Assim, me torno um eterno aprendiz da minha
própria história. Quando criança, aprendi muito em
ioruba. Hoje, aos 50 anos, estou reaprendendo
tudo, só que em bantu. (TIZUMBA, 2008)
As palavras do artista, aqui transcritas
integralmente, além de revelar o lugar de onde ele
enuncia o seu discurso — um espaço forjado na
encruzilhada, discursiva e sincrética —,
introduzem o espectador e o ambientam no
universo que vai ser recuperado e reinterpretado
cenicamente.
Considero relevante reiterar o fato de que, no
musical, há uma tentativa de trabalhar com os
contos e fabulações míticas que integram a nossa
cultura. A montagem inicia com um cortejo que
remete o público para o campo dos rituais do
Congado. Ao som de um tambor, tocado por
Tizumba, as atrizes, entoando uma cantiga
adentram o teatro e como se estivessem fazendo
parte de um terno da Congada, encaminham para
o palco, onde serão recuperados distintos mitos que
serão performatizados cenicamente. Nota-se que
há uma preocupação de transcriação dos mitos,
além de uma busca por uma unidade cênico-textual
que é alinhavada não só pela temática, mas também
pelas coreografias, músicas e ensinamentos que são
trazidos para cena. A partir dos Orixás, por exemplo,
os artistas expressam sobre as divindades cultuadas
no candomblé e vivenciadas na cultura brasileira.
Há uma tentativa de representação, energeticamente, das danças de Ogum, Oxossi,
Iemanjá, Nanã, Oxumaré, Obaluaê, Xangô, Iansã
e Oxum. Os elementos e matérias da natureza —
água, vento, terra, arco-flecha, ferro etc. — são
ressignificados e incorporados nas partituras
corporais das atrizes/performers. Aqui, tenta-se
recuperar o corpo crivado de memória coletiva por
meio dos movimentos coreografados propostos para
a representação da dança de cada orixá
16
Disponível em http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/
modulos/galeria_foto/portlets/galeria_mostrar?id_galeria=412.
111
mencionado. Um dos mitos de Obaluaê/Omolu é
trazido para cena. Trata-se do relato em que
Obaluaê ao ter o corpo coberto pelas feridas,
abandona a cidade para viver afastado de todos,
pois acreditava seria repelido pelas pessoas. Uma
das versões do mito é a seguinte:
Há muitos e muitos anos, um episódio interessante
percorre a África inteira. É sobre uma grande festa, que
reunia uma lista de ilustres convidados – Oxum,
Iemanjá, Oxalá, Xangô, Oxossi, Ossaim, Obá,
Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e Oxumaré. Todos os
orixás estavam lá. Na verdade, quase todos, porque
faltava o Omolu.
Omolu ficou do lado de fora com vergonha das marcas
que a varíola lhe deixara no rosto. Ao saber disso, Ogum
correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá,
para que o irmão participasse da festa. Omolu entrou,
mas ninguém quis dançar com ele. Mesmo cobertas,
suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa
Iansã foi a única que o chamou para uma dança. E como
Iansã é a orixá dos ventos, sem querer, mandou a roupa
de Omolu pelos ares!
Qual não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu
um homem lindo, sem defeito algum. Ao ver a beleza
de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os
masculinos se morderam de inveja. Omolu ofereceu à
Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia, passou
a dançar sempre sozinho nas festividades.17
Ao incorporar o mito à sua montagem, Maurício
Tizumba não só explica, no campo do ensinamento,
as características do Orixá, como também explicita
cênica e didaticamente para o público o porquê de
o Orixá usar a roupa de palha [o olifá] e sua
importância dentro do culto do candomblé.
Em outro momento, a partir da figura de
Zumbi dos Palmares se busca mostrar o símbolo
de igualdade, liberdade e resistência dos negros. O
mesmo acontece com a representação da
personagem Dandara, a mulher guerreira, que lutou
em defesa do Quilombo de Palmares e que é pouco
reconhecida pela maioria do público presente. O
artista plástico Eduardo Félix, que assina o cenário
e o figurino, faz dois bonecos em tamanho real de
Zumbi e de Dandara, que são manipulados pelas
atrizes, aparecendo em cena tocando tambor. O
instrumento aqui cumpre com o papel de religare,
cumprindo com a função de ligar os dois espaços:
112
o terreno e o das deidades, buscando restabelecer
a ligação perdida com os dois universos.
Lembremos, em primeiro lugar, que o Ogan é
aquele que, inspirado pelo Orixá, empresta suas
mãos para tocar os atabaques — Rum, Rump, Le,
como são nomeados na nação Jeje — fazendo a
música para que a deidade possa dançar. Por outro
lado, o mesmo tambor será um dos instrumentos
fundamentais para os rituais da Congada ou
mesmo para os blocos afros em suas distintas
concepções e formações. Os bonecos de Zumbi
e Dandara passam a ser lidos não só como ícones
históricos e líderes negros, mas também como
portadores de ancestralidade e como cor pus
inscritos de memória.
Outros nomes retratados no musical são Saci
Pererê — com suas brincadeiras e travessuras — e
os santos milagrosos Cosme e Damião. Essas
personagens são as responsáveis pelo caráter lúdico
da montagem. Na figura de Saci Pererê, Tizumba
mexe com o imaginário de adultos e crianças,
ensinando as artimanhas e armadilhas que devem
ser utilizadas para prender um Saci e como lidar
com suas traquinagens. Ao mesmo tempo, balas
são atiradas ao público e são relatadas as histórias
sobre São Cosme e São Damião18, explicando o
17
Disponível em http://www.acordacultura.org.br/main.asp?View=
%7B716826A6 -8DAC-4709-BCC5-FCB2E7C500CE%7D.
18
São Cosme e São Damião, os santos gêmeos, morreram em cerca de
300 d.C. Sua festa é celebrada em 27 de setembro. Somente a Igreja
Católica comemora no dia 26 de setembro pois, segundo o calendário
católico, o dia 27 de setembro é o dia de São Vicente de Paulo. Há várias
versões para suas mortes, mas nenhuma comprovada por documentos
históricos. Uma das fontes relata que eram dois irmãos, bons e caridosos,
que realizavam milagres e por isso teriam sido amarrados e jogados em
um despenhadeiro sob a acusação de feitiçaria e de serem inimigos dos
deuses romanos.Segundo outra versão, na primeira tentativa de matálos, foram afogados, mas salvos por anjos. Na segunda, foram queimados,
mas o fogo não lhes causou dano algum. Apedrejados na terceira vez, as
pedras voltaram para trás, sem atingi-los. Por fim, morreram degolados.
Segundo a crença popular apareceram materializados depois de mortos,
ajudando crianças que sofriam violências. O dia de São Cosme e Damião
é celebrado também pelo Candomblé, Batuque, Xangô do Nordeste,
Xambá e pelos centros de Umbanda onde são associados aos ibejis,
gêmeos amigos das crianças que teriam a capacidade de agilizar qualquer
pedido que lhes fosse feito em troca de doces e guloseimas. O nome
Cosme significa “o enfeitado” e Damião, “o popular”. Estas religiões os
celebram no dia 27 de setembro, enfeitando seus templos com
bandeirolas e alegres desenhos, tendo-se o costume, principalmente no
Rio de Janeiro, de dar às crianças (que lotam as ruas em busca dos
agrados) doces e brinquedos. Informações disponíveis em http://
pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3%A3o.
porquê de eles serem considerados os protetores
das crianças.
não só demonstram o caráter de espontaneidade
das manifestações de massa, mas também
possibilitam que repensemos e nos aproximemos
mais de nossa cultura e de nossas matrizes africanas.
À Guisa de Conclusão
Foto de Netun Lima19
Nossa Senhora do Rosário — considerada a
mãe dos negros congadeiros e candombeiros, e
protetora daqueles que veneram o seu rosário —,
não só integra o roteiro do musical de Maurício
Tizumba como também pode ser considerada como
um mote de estruturação da proposta cênica. Além
de o espetáculo ser aberto com um cortejo que nos
remete àqueles realizados no do Congado, os
elementos relacionados a esse rito são retomados
em outros momentos durante a apresentação.
Quando trago para discussão os trabalhos
artísticos aqui apresentados, faço-o por considerar
importante o ato de transportar para a cena (seja
no palco ou em um espaço não-convencional) os
rituais religiosos e as fabulações e manifestações
culturais aqui retratadas, ainda que eu seja
consciente de que há aqueles sujeitos (praticantes
das religiões e alguns pesquisadores) que
consideram que os rituais devem ser restritos aos
seus lugares de prática. No entanto, considero que
não se trata de um “mal” uso dos rituais quando se
busca como propósito uma recuperação das
energias que integram tais ritos. Neste sentido,
acredito que os trabalhos, aqui retratados, tentam
alcançar esse objetivo e, além de reconcretizarem
as temáticas pesquisadas para a nossa
contemporaneidade, permitem que o público possa,
de alguma maneira, se vê representado em cena,
uma vez que os aspectos discutidos nas montagens,
Devo reforçar a idéia de que, no instante de
realização (vivência) dos rituais e festejos — do
Congado ou de manifestações religiosas ou
artísticas discutidas neste texto —, a dança, os
passos marcados, em harmonia e em conjunto com
a música, os cânticos e as vozes daqueles membros
das comunidades; realizam, concretizam e,
concomitantemente, dão voz aos aspectos culturais
que perpassam pelo corpo de cada integrante,
diluindo assim as fronteiras entre as linguagens do
rito, da performance e da dança, conjugando-as no
ambiente, que pode ser lido como o cenário de
execução do ato performático e ritualístico.
Se em Exercício nº 1, pelo fato de ser
apresentado em um espaço público e de o elenco
estar mais próximo do público — nesse caso, não
há como negar que essa característica, muitas
vezes, provoca mais empatia por parte da audiência
— a relação ritualística possa ser, em princípio, mais
“fácil” de ser recuperada; em O Negro, a Flor e o
Rosário, apesar de a montagem ter sido levada para
um palco italiano, os recursos propostos pela
encenação -— rompimento da quarta parede, como
a entrada em forma de cortejo para o palco ou o
jogo proposto com as crianças por meio das
fabulações relacionadas às figuras de Saci Pererê e
São Cosme e São Damião —, ainda que
parcialmente, reconstrói aspectos históricos,
ritualísticos e lúdicos. O caráter de espetacularidade
de Exercício nº 1 e O Negro, a Flor e o Rosário se faz
evidente e é por isso que argumento que o mais
importante é o reconhecimento e a constatação de
que, em ambos os textos espetaculares analisados,
os rituais são vistos não só como um lugar de
representação e de valorização do corpo negro em
19
Disponível em http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/
modulos/galeria_foto/portlets/galeria_mostrar?id_galeria=412
113
performatividade e/ou como espaço de religare, mas
como uma instância artística em que a memória é
fonte de expressão de vida.
Finalmente, apenas gostaria de enfatizar que
defendo como postura crítica que os rituais ao
serem performatizados — sejam, especificamente,
nos festejos e cortejos do Congado com seus ritmos,
danças, instrumentos, cantigas, nas missas congas;
nos encontros do Candomblé e/ou da Umbanda;
em outras manifestações cultuadas no território
mineiro e brasileiro ou em propostas espetaculares
que são produzidas em Belo Horizonte e em outros
estados brasileiros — acessam uma matriz ancestral
e se convertem em um ato de inscrição de cultura.
Cultura essa que definitivamente não se atém (ou
não deveria) somente ao campo das fabulações e
dos ensinamentos míticos. Afinal, as palavras
cantadas e, ao mesmo tempo, crivadas, grifadas,
grafadas e gravadas nos corpos e nas reminiscências
de memórias de um sujeito — especialmente, do
negro — e as ações corporificadas e vivificadas no
ato de performatividade e de espetacularidade ainda
têm muito a dizer e a soar, emitindo sopros de
esperança como aqueles que podemos encontrar
em um ato ritualístico e mítico:
Tá caindo flor,
Tá caindo flor,
Tá caindo flor,
Tá caindo flor,
Lá no céu, cá na terra,
Oh, tá caindo flor.
Referências:
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Trad. Mauro Sá
Rego Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
LUCAS, Glaura. Diferentes perspectivas sobre o contexto e o
significado do Congado Mineiro. In: TUGNY, Rosângela
Pereira de; QUEIROZ, Rubens Caixeta de. Músicas africanas e
indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
MARTINS, Leda Maria. Performance do tempo espiralar.
Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais (Org.
Graciela Ravetti e Márcia Arbex). Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/UFMG:
Póslit, 2002.pp. 69-92.
114
PONTES, Ana Cristina e VILARINO, Marcelo. As irmandades dos homens pretos e o Reinado. In: PONTES, Ana
Cristina e MORAIS, Fernanda Emília de (Coord.). Heranças do
tempo, tradições afro-brasileiras em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura, 2006. pp. 11-26.
RICOEUR, Paul. La memoria, la historia, el olvido. Buenos
Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina, S.A., 2004.
pp. 81-127, 189-236.
TAYLOR, Diana. Encenando a memória social: Yuyachkani.
Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais
(Orgs. Graciela Ravetti e Márcia Arbex). Belo Horizonte:
Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/
UFMG, 2002. pp. 13-48.
TIZUMBA, Maurício. O Negro, a flor e o Rosário. Belo Horizonte: Programa de espetáculo, 2008.
SCHECHENER, Richard. Performance Studies – An
Introduction. London and New York: Routledge, Taylot &
Francis Group, 2002
Sites consultados:
http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/
modulos/galeria_foto/portlets/
galeria_mostrar?id_galeria=412. Acesso em 03 de dezembro
de 2008.
http://www.acordacultura.org.br/
main.asp?View=%7B716826A6-8DAC-4709-BCC5FCB2E7C500CE%7D. Acesso em 04 de dezembro de 2008.
http://www.alterosa.com.br/html/
noticia_interna,id_sessao=37&id_noticia=10851/
noticia_interna.shtml. Acesso em 03 de dezembro de 2008.
http://www.mayadiscovery.com/es/vida/default.htm.
Acesso em 03 de dezembro de 2008.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3%A3o.
Acesso em 04 de dezembro de 2008.
Samba de roda como una
práctica espectacular en
Barravento (1961) de Glauber
Rocha
Jolanta Rekawek*
RESUMEN: Las prácticas espectaculares organizadas del pueblo
bahiano se entrelazan, sus participantes fluctúan con un vasto
repertorio de performances y funciones diferentes. Glauber Rocha
capta en Barravento (1961) los vínculos entre las prácticas
espectaculares organizadas de carácter popular como el ritual de
candomblé, la samba de roda y la capoeira. La secuencia de la samba de
roda en su opera prima es una muy bien lograda referencia a una
práctica lúdica, fundamental para la cultura popular bahiana. El
director incorpora en ella a los habitantes de la aldea donde fue
filmada la película sin imponerles un papel que sería artificial
aprovechando su ancestral capacidad de ser testigos y su hábito
de participar en una ceremonia cultural donde la colectividad
festeja el hecho de estar juntos y también tiene la oportunidad
de contemplarse a si misma. De modo que los espectadores
familiarizados con esta tradición podrían responder a la
interpelación que Glauber Rocha hacía desde la pantalla para
elevar su estatus orientando su percepción en claves de
espectacularidad que implica una interacción no muy común en
el cine, obvia en el teatro y muy presente en múltiples prácticas
espectaculares del pueblo brasileño.
PALABRAS CLAVE: samba de roda; práctica espectacular;
Glauber Rocha.
RESUMO: As práticas espetaculares organizadas do povo
baiano se entrelaçam, seus participantes mantêm um vasto
repertório de performances e de funções diferentes. Glauber Rocha
capta em Barravento (1961) os vínculos entre as práticas
espetaculares organizadas de carácter popular como o ritual do
candomblé, o samba de roda e a capoeira. A sequência do samba de roda
em sua obra prima é uma muito bem sucedida referência a uma
prática lúdica, fundamental para a cultura popular baiana. O
diretor incorpora os habitantes da aldea onde foi filmada a
película sem lhes impor um papel que seria artificial aproveitando
sua ancestral capacidade de serem testemunhos e seu hábito de
participar de uma cerimônia cultural na qual a coletividade festeja
o fato de estar juntos e também tem a oportunidade de
contemplar-se a si mesma. De modo que os espectadores
familiarizados com esta tradição poderiam responder à
interpelação que Glauber Rocha fazia a partir da tela para elevar
seu status orientando sua percepção em chaves de
espetacularidade que implica uma interação não muito comum
no cinema, óbvia no teatro e muito presente em múltiplas
práticas espetaculares do povo brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: samba de roda; prática espetacular;
Glauber Rocha.
ABSTRACT: The organized spectacular practices of bahian
people intertwine: participants have a wide repertoire of
performances and different functions. Glauber Rocha captures
in Barravento (1961) the links between organized spectacular
practices of popular kind, as the ritual of Candomblé, samba de
roda and capoeira. The sequence of samba in his masterpiece is
a very successful reference to a playful practice, a key to the Bahian
popular culture. The director incorporates the inhabitants of
the village where the film was shot without imposing an artificial
role against their ancestral ability to testimony and habit of
participating in a cultural ceremony in which the community
celebrates the fact of being and comunicating together. So that
viewers familiar with this tradition could answer the question
that Glauber Rocha raised from the screen, to enhance its status
guiding somehow their perception of keys of spectacularity
involving an interaction not very common in film, but obvious
in theater and very present in multiple spectacular practices of
the Brazilian people.
KEYWORDS: samba de roda; spectacular practice; Glauber
Rocha.
Las prácticas espectaculares organizadas del
pueblo bahiano se entrelazan, sus participantes
fluctúan con un vasto repertorio de partituras
corporales y funciones diferentes: por ejemplo las
hijas de santo frecuentemente participan de las ruedas
de samba de roda o, por otra parte, no es extraño ver
a los capoeiristas frecuentando los terreiros de
candomblé. Glauber Rocha capta los vínculos entre
estas manifestaciones espectaculares de carácter
popular cuando, por ejemplo, en la secuencia
tercera de Barravento (1961) muestra la llegada del
* Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil
115
protagonista, Firmino, a la aldea del litoral bahiano.
En una celebración improvisada de samba de roda
la madre de santo, que preside los rituales de candomblé
filmados en la película, sale al centro de la rueda
formada espontáneamente por los participantes y
se desahoga en un repertorio de gestos que su
cuerpo reinstituye, recombina y reactualiza como
ambiente de memoria, término acuñado por Pierre
Nora. El estudioso francés distingue entre los lugares
de memoria (lieux de mémoire) como por ejemplo las
bibliotecas, los archivos, parques temáticos
relacionados con la letra como signo de la
transmisión del saber, y los ambientes de memoria
(milieux de mémoire) que cobijan la “memoria
verdadera que se ha refugiado en gestos y hábitos,
en habilidades pasadas adelante a través de
insospechadas tradiciones, en el auto-conocimiento
inherente del cuerpo, en reflejos no-estudiados y
en memorias arraigadas; (…).1
La samba de rueda fue importada al Brasil,
como otras formas de ocio, junto con la música
sacra de los bantos, jejés, y nagôs desde África. A
grandes rasgos la samba de rueda se puede definir
como una forma de ocio tradicional (“Yo nací en
la samba de rueda. Todo mi pueblo bailaba. Nací,
fui críada y viví en aquel ambiente.”2) y hasta hace
poco muy popular en Bahía. Precisamente debido
a su carácter popular Glauber Rocha pudo filmar
la secuencia de la samba de rueda con la
participación de los autóctonos, es decir
pescadores y marisqueras de Buraquinho 3 ,
vestidos con ropa de trabajo: con vestidos simples,
sombrero de paja, sin camisa o con ropa rasgada,
lo cual significa que el acto de participar en la
rueda no era un evento extra-cotidiano sino que
formaba parte de su rutina. Solamente Firmino,
vestido elegantemente con traje y camisa blancos
e impecable sombrero, se destaca como un cuerpo
extraño entre los habitantes de la aldea de origen
pobre. La rueda de samba en Barravento se forma
con la ocasión de la llegada de Firmino pero los
habitantes de la aldea, al incorporarse tan
espontáneamente a esta práctica espectacular
demuestran que la misma forma parte de sus
116
comportamientos cotidianos. “Cuando ellos van
a pescar en el mar después quieren agradecer lo
que traen”. 4
El hecho de reunirse en una rueda refleja un
deseo de configurar un espacio semiotizado5 en el
cual se establecen relaciones de varios tipos
(emocionales, visuales, de comportamiento, etc.)
donde se lleva a cabo una celebración colectiva
que instituye como ley la igualdad. “Allí todo el
mundo es igual”6. En cuanto al significado de la
rueda los que se incorporan a la samba de rueda lo
explican así: “Tienes que acompañar el rumbo del
círculo, es el globo que circula”7. Para este tipo
de la práctica espectacular organizada del pueblo
bahiano es fundamental la comunicación sin
jerarquía impuesta, una performance realizada de
tú a tú directamente y que envuelve a todos al
mismo tiempo. Esta característica de la samba de
rueda significa un espacio donde las personas
pueden realizar sus sueños de igualdad, ser
responsables por los acontecimientos, cosa que
no siempre pueden experimentar en una realidad
adversa y visiblemente jerarquizada. “Todos están
en la samba de rueda para sambar. La samba de
rueda es la integración”.8
1
Pierre Nora. Entre a memória e a história: os lugares de memória. Traducción
al português de Patrícia Farias. Traduzido do original francês publicado
in: Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, vol 1 (La Republique), 1984,
p. 23. Traducción al castellano es nuestra.
2
Raquel Maria Oliveira dos Santos. Testimonio grabado el 20 de setiembre
de 2005 en la Secretaría de Cultura, Deporte y Ocio del Ayuntamiento
de Lauro de Freitas (Bahía – Brasil). Ella es un buen ejemplo como
varias modalidades de la expresión cultural del pueblo bahiano
provenientes de la misma matriz afro-brasileña se mezclan: Raquel es la
madre pequeña del terreiro de la Mãe Mirinha en Portão y a la vez es una
excelente bailarina de samba de rueda.
3
Aldea en el litoral bahiano donde fue filmada Barravento en 1960.
4
Ibídem.
5
Paul Zumthor. Performance, recepção, leitura. San Paulo: EDUC, 2000, p. 49.
6
Raquel Maria Oliveira dos Santos, op. cit.
7
Ibídem.
8
Julio César (Careca), performer y creador del grupo de samba de rueda
“As Matriarcas” compuesto por las señoras de edad avanzada que cultivan
esta manifestación cultural de raiz en el municipio de Lauro de Freitas
donde fue rodada Barravento. In: la misma grabación en la Secretaría de
Cultura del município de Lauro de Freitas, op. cit.
Foto 1: Las miembros del grupo de samba de roda llamado As Matriarcas ( creado por Júlio Cesar en Lauro de Freitas,
muncipio donde fue rodada Barravento) inician una rueda de samba. 9
Además del aspecto de integración en la
performance de la samba de rueda se hace muy
importante la performance individual de las
personas que salen al centro de la rueda y se
ponen a bailar. Cada participante puede vivir
su momento de gloria cuando es convidado a
través de un toque del ombligo o de la mano a
salir al centro y mostrar espontáneamente
delante de todo su repertorio gestual propio,
compenetrado con el ritmo de la música que
marcan los otros participantes. Y precisamente
es lo que ocurre en la secuencia en Barravento:
primero sale tímidamente al centro una
marisquera vestida de blanco, da una vuelta
sambando y marca el ritmo con los pies; de
hecho, el movimiento de los pies es
importantísimo: “Vemos la samba por el pie,
vemos quien realmente sabe sambar por el pie”. 1
Sigue la performance una otra mujer de la aldea
que, tímidamente, repite los movimientos de los
pies en el suelo en una vuelta que da en medio
de la rueda. Después se pone a bailar una mujer
que mueve rítmicamente las nalgas resaltadas
por un vestido ajustado, cosa que el director
muestra en un primerísimo plano destacando
las habilidades de la bailarina. La mujer llama
seguidamente al actor Aldo Teixeira (Aruan)
para bailar en medio de la rueda y éste lo hace
con naturalidad efectuando los movimientos de
los pies, las manos y finalmente las caderas.
Concluyendo su performance, el actor se acerca
a un pescador y antes de entregarle el
protagonismo mueve las caderas muy cerca de
un hombre de edad avanzada que contento se
pone a bailar delante de todos. Lo hace de una
manera muy sensual moviendo las caderas,
cubriendo con una mano los genitales y
sosteniendo la otra detrás a la altura de las
nalgas. Su performance es sensual, rítmica y
alegre. La participación de los hombres en la
rueda de samba filmada por Glauber Rocha es
muy natural y se alterna perfectamente con la
de las mujeres.
9
Todas las fotos de situaciones reales de referencia fueron cedidas por
el Departamento de Comunicación del Ayuntamiento de Lauro de
Freitas y son de autoría de José Raimundo.
10
Raquel Maria Oliveira dos Santos, op.cit.
117
Fotograma 1: Los habitantes de la aldea inician una samba de roda con el motivo de la llegada de Firmino.
(Barravento – secuencia tercera)1
Además del aspecto de integración en la
performance de la samba de rueda se hace muy
importante la performance individual de las personas
que salen al centro de la rueda y se ponen a bailar.
Cada participante puede vivir su momento de gloria
cuando es convidado a través de un toque del
ombligo o de la mano a salir al centro y mostrar
espontáneamente delante de todo su repertorio
gestual propio, compenetrado con el ritmo de la
música que marcan los otros participantes. Y
precisamente es lo que ocurre en la secuencia en
Barravento: primero sale tímidamente al centro una
marisquera vestida de blanco, da una vuelta
sambando y marca el ritmo con los pies; de hecho,
el movimiento de los pies es importantísimo:
“Vemos la samba por el pie, vemos quien realmente
sabe sambar por el pie”.2 Sigue la performance una
otra mujer de la aldea que, tímidamente, repite los
movimientos de los pies en el suelo en una vuelta
que da en medio de la rueda. Después se pone a
bailar una mujer que mueve rítmicamente las nalgas
resaltadas por un vestido ajustado, cosa que el
director muestra en un primerísimo plano
destacando las habilidades de la bailarina. La mujer
118
llama seguidamente al actor Aldo Teixeira (Aruan)
para bailar en medio de la rueda y éste lo hace con
naturalidad efectuando los movimientos de los pies,
las manos y finalmente las caderas. Concluyendo
su performance, el actor se acerca a un pescador y
antes de entregarle el protagonismo mueve las
caderas muy cerca de un hombre de edad avanzada
que contento se pone a bailar delante de todos. Lo
hace de una manera muy sensual moviendo las
caderas, cubriendo con una mano los genitales y
sosteniendo la otra detrás a la altura de las nalgas.
Su performance es sensual, rítmica y alegre. La
participación de los hombres en la rueda de samba
filmada por Glauber Rocha es muy natural y se
alterna perfectamente con la de las mujeres.
La samba quiere mostrar originalidad, cada uno
improvisa. Hoy en día los hombres tienen vergüenza de
bailar samba; están más acostumbrados con la capoeira. Si
llamas a alguno te dirá que samba es cosa de mujer. Pero
antes no, antes los hombres también participaban de la
11
La expresión Fotograma bajo las imágenes significa que éstas han
sido captadas directamente del DVD Barravento
(1961) de Glauber Rocha. La publicación de los fotogramas que siguen
en este texto ha sido autorizada por Tempo Glauber (Río de Janeiro).
12
Raquel Maria Oliveira dos Santos, ibídem.
samba. Hacían toque del ombligo en la cintura, movían
las nalgas, el culo. Todos bailaban samba. A mí me
encanta ver a una bahiana saliendo, rodando, dando
toda aquella vuelta. El encanto de la mujer en la samba es
aquella manera de moverse, de saltar, llamar al otro a
que venga a bailar.13
El repertorio gestual en una sesión de samba
de rueda como la de Barravento depende de cada
uno que puede elegir libremente si mueve las
caderas, la cintura, los hombros o cualquier parte
del cuerpo penetrando en la vasta memoria que
abriga su cuerpo como “local de un saber en
continuo movimiento de recreación, remisión y
transformación perennes del corpus cultural”14. De
hecho, Luiza Maranhão, la actriz que interpreta a
Cota, trabaja todo el cuerpo cuando sale al centro
de la rueda y realiza su performance. Rocha resalta
las cualidades de los movimientos de la performer:
en planos cortos destaca sus pechos, sus caderas
que se mueven rítmicamente, los pies y así
sucesivamente. En seguida muestra como Firmino
se incorpora a la performance de Cota y capta el juego
de seducción que fluye entre los dos: en un
momento Firmino se pone muy cerca de Cota que
mueve las caderas delante de él y la performance de
los dos se convierte así en una simulación del juego
amoroso o incluso sexual.
Esto no es nada nuevo en una de las
prácticas espectaculares del pueblo bahiano:
Antonio Risério destaca el carácter sensual de
las danzas populares en Bahía como lundo u
ombligada que conllevan sutiles símbolos del
acto sexual.
Fotogramas 2, 3, 4 y Foto 2: Samba de roda es una práctica espectacular organizada donde los participantes
ostentan su repertorio gestual en medio de la rueda animados por el ritmo de las palmas y la letra de la canción.
Entre los elementos típicos de esta práctica es fundamental el movimiento de los pies. (Barravento – secuencia
tercera).
13
Júlio César (Careca), ibídem.
14
Leda Martins. “Performances do tempo e da memoria: os congados”.
Revista O Percevejo, Departamento de Teoria do Teatro. Programa de Pósgraduação em Teatro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO),
2003, ano 11, nº 12, p. 82.
119
Fotogramas 5 y 6: En esta secuencia los actores Luiza Maranhão (Cota) y Antônio Pitanga (Firmino)
están compenetrados con los performers autóctonos que son co-responsables por el acto.
La naturaleza festiva de la vida bahiana nunca se ha dejado
contener dentro de los límites de las fiestas oficiales,
patrocinadas por el poder laico o religioso. En realidad
las fiestas oficiales primaron siempre por una especie de
trasbordo, con la masa de la populación prolongando la
celebración pública organizada por la élite dirigente en
espacios de conmemoración en que ella podía entregarse,
sin mayores inhibiciones, a los juegos del placer. Placer
de hablar, de cantar, de bailar, de embriagarse, de abrazarse,
de tocarse. De la sensualidad de la samba a la relación
sexual propiamente dicha muchas veces no era necesario
dar más que un paso. (…) El lundo y la ombligada eran,
en realidad, prefiguraciones del acto sexual.15
Conforme podemos observar en la secuencia
de la samba de rueda filmada por Glauber Rocha en
Barravento, el repertorio gestual de los participantes
es diversificado. “La samba no es coreografiada,
es conforme la manera que cada uno ha aprendido.
Pero todo el mundo improvisa”.16 Esto se ve muy
claramente en la letra de la samba de rueda filmada
en la que se alternan estrofas improvisadas al
momento con las de origen tradicional. Por esto la
sesión de samba de rueda es un espacio donde cada
uno de los participantes baila revelando un complejo
saber puesto que “el cuerpo en performance
restaura, expresa y, simultáneamente, produce este
conocimiento grafado en la memoria del gesto.
Performar en este sentido, significa inscribir, grafar,
repetir transcreando, revisando (…)”.17 A través de
la secuencia de planos montados, Rocha
documenta y espectaculariza a la vez este saber
inscrito en los cuerpos que participan en la sesión
de la samba de roda en su película.
El aspecto colectivo, la unión de los
participantes de samba de rueda es muy importante
y refleja la necesidad de un grupo de celebrar su
120
comunión: “¿Por qué la rueda? Porque hay un
montón de gente junta”. 18 Y precisamente este
aspecto: el de una colectividad unida y no
jerarquizada, Rocha logra representar en la
secuencia de samba de rueda distribuyendo el
protagonismo de una manera igualitaria entre los
participantes autóctonos y el resto del reparto
profesional. De manera que la secuencia de la
samba de rueda en Barravento es una referencia a una
práctica lúdica, fundamental para la cultura popular
bahiana con sus sutiles aspectos dramatúrgicos de
protagonismo marcados por los grados de
sensualidad, el punto álgido y el desenlace, visibles
en cada performance individual.
No olvidemos, sin embargo, que Rocha
aprovecha esta secuencia también para esbozar las
dos líneas de la narrativa de Barravento: destaca a
través de la función del personaje de Firmino su
papel revulsivo en la aldea y también muestra el
drama de Naína que no es capaz de inmiscuirse en
la vida de la comunidad: la muchacha de ojos tristes
se niega a participar en la samba de rueda de la misma
manera que se negará a iniciarse en el candomblé.
Estos dos elementos de la misma situación
dramática en la cual, por un lado, Firmino anima
la rueda de samba y, por otro, Naína se niega a bailar,
15
Antonio Risério. Uma história da cidade da Bahia. Río de Janeiro:
Versal Editores, 2004, p. 172. Cabe añadir que los performers que realizan
samba de rueda en el municipio de Lauro de Freitas donde fue rodada
Barravento y a los que tuvimos acceso niegan la simbología sexul en el
repertorio gestual que ejercen.
16
Julio César (Careca), op. cit.
17
Martins, op. cit., p. 82.
18
Julio César (Careca), op. cit.
significan un claro hito del cual partirán dos líneas
narrativas de la película: la primera – en la que
Firmino intentará despertar la conciencia de los
pescadores oprimidos y la segunda – en la que
Naína paulatinamente superará sus reticencias con
respeto a la iniciación en el ritual del candomblé.
Por lo tanto la secuencia de la samba de rueda en
Barravento no posee solamente su valor documental
y espectacular sino también demarca sus funciones
a nivel dramatúrgico.
De modo que Glauber Rocha aprovecha los
elementos de las prácticas espectaculares
organizadas del pueblo bahiano no solamente para
configurar vigorosos espectáculos en su opera prima
sino que también vehicula a través de estos, los
recursos dramatúrgicos imprescindibles para su
narrativa dejando un tanto apagado su discurso
político. En este contexto vale la pena recordar que
desde el inicio de su trayectoria el director bahiano
tuvo que defender la incoherencia como un
elemento inherente a la obra artística e intentó
comunicarse con el espectador como un ser libre y
apto a hacer sus propias interpretaciones: “(…) no
tengo el menor interés en defender estilo, posición
profesional, en mantener estabilidad junto al
público. Es decir que no creo que tenga la verdad
en las manos. Entonces lanzo las cosas como una
discusión franca, abierta para el espectador”.19
de la de samba de rueda en Barravento precisamente
por la sintonía que existe entre los participantes:
los habitantes de Buraquinho y los actores. Los
habitantes de Buraquinho se incorporan a la rueda
de samba de una manera tan libre y espontánea
compartiendo junto con los actores la gloria de
formar parte de elementos que constituyen un
espectáculo. Nada es forzado, desprovisto de
autenticidad, todo se encuadra en esta secuencia
en una cadena de performances individuales que
logran protagonismo distribuido de manera
igualitaria. Cabe destacar que los actores como
Antônio Pitanga, Luiza Maranhão o Aldo Teixeira,
no necesitaron de una preparación específica para
realizar su performance ya que al tener raíces
africanas se insirieron naturalmente en la samba
de roda reestableciendo una “huella” 21 que se
instituye en las partituras corporales que derivan
de la matriz cultural africana. De esta manera la
samba de roda no es una práctica enseñada sino
reinstituída a través de los cuerpos de los performes
siendo que en la secuencia de Barravento no existe
diferencia entre la danza interpretada por los
actores y la de los autóctonos. Tanto los actores
como los habitantes de la aldea penetran
naturalmente en este ambiente o repertorio de
memoria, tal como lo plantea Diana Taylor. Según
ella, el repertorio de memoria:
tiene que ver con la memoria corporal que circula a través
de performances, gestos, narración oral, movimiento,
danza, canto – en suma, a través de aquellos actos que se
consideran un saber efímero y no reproducible. El
repertorio requiere presencia – la gente participa en la
producción y reproducción de saber al “estar allí” y ser
parte de esta transmisión.22
El espectador como testigo
“R e s p i c i o, es una palabra latina que
significa el respeto a las cosas, e ahí la función
del testigo real; no meter la nariz con su miserable
papel, con aquella insistente demostración “yo
también”, sino ser testigo – o sea no olvidar, no
olvidar por encima de todo”.20 Jerzy Grotowski
se refería de esta manera a la situación original
del espectador que, para él, era la del testigo que
está en osmosis con el actor, formando parte del
espectáculo. Así pues los espectadores podían
participar en una especie de la ceremonia cultural
que les atribuía la función fundamental del testigo.
Estas reflexiones de Grotowski nos parecen muy
útiles a la hora de analizar la práctica espectacular
19
Glauber Rocha. Entrevista a Diário Popular, Lisboa 24 de junio de
1971, p. 11. Traducción nuestra.
20
Jerzy Grotowski. Teksty z lat 1965-1969 (Textos de los años 1965-1969).
Breslau: Wydawnictwo Centralnego Programu Badan Podstawowych,
1990, pp. 66-67.
21
Leda Martins. Participación en la tertulia sobre Memoria y Referencia
Cultural (Identidade e Negritude) promovida por el Núcleo de Referência
Cultural de la Fundação Cultural do Estado da Bahia, 12 de junio de
2006, Salvador.
22
Diana Taylor. “Performance y memoria social. El archive y el
repertorio”. NYU. In: The Archive and Repertoire: Performing Cultural
Memory in the Ameritas, Dirham: Duke UniversityPress, 2003, p. 2:
http://hemi.nyu.edu/esp/seminar/peru/call/workgroups/
perfsocmemdtaylor.shtml.
121
De ahí que en la secuencia de samba de roda
Rocha penetrando en un repertorio de memoria otorga
la responsabilidad por lo que ocurre a los habitantes
de Buraquinho y a los actores simultáneamente y
esto significa que el director incorpora a los
autóctonos aprovechando su práctica espectacular
reactualizada por los cuerpos en función de la
memoria que guardan con su insospechada
capacidad de ser testigos. Por lo tanto el cineasta
aprovecha los elementos que brotan de la matriz
cultural y filosófica africana muy palpable en las
raíces del pueblo bahiano y configura una visible
sintonía que envuelve la performance de los actores
y los autóctonos creando imágenes convincentes y
vigorosas.
Jerzy Grotowski explica así el proceso de la
creación de un espectáculo: “Para dar vida a un
ser nuevo son necesarios dos seres. Aquel ser nuevo
es el espectáculo, nosotros y los orígenes, lo
individual y lo comunitario – estas son aquellos
dos seres diferentes que han de concebir la
tercera”.23 Cabe señalar que no pretendemos forzar
la hipótesis de que Rocha habría aprovechado
experiencias de Grotowski, pero sí destacar la
similitud de ambos artistas en su empeño de
relacionarse con las raíces de sus respectivas
matrices culturales. Grotowski insistió en renovar
el ritual teatral, no religioso, a través del acto y no
a través de la fe y, por otra parte, Glauber Rocha
aprovechó todo un legado de las prácticas
espectaculares organizadas de Bahía para incluirlo
en su película a través de los elementos con
deter minadas funciones en la secuencia de
situaciones dramáticas y también como
espectáculo provisto de gran autenticidad. Y esta
autenticidad es posible porque Rocha incorpora a
los habitantes de Buraquinho como espectadores
y co-autores, a la vez, del acontecimiento dramático
en el que participan. Todos ellos son responsables
por lo que ocurre lo cual supone transformar el
nivel de la percepción en una percepción activa,
en una co-autoría de la práctica espectacular o sea
organizada en función de ser vista, como lo es la
secuencia de samba de roda en Barravento.
122
Por eso las prácticas espectaculares
organizadas típicas de la cultura bahiana como
samba de roda, candomblé y capoeira otorgan a
Barravento una dimensión fundamental que es más
convincente que aquella derivada de su discurso
político de índole marxista y originada por la
situación dramática en la que Firmino llega a la
aldea de pescadores para convencerles que las
masas libres de la superstición religiosa del
candomblé tienen que rebelarse contra la opresión.
Con este punto de partida, Glauber Rocha configura
una situación dramática que no es capaz de
transformar la realidad sino de otorgarle tan sólo a
la acción un carácter simbólico. En este contexto
vale la pena recordar que Jean Duvignaud
reconoció que en todos los niveles de la experiencia
existe un verdadero teatro espontáneo aunque
distinguiera claramente entre la situación social y
la situación dramática. Para Duvignaud, la
ceremonia social otorga una forma real a los papeles
sociales para comprobar su capacidad de actuar y
transformar las estructuras existentes creando
nuevas situaciones. En cambio la ceremonia
dramática, que se convierte en un espectáculo, tan
sólo muestra la acción para otorgarle un carácter
simbólico y no actuar de verdad.10 “El teatro se
diferencia de la vida social precisamente por aquella
sublimación de los conflictos reales: la ceremonia
dramática es, por definición, una ceremonia
aplazada, sobreseída, parada. El arte dramática es
perfectamente consciente que está al borde de la
realidad”.24
De esta manera, Rocha se sitúa con la
situación dramática inspirada en su discurso
político (basada en el conflicto entre las masas
oprimidas y un sistema injusto) en una esfera
23
Jerzy Grotowski, 1990, op. cit., p. 84.
24
Jean Duvignaud, “Teatr w spoleczenstwie, spoleczenstwo w teatrze
(Teatro en la sociedad, sociedad en el teatro)”. Dialog, Varsovia, 1990, nº
9, p. 105. Duvignaud entiende por ceremonia tras Georges Politzer
“limitado y definido en el tiempo y en el espacio ‘un recorte
especialmente significativo de la experiencia en común, cuyos elementos,
relacionados en sí, constituyen el cumplimiento o tan sólo
representación de un acto colectivo importante”. Ibídem, p., 103.
25
Ibidem, p. 105.
que no haya sido planteada de una forma dogmática y
simbólica que representa tan sólo la acción sin poder
radical desde el punto de vista de movimiento histórico.
llevar a transformaciones en la vida real.
(...) esto salva “Barravento”. A pesar de que la tesis central
Simultáneamente, el director abre un espacio
sea un poco discutible, sin llegar a ser algo panfletario en
importante en Barravento a los elementos derivados
la película, entonces vale como protesto. Tiene una cierta
magia...”.28
de las prácticas espectaculares organizadas de carácter
popular con evidentes funciones dramatúrgicas,
El cineasta tiene el mérito innegable con
organizados sobre todo en torno al ritual de candomblé Bar ravento por “concentrar una multitud
donde, según Turner, la comunidad reflexiona sobre heterogénea en torno a una vivencia en común”15
si misma a través de la acción simbólica de la fase ya que lo que destaca en Barravento son
liminal haciendo posible la transformación de la precisamente las secuencias que incluyen las
sociedad. 26 Por consiguiente, al exhibir tan prácticas como la samba de rueda representada en
frecuentemente en Barravento los elementos que un lugar que pertenece a todos, de una manera no
derivan de una práctica ritual que implica la
jerarquizada y durante la cual se llega a consumar
creatividad y la transformación de una comunidad
el acto de comunión entre los miembros de la aldea:
Rocha perjudica el impacto de su discurso ideológico
que proviene de las ideas de Marx.
Se puede afirmar, tras Alexandra
Seibel, que en Barravento Glauber Rocha
es (estilísticamente) fascinado por lo que
está (políticamente) criticando”.27 De ahí
que las performances configuradas a través
de los elementos ritualísticos y las
derivadas de otras prácticas espectaculares
como la samba de roda huyen de la función
didáctica trazada por el discurso político
del joven director y aportan pistas para
trazar líneas de interpretación múltiples a
la hora de analizar la comunidad
protagonista de Barravento. Confrontada
con el poder de las prácticas especta-culares Foto 3: Las bahianas adeptas al candomblé hacen una ofrenda a la divinidad de aguas saladas,
la línea narrativa de índole marxista no llega Iemanjá, el 2 de febrero de 2006 en la playa de Buraquinho donde fue rodada Barravento
en 1960.
a ser una propuesta convincente ni mucho
menos una ceremonia social de transformaciones “Cuando uno entra en la samba de rueda tiene
firmes. El mismo Rocha afirmaba años que:
aquella sensación de vivir, de valorizar nuestra
Barravento fue la primera película de largo-metraje que cultura porque la cultura negra tiene que ser
hice. Es una película hecha en un lugar llamado valorizada (…) Todos están en la samba para
Buraquinho, sobre pescadores negros. Se trata de sus sambar. La samba de rueda es integración”.30
problemas sociales de pesca con los problemas de los
ritos y de la magia, del “candomblé”. Quiero decir que es
una película muy vital en cuanto a imagen, pero hoy un
poco discutible desde el punto de vista del planteamiento
de ciertos problemas. En aquella época yo creía que la
religión africana, los mitos del “candomblé”, aquí, eran
fenómenos de profunda alienación político-social. Hoy
no lo veo así. Creo que la religión africana en Bahía es la
gran fuerza de resistencia en la permanencia que la
civilización negra tiene aquí. Por lo tanto, esa tesis de la
película se vuelve discutible, pero lo que salva todo es
26
Victor Turner. O proceso ritual; estrutura e anti-estrutura. Río de
Janeiro: Vozes, 1974.
27
Alexandra Seibel, “Encenando o oprimido”. Cinemais, Río de Janeiro,
marzo-abril de 1998, nº 10, p. 81.
28
Rocha en la entrevista para el Diário Popular, op. cit., p. 11.
29
“Brook sobre Shakespeare“.Dialog, Varsovia, nº 2, 1975, p. 173.
30
Julio César, op. cit.
123
Fotograma 7: Las hijas de santo danzan en la rueda de xiré. (Barravento – secuencia quinta).
La samba de rueda es, pues, un recurso contra
la pasividad y la soledad de los individuos que
participando activamente se convierten en una
colectividad creativa, alterna y hasta contestataria
al aludir a una matriz cultural y filosófica que le es
negada como referencia deseable. Y precisamente
esta dimensión de la samba de rueda donde el cuerpo
se sumerge en el repertorio de memoria en un acto
espectacular que re-actualiza el saber, encuentra
su reflejo en Barravento.
La manera en que Rocha filma la secuencia
refuerza nuestra hipótesis de que el cineasta busca
una nueva comunicación con el público
cinematográfico.31 El director bahiano se conecta
con la riquísima tradición de las prácticas
espectaculares organizadas del pueblo brasileño
que se fundamentan, entre otras cosas, en la
interacción, en el fuerte sentimiento de una
experiencia comunitaria, en la espontaneidad y en
las ganas de improvisar en un lugar informal como
por ejemplo una plaza, un mercado, una feria.
De modo que los espectadores familiarizados
con la tradición popular brasileña podrían
124
responder a la interpelación que Glauber Rocha
hacía en Barravento (1961) para elevar su estatus
orientando su percepción en claves de
espectacularidad que implica una interacción no
muy común en el cine, posible en el teatro y muy
presente en múltiples prácticas espectaculares del
pueblo brasileño.
Referências
BARROSO, Oswald. “A Performance no teatro popular
tradicional”. In: Teixeira, João Gabriel, Gusmão, Rita (orgz.).
Performance, cultura e espectacularidade. Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia, 2000.
“Brook sobre Shakespeare”. Dialog, Varsovia, nº 2, 1975, p.
173.
DUVIGNAUD, Jean. “Teatr w spoleczenstwie,
spoleczenstwo w teatrze (Teatro en la sociedad, sociedad en el
teatro)”. Dialog, Varsovia, 1990, nº 9, pp. 102-115.
31
Rocha se quejaba del público latino-americano que, según él, estaba
dominado, colonizado por el lenguaje del cine “imperialista”. Ver : A
última entrevista de Glauber Rocha en Cuba (a Jaime Sarusky), recogida
en Folha de São Paulo, 14 de diciembre de 1975.
GROTOWSKI, Jerzy. Teksty z lat 1965-1969 (Textos de los
años 1965-1969). Breslau: Wydawnictwo Centralnego
Programu Badan Podstawowych, 1990.
NORA, Pierre. Entre a memória e a história: os lugares de memória.
Trad. Patrícia Farias. Traduzido do original francês publicado
in: Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, vol 1 (La
Republique), 1984, pp. 18-34.
MARTINS, Leda.”Performances do tempo e da memoria: os
congados”. Revista O Percevejo. Departamento de Teoria do
Teatro. Programa de Pós-graduação em Teatro, Universidade
Federal do Río de Janeiro (UNIRIO), 2003, ano 11, nº 12, pp.
68-98.
___. Participación en la tertulia sobre Memoria y Referencia
Cultural (Identidade e Negritude) promovida por el Núcleo de
Referência Cultural de la Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 12 de junio de 2006, Salvador.
ROCHA, Glauber. A última entrevista de Glauber Rocha en
Cuba (a Jaime Sarusky), recogida en Folha de São Paulo, 14 de
diciembre de 1975.
_______________. Entrevista a Diário Popular, Lisboa, 24
de junio de 1971.
SEIBEL, Alexandra Seibel, “Encenando o oprimido”.
Cinemais, Río de Janeiro, marzo-abril de 1998, nº 10, pp. 7389.
TAYLOR, Diana Taylor. “Performance y memoria social. El
archive y el repertorio”. NYU. In: The Archive and Repertoire:
Performing Cultural Memory in the Ameritas, Dirham: Duke
UniversityPress, 2003. :
http://hemi.nyu.edu/esp/seminar/peru/call/workgroups/
perfsocmemdtaylor.shtml.
TURNER, Victor. O proceso ritual; estrutura e anti-estrutura. Río
de Janeiro: Vozes, 1974.
______________.”Teatr w codziennosci, codziennosc w
teatrze (El teatro en lo cotidiano, lo cotidiano en el teatro)”.
Dialog, Varsovia, 1988, nº 9.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. San Paulo:
EDUC, 2000.
125
Espaço e Teatralidade na
Minissérie “Hoje é Dia de
Maria”*
Sylvia Nemer**
RESUMO: A relação entre cultura popular, teatro e expressão
audiovisual é o tema do presente texto, interessado em discutir
a questão do uso do espaço teatral na minissérie “Hoje é dia de
Maria”, obra profundamente marcada, segundo termos de Paul
Zumthor, por uma “intenção de teatro” (ZUMTHOR, 2007).
RÉSUMÉ: Les rapports entre culture populaire, théâtre et
expression audiovisuel sont la thématique du présent texte, où
on discute la question de l’espace théâtral dans la minisérie
télevisée brésilienne “Aujourd’hui c’est un jour de Marie”, ouevre
profondement ancrée, selon les termes de Paul Zumthor par
un “souci de théâtre”, une intentioin théâtrale (ZUMTHOR,
2007).
ABSTRACT: The relationship between popular culture, theater
and audiovisual expression is the theme of this text, interested
in discussing the question of theatrical space using in the
miniseries “Hoje é dia de Maria “, a work deeply marked,
following Paul ZUMTHOR terms, by an “intention of theater”
(ZUMTHOR, 2007).
Na vinheta de abertura da minissérie vê-se um
palco com uma cortina se abrindo e em seguida a
imagem completa de um teatro de marionetes onde
figuras do artesanato nordestino se movimentam
num espaço composto por elementos do cotidiano,
da paisagem e da cultura sertaneja. Na segunda
temporada o mesmo palco se apresenta, porém suas
figuras remetem ao ambiente da cidade grande com
seus personagens, seus edifícios, seu teatro de
variedades, feitos de pano, metal e papelão. Embora
situadas em ambientes diferentes, tanto a primeira
quanto a segunda temporada da minissérie, nos faz
penetrar na história pela via do imaginário, da
fantasia; o palco, como indica a vinheta de abertura,
é o seu elemento central.
A vinheta é uma moldura da obra que busca
repetir, no campo diegético, a idéia de teatro
presente na cena de abertura. Há um diálogo entre
126
a sugestão inicial e o enredo, que se desenrola por
meio de um tipo de montagem em que cada plano,
lembrando o teatro de variedades, é uma espécie
de atração à parte. Nesse aspecto, o espaço teve
um papel fundamental.
Filmada no palco da terceira edição do Rock
in Rio, a estrutura circular do espaço ocupado pela
produção da minissérie repercutiu no esquema
circular da história contada, a de uma menina que
sai de casa e após uma longa jornada acaba
retornando ao seu lugar de origem, mas igualmente
no modo fragmentado de contá-la, associado ao
princípio das “atrações”. Cobrindo a parede interna
do círculo, um painel de 360° pintado à mão
representa as paisagens pelas quais Maria passa,
como o bosque e o sertão. Cada cenário representa
um momento da narrativa cuja estrutura
fragmentada lembra a dos espetáculos populares
nos quais predomina o princípio das “atrações”. A
utilização de um cenário giratório foi, nesse caso,
fundamental, possibilitando o estabelecimento de
nexos entre o “espaço cenográfico”, o “espaço
dramático” e o “espaço fílmico”.
Levada ao ar pela Rede Globo em duas fases
no ano de 2005, a primeira com 8 capítulos em
janeiro e a segunda com 5 capítulos em outubro, a
minissérie é uma adaptação da obra de Carlos
Alberto Soffredini, que se inspirou nas fábulas
coletadas por Silvio Romero, Câmara Cascudo e
Mário de Andrade para compor o enredo da história,
* O presente artigo é parte de uma pesquisa mais ampla realizada no
acervo de literatura de cordel da Fundação Casa de Rui Barbosa entre
2006 e 2008 com bolsa concedida pelo convênio FAPERJ/ FCRB.
** Pesquisadora da FAPERJ, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de
Janeiro, Brasil
programada inicialmente para ser um especial
comemorativo dos 30 anos da Globo.
O projeto, que não chegou a ser concretizado
na ocasião, foi retomado, anos mais tarde, por Luiz
Fernando Carvalho que sem poder contar com a
parceria de Soffredini, morto em 2001, recorreu
ao dramaturgo Carlos Alberto Abreu que o ajudou
a desenvolver a versão apresentada em 2005 para
o aniversário de 40 anos da emissora.
A minissérie, seguindo a linha do trabalho
desenvolvido por Soffredini, recorre ao repertório
das tradições orais do Nordeste para compor a
história de Maria (Carolina Oliveira), uma menina
que após fugir da casa do pai (Osmar Prado) para
escapar dos maus tratos da madrasta (Fernanda
Montenegro) se vê perdida no mundo, defrontada
a surpresas, perigos e obstáculos.
Inseparável da chavinha dada, antes de morrer,
por sua mãe (Juliana Carneiro da Cunha), Maria
percorre um longo caminho; em busca das “franjas
do mar” ela atravessa o “país do sol a pino” onde
se depara com os mais variados tipos de
experiência: a fome, sofrida por Zé Cangaia (Gero
Camilo) que, diante das privações, se vê obrigado
a vender sua sombra ao diabo; a ganância
encarnada pelos executivos (Charles Fricks e
Leandro Castilho) espancadores de cadáveres; a
exploração vivida pela menina carvoeira (Laura
Lobo) e pelas outras crianças trabalhadoras nas
minas de carvão.
Todas essas experiências lhe deixam marcas
profundas, porém as figuras que as correspondem
desaparecem da mesma for ma que haviam
aparecido. A única que vai lhe acompanhar ao
longo de toda a trajetória é o diabo Asmodeu
(Stênio Garcia) que tentando desviá-la do seu
caminho acaba roubando-lhe a infância. Maria
adulta (Letícia Sabatella) não desiste, no entanto,
de sua busca. Encorajada pelos saltimbancos
Quirino (Daniel de Oliveira) e Rosa (Inês
Peixoto), que com sua trupe ambulante levam
alegria aos pequenos vilarejos por onde passam,
ela segue em frente contando com o apoio dos
novos amigos, com o amparo de Nossa Senhora
da Conceição (Juliana Carneiro da Cunha), antiga
aliada nos momentos de aflição, e com a proteção
do pássaro misterioso que a acompanha desde o
início da jornada e que acaba tornando-se seu
Amado (Rodrigo Santoro).
O amor pelo pássaro, que durante a noite se
metamorfoseia em homem, é a última experiência
vivida por Maria que depois de libertar seu Amado
do cativeiro, retorna a condição de criança. A partir
daí ela reinicia o caminho de volta reencontrando
as mesmas figuras pelas quais havia passado
anteriormente e chegando, finalmente, ao ponto
de partida, a sua casa, onde vê seu pai, sua mãe e
seus irmãos trabalhando na roça normalmente,
como se nada tivesse acontecido.
A jornada de Maria é uma história que costura,
através das experiências vividas pela menina (em
seu sonho), fragmentos de várias outras histórias,
de histórias antigas pertencentes ao repertório das
tradições orais do país.
Representando arquétipos do imaginário
brasileiro e universal, os personagens da minissérie
funcionam como elos de ligação entre o passado e
o presente, entre o mundo rural e a cidade grande,
entre as antigas tradições (registradas pelos
folcloristas entre o final do século XIX e o início
do século XX) e a cultura contemporânea. Foi com
esse propósito, de estabelecer uma ponte entre os
dois mundos, que os personagens (com outras
roupagens) retornaram na segunda temporada da
minissérie.
Ambientada na cidade grande, a segunda
temporada colocou em cena o mesmo elenco que
havia atuado na primeira temporada. Os atores
(com exceção de Carolina Oliveira, que continuou
interpretando a mesma Maria que havia
interpretado na primeira temporada) encarnaram
personagens diferentes, porém com os mesmos
traços arquetípicos dos vividos anteriormente.
Stênio Garcia, por exemplo, retornou como
Asmodeu Cartola, o inescrupuloso proprietário do
teatro. Osmar Prado reapareceu na pele do Dr.
Copélius, o generoso dono da loja de brinquedos.
Letícia Sabatella voltou como Rosicler, a dançarina
127
que despertou uma louca e impossível paixão no
sonhador Dom Chico Chicote, vivido por Rodrigo
Santoro. Através desses novos personagens, a
trajetória de Maria é re-encenada, desta vez num
ambiente urbano, que, por sua vez, é perpassado
pelas mesmas referências presentes na
representação anterior voltada para o mundo rural.
Com base no quadro, até aqui, delineado,
julgamos oportuno, antes de darmos continuidade
à reflexão, definir o quadro conceitual que norteia
a análise proposta.
Os três principais conceitos empregados se
referem à questão do ESPAÇO: “espaço cênico”
(correspondente ao local de realização das
filmagens e seus elementos cenográficos); “espaço
dramático” (referente ao enredo e aos recursos de
representação utilizados para desenvolvê-lo);
“espaço fílmico” (operações de câmera, processos
de edição, etc). Os dois primeiros foram pensados
a partir da definição de Patrice Pavis (2007 p 132136). O terceiro foi extraído da obra de André
Gardies (1993).
No que diz respeito à articulação entre os três
níveis de espaço – cênico, dramático e fílmico –
outras noções serão ressaltadas. A primeira se refere
à questão do deslocamento, à jornada da
personagem principal cuja caminhada, informando
a construção do espaço, pode ser associada ao
modo de composição das cenas de perseguição em
filmes de ação ou suspense nas quais o fluxo
narrativo está condicionado a uma descontinuidade
espacial: “Quando você tem de seguir a trajetória
de uma ação através de vários espaços, começa a
ter a idéia de que cada plano é fragmento de um
espaço ficcional maior; o espaço total da
perseguição.” (GUNNING, 1994, p. 118).
A segunda noção diz respeito aos obstáculos
encontrados pela personagem na realização de seu
percurso. Em relação a isso o caso de Maria, na
minissérie analisada, e de Fabiano, no filme “Vidas
Secas” (1963) de Nelson Pereira dos Santos, se
equivalem. Nos dois casos os obstáculos fazem
parte do enredo, da evolução da história na qual o
deslocamento espacial equivale às mudanças no
128
enredo e ao estado da personagem cujo caminhar
se realiza (GARDIES, 1993, p. 78).
A terceira noção se liga mais diretamente à
cenografia e à atividade de recepção, ou seja, à
capacidade do espectador preencher mentalmente
os dados que não são passados materialmente pelo
filme. Uma posição em torno dessa questão foi dada
por André Gardies em sua análise do filme “Le
salaire de la peur” (1953) de Georges-Henri
Clouzot. Nesse filme, a relação entre a realidade
latino-americana e a representação dessa realidade
é sugerida através de um cenário que evoca
determinados objetos que seriam próprios do
ambiente representado. Dessa forma o diretor
apontou para um ponto comum a todos países
latino-americanos sem a necessidade de se referir
especificamente a nenhum:
“O burro como meio de transporte, a calçada
não asfaltada e deteriorada, as roupas das pessoas
na rua me dizem da pobreza do país. Um conjunto
de traços me envia para o significado ‘pobreza’.
Do mesmo modo outros signos têm por significado
comum o calor úmido: transpiração dos
personagens, proteção contra o sol etc.”
(GARDIES, op.cit., p. 72, trad. da autora).
Em relação à questão da TEATRALIDADE
será nossa referência conceitual o verbete de
Patrice Pavis, segundo o qual: “teatralizar um
acontecimento ou texto é interpretar cenicamente
usando cenas e atores para construir a situação. O
elemento visual da cena e a colocação em situação
dos discursos são as marcas da teatralização”
(PAVIS, 2007, p. 374).
Esta definição é complementada pela
observação de Paul Zumthor que, citando Josette
Féral, fala de uma “intenção de teatro”:
A teatralidade parece ter surgido do saber do
espectador, desde que ele foi infor mado da
intenção de teatro em sua direção. Este saber
modificou seu olhar, forçando-o a ver o espetacular
lá onde só havia até então o acontecimento. Ele
transformou em ficção aquilo que parecia ressaltar
do cotidiano, ele semiotizou o espaço, deslocou os
signos que ele então pode ler diferentemente... A
teatralidade aparece aqui como estando do lado
do performer e de sua intenção firmada de teatro
mas uma intenção cujo segredo o espectador deve
partilhar. (FÉRAL, apud ZUMTHOR, 2007, p. 41)
Sobre a noção de ATRAÇÕES,
recorreremos ao estudo de Tom Gunning sobre
o cinema das origens. Referindo-se a esse cinema,
o autor comenta: “os filmes eram breves, um
show de filmes era uma série de atrações curtas
e não a criação de um todo ficcional”. A
linguagem das atrações é abandonada com a
progressiva adoção pelo cinema de um
encadeamento narrativo. No entanto (como se
observa em Méliès, por exemplo) “havia filmes
usando a combinação de narração e atração”
(GUNNING, 1994, p. 115-117).
Nos filmes de Georges Méliès, como observou
Susan Sontag, há uma profunda relação entre o
teatro e o cinema. A autora chama atenção para
uma possível equivalência entre a montagem teatral
e o processo de montagem dos filmes daquele
diretor, cujo resultado, revelado num tipo de
espetáculo denominado de “atrações” destacaria
o “artifício” sobre a forma realista de representação
(SONTAG, 1987, p. 108).
A esse respeito são expressivas as experiências
de Eisenstein e de Maiakóvski. Nos dois casos a
experiência com o universo das “atrações”, com
as técnicas do teatro popular, transfere-se da prática
teatral, onde atuaram inicialmente os dois diretores,
para o cinema. (RIPELLINO, 1971).
Definidos os conceitos, levantaremos alguns
pontos relativos ao modo de construção dos três
níveis de espaço (o “espaço cênico”, o “espaço
dramático” e o “espaço fílmico”) na minissérie
estudada. Nossa preocupação é compreender como
estes “espaços” se articulam, ao mesmo tempo em
que dialogam com as instâncias inspiradoras da
referida obra (o teatro popular e o repertório das
tradições orais).
Um dos aspectos relativos a tal articulação diz
respeito à evolução da história de Maria e ao
avanço da personagem no espaço, em suas duas
jornadas: a primeira em que, depois de fugir de casa
e de vagar perdida a procura do mar, ela reencontra
sua família; a segunda em que, depois de encontrar
o mar e de ser engolida por um monstro, ela se vê
sozinha na cidade grande e procura o caminho de
volta para casa.
Em “Hoje é dia de Maria” a ênfase recai sobre
o fantástico, o maravilhoso, o extraordinário. Aqui
as coordenadas de espaço tempo foram abolidas.
Maria empreende uma longa jornada, encontra
inúmeras pessoas, vive diversas experiências, perde
a infância, torna-se adulta, conhece o amor,
sofrimentos, perdas, volta a ser criança, atravessa
diversos tempos e lugares, sem, contudo, se
deslocar no tempo ou no espaço. Própria da
experiência do sonho, em que no fim tudo volta a
ser como era antes, a trajetória de Maria
desenvolve-se de uma maneira circular. Pode-se, a
esse respeito, pensar nas narrativas da tradição oral
que acabam com todos os problemas resolvidos e
o mundo voltando à sua antiga ordem[1].
A presença de um narrador (na voz de Laura
Cardoso), repetindo em off a mesma história
mostrada no campo visual pelos diálogos e ações
dos personagens, reforça essa idéia, ou seja, de que
há uma estrutura lendária (circular) presidindo a
composição da minissérie. Essa idéia é retomada
na segunda jornada quando vemos no final do
último episódio que toda a história não passara de
um delírio da menina que, doente em sua cama, vê
a história contada por sua avó (Laura Cardoso)
materializar-se em imagens, as mesmas que vemos
passar na tela e que, no fim das contas, constituem
o enredo da minissérie, o enredo que acompanhamos ao longo dos cinco capítulos.
Jornada iniciática, a história de Maria se
desenvolve no espaço que atua como elemento de
obstáculo ou de favorecimento à personagem
(GARDIES, op.cit., p 78). Não se trata de uma
simples ocupação do espaço cênico (normalmente
concebido apenas como o local onde a trama se
desenvolve), mas de um tratamento metafórico do
espaço, ou seja, da tentativa de reproduzir no
espaço cênico a idéia de busca que perpassa o
espaço dramático.
129
Há, portanto, uma proposta clara de
articulação entre forma e conteúdo, entre a estética
da minissérie e o seu enredo, que se traduz, entre
outros aspectos, pela estrutura circular do palco e
pelas sucessivas mudanças de cenário que
reproduzem visualmente os diferentes estágios da
trama, segundo observação de Lia Renha,
responsável pela direção de arte da obra em pauta:
O caminho de Maria, que é o caminho da vida
de todos que escolhem seus propósitos, vai pelo
mundo; não fica trancafiado de forma cartesiana.
Quando vemos uma paisagem, a enxergamos em
360º. Quando se entra dentro desse domo, não se
está dentro de um mundo recriado. Eu não
conseguiria contar essa história como eu sinto fora
de um círculo; não vemos o mundo com quinas.
(RENHA, 2005, p. 36-37)
Os dramas vividos pela heroína acompanham,
como salientou Lia Renha, o seu deslocamento em
busca das “franjas do mar”. Essa busca, iniciada
após a fuga de casa, será recortada pela figura do
demônio Asmodeu com quem Maria irá se deparar
inúmeras vezes ao longo de seu percurso. Sempre
ajudada por alguma alma boa que encontra pelo
caminho, Maria consegue avançar e se manter firme
em sua busca, apesar das tentativas de Asmodeu
de desviá-la de seu objetivo.
Cada vivência de Maria, cada figura que ela
conhece ao longo de sua trajetória, representa uma
aventura à parte, um quadro com relativa
autonomia em relação aos demais que formam o
todo da narrativa. Como no cinema de Georges
Méliès vê-se aqui uma proposta de unidade em
meio a uma estrutura fragmentada na qual cada
atração visa captar, por meio da surpresa, do susto,
do riso, a atenção máxima do espectador
(GUNNING, 1994). Trata-se, no caso, de um tipo
de dramaturgia inteiramente diferente da que
costuma caracterizar a programação ficcional da
televisão brasileira.
A composição e a montagem dos planos
reforçam essa concepção estética, de quadros, de
atrações, muito comum no cinema de George
Méliès e nas expressões populares tradicionais de
130
grande influência na obra do diretor do chamado
“cinema das origens”[2]. A técnica (operações da
câmera, montagem) transpõe para a tela estruturas
narrativas próprias do primeiro cinema, evocando
o universo da cultura popular[3] por meio da
linguagem das atrações. Desse modo, a
“apropriação”[4] das tradições se processa não
como “citação”[5] (como é comum na televisão e
não raro no cinema), mas em termos “dialógicos”[6]
(não excluindo aí o diálogo com a tradição das
imagens em movimento).
Fugindo ao encadeamento narrativo
tradicional, rompendo com as noções
convencionais de tempo e espaço, “Hoje é dia de
Maria”, por meio de uma concepção cenográfica
incomum nos produtos televisivos, dos mais
modernos recursos tecnológicos e de
procedimentos típicos da linguagem audiovisual,
como movimentos de câmera e operações de
montagem, dialoga com as manifestações da cultura
oral tradicional que operam segundo uma lógica
não linear, como observou Paulo Vieira. Referindose à presença de romances, xácaras, vilanicos de
inspiração marítima na peça “Viva a Nau
Catarineta”, de Altimar Pimentel, o autor
comenta:
Somente a simplicidade destas fontes de
origem popular faz compreender – e aceitar, sem
maiores exigências quanto à construção da fábula
– a passagem de uma ação à outra, da taverna à
navegação, da navegação ao assalto à fortaleza de
onde se liberta a Saloia, daí à tempestade, sem que
haja momentos de crescimento da ação, de
estabelecimentos de pontos de ruptura que
conduzam à circunstância seguinte. (VIEIRA,
2000, p. 170)
A “mediação”[7] do teatro, que ajuda a
promover a idéia de circularidade e de fragmentação
narrativa, se faz também presente na concepção
dramatúrgica. Através das técnicas, principalmente,
do teatro popular, “Hoje é dia de Maria” dialoga
com processos narrativos característicos das
manifestações orais tradicionais, baseadas,
fundamentalmente, nos gestos e na voz que na
minissérie
receberam
um
tratamento
particularizado como se observa no making off da
obra onde, nas etapas de preparação dos atores,
verifica-se a preocupação do diretor com as
dimensões gestual e vocal. Elemento fundamental
da trama, a música (com Villa Lobos e Pixinguinha
dividindo a trilha sonora com maracatus, frevos e
cirandas), na maior parte das vezes, é entoada pelos
próprios personagens em substituição aos diálogos,
dentro de uma linha de representação fortemente
teatralizada.
Apesar das inúmeras referências às tradições
(romances, mitos, lendas, fábulas cantigas) e ao
teatro popular (de variedades, de bonecos, de
marionetes, circo), a relação da obra com essas
expressões não é de mera transposição de
elementos de um universo para o outro. Tratase, ao contrário, da busca de uma linguagem de
articulação entre expressões orais e audiovisuais,
feita através da música, do gestual, do uso de
marionetes, do figurino, da maquiagem, da
iluminação, do cenário e do recurso a acervos
técnicos próprios ao meio audiovisual com
destaque para a técnica de montagem de atrações
característica do cinema das origens. Esses
diferentes níveis de articulação não apenas
apontam para possibilidades estéticas novas no
meio audiovisual (contrapondo-se ao realismo,
principalmente, televisivo) como também
propõem formas alternativas de abordagem da
cultura popular pelas artes da representação nas
quais prevalece, quase sempre, a opção pelo
típico, pelo característico, em detrimento da
técnica:
No que se refere à percepção de acervos
técnicos, talvez devêssemos suspender o
encantamento aflorado pela visão de uma
natureza característica, e, então, indagar por um
sistema de códigos tão singulares quanto
longamente elaborados. E, acredito, será através
do cuidadoso exercício de compreensão e
recuperação destes códigos, e através de sua
precisa reelaboração em métodos e técnicas
adequadas à arte da cena, que um teatro popular
pode vir a se articular de maneira mais efetiva,
isto é, como expressão artística criadora e
autônoma, e não como instância redutora de
universos culturais diversos. (RABETTI, 2000,
p. 7 e 8)
A observação de Beti Rabetti a respeito do
teatro popular (“como expressão artística criadora
e autônoma”) serve para pensarmos a obra aqui
analisada em sua relação “de diferença e de
distância” com a cultura popular o que, por sua
vez, pressupõe a capacidade de articular
“variâncias e invariâncias, que garantem a
permanência de um núcleo matricial fixo de
determinadas produções arcaicas, ao mesmo
tempo que possibilitam um constante processo de
atualização, para adequação a transformações
históricas mais amplas”. (RABETTI, op.cit., p 18)
[1] A noção de “circularidade”, apresentada
por Bakhtin em seu estudo sobre a obra de Rabelais,
envolve uma relação com o tempo que está na base
da cultura popular, das expressões do riso, do
grotesco: “A sucessão das estações, a semeadura,
a concepção, a morte e o crescimento são os
componentes dessa vida produtora. A noção
implícita do tempo contida nessas antiqüíssimas
imagens é a noção de tempo cíclico da vida natural
e biológica” (BAKHTIN, 1999, p. 22)
[2] Nos filmes de Méliès os vínculos com as
atrações circenses e teatrais, talvez se expliquem
pela experiência prévia do diretor nessas áreas.
Também no caso de Soffredini, Abreu e Carvalho
a atividade teatral é concomitante à experiência
dos autores nos meios audiovisuais. Além disso,
os três expressam, em várias de suas obras, fortes
vínculos com a cultura popular tradicional que é,
em última análise, um campo onde as atrações
costumam se fazer mais presentes.
[3] A noção de cultura popular adotada na
presente análise parte das observações de Gerd
Bornheim que recusa a visão dicotômica promovida
por determinados segmentos intelectuais em
relação à chamada “cultura popular” cujas posturas
(positiva, face às tradições do mundo rural,
131
consideradas como elevadas e autênticas, e
negativa, face às manifestações culturais da
grande cidade, vistas pelo prisma da
massificação) revelam, segundo ele, uma total
falta de atenção às metamorfoses do público
contemporâneo. O autor, que defende uma
posição menos idealista da cultura popular
tradicional, apresenta duas atitudes em relação
ao uso do folclore no teatro: “Uma coisa é o
folclore em estado bruto, que se repete tal como
surgiu no passado e que, bem ou mal, continua
se mantendo vivo. E outra bem diferente está
naquilo que o teatro pode fazer com o folclore,
servindo-se dele como ponto de partida para a
instauração de um teatro popular.”
(BORNHEIM, 1983, p. 31-32)
[4] Sobre a noção de “apropriação” Roger
Chartier comenta: “Ela evita, inicialmente,
identificar os diferentes níveis culturais a partir
apenas da descrição dos objetos que lhes seriam
considerados próprios”. Nessa passagem o autor,
ao se referir às for mas de apropriação de
elementos de uma tradição cultural por outra
pertencente a um campo diferente, recusa a idéia
de homogeneidade que quase sempre leva a uma
visão hierárquica da produção cultural
(CHARTIER, 2004, p. 12)
[5] Uma análise do processo de “citação”
de elementos da cultura popular por parte de
ar tistas er uditos foi feita por Elizabeth
Travassos. A autora comenta sobre os
procedimentos adotados por representantes da
música nacionalista do século XIX (como
Alberto Nepomuceno que inseriu um maxixe no
Prelúdio da ópera “O garatuja” e por Carlos
Gomes que costumava introduzir temas
ameríndios em óperas com roupagens do belcanto
italiano) que recorriam à cultura popular em
termos de citação. Esse recurso foi criticado por
Mário de Andrade, defensor de um tratamento
das tradições populares cuja ênfase deveria recair
132
não sobre o conteúdo das mesmas mas sobre as
suas for mas, suas estr uturas (associadas à
essência da expressão) que deveriam ser
processadas para dar corpo à nova música
nacionalista (TRAVASSOS, 2000, p. 36-38)
[6] O conceito de “dialogismo” de Bakhtin
foi analisado por Robert Stam que chama atenção
para o aspecto relacional do discurso, ou seja,
para a “relação entre o texto e seus outros”. Na
minissérie “Hoje é dia de Maria”, não se observa
uma relação direta entre o contexto e o texto
que o informa; observa-se, entre estes, o que
Robert Stam denominou de dialogismo cultural
e textual (STAM, 1992, p. 72-78)
[7] O conceito de “mediação” foi
introduzido nos estudos de Comunicação e
Cultura por Jesús-Martin Barbero que buscou por
meio deste pensar os trânsitos entre o popular
tradicional, o erudito e o popular massivo
ultrapassando, assim, as fronteiras normalmente
estabelecidas entre as respectivas “áreas”. Desse
modo a fórmula de McLuhan, de que o meio é a
mensagem, passa por uma revisão, apontando
para um processo no qual ganha corpo a noção
de mediações que pressupõe os intercâmbios
entre as mais variadas formas de comunicação e
manifestação cultural (BARBERO, 1997).
Referências:
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo, Hucitec,
1999.
BARBERO, Jesús-Martin. Dos meios às mediações: comunicação,
cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997.
BORNHEIM, Gerd. Teatro: A Cena Dividida. Porto Alegre,
LP&M, 1983.
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo
Regime. São Paulo, UNESP, 2004.
FÉRAL, Josette. “La Théâtralité”, Poétique, 1988, p 348-50.
Apud. ZUMTHOR. Performance, recepção, leitura. Tradução
Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo, Cosac Naify,
2007.
GARDIES, André. Le récit filmique. Paris, Hachette, 1993, p
69-83.
GUNNING, Tom. “A grande novidade do cinema das
origens”. Entrevista concedida a XAVIER, Ismail,
MOREIRA, Roberto e RAMOS, Fernão. Revista Imagem,
Campinas, nº 2, ago., 1994, p 112-121.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo, Perspectiva,
2007.
RABETTI, Beti. “Memória e culturas do popular no teatro:
o típico e as técnicas” IN: O Percevejo, Revista de Teatro, Crítica e
Estética, Ano 8, n° 8, 2000, p 3-18.
RENHA, Lia. apud. COSTA, Ana Carolina. “Refinado e
popular: ‘Hoje é dia de Maria’ reaproveita matéria-prima para
retratar o mundo dos contos populares” IN: Luz & Cena.
Ano VII, nº 67, jan/fev 2005, p 36-37.
RIPELLINO, Ângelo Maria. Maiakovski e o teatro de vanguarda.
São Paulo, Perspectiva, 1971.
SONTAG, Susan Sontag “Teatro e filme” IN: A Vontade
Radical. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
STAM, Robert. “Dialogismo cultural e textual” IN: Bakhtin: da
teoria literária à cultura de massa. São Paulo, Ática, 1992, p 72-78.
TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de
Janeiro, Ed. Zahar, 2000.
VIEIRA, Paulo. “O teatro do povo” IN: O Percevejo, Revista de
Teatro, Crítica e Estética, Ano 8, n° 8, 2000, p 165-170.
133
Malê Debalê: uma origem,
uma tribo, uma festa
Lúcia Fernandes Lobato*
RESUMO: Aqui são apresentados os elementos constitutivos
que motivaram a fundação, em 1979, do bloco afro Malê Debalê,
que, por suas ações espetaculares, principalmente no carnaval
baiano, se tornou a entidade mais representativa da cultura negra
de Itapuã. O bloco é identificado ao conceito maffesoliano de
“tribo”, são descritos os símbolos de sua prática espetacular,
reconhecidos por sua presença na vida política e cultural de
Salvador e evidencia-se a importância do caráter festivo na
constituição e na renovação constante do grupo.
uma homenagem prestada aos malês, negros
muçulmanos chegados à Bahia na condição de
escravos. Os fundadores do bloco se identificavam
com o perfil histórico de luta dos malês os quais
em 25 de janeiro de 1835 realizaram em Salvador
a maior revolta escrava urbana até então ocorrida,
conhecida como a Revolta dos Malês. Foi uma justa
PALAVRAS-CHAVE: Bahia; cultura negra; carnaval.
RÉSUMÉ: Ici sont présentés les élements constitutifs qui on
donné raison d’existence, en 1979, au groupe social et culturel
afro-bahianais Malê Debalê, qui, de par ses actions spectaculaires,
notamment lors du carnaval, est consideré comme l’entité la
plus répresentative de la culture nègre du quartier d’Itapuã. Le
groupe est identifié au concept mafesolien de “tribu”. On décrit
les symboles de sa pratique spectaculaire, réconnus de par leur
présence dans la vie politique et culturelle de Salvador de Bahia.
La fête est prise en son importance structurelle pour la
constitution et renouvellement du groupe.
MOTS-CLÉS: Bahia; cultura negra; carnaval.
ABSTRACT: Here are described the sources that led to the
founding in 1979, of the african group Malê Debalê which, by
its spectacular actions, especially in the Bahian carnival, has
become the most representative organisation of the black culture
of Itapua. The group is identified with the maffesolian concept
of “tribe”. Its symbols are described as well as their spectacular
practices, well known for their presence in political and cultural
life of Salvador, Bahia. The importance of its festive character in
the formation and renewal of the group is highlighted.
KEYWORDS: Bahia; black culture; carnival.
O bloco Afro Malê Debalê foi fundado em 23
de março de 1979 por um grupo de familiares,
amigos e vizinhos moradores do bairro popular de
Itapuã, situado no litoral norte da cidade do
Salvador - Bahia. O cotidiano partilhado na mesma
localidade, o respirar coletivo de sua gente na
mesma ambiência e o conviver com os dramas e as
delícias do dia-a-dia foram os responsáveis pelo
surgimento e consolidação do grupo.
O nome Malê Debalê, escolhido a partir de
uma consulta realizada na própria comunidade, foi
Foto de Crispim
homenagem e a este respeito manifestou-se Antônio
Risério, em carta a Nei Lopes (1988, p. 69):
O sucesso do bloco afro Male Debalê, junto
com a revalorização popular das revoltas islâmicas,
criou uma espécie de mito em torno dos malês. Hoje
na Bahia, qualquer negro informado, alguns com
certa ponta de esnobismo (compreensível, mas
condenável), afirma-se descendente dos malês.
* Professora da Escola de Dança da UFBA, Brasil
137
No entanto, apesar da homenagem, não era
uma razão histórica que movia a formação do bloco,
mas sim, a vontade e o desafio de, através da sua
prática espetacular organizada, participar da festa.
Debalê, voltando às razões que deram o nome
do bloco, foi uma palavra criada pelo grupo que
tinha a informação de que “bali” significaria
felicidade em yorubá. Assim, segundo Josélio de
Araújo, membro fundador e atual presidente, o
bloco foi batizado com o nome Malê Debalê na
intenção de traduzir “negros da felicidade” ou
“negros felizes”.
Apesar dessas conjecturas, a origem do bloco
está intrinsecamente ligada ao sentido da festa
como revelação de utopias. O impulso maior dos
fundadores era referendar, através da prática
espetacular no carnaval, a existência e legitimação
do grupo na cidade do Salvador.
As festas populares vêm atraindo o olhar
pesquisador contemporâneo de sociólogos,
antropólogos, etnólogos e historiadores. A História
Oral, fundada pelo Grupo dos Annales, chegou a
se apropriar das festas como objeto de estudo, por
sua inerente vinculação com a mentalidade, o
cotidiano e a vida coletiva, introduzindo
definitivamente o tema na preocupação das
ciências humanas.
Atualmente, autores como Jean Duvignaud e
Norberto Luiz Guarinello ressaltam o caráter lúdico
e espetacular das festas introduzindo-as nas
discussões acadêmicas, retomando e revendo a
compreensão de sua gênese, buscando suas
transformações e as possíveis leituras e analogias
com os aspectos conjunturais sociais, culturais e
históricos.
É indiscutível que as festas permitem uma
apreensão do real. Elas constituem uma forma
de apropriação do mundo, reveladora do
imaginário coletivo de grupos e comunidades
que, a exemplo do Malê, constroem, no viver
comum de uma mesma realidade, os mesmos
sonhos e as mesmas utopias. A utopia da festa
desdenha e brinca com a mediocridade do
presente e celebra o desejo.
Guarinello, entendendo a festa como um
espaço e um tempo de exaltação dos sentidos
sociais, assim conceituando (in Jancsó, Istvan e
Kantor, Íris 2001, p. 972).
A festa é, portanto, sempre uma produção do
cotidiano, uma ação coletiva, que se dá num tempo
e lugar definidos e especiais, implicando a
concentração de afetos e emoções em torno de um
objeto que é celebrado e comemorado e cujo
produto principal é a simbolização da unidade dos
participantes na esfera de uma deter minada
identidade. Festa é um ponto de confluência das
ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa dos
seus participantes.
No caso de Salvador, participar de forma
organizada no carnaval significa vir a ser
reconhecido e identificado como personagem
social, o que justifica plenamente a motivação da
fundação do Malê.
Foto de Crispim
138
Mas é importante ressaltar que hoje o carnaval,
apesar da permissibilidade que supera o cotidiano,
é regido por normas que regulamentam no interior
de sua realização um jogo de poder e uma disputa
social acirrada de espaço.
É fundamental compreender que o lúdico e
as licenciosidades, inerentes às festas, dão lugar à
revelação de frustrações, revanches e reivindicações. Nesse sentido, desde o Brasil colônia,
aqueles que não participam dos privilégios
encontram nas festas o espaço de realização e
expressão de resistências. Isto porque, enquanto
dura a folia, o entusiasmo e a alegria rompem com
os padrões e as regras de comportamentos
estabelecidos pelo poder, e as transgressões,
incorporadas como elementos intrínsecos das
festas, tornam visíveis simbologias étnico-culturais
de grupos sociais fora do modelo dominante.
Foto de Margarida Neide
No processo histórico baiano, negros, índios
e mestiços recriaram seus mitos, reproduziram suas
hierarquias religiosas e tribais tocando, cantando e
dançando no carnaval.
Até bem pouco tempo em Salvador, o carnaval
mantinha sua característica essencialmente
popular, apesar dos órgãos oficiais sempre se
sentirem ameaçados, buscando domesticar e
regulamentar as manifestações mais rebeldes.
Nesse sentido, a festa tem conseguido dar
visibilidade e dimensão às contradições ideológicas
latentes nas relações da sociedade baiana.
Inegavelmente, o negro, maioria na população de
Salvador, tem ocupado um espaço no carnaval
como elemento estruturante.
Esta condição poderia indicar um lugar
privilegiado do negro no carnaval da cidade de
maior população negra fora do continente africano,
com uma cultura impregnada dos valores e
da estética negra. Porém, como os blocos afros
e os afoxés não reproduzem a ideologia do
poder, mas, ao contrário, expressam a herança
tribal, a religião e toda a força da cultura negra
herdada dos escravos, acabam por instaurar
na festa a contradição e a disputa por um
espaço, que não lhes é assegurado pelo poder
público local.
Por esta razão, as entidades negras e
populares baianas acabam tendo que se
defrontar com problemas de ordem políticoeconômica e com preconceitos raciais e
estéticos. Têm que resistir e insistir para existir,
e assim acabam por conseguir um espaço
permitido, que, por outro lado garante a
Salvador o exotismo que promove o sucesso
para o marketing do turismo.
Neste contexto adverso, a sobrevivência
dessas entidades se dá pela sua capacidade
de resistir aos modelos em voga sendo fiéis às
suas tradições, reproduzindo as simbologias,
as heranças culturais e religiosas que as fazem
orgulhosas de serem o que são. E a festa é
uma possibilidade de revelação dessas utopias.
Os negros, em Salvador, ocupam a
139
cidade, tornando-se uma presença espetacular e
reproduzindo valores e simbologias da sua cultura
e da sua ancestralidade. Na festa desvelam as
diferentes formas contraditórias de viver suas
ações e contradições.
Assim, o desejo de contar a própria história,
síntese de muitas estórias, e “melhor
representar o nosso bairro no centro de
Salvador, nas folias Momescas”, confor me
escrito na Ata de Fundação, motivou Josélio de
Araújo, Ubirajara Fernandes Lopes de Souza,
Antônio Santana, Erivaldo Paulo de Oliveira,
Delson dos Santos, Miguel Arcanjo dos Santos,
Jorge Santos de Jesus, Antônio Luís Lopes de
Souza, Alberto Caetano de Souza Santos e
Enaldo Carvalho a fundarem, às margens da
lagoa do Abaeté, o Malê Debalê.
O objetivo imediato era apenas participar
do carnaval. Mas o impulso gerador revelava
também o desejo do reconhecimento do bairro
de Itapuã e sua cultura na sociedade baiana
contemporânea. Apesar do ideal político da
representação, o que realmente contava era o
elemento lúdico, as práticas coletivas locais, a
convivência, o futebol, a cerveja e a conversa
jogada fora. O fundamental era a existência
da vontade de dar dimensão espetacular ao
simples estar junto com, como estratégia de
identificação social.
Assim gerado, principalmente, pela ação
espetacular, surgiu com festa o Malê Debalê.
Surgiu, assimilando em seu discurso os heróis da
rebeldia negra, os feitos revolucionários de
escravos, a simbologia dos orixás somados à ironia
e às incoerências da vida popular, aos costumes,
aos hábitos contemplativos e praieiros e à
convivência com os encantos naturais daquele
bairro.
Fundado em 1979, faz sua primeira
apresentação no carnaval de 1980, levando para a
avenida o tema: “Reino Dourado dos Achantes”.
A música “Diz meu povo”, de autoria de Capenga,
era muito simples e foi facilmente assimilada e
cantada pelas ruas de Salvador:
140
“ E diz meu povo
Auê... Auêêê
Diga de novo
Malê Debalê
Estou na avenida
Venham ver
(Refrão)
Para conhecer
Que esse
É o Bloco Negro
É o Malê Debalê
Saudando as forças
Gandhy, Ilê e Badauê
Mas esse é
O Bloco Negro
É o Malê Debalê .”
A simplicidade da música não escondia, no
entanto, os propósitos daquela gente. Chegavam
saudando, respeitosamente, as entidades
carnavalescas mais antigas da cultura popular negra
baiana como Gandhy, Ilê e Badauê. Porém, também
clamavam estar na festa, em plena avenida, como
portadores das tradições e simbologias
afrodescendentes. Chamavam o povo para se
apresentar, afirmando ser o bloco negro Malê
Debalê. Todos na rua ficaram contagiados com a
alegria e a garra do grupo. Naquele primeiro ano,
foi o campeão, na categoria das entidades afros,
no concurso, então promovido pelo governo
municipal.
Uma das responsabilidades desse sucesso foi
sem dúvida a pulsação do toque de seus tambores,
que dão o tom, o ritmo e a harmonia de toda a
ação espetacular do bloco. A máxima é “tocou,
dançou” e ao som dos seus tambores, todos
dançam, ninguém fica parado e estabelece-se o
reinado do movimento e, assim, acontece a festa.
Outro grande motivo do sucesso foi a Dança
Malê que surgiu com o próprio Malê, pois desde
sua primeira apresentação neste carnaval de 1980,
é um elemento diferenciador em relação aos
outros blocos baianos. Até então não se via, em
Salvador, desfiles com alas de dança. Os blocos
eram como os conhecidos cordões de foliões que
dançavam e brincavam sem nenhuma intenção
coreográfica.
O Malê aparece, tendo a frente de seu desfile
uma ala de dança organizada, ensaiada e
coreografada por um de seus componentes, o
dançarino conhecido pelo nome artístico de
Formigão, hoje o mais antigo integrante do elenco
do Ballet Folclórico da Bahia. A dança personalizou
o Malê Debalê e lhe deu notoriedade. É
reconhecidamente identificada por sua força e
vigor, a tal ponto que o jornal The New York Times,
conferiu-lhe o título de “O maior Ballet Afro do
Mundo”.
Provavelmente o elemento mais representativo de todo o processo do grupo é o próprio
símbolo do Malê. Ao fundo está desenhada uma
meia-lua. Ocupando o centro do símbolo,
incrustado na lua, um polígono estrelado regular
de seis pontas, conhecido como o signo de
David. Certamente, a intenção era representar a
estrela de Salomão, de cinco pontas,
reverenciando a mandinga dos malês, que
colocavam esta estrela, em cima de um mantra,
guardado num patuá que traziam no pescoço,
para se resguardarem de olhados e bruxarias.
Porém, o desconhecimento da diferença resultou
no equívoco de representar, através da estrela
de David, a crença vinculada à estrela de
Salomão. Enfim, em cada ponta dessa estrela,
desenhada no símbolo do Malê Debalê, aparece
um búzio ou um peixe. Ao centro, destaca-se a
figura da negra malê.
Assim, a lua, a estrela, os búzios, os peixes e a
negra dão a forma e o sentido a uma imagem
emblemática. Nela, é possível reconhecer a
ambiência de Itapuã, representada pelos búzios, os
peixes e a lua. A referência à ancestralidade e a
religiosidade está representada na estrela. Na figura
da mulher altiva, há uma homenagem à beleza negra.
Assim de festa em festa, a cada carnaval o
Malê Debalê veio escrevendo a sua história vivida
coletivamente, fixando seus símbolos represen-
tativos e constituindo-se a partir de uma matriz
festiva que assegurou a solidariedade necessária
para a construção da “Tribo Malê”.
O termo “tribo” é aqui empregado como um
elemento coesivo, significando uma maneira de
partilhar valores, espaços e ideais circunscritos num
mesmo território, a partir de diversas experiências
vividas em comum. Este elemento coesivo tem, no
caso do Malê, uma base territorial comum, calcada
no sentimento de participação e na responsabilidade,
indispensável à sobrevivência do grupo.
Essa tribo existe a partir das individualidades
de cada um de seus componentes que, juntos, se
integram numa única forma na qual todas essas
individualidades se diluem, produzindo o fenômeno
reconhecido por Maffesoli (1998, p. 96) como a
transcendência imanente, isto é, aquilo que ao
mesmo tempo ultrapassa os indivíduos e brota da
continuidade do grupo.
Assim, falar do Ser Malê remete à compreensão da metáfora “Tribo Malê”, pois este ente
denominado Malê não está relacionado ao ser
individual, mas sim ao ser coletivo.
O que permitiu ao Malê Debalê sobreviver às
dificuldades e crises, ao longo de vinte e dois anos,
foi a existência de um forte sentimento de ligação,
denominado por Maffesoli de pertencimento,
reconhecível entre seus integrantes. É esse
sentimento que, além de dar a coesão ao grupo,
garante o caráter cooperativo no interior da sua
comunidade, instigando-a para ação. O mecanismo
de pertencimento (MAFFESOLI, 1998, p. 194196) é regido por três pressupostos: participar do
espírito coletivo, integrar-se ao grupo (o que
significa ter passado pelo feeling grupal) e ter
vencido os diversos rituais iniciáticos.
Esse sentimento de pertencer possibilita,
também, diferenciar uma comunidade – no caso
do Malê, um bloco afro – da genérica categoria de
um grupo étnico.
O pertencimento responde pela unificação dos
esforços individuais em defesa dos interesses
comuns que, na maioria das vezes, são desprezados
pela sociedade, porque não constituem uma
141
verdade universal e projetiva, mas saberes
localizados e, na maioria das vezes, imediatistas.
A preocupação do grupo é o presente vivido
coletivamente através de relações de sintonia.
Outra categoria identificável, tanto na
“perdurância” do grupo, quanto na sua forma
espetacular, é o vitalismo (MAFFESOLI, 1998,
p. 94) que está na base do exercício de ser/estar
junto com nas mais diversas situações corriqueiras
e nos (assim considerados) fatos menores da vida
cotidiana de cada um e do próprio grupo.
Podemos dizer que há, também, uma
identificação, reforçando o que é comum a todos e
definindo uma solidariedade e uma ética
comunitária, reafirmando o sentimento que o grupo
tem de si mesmo. É exatamente este sentimento
que traduz uma maneira de Ser Malê oriunda de
uma prática cultural oral e tribal, construída com
base no localismo e na solidariedade e na ajuda
mútua que encontra sua forma de expressão na
música, no canto, na dança e na plasticidade de
seus signos e símbolos.
Apesar da contemporaneidade e de todos os
seus aparatos tecnológicos, o grande veículo de
comunicação é o tambor, pois, para reunir
rapidamente o grupo, ainda é o toque do tambor,
ouvido à distância, que faz com que todos corram
à sede porque alguma coisa está acontecendo.
Tocando o tambor também são dirimidas brigas e
feitas verdadeiras amizades.
Outra característica tribal, presente no Malê, é a
desconfiança para com aqueles que chegam de fora.
Apesar de serem bem recebidos e sentirem um clima
hospitaleiro e acolhedor, não partilharão da confiança
e da intimidade do grupo. Há o que pode ser revelado
e o que constitui uma espécie de segredo. Pode-se
reconhecer um comportamento secreto do grupo face
àquele ou àquilo que vem de fora, o que determina
um “autocentramento” que, até certo ponto, foi
determinante para sua “perdurância”.
O fato de o Malê pertencer a Itapuã, uma
localidade tradicional e praieira, afastada do centro
da cidade, aumenta as características bairristas e
provincianas dos integrantes do grupo. Os mais
142
velhos, ainda hoje, quando vão ao centro da cidade,
vestem roupas domingueiras e avisam: “Vou à
Salvador”, como se Itapuã fosse uma outra cidade.
Assim, não é de se estranhar que a
personalidade da “Tribo Malê” seja arredia,
caracterizada pela teimosia, a desconfiança e o
“autocentramento”, mesclados a uma certa
ingenuidade própria dos que vivem na aldeia.
Talvez por terem a consciência de serem
descendentes da cultura negra e herdeiros da luta
escrava na Bahia, ou mesmo por sua condição de
pobres, negros e mestiços, sem os privilégios da
sociedade, cultivam um caráter guerreiro e
conspirador. Vivem numa espécie de resistência
passiva e, dessa maneira, exercitam sua presença
grupal nas diferentes formas de se relacionar com
o poder.
A “Tribo Malê” não convive nem com as práticas
discriminatórias, nem com o racismo e, muito menos,
com o autoritarismo. Assim, se encontram no bloco
pessoas de todas as cores e de todos os credos. A
base religiosa é o candomblé, mas não há domínio de
tal ou qual terreiro, nem interferência do grupo nas
questões da fé pessoal.
Todas essas características definem o perfil desse
Ser Malê que possui uma personalidade construída
na tragédia e no cotidiano da vida, mas sonhada e
glorificada na prática espetacular e na festa. O
compositor e cantor Sivu, em sua canção intitulada
“Jazz”, refere-se ao Ser Malê cantando o seguinte
verso: “vagabundos de Deus, eu sou Malê Debá”.
Referências:
DUVIGNAUD, Jean. Fêtes & Civilisations. 2. ed. Paris:
Scarabée & Compagnie, 1973.
GUARINELLO, NOBERTO LULIZ. In Jancsó, Istvan e
Kantor, Íris. Festa: Cultura e Sociabilidade na América
Portuguesa. V. II. São Paulo: Hucitec, Editora da Universidade de São Paulo/ Fapesp: Imprensa Oficial, 2001.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. 2. ed. São Paulo:
Forense Universitária, 1998.
______. O conhecimento comum. São Paulo: Brasiliense,
1988.
RISÉRIO, Antônio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio,
1981.
Repertório Teatro & Dança
Números publicados
Ano 1: 1998
n. 1 Etnocenologia
Ano 2: 1999
n. 2 Dança e outras Artes
n. 3 Formação em Artes Cênicas
Ano 3: 2000
n. 4 Artes do Espetáculo e Ciência
Ano 4: 2001
n. 5 Performance
Ano 5: 2002
n. 6 Dramaturgia
Ano 7: 2004
n. 7 Formação em Dança
Ano 8: 2005
n. 8 O Cômico
Ano 9: 2006
n. 9 Poéticas da Diferença
Ano 10: 2007
n. 10 Teatro pós-dramático
Ano 11: 2008
n. 11 Música e Artes do Espetáculo
Este número
Ano 12: 2009
n. 12 Etnocenologia
Próximos números
Ano 12: 2009
n. 13 Corpo e Cena
Ano 13: 2010
n. 14 Poéticas do Espetáculo na América Latina
Números futuros
Audiovisual e Artes do Espetáculo
Imaginário e Espetáculo