no. 12 Etnocenologia - revista teatro e dança UFBA
Transcription
no. 12 Etnocenologia - revista teatro e dança UFBA
REPERTÓRIO TEATRO E DANÇA REPERTÓRIO TEATRO & DANÇA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitor: Naomar de Almeida Filho; Vice-Reitor: Francisco Mesquita; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Antonio Alberto Lopes; Coordenador de Ensino de Pós-Graduação: Marcelo Embiruçu de Souza; Coordenador de Pesquisa: Rogério Hermida Quintela. Docentes: Ângela Reis, Antonia Pereira (Coordenadora), Armindo Bião, Catarina Sant’Anna, Cássia Lopes, Ciane Fernandes, Cleise Mendes, Daniel Marques, Denise Coutinho, Dulce Aquino, Eliana Rodrigues, Eliene Benício, Eloisa Domenici, Érico Oliveira, Evelina Hoisel, Ewald Hackler, Fernando Passos, Gláucio Machado, Hebe Alves, Ivani Santana, Jacyan Castilho, João de Jesus Paes Loureiro, Lúcia Fernandes Lobato, Luiz Cláudio Cajaíba, (vice-coordenador), Luiz Marfuz, Maria Albertina (Betti) Grebler, Meran Vargens, Sérgio Farias, Sonia Rangel, Suzana Martins; Representante discente: Nadir Nóbrega Oliveira; Secretária: Daiane Milene Carvalho Ramos. CONSELHO EDITORIAL: André Helbo, Université Libre de Bruxelles, Bélgica; Antonia Pereira, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Armindo Bião, CNPq, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil (Editor Responsável); Cássia Navas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil; Hans-Thies Lehman, Goethe Universität Frankfurt am Main, Alemanha; Idelette Muzart-Fonseca dos Santos, Université de Paris Ouest - Nanterre La Défense, Paris X, França; Jean-Marie Pradier, Université Vincenne Saint Denis, Paris VIII, França; Josette Féral, Université du Quèbec à Montreal, Canadá; Marta Isaacsson Sousa Silva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Brasil; Michel Maffesoli, Université René Descartes, Paris V, França; Paulo Filipe Monteiro, Universidade Nova de Lisboa, Portugal; Rodolfo Obregon Rodriguez, Universidad Nacional Autónoma de México – UNAM, México; Sílvia Fernandes, Universidade do Estado de São Paulo – USP, Brasil. CONSELHO CONSULTIVO: Bernard Müller, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França; Carlos Alba, Instituto Politécnico de Leiria, Portugal; Cássia Lopes, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Catarina Sant’Anna, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Cleise Mendes, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Christian Marcadet, Université Panthéon Sorbonne, Paris I, França; Denise Coutinho, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Fernando Mencarelli, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Brasil; Jean-François Dusigne, Université de Picardie Jules Verne, Amiens, França; Jorge das Graças Veloso, Universidade de Brasília – UNB, Brasil; Lucas Robatto, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Luiz Cláudio Cajaíba, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Luiz Freire, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil; Mário Fernando Bolognesi, Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, Brasil; Nara Keisermann, Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro – UNIRIO, Brasil; Nathalie Gauthard, Université de Nice Sophia Antipolis, França; Samuel Araújo, Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFRJ, Brasil; Sonia Gomes Pereira, Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFRJ, Brasil; Sérgio Farias, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil. Organização deste número e projeto gráfico: Armindo Bião Capa e diagramação: João Paulo Perez Cappello Editoração eletrônica: Nádia Pinho Imagem da capa: colagem de fotos do Alcazar de Sevilha (Baños de Doña María de Padilla), de dança flamenca, leques e plumas. Revisão: Polyana Nunes Tiragem: 500 exemplares ISSN 1415-32-03 Ano 12 Nº 12 2009.1 REPERTÓRIO TEATRO & DANÇA Proscênio: Etnocenologia Peças: Dramaturgia para teatro e dança Persona: Jean Duvignaud Sala de Ensaios: Dança, teatro, cinema e televisão Bastidores: Malê Debalê © 2009, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA PPGAC/ UFBA/ Escola de Teatro Avenida Araújo Pinho, 292 – Campus do Canela 40110-150 Salvador Bahia Brasil Telefone 55 71 3283 7858 [email protected] www.teatro.ufba.br/ppgac Repertório Teatro & Dança é um periódico semestral do PPGAC/ UFBA, estruturado em: Proscênio: artigo ou conjunto de artigos de diversos autores, sobre a temática central do número, equivalendo ao que em outros periódicos é denominado de Dossiê. Peça ou Peças: texto(s) original(is) de dramaturgia de espetáculo teatral, coreográfico ou correlato, relativo ao Proscênio. Sala de ensaios: artigo ou conjunto de artigos de diversos autores sobre temas variados, necessariamente inéditos, relativos a música, artes visuais, literatura, ciências sociais, artes e ciências do espetáculo; equivalendo ao que em outros periódicos é denominado de Varia. Persona: artigo sobre ou entrevista com personalidade do mundo artístico e acadêmico, relativos à temática abordada no Proscênio ou em Sala de Ensaios. Bastidores: texto ou conjunto de textos sobre espetáculos, publicações e grupos artísticos, equivalendo ao que em outros periódicos é considerado como resenhas e relatos. Reunindo, prioritariamente, artigos solicitados a pesquisadores convidados, aos eventuais interessados em terem trabalhos publicados, Repertório recomenda: 1. Envio do original em Microsoft Word (times new roman 11; interlinha 1,5; texto justificado; títulos, palavras-chave e resumos na língua original e em inglês, bem como notas de pé de página, em times new roman 10, interlinha simples, texto justificado), com o mínimo de duas e o máximo de 20 páginas (com imagens até 25), de acordo com as normas da ABNT, acompanhado de declaração autorizando a publicação e cedendo seus direitos autorais para Repertório, que se compromete a enviar aos autores publicados três exemplares da revista contendo seu artigo. 2. Uso do sistema de chamada “autor-data” da ABNT e inclusão de notas de pés de página estritamente necessárias e das referências ao final do texto imprescindíveis. 3. As ilustrações (gráficos, fotografias, quadros, esquemas etc) devem ser designadas como Figuras, numeradas no texto, de forma abreviada e acompanhadas de legenda e indicação da fonte e/ ou autoria. 4. Qualquer parte desta revista poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte. 5. Os conceitos emitidos em textos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Dados Internacionais de C atalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Nelson de Araújo, TEATRO/UFBA, BA, Brasil) R epertório: teatro & dança / Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro. Escola de Dança. Programa de Pós-Graduação em ArtesCênicas. – Ano 12, n. 12 (2009) - Salvador: UFBA/ PPGAC, 2009 - 142 p. ; 21 cm. Periodicidade irregular ISSN 1415-32-03 1. Teatro - Periódicos. 2. Dança – Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia. II. Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas. III. Título REPERTÓRIO REPER TÓRIO REPERTÓRIO Editorial Armindo Bião Proscênio: Etnocenologia 7 Persona: Jean Duvignaud 9 Jean Duvignaud Sergio Guedes Caboclo: N° 2 do Tríptico Lenda do Boto Sonia Rangel 10 L’expansivité du rituel Jean-Marie Pradier Savoirs de la représentation et représentations du savoir André Helbo “Ensaiando dentro da mente”: dança e neurociência 95 Mônica Ribeiro e Antonio Teixeira 21 Pour une anthropologie des pratiques spectaculaires Bernard Müller 35 Pour une scénologie générale Jérôme Dubois 44 Peças: Dramaturgia para teatro e dança 53 CEIBA dança Lorca Jesús Cosano Prieto Sala de Ensaios: Dança, teatro, cinema e televisão 93 11 Da antropologia teatral à etnocenologia Gilberto Icle 28 GIPE-CIT canta Padilla Armindo Bião 87 Formas de representação do corpo negro em performance Marcos Antônio Alexandre 104 Samba de roda como una práctica espectacular en Barravento (1961) de Glauber Rocha Jolanta Rekawek 115 Espaço e teatralidade na minissérie “Hoje é dia de Maria” Sylvia Nemer 126 Bastidores: Malê Debalê 135 Uma origem, uma tribo, uma festa Lúcia Fernandes Lobato 137 55 77 Identidade visual dos colóquios internacionais de etnocenologia,realizados em Paris, França (1995 e 2005), Cuernavaca, Morelos México (1996) e Salvador, Bahia, Brasil (1997 e 2007). Editorial No momento em que se prepara a realização do VI Colóquio Internacional de Etnocenologia, para o período de 2 a 5 de agosto de 2009, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil (veja as identidades visuais dos cinco colóquios anteriores na página ao lado, à esquerda desta), a revista Repertório Teatro & Dança começa uma nova fase e retoma velhos ícones e emblemas dos orixás de seus primeiros números. De fato, o Proscênio deste seu número 12 é dedicado à etnocenologia, repetindo, assim, o início de sua primeira fase, em 1998, quando começamos a publicar Repertório Teatro & Dança Dança. Então também se preparava a realização de um Colóquio Internacional de Etnocenologia (Salvador, Bahia, Brasil, 1998) e, também, a etnocenologia era a temática do Proscênio de seu número 1. Agora, ampliamos o Conselho Editorial de Repertório Teatro & Dança Dança, que passa a ser semestral, e incluímos textos em outras línguas além do português: o francês e o espanhol. Em todos os textos, há resumos, títulos e palavras-chave em três línguas: sempre na língua original, em que cada texto foi escrito; em inglês; e em português, quando a língua original foi o francês, e em francês, quando a língua original foi o português ou o espanhol. Assim, pretendemos, também, ampliar o alcance do que publicamos em Repertório Teatro & Dança Dança, que passa a colocar à disposição de todos os interessados uma versão on-line integral de suas edições. Em Procênio , contamos com a colaboração de cinco colegas e amigos, dos quais três vinculados a universidades francesas. Assim, contamos com Jean-Marie Pradier, pioneiro da etnocenologia, que também colaborou com o número um de Repertório Teatro & Dança, Bernard Müller, que já colaborou conosco num livro coletivo Artes do corpo e do espetáculo (Artes espetáculo, P & A, 2007), no qual tratou do teatro contemporâneo de matriz iorubá na Nigéria, e Jérôme Dubois, que já participou de nossos grupos de pesquisa na França e no Brasil. Também contamos com André Helbo, da Universidade Livre de Bruxelas, coordenador do Master de Artes do Espetáculo Erasmus Mundus 2007/ 2009, que aprofunda as questões epistemológicas no âmbito das ciências do espetáculo. E, ainda, como nosso colega da UFRGS, Gilberto Icle, que nos revela seu percurso da Antropologia Teatral à Etnocenologia. Em Peças Peças, trazemos dois textos dramatúrgicos mergulhados no Atlântico Negro. Um, de nossa própria autoria, com ampla colaboração de alunos e orientandos, de caráter teatral e musical, é sobre o percurso da personagem histórica espanhola Doña María de Padilla, do século XIV, até sua quase homônima entidade da umbanda brasileira contemporânea. De passagem, apresentamos, como ilustração, de modo algo perverso e narcisístico, um pequeno álbum de fotos e anotações sobre um espetáculo dirigido por um de nossos ex-alunos da Escola de Teatro da UFBA, Vinício de Oliveira Oliveira, sobre texto de nossa amiga e colega, também ex-aluna da Escola de Teatro da UFBA, Haydil Linhares. O outro texto de Peças é de nosso amigo Jesús Cosano Prieto, de caráter coreográfico, para um espetáculo de flamenco de Juan de Juan, sobre o impacto da cultura afro-americana dos EUA e de Cuba na obra do poeta Federico Garcia Lorca. Aí incluímos brevíssima referência fotográfica à pesquisa de uma de nossas colegas do PPGAC/ UFBA, Eliana Rodrigues, sobre a dança flamenca, como ilustração complementar pertinente. Para a Persona P ers o n a , es co l h em o s n osso saudoso amigo e professor Jean Duvignaud e encomendamos o texto a nosso amigo e aluno Sergio Guedes, que também o conheceu na França. Reunimos, na Sala de Ensaios (que, anteriormente, chamávamos, simplesmente, de Ensaios Ensaios), um belo conjunto de artigos, todos também, igualmente, inéditos e de horizontes diversos das artes do espetáculo. Da dança, em diálogo com as neurociências, temos a colaboração de Mônica Ribeiro e Antônio Teixeira. Do teatro, na perspectiva da performance de corpos negros, a contribuição de Marcos Antônio Alexandre. Do cinema, em diálogo com a roda-de-samba tradicional da Bahia, temos a comunicação d e Jolan t a Rekawek, já apresen ta d a , parcialmente, no V Colóquio Internacional de Etnocenologia, realizado em Salvador, Bahia, em 2007. E, ainda, temos, do diálogo do teatro com a televisão, o artigo de Sylvia Nemer, discutindo espaço e teatralidade. Finalmente, fechamos, em Bastidores (que chamávamos anteriormente de Resenhas e Relatos ) este número de R Re e p e rt ório Teatro & Dança com a Repertório comunicação de nossa colega e amiga Lúcia Fernandes Lobato, reelaborada de sua participação no V Colóquio Internacional de Etnocenologia, realizado em Salvador, Bahia, em 2007, e que é dedicada às origens da tribo e da festa espetacular do Malê Debalê, marca maior de nossa cultura e de nossa etnocenologia. Junto à ficha catalográfica deste número de Repertório Teatro & Dança Dança, divulgamos a estrutura editorial de nossa revista e suas normas editoriais, para os eventuais interessados em colaborarem com nossa revista, da qual, assumo, agora, a responsabilidade editorial. Informamos, também, na contracapa deste número, a temática dos três próximos números de Repertório Teatro & Dança Dança, que aparecerá em seus respectivos Proscênios Proscênios. Reiteramos, enfim, aqui, a nossos prezados leitores, que nossa Sala de Ensaios estará sempre aberta a contribuições sobre quaisquer temáticas, assim como aceitaremos sugestões de perfis de personalidades das artes do espetáculo para nossas Personas Personas, textos dramatúrgicos para nossas Peças e resenhas e relatos para nossos Bastidores Bastidores. Armindo Bião CNPq/ Universidade Federal da Bahia, Brasil Coordenador do Grupo de Trabalho de Etnocenologia da ABRACE, Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas e do GIPE-CIT, Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade Teatralidade. Sonia Rangel* Cabloco Nº 2 do Tríptico Lenda do Boto Acrílica sobre tela 30cm X 30cm 2002 * Professora das Escolas de Teatro e de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Brasil 10 L’expansivité du rituel : autorité du novlangue ou changement de paradigme? Jean-Marie PRADIER* RÉSUMÉ : Depuis quelques décennies le mot rituel présente une occurrence particulièrement élevée dans les études et les pratiques artistiques, au point de prendre la place d’un vaste ensemble lexical particulièrement riche et précis. A première vue, cet usage quelque peu abusif semble accompagner l’extension des Performance studies, et une certaine interprétation des recherches de Jerzy Grotowski (1933-1999). L’analyse de son ontogenèse révèle une histoire complexe et de multiples sources : l’anthropologie évolutionniste, l’opposition de l’anglicanisme au cérémonial catholique, la rencontre de l’anthropologie (Victor Turner) et de l’éthologie (1965). MOTS CLÉS : ethnoscénologie; rituel ; performance. RESUMO : Nas últimas décadas, a palavra ritual aparece, sobretudo nos estudos e práticas artísticas, com tanta frequência, que chega a ocupar o lugar de um conjunto lexical particularmente rico e preciso. À primeira vista, esse uso um tanto abusivo parce acompanhar o crescimento dos Performance studies e uma certa interpretação das pesquisas de Jerzy Grotowski (1933-1999). A análise de sua ontogênese revela uma história complexa e múltiplas fontes : a antropologia evolucionista, a oposição do anglicanismo ao ceremonial católico, o encontro da antropologia (Victor Turner) e da etologia (1965). PALAVRAS-CHAVE : etnocenologia; ritual ; performance. The ritual expansiveness: the Newspeak authority or paradigm shift? ABSTRACT: In recent decades, the word ritual appears, so often, particularly in education and artistic practices, that comes to occupy the place of a particularly rich and precise lexical set. At first glance, this use somewhat abusive goes along the growth of Performance Studies and a certain interpretation of the research of Jerzy Grotowski (1933-1999). The analysis of their ontogeny reveals a complex history and multiple sources: the evolutionary anthropology, the opposition of the Catholic ceremonial to Anglicanism, the meeting of anthropology (Victor Turner) and ethology (1965). KEYWORDS: Ethnoscenology; ritual; peformance. En dehors de supprimer les mots dont le sens n’était pas orthodoxe, l’affaissement du vocabulaire était considéré comme une fin en soi et on ne laissait subsister aucun mot dont on pouvait se passer. Le Novlangue était destiné, non à étendre, mais à diminuer le domaine de la pensée et la réduction au minimum du choix des mots aidait indirectement à atteindre ce but. Georges ORWELL, 19841 Dans le souci d’éviter toute dérive d’ethnocentrisme, l’ethnoscénologie se doit d’attirer l’attention sur les conséquences de l’emploi d’un terme générique – le « rituel » - profondément marqué par les péripéties historiques de la pensée euro-américaine. Longtemps reléguée dans les limbes de l’anthropologie européenne qui lui préférait l’étude du mythe, 2 maltraitée par la perspective évolutionniste, la question du rituel jouit à présent d’une vogue étonnante non sans provoquer un effet de mode pour le moins ambigu. De nombreux colloques et publications lui sont consacrés notamment dans le champ des études théâtrales et des performance studies.3 L’édition sème le mot rite ou rituel dans les titres de revues et d’ouvrages, allant même jusqu’à en modifier l’appellation originelle.4 Les journalistes en abusent. *Professeur à l’Université Paris 8/ Maison des Sciences de l’Homme Paris Nord, France 1 George Orwell: 1984, traduit de l’anglais par Amélie Audiberti, NRF, Gallimard, Quatorzième édition, 1950, p. 360. 2 sur la relation entre le modèle implicite de la « religion » et le statut secondaire du rite, voir Daniel Dubuisson: L’Occident et la religion – Mythe, science et idéologie, Editions Complexe, 1998, p. 202 et s. 3 Jean-Marie Pradier : « Los nuevos tiempos del Rito– Entre la dilución del sentido y el cambio de paradigma », Teatro y diálogo entre culturas, Murcia 06/07, 2008, pp. 119-130.-” L’ethnoscénologie et la question du rituel” (actes du colloque international Le rituel dans les études polonaises, Paris, 2007 (actes du colloque international “les études sur le rituel en Pologne – octobre 2007)- “Flesh is spirit. Ritual or the Problem of Action”, proceedings of the international conference Religion, Ritual, Theatre, Copenhague, 2006 (à paraître 2008). 4 l’ouvrage d’Arthur Maurice Hocart Social Origins, Watts & Co, Londres, 1954, devient en français: Au commencement était le rite – De l’origine des sociétés humaines, préface de Lucien Scubla, Avant-propos de Lord Raglan, Traduit par Jean Lassègue avec la collaboration de Mark Anspach. Recherches, La Dé couverte. M.A.U.S.S., 2005. la revue Hermès, n° 43, 2006, CNRS Editions, présente sous le titre « Rituels », un ensemble d’articles hétérogènes sur les objets les plus divers. 11 La locution « théâtre-rituel » n’est plus réservée à désigner des pratiques exotiques dont les organisateurs de spectacles se régalent de proposer à un public qui en raffole. Elle est adoptée par des praticiens euro-américains tel Antero Alli et bien d’autres. Les mots rite et rituel présentent une occurrence particulièrement élevée dans les sciences humaines, au moment où s’efface de la mémoire collective le riche vocabulaire qui désignait la grande diversité des pratiques auxquelles se réfère aujourd’hui le substantif. Il devient nécessaire de s’interroger sur cette adoption lexicale par des tribus du savoir aussi dissimilaires que l’anthropologie des religions, la psychologie clinique, la sociologie interactionniste et l’éthologie. Emballement médiatique, paresse lexicale ou changement de paradigme ? À moins que l’on ne retrouve sous le vocable triomphant deux notions clefs de la recherche contemporaine : l’action et l’organisation. L’action, caractéristique des organismes vivants : « …un système nerveux ne sert qu’à agir. Tout ce qu’il peut faire en plus n’est que d’améliorer cette finalité première, suivant les possibilités que lui offre le niveau qu’il a atteint dans l’échelle des espèces. Ce qu’il est convenu d’appeler la « pensée » n’est que le moyen le plus perfectionné, propre à l’Homme, de réaliser cette fin »(Laborit, 1979).5 Organisation : du génome au langage, du déplacement des astres à la vie des sociétés, il n’est pas un moment du monde qui ne renvoie à un système de codification, à un type d’organisation. L’éthologie a pris une part décisive dans la propagation de la notion de rituel dans les sciences humaines et l’opinion commune. Par ailleurs, elle a contribué à conforter une nouvelle façon de considérer la relation du symbolique et du biologique, la corporéité de la pensée, la chair de l’esprit, une tentative de résolution du « body-mind problem ». Une façon de poursuivre la réflexion de Kant sur notre espèce, aussi peu ménagée par la nature que n’importe quelle espèce animale : « l’homme n’est donc jamais qu’un membre dans la chaîne des fins naturelles. »6 12 Expansion lexicale et dilution sémantique Les langues mortes et vivantes disposent toutes d’un capital lexical d’une étonnante richesse pour désigner des types d’action organisées efficaces qui à première vue ne semblent pas répondre aux besoins élémentaires inhérents au maintien de l’intégrité individuelle et collective. À l’œuvre dans chacune des instances de la vie sociale, ces actions se caractérisent par l’implication physique des personnes, des codifications formelles spécifiques, des qualités esthétiques, une densité symbolique, et une gratification émotionnelle. Leur efficacité ne répond pas au principe de la causalité linéaire du monde matériel qui nous est coutumier : une pierre tombant de haut sur un œuf fraîchement pondu brise sa coquille. Ces actions ont une dimension spectaculaire, dans la mesure où elles contrastent avec l’ordinaire sensible des jours en une polyphonie sensorielle souvent rehaussée par le recours à des accessoires et des ornements. Elles mettent en œuvre des techniques et des usages du corps singuliers et constituent des évènements symbiotiques. Leur étonnante diversité a donné lieu à des taxinomies culturelles qui permettent de les distinguer les unes des autres en fonction de leur finalité, et pour en souligner les aspects remarquables. L’abondance des termes qui les désigne ne manifeste pas une différenciation de surface. Elle exprime l’extrême hétérogénéité des modalités de la conscience et de la pensée qui fondent ces multiples types d’action dont la complexité échappe largement à l’analyse. Le protocole qui régule les relations entre dignitaires n’est pas à confondre avec le culte de l’Eglise Réformée, lui-même étranger au sacrifice eucharistique Catholique, inassimilable à une parade militaire, une séance de tribunal, la prière du vendredi dans une mosquée, le flirt tel qu’il est pratiqué dans une famille de l’ancienne bourgeoisie 5 Henri Laborit: L’inhibition de l’action, Masson, 1979, p. 1. Emmanuel Kant: Critique de la faculté de juger, traduction et présentation par Alain Renaut, GF Flammarion, 1088, 1995, p. 428. 6 bostonienne, une soutenance de thèse, la gestuelle compulsive d’un obsessionnel, une cérémonie dans la cour des Invalides en l’honneur de soldats tués au combat, la parade pré-copulatoire de colibris, et l’exhibition intimidante de ses organes génitaux par un singe vert posté en sentinelle. Les points de contact que l’on peut déceler ou imaginer entre ces situations produisent plus de faux-semblants que de signes d’apparentement. La perception de l’observateur est dans ce cas manipulée à la façon de ce que produit l’art du trompe-l’œil. L’illusion est provoquée par une certaine idée préconçue des apparences, détachée de l’activité psychique qui les sous-tendent. La description comparée du moment de partage du pain et du vin entre fidèles lors d’un culte luthérien et une messe catholique ne peut produire qu’une grossière esquisse si l’on ne tient pas compte de l’élément décisif apporté dans l’Eglise Romaine par le mystère de la transsubstantiation dont la réalité a été proclamée par les Pères lors du concile de Trente en 1551. Mordre par convivialité dans un morceau de pain et mâcher une hostie consacrée ne revient pas au même ! Il est certain que la méconnaissance des sensibilités liées aux croyances, plus que l’ignorance des doctrines, est à l’origine de bien des malentendus et de bien des conflits. Ritual, ritualization Le recours croissant aux termes unitaires de rituel et de rite témoigne-t-il pour les sciences humaines de l’anglicisation qui travaille le vocabulaire de l’industrie et du commerce ? Mais alors, par quel détour aurait opéré cette adoption ? La réponse n’est pas simple. Par une étrange pirouette de l’histoire, la faveur nouvelle accordée au rituel est venue de la culture qui avait concouru à sa déconsidération. Dans le contexte de l’anglicanisme et de la violente querelle du puséisme, 7 la liturgie catholique et les fastes romains n’étaient pas sans cousiner avec les cultes païens et la pensée magique aux yeux de certains. James George Frazer et ce que l’on a coutume d’appeler les « ritualistes de Cambrige »8 avaient été enclins à envisager l’évolution humaine comme partant d’un état primitif avec ses étranges obser vances collectives pour s’élever progressivement vers une « religion » purifiée de toute théurgie et la science. Déjà au XVIIIe siècle, le traducteur français de Johann Jacob Engel avait soutenu une thèse similaire dans sa préface. Pour lui, l’art du pantomime plongeant ses racines dans les « differens cultes du paganisme & même de la religion judaïque », serait sorti de « l’enfance des peuples », passant de « génération en génération, jusqu’à ce que les progrès de la culture, l’amour des arts & le besoin de nouvelles jouissances » lui accordent son autonomie.9 Si les diverses théories évolutionnistes ont semblé apporter une certaine caution scientifique à ces représentations schématiques et ethnocentrique du processus de civilisation, les travaux de Ch. Darwin en revanche, ont contribué à reconsidérer la rupture supposée entre le genre animal et l’humain. C’est ainsi que dans le sillage de Darwin, Ch. O. Whitman (18991919), O. Heinroth et W. Craig l’éthologie naissante n’a pas tardé à donner naissance à un néoritualisme d’inspiration et de signification radicalement nouvelles, entre biologie et culture, animalité et humanité. Initialement conçu en tant que suite de The Descent of Man (1871), l’ouvrage intitulé The Expression of the Emotions in Man and Animals avait provoqué dès sa publication en 1872 un engouement hors du commun dans les milieux les plus divers aussi bien en Grande-Bretagne qu’en Europe et aux Etats-Unis. L’auteur jetait en effet un pont entre « les découvertes récentes de la biologie et les nouvelles formes de connaissance 7 Dunom du Professeur E.B. Pusey (1800-1882), le puséysme, encore appelé Mouvement d’Oxford regroupait au sein de l’Eglise anglicane les partisans d’un rapprochement avec la religion catholique par le rétablissement de certains cultes et rites propres à la liturgie romaine. Le puséysme est également connu sous le nom de « ritualisme ». 8 Ackerman, Robert. - The myth and ritual school : J.G. Frazer and the Cambridge ritualists , Routledge, 2002. 9 Johann Jacob Engel: Idées sur le Geste et l’Action Théâtrale (1795) I-II, présentation de Martine de Rougemont , réimpression, au format original, de l’édition de Paris, 1795, Slatkine Reprints, Genève, 1979, p. 27. 13 du comportement humain, comme l’ethnologie ou la psychanalyse, qui se développent dans la deuxième moitié du XIXe siècle ».10 Analysant l’influence de Darwin sur Freud, Lucile B. Tivo souligne comment le psychanalyste tire argument de la théorie de la descendance, venue abattre selon ses propres termes « le mur d’orgueil séparant l’homme de l’animal ».11 La cure analytique met à jour en effet des traces mnésiques de l’héritage archaïque dérivé de la phylogénèse. Aussi Freud souscrit-il à la définition darwinienne de l’instinct animal dans l’Expression des émotions chez l’homme et l’animal, ajoutant : « Il n’en irait au fond pas autrement de l’animal homme. Son propre héritage archaïque correspond aux instincts des animaux même s’il diffère par son ampleur et son contenu ».12 Pour les zoologistes et naturalistes attentifs à saisir le comportement in toto de l’animal en liberté dans son milieu naturel, le regard scrutateur et la plume alertement descriptive de Darwin furent un modèle à suivre. Cette attitude devait distinguer par la suite les éthologistes de la méthode des spécialistes en psychophysiologie comparée expérimentale qui n’arpentaient plus le terrain mais oeuvraient en laboratoire. Sir Julian S. Huxley (1887-1975) Un talentueux biologiste, essayiste et philosophe londonien alors âgé de 27 ans a joué un rôle prépondérant dans la construction et la propagation du néo-ritualisme. Né en 1887, Julian Sorell Huxley est le petit-fils de l’éminent zoologiste, essayiste et pédagogue d’avant-garde Thomas Henry Huxley (1825-1895), ami de Darwin, adversaire de l’évêque d’Oxford avec qui il polémiqua à propos de l’évolution, et inventeur en Angleterre du mot « agnostique » en 1869. Le père de Julian, Leonard Huxley, dirigeait la revue The Cornhill Review. Tandis que son frère Aldous (1894-1963) entreprenait la rayonnante carrière littéraire que l’on sait, Julian s’engageait dans la recherche en suivant la tradition de l’ornithologie britannique du bird watching. Sur les pas de Selous qui en 1901 avait noté la première observation 14 détaillée d’une parade mutuelle complexe chez un oiseau d’une espèce très commune, le Grèbe huppé (Podiceps cristatus), Huxley donna en 1914 la première description et la première analyse scientifique des cérémonies prénuptiales auxquelles il se livrait au moment des amours. Proche du mouvement rationaliste et humaniste anglais, fidèle à l’agnosticisme de son grand-père, l’imagination du jeune scientifique a-t-elle été inspirée par la vision des grandes cérémonies religieuses, le majestueux et rigoureux ordonnancement de la liturgie, les gestes réglés et la mine compassée du clergé, la somptuosité des vêtements sacerdotaux, le chatoiement des ornements sacrés, l’émotion et la participation des fidèles ? Cinquante ans plus tard, il déclare : « j’ai remarqué qu’une partie de la parade se déroulait d’une manière rituelle, et en ai conclu que certaines parades servaient à établir un lien émotionnel entre les membres du couple ».13 Pendant un certain temps, de même que Selous l’avait fait pour d’autres volatiles, Huxley hésita entre les mots rites et cérémonies pour qualifier ces séquences comportementales qui se distinguaient par leur codification et une esthétique spectaculaire. Plus enluminé que la femelle, paré de ses plumes, le mâle pouvait suggérer la figure d’un évêque coiffé de sa mitre, affairé à accomplir une célébration solennelle. A moins qu’il ne fasse songer à une réception à la cour, ou à un général en grand uniforme passant la troupe en revue. Non sans lyrisme, Konrad Lorenz est revenu sur l’observation princeps de Julian Huxley. 10 Jacqueline Duvernay-Bolens, préface à la reproduction de l’édition de 1890 de la traduction française de L’Expression des émotions chez l’homme et les animaux (traduit de l’anglais par les Docteurs Samuel Pozzi et René Benoît), Paris, Éditions du Comité des travaux historiques et scientifiques, Format 29, 1998. 11 Lucille B. Ritvo : L’ascendant de Darwin sur Freud, (Darwin’s Influence on Freud – A Tale of Two Sciences) traduit de l’anglais et préfacé par Patrick Lacoste, coll. Connaissance de l’inconscient, Gallimard, 1992, p. 132. 12 Sigmund Freud: L’homme Moïse et la religion monothéiste, cité par L.B. Ritvo p. 133. 13 Julian Huxley (sous la direction de): Le comportement rituel chez l’homme et l’animal (Ritualization of Behaviour in Animals and Man, Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, Vol. 251, No. 772, A Discussion on Ritualization of Behaviour in Animals and Man, Dec. 29, 1966), traduit de l’anglais par Paulette Vielhomme, Bibliothèque des sciences humaines, Editions Gallimard, 1971, p. 7. voir également les archives de l’UNESCO. Évoquant la luxuriance des formes et l’esthétique de la situation, il en vient à faire allusion à l’art théâtral des humains pour dépeindre le spectaculaire animal : Cette « exagération mimique » - écrit-il à propos de l’étiquette animale et humaine - a pour résultat un cérémonial qui se rapproche beaucoup d’un symbole et qui produit cet effet théâtral qui frappa pour la première fois sir Julian Huxley, lorsqu’il observa, caché dans les roseaux, les rites nuptiaux des grands grèbes huppés. Un déchaînement de formes et de couleurs développées au service de cet effet particulier accompagne aussi bien les rites culturels que les rites phylogéniques. Les belles formes et couleurs des nageoires d’un combattant siamois, le plumage d’un paradisier, la queue du paon et les couleurs étonnantes aux deux « bouts » d’un mandrill ont tous évolué pour renforcer quelque mouvement ritualisé particulier.14 La suite semble reprendre les thèses de l’évolutionnisme culturel et social : « Il ne fait d’autre part presque aucun doute que tout l’art humain s’est développé au service des rites et que l’autonomie de « l’art pour l’art » n’a été obtenue que grâce à un nouveau pas du progrès culturel. » Le passage cité apparaît au chapitre intitulé « habitude, cérémonial et magie » d’un ouvrage à succès publié pour la première fois en allemand l’année 1963, puis traduit en diverses langues. Il avance l’idée novatrice d’une relation étroite entre la théâtralité – les caractéristiques de cet art majeur en Occident que nous appelons « théâtre » - et des comportements ancrés au plus profond du biologique. Conscient du caractère provocateur de ses propositions, et de l’aporie à laquelle elles renvoient, Lorenz, tente d’anticiper les critiques : « Comme souvent quand je parle du comportement humain en me plaçant au point de vue des sciences naturelles, je risque d’être mal interprété ». Avisé, il se garde d’assimiler la ritualisation animal dont les codes ont été reçus par héritage biologique, et les rituels humains transmis par la culture. Ce qui est frappant, conclut-il en rappelant une situation vécue par la petite oie cendrée qui partageait sa demeure, est de constater le pouvoir et l’autorité des deux types de comportement. Vulgarisateur prolifique, hostile aussi bien aux théories vitalistes qu’aux schémas expérimentaux des behaviouristes, Konrad Lorenz (1903-1989) n’a pas seulement pris part au développement de l’éthologie dans le cercle restreint des spécialistes. Sociologues, théoriciens des études théâtrales et notamment des performance studies, artistes et grand public ont trouvé dans son œuvre éléments et stimulants pour ouvrir de nouvelles pistes de réflexion et d’action. L’attribution du Prix Nobel de physiologie et de médecine en 1973 pour les études sur les schémas de comportements innés, partagé avec Karl von Frisch (1886-1982) et Nikolaas Tinbergen (1907-1988), n’ont fait que conforter sa notoriété. Toutefois, c’est un événement majeur organisé en 1965 à Londres par Julian Huxley, élu membre de la Royal Society depuis 1938 et annobli en 1958, qui produisit l’une de ces secousses intellectuelles à l’origine de ce que Thomas S. Kuhn dans son livre The Structure of Scientific Revolutions (1962) avait appelé un « paradigm shift », approximativement traduit par « rupture de paradigme ». Secousse qui ébranla tout d’abord le monde anglo-saxon, prédisposé par le pragmatisme à l’accueillir favorablement, et beaucoup plus tardivement l’Europe latine largement orientée vers une vision intellectualiste et religieuse des rituels.15 Le colloque d’Huxley (1965) et Victor Turner (1982) Dix-sept ans après le colloque de Londres, se tint du 12 au 14 novembre 1982 dans le quartier universitaire de Hyde Park, à Chicago, The 14 Konrad Lorenz: L’agression – Une histoire naturelle du mal, (Das Sogenannte Böse zur Naturgeschichte der Agression, Verlag Dr. G. BorothaSchoeler, 1963) traduit de l’allemand par Vilma Fritsch Flammarion, 1969, p. 87. 15 le Que sais-je ? de Jean Maisonneuve – Les rituels – PUF, 1988, ne mentionne pas l’éthologie dans sa présentation des théories du rite. Quant à Claude Lévi-Strauss, il récuse « l’emploi fait habituellement par les zoologistes – avec trop souvent les ethnologues à leur suite – de la notion de rituel pour caractériser ces conduites stéréotypées qu’on remarque chez de nombreuses familles animales en diverses occasions telles que la pariade ou la rencontre de congénères du même sexe, conduites auxquelles leur complication, leur minutie et leur hiératisme a valu le nom de « ritualisation ». En dépit des apparences, ces caractères les mettent à l’opposé du rituel, car ils démontrent que ces conduites consistent en mécanismes montés d’avance, inertes et latents jusqu’à ce qu’une stimulation d’un type déterminé se manifeste et les déclenche automatiquement. ». 15 Symposium on Human Adaptation, organisé par l’Institute on Religion in an Age of Science, en association avec le Center for Advanced Study in Religion and Science, le Chicago Thelogical Seminary, la Disciples of Christ Divinity House, et la Lutheran School of Theology at Chicago. Invité en tant que conférencier principal, Victor Turner (1920-1983), alors professeur d’anthropologie à l’université de Virginie aux Etats-Unis, prononça une communication qui résonne d’autant plus puissamment qu’elle se lit aujourd’hui comme une sorte d’ultime leçon testamentaire, un an avant qu’une crise cardiaque ne l’emporte brutalement. Turner commença par un aveu auto-critique : « Cet exposé est pour moi l’une des tâches les plus difficiles auxquelles je me suis attaqué. Ceci, parce que je dois remettre en cause quelques-uns des axiomes que les anthropologues de ma génération – et de plusieurs générations suivantes – ont appris à vénérer. Ces axiomes expriment la croyance que tout comportement humain est le produit du conditionnement social. »16 Quelques digressions après, Turner en vient à l’essentiel : les circonstances qui l’ont conduit à mettre en doute le bien-fondé de ces axiomes favorables aux chimères du substantialisme. En juin 1965, je pris part à des débats sur la ritualisation du comportement chez l’animal et l’homme (“ritualization of behavior in animals and man”) organisés par Sir Julian Huxley au nom de la Royal Society et qui se sont tenus – peut-être fort opportunément – dans le grand amphithéâtre de la Zoological Society of London, près des Mappin Terraces, où s’ébattent les singes. Le cœur du colloque était constitué de zoologistes et d’éthologistes, Huxley, Konrad Lorenz, R.A. Hinde, W.H. Thorpe, Desmonds Morris, N.M. Cullen, F.W. Braestup, I. Eibl-Eibesfeldt, et d’autres. Sir Edmund Leach, Meyer Fortes, et moi-même représentions l’anthropologie britannique pour définir le rituel, mais nullement d’une voix aussi unanime que celle des éthologistes définissant la ritualisation. D’autres universitaires représentaient différentes disciplines: pour la psychiatrie, il y avait Erik Erikson, R.D. Laing, et G. Morris Carstairs. Sir Maurice Bowra et E.H. Gombrich parlèrent de la ritualisation dans les activités culturelles humaines, la danse, le théâtre et l’art en général. Basil Bernstein, H. Elvin et R.S. Peters évoquèrent le rituel dans l’éducation et David Attenborough nous fit partager ses films ethnographiques sur la cérémonie du 16 Kava au Tonga, et celle du plongeon aérien de l’île de la Pentecôte aux Nouvelles-Hébrides.17 Arrêtons-nous un instant pour attirer l’attention sur deux déatails significatifs : l’unité culturelle des participants ; leur qualité. Chacun dans son domaine est un expert reconnu, même s’il lui arrive, à vrai dire rarement, d’avancer des points de vue pour le moins stupéfiants. Ainsi, Sir Maurice Bowra (1898-1971), Professeur de lettres classiques à l’université d’Oxford, évoqua et commenta en ter mes impériaux les danses communautaires des Pygmées du Gabon, des Yamana de la Terre de Feu et des Boschiman, encore récemment répandues: « Mais à ce niveau, l’homme n’a pas encore dépassé l’animal. »18 Le dialogue entre éthologistes, psychiatres, anthropologues, historiens de l’art donna lieu à des discussions animées introduites par les réserves prudentes de Sir Julian Huxley sur la notion même de ritualisation : Bien que les avis soient extrêmement partagés sur le bien-fondé de l’emploi d’un terme comme rituel dans un contexte anthropologique ou psychologique, je continuerai pour plus de simplicité à utiliser celui de ritualisation au sens large pour désigner la formalisation et la canalisation adaptatives des activités motivées de l’homme, qui tendent à augmenter l’efficacité de la fonction de communication (signalisation), des systèmes de limitation des pertes à l’intérieur du groupe, et des liens internes du groupe.19 Huxley précise: « …il y a une différence foncière entre l’évolution biologique animale, fondée sur la transmission génétique, et l’évolution culturelle, fondée sur la transmission culturelle (traditionnelle) non génétique ». 16 “The present essay is for me one of the most difficult I have ever attempted. This is because I am having to submit to question some of the axioms anthropologists of my generation – and several subsequent generations – were taught to hallow. These axioms express the belief that all human behavior is the result of social conditioning.” Les actes de ce symposium ont été publiés par la revue Zygon – Journal of Religion & Science, September 1983, vol. 18, Number 3. la communication de Victor Turner avait pour titre: Body, Brain, and Culture, pp.221-245. Elle est reprise dans le recueil de textes publié après la mort de Turner par Richard Schechner : The Anthropology of Perfor mance, PAJ Publications, New York, 1986, pp. 156-178. 17 Zygon, p. 222. 18 Sir Maurice Bowra : « La danse, l’art dramatique et la parole », in Huxley 1971, o.c. p. 217. 19 Huxley, 1971, o.c. 23. Prudence adoptée par Konrad Lorenz luimême dans sa communication qui relève la mise en garde du Professeur G.M. Carstairs, spécialiste de psychiatrie transculturelle à l’université d’Edimburg. Conscient de se trouver aux frontières de la recherche, Carstairs avait fait remarquer: « Il est dangereux de faire des analogies de comportement entre des espèces très différentes ; mais ce symposium a été expressément conçu pour nous encourager à penser dangereusement. »20 Ce que découvre Turner à Londres est moins une théorie du rituel que ce que Freud avant lui avait entrevu et entrepris, c’est-à-dire réduire le fossé que par « présomption humaine, les époques antérieures ont exagérément creusé entre l’homme et l’animal. » Le dualisme qui oppose l’homme à l’animal, a pour corollaire le dualisme qui dissocie l’esprit et le corps. Distinction, spécificité ne signifie pas rupture. En conséquence, il convient d’examiner dans les conduites humaines à la fois leur part d’animalité, l’héritage archaïque inscrit dans le biologique, et l’invention, l’œuvre de l’imaginaire, de la pensée, et l’articulation des deux ensembles. Pour reprendre une formulation ancienne, inné et acquis – nature and culture - ne s’opposent pas, ils se combinent. Reste à comprendre la complexité de cette dynamique. La rencontre de Londres si bien menée par Sir Julian Huxley – qui fut le premier directeur élu de l’UNESCO -, n’a pas conduit Turner à embrasser les thèses de Lorenz, ni à négliger les leçons du symposium, à la différence de certains anthropologues qui jetèrent le bébé avec l’eau du bain. Ainsi Claude Lévi-Strauss récusait en 1971 « l’emploi fait habituellement par les zoologistes – avec trop souvent les ethnologues à leur suite – de la notion de rituel pour caractériser ces conduites stéréotypées qu’on remarque chez de nombreuses familles animales en diverses occasions telles que la pariade ou la rencontre de congénères du même sexe, conduites auxquelles leur complication, leur minutie et leur hiératisme a valu le nom de « ritualisation ». En dépit des apparences, ces caractères les mettent à l’opposé du rituel, car ils démontrent que ces conduites consistent en mécanismes montés d’avance, inertes et latents jusqu’à ce qu’une stimulation d’un type déterminé se manifeste et les déclenche automatiquement. »21 Il ne s’agit pas pour Turner d’abandonner le point de vue selon lequel le rituel est essentiellement un système culturel. Ce qui importe, déclare-t-il à Chicago en 1982, est de faire profit des nouvelles avancées de la génétique, de l’éthologie, de la neurobiologie et en particulier de la neurobiologie cérébrale. Il précise en mentionnant nommément le modèle de Paul. D. MacLean du « cerveau triune », les hypothèses de Ralph Wendell Burhoe sur la transmission, les recherches sur la latéralisation hémisphérique – pionnier en ce domaine, R.W. Sperry a obtenu le prix Nobel de médecine en 1981 -, les expérimentations de James Olds et Peter Milner sur ce que l’on appelait le système de récompense cérébrale, les travaux de Michel Jouvet sur le rêve. En ce sens, Turner apparait moins enclin à adopter la méthode macroscopique de l’éthologie telle qu’il l’a entrevue à Londres, qu’à se rallier à une forme de transdisciplinarité. Il n’est pas étonnant que dans ses écrits, il se réfère à des chercheurs comme Eugene G. d’Aquili, Charles D. Laughlin, Jr., John McManus instaurateurs du Biogenetic Structuralism22, proche de la biologie évolutionniste et de la neurobiologie, plutôt qu’à Lorenz ou Huxley. Rituel, theatre, performance La question de la ritualisation, introduite par l’éthologie naissante s’inscrit dans l’histoire composite de la notion d’instinct. Elle renvoie aux représentations antinomiques de comportements programmés, et, à l’opposé, à celles de prédisposition, d’aptitude, de potentialité innées. Les premières éveillent l’image rustique d’un déter minisme causal linéaire. Les secondes 20 G.M. Carstairs : « Ritualisation des rôles dans la maladie et la guérison », in Huxley, 1971 o.c. p. 90. 21 Claude Lévi-Strauss: L’Homme Nu – Mythologiques ****, Plon, 1971, p. 610. 22 Pour la définition de ce courant de recherche, également présent au colloque de Chicago 1982, voir: Charles D. Laughlin, Jr., John McManus, Eugene G. d’Aquili: Brain, Symbol & Experience – Toward a Neurophenomenology of Human Consciousness, New Science Library, Shambhala Publications, Boston and Shaftesbury, 1990. 17 présupposent la mise en œuvre de modèles dynamiques d’interaction et d’apprentissage complexes. Dans son périple autour du monde sur le Beagle, Darwin avait été frappé par l’unité physique et mentale – « in body and mind » - de l’espèce, et la variété de ses inventions. Citant dans The Descent of Man les travaux de Tylor (1865) et de Sir J. Lubbock (1869), il note parmi les similitudes étroites entre humains celles qui lui paraissent les plus significatives dont « le plaisir que tous prennent à danser, faire de la musique, interpréter un rôle imaginaire (acting), peindre, se tatouer ou décorer son propre corps ».23 Inspiré par la théorie de l’instinct de Darwin, autant que par son expérience de metteur en scène, le dramaturge et théoricien russe Nikolaï Evreinov (1879-1953), a proposé dans les années vingt une notion nouvelle qu’il considérait comme étant sa plus grande découverte : teatral’nost’, la théâtralité. Ce qu’il entend par là est l’expression d’un instinct : « l’instinct de transformation des apparences de la nature »(instinkt transformacii vidimostej priody). Comme tout instinct, il est pré-esthétique, universel et aussi nécessaire à la survie de l’homme que “le lait de sa mère pour le nouveau-né ».24 Exposée dans plusieurs de ses écrits, la thèse adopte une démonstration quasi-éthologique dans le Théâtre chez les animaux (1924). Dans cet ouvrage, malheureusement non traduit en français, Evreinov « tente de prouver que la théâtralité est un instinct en retraçant son évolution à la manière de Darwin, depuis le règne végétal jusqu’à l’homme lui-même en passant par l’animal » (S.M. Carnicke). Mésestimée de son temps, la proposition théorique d’Evreinov à qui l’on reprocha l’emploi du mot instinct, n’a pas reçu l’attention qu’elle méritait. Inattention d’autant regrettable qu’Evreinov, en dépit d’un style souvent ampoulé et confus fait état des divers comportements que recouvre le terme générique de « théâtralité », dont l’étude aujourd’hui constitue l’objet de l’éthologie animale : le camouflage passif et actif, l’imitation, l’exhibition, la feinte et le simulacre, les parades. L’instinct de théâtralité d’Evreinov est assurèment 18 une hypothèse approximative et rudimentaire dans la mesure où il agrège de multiples éléments en un tout incertain. N’incite-t-il pas, cependant, à inverser cliché évolutionniste selon lequel le théâtre serait issu des rites primitifs, en mettant en évidence ce que ces rites doivent à la théâtralité ? Ritualisation, ethologie et performance theory L’influence de l’éthologie dans les sciences humaines, notamment la sociologie 25 interactionniste , reste un vaste sujet à explorer. Il est à remarquer qu’elle s’exerça au temps où s’estompait la notion d’instinct, sans pour autant que ne se flétrisse l’intérêt pour le comportement animal. C’est tout d’abord et essentiellement aux États-Unis que la biologie du comportement est venue alimenter la réflexion qui dans le domaine de la théorie accompagnait l’avant-garde des pratiques théâtrales. La tradition du pragmatisme lui avait préparé un accueil bienveillant accommodé par une culture de la religiosité, et les codes de vie des nombreuses communautés de croyants. L’effervescence du temps fit le reste. Les voltigeurs des expérimentations théâtrales radicales agissaient dans une société fractionnée par de violents conflits internes et extérieurs. Affrontements raciaux. Conservatismes religieux, politiques et sexuels affrontés aux mouvements de libération des genres et des mœurs. Guerre froide avec l’URSS ; guerre chaude en Asie. Pour le public l’avant-garde affichait un paganisme libertaire insolemment naturiste célébrant des cultes archaïques qui se réclamaient à l’occasion du dionysisme. Les ritualistes avaient trouvé la souche du théâtre dans le sacer ludus. Darwin n’avait-il pas vu en l’animal l’ancêtre de l’Homme ? 23 Charles Darwin: The Descent of Man and Selection in Relation to Sex, new edition, revised and augmented, New York, D. Appleton and Company, 1897, p. 178. 24 Sharon Marie Carnicke : « L’instinct théâtral: Evreinov et la théâtralité », Evreinov – L’Apôtre russe de la théâtralité, Revue des Etudes Slaves, T. LIII, fasc. 1, Paris, 1981, p. 99. 25 sur Goffman et l’éthologie, voir Yves Winkin : « La notion de rituel chez Goffman », Hermès, 43, 2005, pp. 69-76. Winkin remarque que Goffman mentionne les actes du colloque de 1965 dans la première note du chapitre 3 de Relations en public, consacrée à la notion de « ritualisation ». En avril 1974 à Florence, invité à la Rassegna Internazionale de Teatri Stabili, Richard Schechner pionnier de la performance theory présente une communication intitulée « du rituel au théâtre et retour » - From Ritual to Theatre and Back. Il y opère une distinction entre les rituels religieux et les rituels écologiques (ecological rituals) dont la finalité réside dans les « performers » euxmêmes, sans référence à quelque « Autre transcendantal ». Décrivant rituels écologiques, il déclare : « On ne peut être que frappé par l’analogie avec certaines adaptations biologiques du monde animal. » La version corrigée de la communication, publiée ultérieurement, complète la phrase par une longue note dans laquelle l’auteur commente le point de vue de Konrad Lorenz et de son disciple Irenaüs EiblEibesfeldt, et le met en rapport avec des données ethnographiques. 26 Au premier recueil de ses articles sur la Perfor mance Theor y (1977), Schechner ajoute un chapitre particulier : « Ethology and Performance ».27 La ritualisation y occupe une place importante. Toutefois ce n’est pas à Huxley, mais à Lorenz que le théoricien metteur en scène se réfère. Désormais, dans les schémas dont il accompagne ses écrits, celui du « Fan » - l’éventail – devient une référence prééminente. Les sept lames déployées qui le composent rayonnent autour d’un point : perfor mance. Elles comprennent successivement, partant du bas : « ritualization ; Art-making process ; Play ; Performance in everyday life ; Eruption and resolution of crisis ; Shamanism ; Rites, ceremonies, performances ». Un autre schéma non moins connu – « the web », le réseau – expose en plus complexe les liens entre le théâtre et d’autres champs de la performance, dont l’un : les études éthologiques sur le rituel - « Ethological studies of ritual ». La rencontre et la collaboration avec Victor Turner au milieu des années soixante-dix a infléchi du côté de l’anthropologie l’attention que Schechner avait porté à l’éthologie. Pour l’anthropologue, installé aux Etats-Unis depuis 1964, la fréquentation du théâtre expérimental alors en plein essor représenta une nouvelle initiation. Sensibilisé à la scène classique dans l’enfance par sa mère Violet Witter qui avait été membre fondateur et actrice du Scottish National Theater, il découvrit le concret d’une galaxie artistique infiniment plus animée que la scène de ses vertes années. Son illumination première lui était venue à Londres au contact des éthologistes. L’avant-garde du théâtre et la notion nouvelle de performance acquise auprès de Richard Schechner lui permit de transformer la fulguration en un programme de recherche mené jusqu’au terme de sa vie.28 La ritualisation et le refoulement d’Eros Étrangement, l’attrait de la notion éthologique de ritualisation n’a pas attiré l’attention sur les fondements du phénomène originel qui a donné lieu à son invention, alors que les moralistes chrétiens les avaient pointés du doigt pour condamner fer mement la fréquentation des théâtres : la sexualité.29 Bien avant que je ne m’aventure à avancer l’image du « slave market effect » 30 , Bossuet fustige la parade érotique que lui paraît être la scène de théâtre. L’évêque de Meaux inverse les rôles tels qu’ils sont tenus dans le scénario décrit par Huxley : ce n’est pas le mâle qui tente d’échauffer la génitalité de la femelle, mais l’actrice qui excite la concupiscence du spectateur. La parade pré- 26 Richard Schechner: Essays on Performance Theory 1970-1976, Drama Book Specialists (Publishers), New York, 1977, p. 96. 27 pp. 157-201. 28 sur l’échange entre anthropologues et artistes inspiré par l’anthropologie, voir Victor Turner: From Ritual to Theatre– The Human Seriousness of Play, PAJ Publications, New York, 1982, en particulier pp. 100-101. 29 Jean-Marie Pradier: “ le rituel de toulon et le péché de comédie ” in Le Théâtre au plus près – pour André Veinstein. PUV –,(coordonné par Jean-Marie Thomasseau), 2005, pp.132-153.“ Las caricias del ojo, las escenas de eros ”, Teatro XXI, Revista del GETEA, Universidad de Buenos Aires Facultad de Filosofía y letras , Año IX, Numero 17 – 2003, pp. 1-16. 30 Jean-M. Pradier : “Toward a Biological Theory of the Body in Performance” : New Theatre Quarterly, vol. VI, 21, February 1990, Cambridge University Press: 86-98. 19 copulatoire est pour les espèces qui la pratiquent le corollaire de la reproduction sexuée. Le coït n’est pas l’aboutissement d’un processus automatique et mécanique. Il survient après une période de choix et de mise en condition des partenaires. Effet du refoulement ou d’un reste d’essentialisme, c’est le concept de ritualisation en lui-même qui a séduit, non l’une de ses finalités primordiales. Des comportements primaires dits ritualisés, l’agression a été distinguée, de préférence à la sexualité. Ce choix apparaît explicitement dans un texte publié en conclusion d’un séminaire conduit à Mexico dans les années 90 par la critique de danse Patricia Cardona. Partant de la notion d’agression ritualisée, elle propose une théorie éthologique de l’origine des arts de la scène: Dans la carte des comportements animaux et humains innés, celui qui comporte le plus grand nombre d’éléments pour les arts scéniques est celui qui se rapporte à la défense. En éthologie, il est connu sous le nom d’agression ritualisée. Il contient un type d’expression corporelle et de stratégie défensive si éloquente quant à son intention dramatique que nous pouvons voir dans l’agression ritualisée l’origine génétique du comportement théâtral dans la nature. 31 Le plus étrange est le désaveu apporté par le film documentaire qui accompagne le texte publié. En une alternance de fort belles séquences de comportement animalier de chasse, et d’extraits de spectacle, ce qui est essentiellement donné à voir sont des analogies de rythmes corporels. De fait, ce qui est montré est la décomposition classique du mouvement, naturelle chez l’animal en liberté à l’affût puis à l’attaque, acquise par l’exercice chez les praticiens des arts de la scène, qui de Zeami à Etienne Decroux ont appris à conquérir par la maîtrise du tempo l’attention du spectateur. Un attracteur étrange Interrogeant la définition possible de la tradition, Gérard Lenclud introduit son propos sur les pièges posés par l’usage des mots : « Il y a des mots-outils et il y a des mots20 problèmes. Un mot-outil est un mot qu’on utilise sans trop penser à son sens. Il est une procédure grossière d’identification. L’important, c’est à quoi ce mot permet de vite référer. (…) Un mot-problème est un mot-outil sur lequel on s’est arrêté». 32 Le mot ritualisation retenu par Huxley a ser vi utilement de mot-outil aux éthologistes en quête de lexème pour mettre en évidence un phénomène d’autant plus difficile à définir qu’il rencontre plusieurs apories de civilisation, des tics culturels, et dans les milieux des arts du spectacle la nostalgie d’un sens perdu, le désir de se défaire des modèles du théâtre littéraire. Le mot rituel est devenu mot-problème lorsque l’extrême variété des pratiques qu’il désignait a été perdue de vue. Il me semble que « rituel » s’inscrit dans une nouvelle catégorie de mots : les mots-appâts. Le motappât est un mot qui attire et stimule en raison de sa capacité à prendre sens par projection, à la façon d’un test projectif. Chacun le charge d’interprétations et d’attentes. Les mots outils, problèmes et appâts ne sont pas inutiles. Dans le meilleur des cas, ils révèlent l’expectation. L’annonce de développements futurs. Il me paraît certain, dans le cas du rituel, que sa fortune annonce une façon de penser autrement les questions de l’action, de la spectacularité, de la cognition, de l’émotion dans une perspective déjà explorée dans d’autres cultures. 33 Le dialogue des logiques, des pratiques et des disciplines s’avère indispensable. 31 «En este mapa de comportamientos programados de la naturaleza animal y humana, el que contiene mayor número de elementos para las artes escénicas es el defensivo. En etología se lo conoce como agresión ritualizada. Contiene un tipo de expresión corporal y estrategia defensiva tan elocuente en cuento a su intención dramática que podemos encontrar en la agresión ritualizada el origen genético del comportamiento teatral en la naturaleza. Además, es el preámbulo a la lucha franca o competitiva donde se define el desenlace del enfrentamiento. » La Perception del Espectador, Serie de Investigació1n y Documentación Segunda Epoca, México, 1993, p. 45. 32 Gérard Lenclud : « Qu’est-ce que la tradition ? », in Marcel Detienne (sous la direction de): Transcrire les mythologies – Tradition, écriture, historicité, Albin Michel, 1994, p. 25. 33 les travaux de Yuasa Yasuo (1925-2005) au Japon, me paraissent un bon exemple d’une façon de considérer autrement la question de la ritualité au sens large du terme. Savoirs de la représentation et représentations du savoir André Helbo* RÉSUMÉ : Partcipant actif du débat espistémologique autour des arts du spectacle, l’auteur présente un historique de la sémiologie du spectacle et de l’ethnoscénologie, tout en démontrant leurs dissemblances et proximités, pour en conclure sur la necessité d’aprrofondissemnt du débat. MOTS-CLÉS : sémiologie ; ethnoscénologie ; arts du spectacle. Saberes da representação e representação do saber RESUMO : Participante ativo do debate epistemológico sobre as artes do espetáculo, o autor apresenta um histórico da semiologia do espetáculo e da etnocenologia, assinalando suas diferenças e semelhanças, para concluir sobre a necessidade de aprofundamento do debate. PALAVRAS-CHAVE: semiologia ; etnocenologia ; artes do espetáculo. ABSTRACT: active participant of the epistemological debate on the performing arts, the author presents a history of semiology of performing arts and Ethnoscenology, noting their differences and similarities, to conclude on the need for deepening the debate. KEYWORDS: semiology; ethnoscenology; performing arts. Epistémologie ‘La notion de rupture épistémologique, dérivée du concept d’obstacle proposé par Gaston Bachelard dans La philosophie du non, n’a pas fini de démontrer sa pertinence aujourd‘hui. L’époque se caractérise par une remise en cause des certitudes. Et la réévaluation de la doxa des pairs débouche sur l’invention de nouvelles voies de recherche, légitimant parfois un changement de référentiel de la pensée. Ainsi par exemple, le domaine de l’épigénétique (« l’étude des changements héréditaires dans la fonction des gènes, ayant lieu sans altération de la séquence ADN) semble apparu pour combler la brèche entre l’inné et l’acquis, voire pour ébranler le dualisme ambiant. En matière d’étude de représentation spectaculaire, la contestation de la réduction de l’inconnu au connu, le croisement des savoirs ont fini par naturaliser les mises en perspective, masquant le fait que les effets de distance résultent de processus et de dynamiques dialectiques en constante interaction. Ainsi par exemple, la théâtrologie peut donner l’illusion de l’homogénéité : elle s’est fondée longtemps sur un savoir conceptuel externe porté par la raison graphique (la théorie de l’acteur/ performeur/ danseur, chez Stanislavski et Meyerhold par exemple). C’est par essais et erreur que les Performance Studies ont été amenées à définir ensuite un savoir intime de l’incorporation (selon lequel, l’acteur doit savoir jouer à être un autre ou effectuer un « travail sur soi » : Artaud évoque l’athlète affectif, Copeau cerne l’expressivité du corps, etc.). Une prise en compte conjuguée du dire et du faire qui a élargi les perspectives mais qui ne pouvait cependant, aux yeux de la sémiologie, valider sans autre forme de procès une construction de l’objet spectacle réduite au discours professionnel ou aux impensés de la tradition, fussent-elles venues d’ailleurs. L’expertise des codes et la sémiotique des seuils ont fait figure de démarches complémentaires à ces approches, permettant de comprendre comment la représentation signifie, voire communique, par delà les traditions culturelles, les supports et les objets. Arlequin ou la danseuse de kathakali, par exemple expriment — et constituent des moyens de produire avec le spectateur —, un discours sur le corps de l’acteur, convenant d’une manière de regarder autrement le corps et du fait que le comédien change de corps. Professeur à l’Université libre de Bruxelles, Belgique 21 Ces processus nécessitent des outils cognitifs dont les développements sont aujourd’hui intégrés, non sans mal, dans les études sur le spectacle vivant. Sans doute les connaissances et le cadre d’observation relatifs au spectacle dépendent-ils étroitement de découpages pédagogiques liés à l’institution et d’enjeux idéologiques. Le poids des études de littérature, de l’historiographie (et en particulier l’histoire de l’art), de l’esthétique, de la philosophie, de la sociologie ont déterminé l’approche de thématiques de recherche et, dans une certaine mesure, contribué à ralentir la dialectisation de certains opérateurs. Ainsi en est-il de la catharsis, longtemps aperçue dans le seul sillage aristotélicien. Il a fallu exploiter, entre autres, les travaux d’orientation psychanalytique (Minet, 2006) pour retourner à Artaud et faire émerger le cas échéant, la généalogie des contresens. De même, la notion de patrimoine spectaculaire a longtemps été appréhendée de manière monodisciplinaire (associée en philosophie à l’échange, au sens kantien « de l’autre », ou, dans la sociologie de la culture allemande, au rôle dynamique selon Georg Simmel, de la « sociabilité » ou du principe de « publicité » cher à Jürgen Habermas). Si bien qu’il n’est pas possible de parler d’approche métadisciplinaire sans consacrer quelques lignes à la question préjudicielle des catégories épistémologiques. L’archéologie des savoirs, Foucault y insistait, permet de mesurer les contraintes présidant à la constitution d’une discipline. « (L’archéologie) est toujours au pluriel : elle s’exerce dans une multiplicité de registres ; […] elle a son domaine là où les unités se juxtaposent, se séparent, fixent leurs arêtes, se font face, et dessinent entre elles des espaces blancs. Lorsqu’elle s’adresse à un type singulier de discours […], c’est pour en établir par comparaison les bornes chronologiques ; c’est aussi pour décrire en même temps qu’eux et en relation avec eux, un champ institutionnel, un ensemble d’événements, de pratiques, de décisions politiques, un enchaînement de processus économiques » (Foucault, 1969, 205). 22 Le développement d’un discours sur le spectacle vivant est donc au confluent de déterminations. Ses conditions d’expression influent sur son inscription dans le paysage culturel : parmi elles, figurent les institutions (les universités), les disciplines (clivées ou non selon les normes de la pédagogie classique), les pratiques (artistiques), les champs transdisciplinaires (identité, etc.). Le champ spectaculaire, théatrologique en particulier, peut donc, sans doute, être situé dans cette contextualisation que Foucault appliquait aux discours sur l’enfermement carcéral ou mental. L’objet spectacle est visé par un réseau de prises en charge légitimes, adossées ou non à l’institution et qui contribuent à créer un champ d’observation voire d’explication dont les modalités méritent examen. Sémiologie Lors d’un séminaire organisé à Alcabideche il y a près de 25 ans, et publié ensuite sous le titre Semiotics and International Scholarship : a Language of Theory (Evans-Helbo, 1986), le regretté Thomas Sebeok proposait de circonscrire les enjeux préparadigmatiques de la sémiologie : effort d’intelligibilité transformant l’objet réel en objet de connaissance, démarche modélisante confrontée à la résistance inévitable du corpus, métalangage tantôt organisateur tantôt créateur. Ces questions étaient traversées d’interrogations plus souterraines sur l’articulation aux champs du savoir dit institué. Le mérite de l’initiative était à la fois de dénoncer le caractère ancillaire de méthodologies ventriloques habitées par les disciplines dominantes et de souligner la pluralité des démarches : les diverses sémiotiques remettant en cause, entre autres, les liens aux outils hérités de la linguistique, des sciences de la communication, les emprunts métaphoriques, la relation entre le descriptif et les hypothèses de lecture, le départ entre création scientifique et création esthétique. Un quart de siècle plus tard, le débat a évolué. Il a gagné en humilité, circonscrit l’ambition holistique et gagné en spécificité. Au-delà de la propédeutique du dialogue, la méthodologie s’est affranchie et recentrée sur les processus de modélisation méta-disciplinaires. Une révolution paradigmatique comparable à celle des neurosciences s’est produite. C’est ainsi par exemple que la question du rapport au monde sensible est devenue centrale et se trouve réévaluée à la fois par la théorie de l’interprétant peircien et par l’ultime phase de recherche de Greimas (De l’Imperfection, 1987). Ce qui fait sens, selon cette optique, ne passe pas par la médiation de catégories linguistiques venant se superposer au monde perçu mais émane, selon le mot de Landowski, « de qualités esthésiques immédiatement perceptibles qui « agissent directement sur l’homme ». Parallèlement la question de la corporéité produite-reçue trouve sa juste place dans le débat théorique. Fontanille parle de médiation proprioceptive de la sensibilisation du corps percevant (Fontanille 2004 : passim). La maturation de la réflexion entraîne sa confrontation à des objets nouveaux. Citons à titre d’exemple l’émergence de la biosémiotique, qui aborde le vivant en termes de processus de sémiose, au sens peircien du terme : les processus chimiques et physiques animant les organismes vivants sont envisagés comme des échanges, contextualisés et énoncés dans une sémiosphère. Comme tout ensemble de signes, l’échange biologique est appréhendé en tant que processus de signification soumis aux lois de la sémiose. La biosémiotique ne constitue pas une nouvelle discipline mais associe de façon métadisciplinaire la biologie et les sciences du signe. Née de la rencontre épistémologique de Jakob von Uexküll (1864-1944) et de Peirce, la mutation théorique a permis d’élargir le champ d’investigation à l’ensemble des systèmes du vivant. En matière de spectacle vivant, la sémiologie joue un rôle métadisciplinaire comparable dans la recomposition du paysage pédagogique. Elle a d’abord favorisé l’émergence d’une prise de conscience selon laquelle le spectacle vivant constitue le scandale de la théorie. En raison de son caractère éphémère et complexe, la représentation échappe à la notation, elle résiste à l’interprétation voire aux modèles les plus puissants. La question préjudicielle de toute analyse sémiologique se réduit à celle-ci : l’objet spectacle existe-t-il ? Comment puis-je me doter d’outils permettant de construire et de comprendre l’objet de mon étude. En d’autres termes, ce sont bien les problématiques de l’extériorité du chercheur qui sont ici pointées et celles des conditions de la description, de l’analyse, de la construction méthodologique. Une pseudo-extériorité face à un objet multipolaire et qui suppose que l’on convoque aussi le discours des praticiens et autres metteurs en scène-pédagogues dont l’expérience et les réflexes neurobiologiques jettent des lumières précieuses sur l’objet spectacle. On sait que bien, à l’inverse, des dramaturges ont appréhendé leur art en se référant à des corpus scientifiques. Les univers de référence sont foison: Stanislavski et la psychologie moderne, Antoine et le positivisme, Brecht et le matérialisme historique, Vitez et la sémiologie, Barba et l’anthropologie. Le dramaturge, poseur de signes, met en scène l’attention, vectorise des hiérarchisations de sens : il assume donc alternativement deux rôles, de créateur et de lecteur exceptionnellement informé de la création. D’autre part, depuis 1975, la sémiologie contribue paradoxalement à une prise en compte matérialiste de la représentation, évacuant la sujétion au texte. Rupture de cordon ombilical qui ne s’est pas opérée sans douleur dans un contexte académique et scientifique où le poids des études littéraires était largement dominant. L’événement scénique, dans sa dimension de rencontre vécue et stimulatrice de comportements spectaculaires et d’affects significatifs, est l’objet d’investigation et de modélisation sémiotique. L’idée d’un lien textuel préalable n’est pas évacuée systématiquement, mais la nécessité d’une conversion à la performance réalisée par une ou des instance(s) élargit le champ patrimonial de l’objet de recherche. 23 Enfin, à la faveur des études de réception, la sémiologie privilégie également l’analyse du spectateur et plus largement l’analyse des processus d’observation spécifiques de la représentation jouée. Plus que la thématique de l’effet esthétique produit, celles de l’énonciation collective, du regard partagé, des processus émotionnels, de la proprioception sont au centre de la réflexion sémiologique et nourrissent une réflexion sur les seuils de conscience de l’identité spectaculaire. La théâtrologie n’échappe pas à pareil mode de questionnement, voire à l’introspection. Lorsqu’en 1987, avec Anne Ubersfeld, Patrice Pavis, Dines Johansen, nous proposons (Helbo et alii, 1987) une modeste tentative de radiographie de la doxa de l’époque en matière d’étude de la représentation, le découpage cerne des axes d’intelligibilité référant aux disciplines suivantes : l’histoire des codes, la sociologie, l’anthropologie, la sémiotique, la dramaturgie Un glissement significatif est constaté qui souligne l’importance du paradigme spectaculaire, compare le spectacle vivant aux médias, et propose des questionnaires sur les spectacles joués. Il importe d’insister sur le contexte de rupture épistémologique qui entoure l’émergence des modèles spectaculaires. L’ouvrage atteste un déplacement méthodologique notable, revendiquant par opposition au champ institutionnel légitime (savoir de l’université, réduction au connu par le répertoire esthétique consacré, valeurs partagées de la haute culture) l’étude systématique de la représentation jouée tout en continuant à privilégier, à son corps défendant, un paradigme, celui des études théâtrales. Cinq ans plus tôt, l’Association internationale pour la sémiologie du spectacle organise son congrès fondateur (Degrés, 1982). S’y rencontrent, outre des sémiologues, des scientifiques issus de multiples horizons et des créateurs : citons, parmi d’autres, Eugenio Barba, Henri Laborit, Franco Ruffini, Erving Goffman, Anne Ubersfeld, JeanMarie Pradier. Les conclusions convergent et contestent la prééminence du corpus théâtral au profit de la représentation dans ses multiples pratiques, danse, musique, opéra, rituels. La 24 présence d’Erving Goffman n’est pas étrangère à cette redéfinition de l’objet et à la mise en évidence des démarches interactionnistes. En outre, les postures scientifiques dégagées hésitent à démêler commentaire sur le spectacle et discours produit par les moyens propres du spectacle. Sont, en effet, à prendre en considération les regards de chercheurs, mais aussi, ceux des praticiens. Enfin, le concept d’ethnocentrisme du spectateur, défini par Eugenio Barba, invité à ouvrir le congrès, conforte la nécessité d’une réflexion ouverte sur le point de vue de l’observateur et sur l’accès du champ d’exploration. à toutes les cultures. Il importe de comprendre « le comportement physiologique et socioculturel de l’homme dans une situation de représentation » (g). En 2004, Shannon Jackson propose, dans son ouvrage Professing Performance. Theatre in the Academy from Philology to Performativity, une « généalogie des contingences » qui a pour ambition de définir l’originalité de la recherche américaine mais qui conforte surtout l’énergie de la dynamique de recherche en marche depuis vingt ans. Elle rappelle que très tôt aux Etats-Unis les sections de littérature se sont croisées avec l’anthropologie culturelle pour fonder les départements de Performance Studies. La New York University est considérée comme emblématique. Richard Schechner et Victor Turner inspirés de l’avant-garde new-yorkaise et attentifs aux pratiques rituelles non occidentales, y dénoncent l’enseignement traditionnel du théâtre à l’université, qu’ils taxent d’amblyopie ethnocentriste. Ils s’intéressent au tiers théâtre, aux actes de langage et aux traditions occultées par le savoir occidental, sans remettre en cause le textocentrisme (la rhétorique de la parole-action du dialogue théâtral) lié au poids des études littéraires. Ils favorisent aussi une réflexion réticulaire entre l’artiste face à la vie et le scientifique face à l’artiste. La voie est ouverte à une évolution qui suscitera rapidement la rencontre entre la sémiopragmatique, l’anthropologie, les recherches sur la performativité et l’iconicité. Ethnoscénologie L’ethnocénologie, présentée à l’origine comme étude des comportements spectaculaires organisés, subit en mai 1995, lors du colloque fondateur, un glissement sémantique intéressant que remarque Jean-Marie Pradier. « L’ethnoscénologie étudie les pratiques spectaculaires et performatives des divers groupes ethniques et communautés culturelles du monde entier - monde européen inclus- en prenant soin de tempérer ou de maîtriser l’ethnocentrisme de la perception de l’observateur et des références théoriques ». Le colloque de 2005 souligne plus encore une sensibilisation à la saisie des processus de création incorporés dans les instances vivantes que sont les perfor meurs. La question de l’association du terrain à sa réduction théorique est de plus en plus interrogée sur un mode rappelant les théories du signe. « Une attention particulière sera donnée à l’examen des rapports de l’expérience sensible et de la conceptualisation de l’expérience, alors que de nombreuses notions de l’anthropologie classique sont aujourd’hui perçues comme discutables et sont effectivement discutées. Les pratiques spectaculaires (ce que l’on voit, que l’on perçoit) et performatives (ce que l’on fait et qui est perçu) constituent des maquettes anthropologiques par excellence. Véritables modèles réduits culturels, elles sont de puissants attracteurs pour tout ethnocentrisme en raison de leur complexité. L’enchevêtrement du symbolique et du charnel, des signes et des signaux physiques rend malaisée leur analyse » (Colloque, 2005). Dans son dernier état, l’ethnoscénologie apparaît comme une constellation paradigmatique dont le statut épistémologique mérite réflexion. Kuhn souligne que plusieurs « paradigmes » peuvent prendre place dans une « matrice disciplinaire » (Kuhn, 1970). « Celle-ci est d’abord disciplinaire – puisque se référant à la possession/ option commune d’un groupe de recherches ; ensuite matrice car composée d’éléments divers, ordonnés, chacun nécessitant une spécification ultérieure ; ici vont s’inscrire les « généralisations symboliques » (…), les options communes (…), les valeurs reconnues par le groupe (…), enfin l’exemplarité » (Ilie Balea.1982) Le paradigme assure le fonctionnement de la recherche grâce à un consensus, une « ressemblance de famille » (Wittgenstein) qui pousse à saisir la similitude de problèmes distincts. La matrice disciplinaire du spectacle vivant couvre plusieurs types de recherches paradigmatiques (complémentaires ou contradictoires, la vectorisation importe peu) dont les deux suivantes peuvent être soulignées dans les termes mêmes proposés par Balea : - les macrostructures dont la marque traverse l’anthropologie et l’histoire des spectacles et interroge les modèles à la base des conduites opératoires, de rituels. Il s’agit de « protomodèles des syncrétismes (actes performatifs) permettant de reconstituer une ligne phylétique actualisée / convertie » en pratiques/ perfor mativité spectaculaires (Balea, ibidem), - la morphogenèse formalisante des relations entre signes et circulation sémiosique. Bien que la sémiologie fonctionne de façon déductive ou plus exactement abductive et que l’ethno-scénologie procède de façon inductive, différence notable et irréductible, puisqu’ elle conditionne la relation au terrain -, trois points de tangence méthodologique méritent d’être mis en exergue. Le premier trait porte sur l’extériorité du chercheur : l’observation participante répond en anthropologie à la double contrainte de proximité et de prise de distance par rapport à l’objet. Elle impose une réflexion sur le point de vue de l’observateur et sur la construction de l’objet qui rappelle les débats sur la sémiotique de l’observateur. Démarche par ailleurs renforcée éventuellement à l’aide d’autres outils, et notamment par l’approche, externe, des contextes. Rappelons que la sémiologie, constatant la difficulté de textualiser le spectacle, tente par d’autres moyens de traduire cette question de la relation à l’objet. Elle évoque la chaîne expériencielle du spectateur, ses hypothèses de sens au moyen 25 d’interprétants culturels propres. L’impossible notation, la difficulté à textualiser le spectacle vivant est une des problématiques majeures de la plupart des recherches dans le domaine. L’ethnoscénologie, quant à elle, choisit de résoudre la question par le faire, par l’élucidation d’une relation engagée avec l’acteur observé, pour ériger la construction de cette relation en objet d’étude également. Daniela Amoroso s’intègre au groupe rural qu’elle observe, accomplit avec dextérité un pas de danse appartenant à la matrice samba-deroda ? Cette rencontre se noue cependant dans les limites d’une pratique acculturée affrontant des codes indigènes à partir d’habitus propres (en l’occurrence des transferts d’apprentissages réservés aux universitaires blancs) (Amoroso, 2008). L’interaction entre l’outil et l’objet, au centre du processus de sémiotisation, constitue un opérateur cardinal de la démarche. Le deuxième facteur relève précisément de l’attitude à l’égard de l’objet. Plus généralement, la conception de l’objet en ethnoscénologie, quelque chose qui est là pour représenter l’irreprésentable et qui finalement le rend présent néanmoins -, renvoie à la définition de la fonction sémiotique de base, celle qui est définie par Peirce en termes de substitution du signe à l’objet. (Le signe est ce qui représente l’objet pour quelqu’un d’un point de vue donné). Le troisième paramètre réside dans la mise en question du fonds de commerce conceptuel d’un certain nombre de disciplines au profit de la définition d’outils spécifiques. C’est ainsi que l’ethnoscénologie substitue au concept d’interculturalité celui de matrice esthétique (Biao, 2000) ou de famille d’esprit (Pradier, 2008) ou de carrefour (Amoroso, 2008). Ce concept (matrice esthétique) exprime l’ « idée qu’il est possible de définir une origine sociale commune, qui se constituerait, au long de l’histoire, dans une famille de formes culturelles apparentées, comme s’il s’agissait de ‘filles de la même mère’, identifiées par leurs caractéristiques sensorielles et artistiques, donc esthétiques, autant dans un sens ample, de 26 sensibilité, que dans un sens strict, de création et de compréhension du beau » (Bião, 2000:15). La sémiologie évoque, pour sa part de façon nouvelle, le collectif d’énonciation, les contraintes culturelles de l’énonciation. Au-delà de ce qui rapproche et sépare les démarches du chercheur, c’est le champ de la performativité qui apparaît de loin comme le territoire le plus traversé. Pour l’ethnoscénologue, on peut considérer la performativité comme une marque d’épistèmè. L’expression “pratique performative” se réfère au néologisme proposé par Jerzy Grotowski lors de sa leçon inaugurale pour la chaire d’anthropologie théâtrale au Collège de France, le 24 mars 1997. Dans le domaine du théâtre par exemple, la position de l’expert serait appelée à prendre en compte tant le savoir du faire que celui du voir : l’expérience du spectateur empirique (voir faire), du créateur (faire), de l’expert (faire voir), et l’expérience de l’acteur du script (auteur), acteur du théâtre (dramaturge), de l’acteur performeur constituent au même titre les étapes d’un processus expérienciel ouvert à une appréhension vécue éloignée de tout ethnocentrisme. On sait que, parallèlement, la sémiologie contemporaine et en particulier la sémiopragmatique s’intéressent aux processus d’instanciation à travers lesquels circulent des processus d’énonciation collective de la représentation. La sémiotique peircienne développe des outils cognitifs particulièrement topiques tels - l’abduction (bio-abduction sensorielle, socio-abduction sur le monde communicable, érotico-abduction : le désir et le rêve de l’autre) (Peirce 1958, 7-8) ; - l’interprétant (émotif (affect), énergétique (action), logique) : qui ne porte pas sur la transformation du sujet mais sur les modalités de l’expérience émotionnelle. Sémiologie, ethnoscénologie Sémiologie et ethoscénologie sont appelées à dialoguer même s’il ne fait pas de doute que leurs horizons d’attente sont dissemblables. A la croisée des démarches, s’imposent le paradigme du spectacle vivant et la théorie de l’énonciation. Du côté des points de fuite, l’approche du spectaculaire marque la ligne de crête : pour le sémiologue, l’approche n’est pas empirique et la mise en seuil (frayage de la transition vers le spectaculaire) s’opère en fonction de processus de construction et de niveaux de pertinence du discours (Helbo, 2007). Pour l’ethnoscénologue, le « seuillage » du spectaculaire passe forcément par l’acceptation préliminaire et clivée des univers de référence spécifiques de l’observateur et de l’observé. Le savoir indigène n’est pas assimilable à l’exogène, celui de l’observateur diffère de celui de l’observé dont les pratiques quotidiennes ne sont pas analogues, et sans doute les acteurs de l’échange ethnoscénologique ne partagent-ils que certains présupposés. Il n’empêche que, malgré la marque de partage entre les postures, une convergence majeure sera soulignée : l’énonciation d’un « vivre ensemble » l’événement spectaculaire au travers de modalités diverses (réflexions sur la convention, sur la définition de la frontière entre monde naturel exclu et réintroduit dans le monde spectaculaire, prise en compte de l’actant obser vateur et complémentarité entre le processus et l’analyse externe). Dialectique féconde centrée sur la création du sens, fût-ce par l’empathie du faire, et qui renvoie à cette fonction essentielle du théâtre et des autres arts vivants : réinventer la vie. Evans, Jonathan et Helbo, André. Semiotics and International Scholarship : a Language of Theory, Dordrecht-BostonLancaster, Martinus Nijhoff, 1986. Fontanille, Soma et sema. Figures du corps, Paris, Maisonneuve et Larousse, 2004. Greimas, A. Julien, De l’imperfection, Paris, éd. Pierre Fanlac, 1997. Foucault, Michel, L’Archéologie du savoir, Paris, Gallimard, 1969 . Helbo, André, Johansen Dines., Pavis Patrice, Ubersfeld André, Théâtre. Modes d’approche, Paris-Bruxelles, MéridiensKlincksieck, Labor, 1987. Helbo, André, Le théâtre. Texte ou spectacle vivant ? Paris, Klincksieck, 2007. Jackson, Shannon, Professing Performance. Theatre in the Academy from Philology to Performativity, New York, Cambridge University Press, 2004. Kuhn Thomas, The Structure of Scientific Revolution, The University of Chicago Press, 1970. Minet, Serge, Du divan à la scène. Dans quelle pièce je joue ?, Liège, Mardaga, 2006. Peirce, Charles Sanders, Collected Papers, Cambridge, Harvard University Press, vol 1 à 6 et 6 à 8, 1931-1935 et 1958. Pradier, Jean-Marie, (S’) adapter ou périr. La virginité impossible, Degrés 134-135, Bruxelles, 2008. Références Amoroso, Daniela, Samba-de-roda: une matrice culturelle brésilienne. UFBA. R. Dos Artistas, 197. Muritiba. BA, 2008. Bachelard, Gaston, La philosophie du non, Paris, PUF, 2005. Balea, Ilie, Le paradigme du spectacle. Opéra et théâtralité, Degrés, 29, 1982. Bião, Armindo, Bião, Armindo, Matrizes Estéticas: o espetáculo da baianidade., In Temas em contemporaneidade, imaginário e teatralidade. São Paulo, Annablume GIPE-CIT, 2000, p.15-30. Colloque international d’ethnoscénologie, Université de Paris 8, 12/13/14 septembre 2008. Degrés, Sémiologie du spectacle, 29-32, Bruxelles, 1982. 27 Da Antropologia Teatral à Etnocenologia: pré-expressividade e comportamento espetacular1 Gilberto Icle* RESUMO: Os conceitos de pré-expressividade da Antropologia Teatral e de comportamentos espetaculares da Etnocenologia são descritos e analisados, por intermédio da discussão de seus contextos de origem e de alguns problemas de ordem teórica com os quais se confrontam. Tais conceitos e seus desdobramentos são problematizados a partir de duas problemáticas distintas e solidárias: o universalismo e o inatismo. São apresentadas argumentações em favor do esclarecimento de pontos fundamentais para afastá-los de tais perspectivas. Por fim, são circunscritos espaços discursivos nos quais se inserem possibilidades para repensar os perigos apresentados. PALAVRAS-CHAVE: Antropologia Teatral; Etnocenologia; pré-expressividade. ABSTRACT: The concepts of pre-expressiveness – from Theatre Anthropology – and spectacular behavior – from Ethnoscenology – are described and analyzed from the point of view of their original contexts and theoretical problems. The axes of this discussion are the ideas of universalism and inatism. The analysis also intends to make clear the following proposition: it is not possible to consider these concepts – preexpressiveness and spectacular behavior – from the perspective of inatism and universalism. It also inserts a few possibilities to rethink the discursive space of Theatre Antrhopology and Ethnoscenology. KEYWORDS: Theatre Anthropology; Ethnoscenology; preexpressiveness. RÉSUMÉ: Les concepts de pré-expressivité de l’Anthropologie Théâtrale et de comportement spectaculaire de l’Ehtnocénologie sont décrits et analysés par le biais de leur contexte d’origine et de certains problèmes dans la théorie avec laquelle ils font face. Ces concepts et leurs développements d’ordre théorique sont traités dans le carde des problématiques distinctes et solidaire: l’universalisme et l’innatism. Des arguments en faveur de la clarification des points fondamentaux sont présentés pour les éloigner de ces perspectives. Enfin, des espaces discursifs sont limités pour qu’on puisse repenser les dangers indiqés. chama de antropologia e as artes do espetáculo, mais especificamente o teatro. Assim, as empreitadas em prol da Teoria da Performance nos Estados Unidos, com Schechner e Turner ou a Antropologia do teatro do italiano Piergiorgio Giacché são alguns exemplos. Entretanto, neste trabalho vou discutir duas vertentes dessa ligação que, na falta de um termo melhor, vou designar como antropologias do teatro. Ainda que radicalmente distintas – e não caberia aqui desenvolver seus pontos de aproximação e distanciamento – elas constituem aportes usuais na pesquisa em teatro no Brasil. Assim, pretendo discorrer um pouco sobre alguns usos, funções e, sobretudo, articulações teóricas que são possíveis (e um tanto perigosas) tanto na Antropologia Teatral de Eugenio Barba, quanto na Etnocenologia, tal qual Pradier a defende. Foucault (1999) nos ensinou que as palavras comportam perigos ao formarem, elas próprias, na superfície da linguagem, os objetos que designam, sem, contudo, estarem necessariamente coladas de forma positiva às coisas que evocam. Assim, quaisquer dessas antropologias do teatro configuram modos específicos de discurso nos quais encontramos coisas ditas e coisas não ditas, mas que, com efeito, ditam maneiras de pensar e agir. Ao pensar assim, tais proposições – numa posição diagnóstica e um tanto crítica – estão eivadas de enunciados (FOUCAULT, 2005) ao formarem conjuntos dispersos e nem sempre coerentes de saberes sobre o teatro. MOTS CLÉS: Anthropologie Théâtrale; Ethnoscénologie; préexpressivité. Esforços bastante grandes têm sido realizados no âmbito de vincular o que normalmente se 28 * Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil 1 Este texto é uma versão ampliada e revisada da comunicação intitulada Pré-expressividade, inatismo e universalidade, apresentada no V° Colóquio Internacional de Etnocenologia, em Salvador-Bahia, em 2007. Vejamos, por exemplo, que a própria palavra teatro é substituída em ambos os casos por termos considerados mais adequados: os “comportamentos cênicos” (BARBA, 1993, p.23) são o alvo certeiro dos estudos chamados Antropologia Teatral, enquanto que os “comportamentos humanos espetaculares organizados” (PRADIER, 1996, p.16) são, por sua vez, o foco de estudo e o objeto de investigação da Etnocenologia. Antropologia Teatral Para situar o leitor menos avisado, de forma rápida e esquemática, bastaria dizer que a Antropologia Teatral é um estudo empírico, sem pretensões de cientificidade, levado a cabo por um artista da cena que convoca a cada período não regular um conjunto de artistas de diferentes estilos e tradições de teatro e dança, de diversas partes do mundo. Para Barba, promotor de tal estudo, ele não passa de “um conjunto de bons conselhos” (1995, p.08) para o artista da cena, a partir do olhar sobre a própria cena. Tanto para a teoria, quanto para a prática do trabalho do ator, nenhum outro termo parece mais consistente, dinâmico e imanente à Antropologia Teatral do que o conceito de pré-expressividade, a ponto de tornar-se a teoria, proposição ou princípio definidor do que Barba denominou como “o estudo do comportamento cênico préexpressivo que está na base de diferentes gêneros, estilos, papéis e das tradições pessoais ou coletivas” (1993, p.23). A hipótese de que subjaz ao trabalho do perfor mer uma dimensão intrínseca, a qual seja detentora do poder de organização de um bios cênico, configura a centralidade da questão que a Antropologia Teatral se coloca desde suas origens. Barba delimita na teoria da pré-expressividade duas instâncias distintas, embora solidárias, o cotidiano e o extra cotidiano, esse último, constituindo a dimensão que caracteriza o que chamamos no mundo euro-americano de teatro. Mover-se, respirar, falar, agir sob a égide do extra cotidiano significa, com efeito, trabalhar a energia numa qualidade que se distingue da cotidiana. Ao contrário do que se poderia pensar num primeiro momento, Barba define a dimensão cotidiana, na qual nos constituímos como sujeitos de uma deter minada cultura, como a dimensão automatizada, domesticada e banalizada. Não necessitamos nenhum tipo de consciência mais rebuscada para vivermos e agirmos na inconsciência dos automatismos cotidianos. Por outro lado, no teatro – e nas artes do corpo que lhe são similares – o uso distinto do corpo, com bases e princípios pouco comuns para a vida cotidiana, constituem uma utilização intencional a produzir tensões que fazem atrair a atenção do espectador. Essa qualidade intencional de dar-se a ver, circunscrita como “presença”, supõe “a utilização extra cotidiana do corpo-mente [e] é isso que se chama ‘técnica’” (BARBA,1993, p.23). A abordagem pragmática do diretor italiano supõe uma pesquisa, uma experimentação e uma conseqüente reflexão sobre os dados extraídos. Apesar das lacunas ou, segundo De Marinis (s/d), “parcialidades” que a Antropologia Teatral contém, suas explorações parecem render um sem número de questões e desdobramentos, em particular, às pedagogias do ator que se beneficiaram sobremaneira dos princípios descritos e desenvolvidos pela Antropologia Teatral, tais como o princípio da oposição, do desequilíbrio, da equivalência entre outros. Esses princípios podem ser considerados verdadeiros instrumentos, pois organizam o bios cênico, permitindo um cor po dilatado, capaz de atrair a atenção do espectador, quase a margem de seu caráter semântico. Eles circunscrevem uma idéia, tomada de Decroux, na qual as artes “[...] ‘se assemelham nos seus princípios, não em suas obras’. Poderíamos acrescentar: também os atores não se assemelham nas técnicas, mas nos princípios” (BARBA, 1993, p.29-30). A semelhança atribuída por Barba – tomada de empréstimo de Decroux – aos princípios, referese, tão somente, ao nível pré-expressivo. É nele e 29 não no nível expressivo – semanticamente articulado, culturalmente deter minado e individualmente singular – que os princípios encontram modos de operação similares. Esses modos similares que recorrem em distintas culturas, articulando o nível pré-expressivo para lhe conferir a possibilidade de organicidade e eficiência, não existem separados da expressão, tampouco podem ser cientificamente identificados, delimitados, rastreados. Eles estão, com efeito, articulados na própria ação, no próprio comportamento. Podem ser mais ou menos conscientes; gradualmente explícitos ou implícitos na ação. Mas nunca configuram o objeto do ator, senão seu instrumento de trabalho. É preciso também afastar as interpretações equivocadas sobre o nível pré-expressivo, as quais compreendem ou fazem relações entre conteúdo e forma; preparação e atuação; dentro e fora; técnica e emoção. Nenhum desses pares traduz a diferença – que só existe virtualmente – entre os planos expressivos e pré-expressivos. Se o nível pré-expressivo constitui um instrumental para o ator ele seria, em conseqüência, uma técnica? Não se poderia, a essa altura, tomar a palavra técnica no sentido restrito, mas, perceber que por detrás, por baixo (a posição na qual localizamos não é essencial) do modo expressivo do ator trabalhar, existe um conjunto de princípios, mais ou menos objetivos, nos quais a superfície semântica se apóia. Como toda técnica é sempre um segredo, pois não deve estar à frente do que o espectador vê, mas sim, sub-repticiamente entranhada, mascarada, escondida, o nível préexpressivo é, com efeito, a organização dinâmica e culturalmente variada, senão de todos, ao menos de muitos dos modos espetaculares que conhecemos. O nível-expressivo se ocupa do como, antes de se ocupar do significado. Funciona à parte, mas não independentemente, do nível semântico que expressa e ao qual confere apoio. Esse como não é a forma de tradução cultural, a técnica, os códigos, o tema, tampouco, as idéias intencionais, os não do artista cênico; mas, um mundo de modos liminarmente corporais de se fazer presente e, com 30 isso, interessar, encantar, atrair a atenção do Outro. Abusando um pouco dessa exploração, não seria incorreto dizer que a Antropologia Teatral é a teoria, por excelência, da pré-expressividade, essa última, por sua vez, circunscrevendo um campo novo de investigação e abrindo um sem número de problemas a serem explorados, tal qual tem sido feito em diversos espaços, nos últimos anos. Etnocenologia Bem mais recente, talvez a versão ulterior das antropologias do teatro, a Etnocenologia é mais uma perspectiva de pesquisa que um conjunto organizado de objetos bem conformados. Segundo seu idealizador, Jean-Marie Pradier, o prefixo etno indica a necessidade de marcar a devida distância das posturas etnocêntricas que comumente os Estudos Teatrais aduzem. Da complexidade do termo scéno, em sua origem grega, ele retém a idéia de que o corpo é o lócus dos comportamentos e práticas espetaculares. Numa definição, segundo Pradier, provisória, a Etnocenologia é “o estudo nas diferentes culturas das práticas e dos comportamentos humanos espetaculares organizados” (1996, p.16). Ainda que o autor francês se esforce em sublinhar a não conformidade do termo comportamento com as posturas comportamentalistas, o termo remete em muitos casos a um tipo de compreensão, proveniente em muito das psicologias comportamentais ou behavioristas, que há muito foram colocadas na berlinda da validação. Assim, prefiro pensar na ampliação do termo práticas, com o qual poderíamos tratar tais experiências em diferentes culturas. Por Práticas espetaculares dirse-ia a necessária relação de comunicação entre os seres humanos mediada pela presença física de ao menos dois indivíduos se dando a ver em tal experiência. A palavra espetacular – opção primeira de Pradier, novamente para enfatizar a distância segura do etnocentrismo que palavras como teatro, cena, dança, e tantas outras implicam – circunscreve o foco dos estudos da Etnocenologia ao pretender não se reduzir ao puramente visual, mas, também, a um conjunto de modalidades perceptivas humanas. No âmbito do estudo do espetacular estão implicados os aspectos globais das manifestações emergentes, incluindo as dimensões somáticas, psíquicas, cognitivas, emocionais e espirituais. É preciso lembrar que a palavra emergentes (do francês émergentes) carrega não apenas o sentido de algo que vem de dentro, que emerge, como também, que aparece aos sentidos, que se dá a ver, que se mostra, que se torna aparente, ou seja, “a dimensão espetacular de um evento corresponde à aparição de elementos perceptíveis” (PRADIER, 1996, p.17). O termo espetacular se adequa aos propósitos de Pradier para reforçar a idéia de que tais práticas, as espetaculares, espraiam-se para além daquilo que o mundo euro-americano convencionou chamar de teatro ou espetáculo. Da mesma forma, o termo espetacular envolve uma dupla relação, ou seja, ele indica a impossibilidade de distinção entre as dimensões do atuante e do público. Uma abordagem sistêmica requerida por Pradier aduz, portanto, não só a necessidade de um estudo que envolva essas duas dimensões, mas, também, e de forma mais acentuada, uma abordagem que não reduza as práticas espetaculares e seus fenômenos à simples descrição linear. Na visão da Etnocenologia, o estudo das práticas espetaculares, envolve, principalmente, colocar em evidência a diversidade e a unidade das práticas espetaculares humanas; desenvolver o estudo sistêmico dos elementos (psíquicos e não psíquicos) e das organizações que lhes funda; realizar uma abordagem das estratégias cognitivas que sustentam a emergência/aparição dos comportamentos e das práticas; analisar as estratégias relacionais que caracterizam os eventos estudados; empreender uma descrição das modalidades nas quais as práticas e os comportamentos humanos espetaculares organizados se inserem dentro do seu quadro sociocultural; e, por fim, tomar em consideração a história sinuosa e múltipla do corpo, portadora e criadora das representações e das técnicas, dos códigos, dos modos e do modelos que geram e regulam as atitudes e os comportamentos do indivíduo em sociedade (PRADIER, 1996, p.18). Se a multidisciplinaridade é a condição necessária para a pesquisa nessa área, a interdisciplinaridade seria a escolha justa. Pradier propõe, nesse sentido, estudos cruzados entre análises interiores com critérios próprios da cultura estudada e análises exteriores, fundadas em noções e métodos científicos em uso. (1996, p.20). Tais análises sistêmicas, como já mencionadas, abandonam as estratégias unidimensionais e sublinham o caráter intercultural das práticas espetaculares, em razão de sua imediatez para o espectador. A Etnocenologia, portanto, circunscreve uma nova dimensão de estudo, procurando analisar as práticas espetaculares a partir de diferentes culturas. Dos perigos, das verdades Uma das questões que os estudos de Barba, e seus colaboradores – por intermédio da ISTA – International School of Theatre Antropology – apresenta é justamente a condição de imanência da pré-expressividade. Assim sendo, para se pensar a pré-expressividade como condição ou, melhor ainda, pré-condição do trabalho do ator, algumas problematizações são necessárias. Os problemas que gostaria de levantar no momento dizem respeito a duas ordens distintas: a primeira de natureza antropológica, na qual questiona-se a universalidade da proposição e, a segunda, de caráter epistemológico, que aborda possíveis laivos de inatismo. A pretensão universalista de Barba representa um ponto atenuado na demonstração de seu pensamento, re-discutido em La canoa di carta (1993). Dizer que existiria um nível universal no trabalho do ator, significaria reconhecer uma unidade – lingüística, discursiva, prática – que seria capaz de englobar e dar um sentido único à palavra teatro. Barba não se arrisca de forma tão ingênua. 31 Quando Barba define a pré-expressividade como condição de possibilidade do trabalho do ator, de que ator ele estaria falando? Essa parece ser uma questão basilar para se problematizar o sentido universalista da pré-expressividade. Suporíamos que ele fala de todos os atores ou uma parte deles? Ao procurar uma condição universal, Barba estaria imerso numa posição etnocêntrica, na qual a verdade teatral estaria, do seu ponto de vista, na dimensão pré-expressiva. Esse olhar centrado, reduzido, trataria as diferentes formas espetaculares como o teatro, como um fenômeno generalizado. Entretanto, chamar teatro determinadas manifestações e práticas culturais individuais e/ou coletivas é alocar no discurso hegemônico euro-americano e somente por efeito de uma operação artificial o rico e infinito modus operandis de dar-se a ver, de chamar a atenção, de se fazer humano por intermédio da ação espetacular. Isso – essa posição de quem fala sobre – plasmaria outras formas espetaculares, circunscrevendo-as nos limites daquilo que uma determinada cultura – a qual pertence o autor – convencionou chamar de teatro. A saída para tal armadilha pode ser pensada com a Etnocenologia de Pradier (2002) e, do mesmo modo, no próprio plano imanente, o qual a teoria de Barba supõe. Os modelos caóticos propostos por Pradier (2002), para compreender os comportamentos humanos espetaculares, borram as fronteiras entre o biológico e o cultural. A idéia de comportamento, para ele, não se reduz a um padrão de respostas de ação a partir de um estímulo (como ao gosto de Skinner), e tampouco a biologia se reduz ao funcionamento da substância viva. Ao contrário, comportamento e biologia se emaranham de tal sorte que as fronteiras entre o que é inato e o que é adquirido se tornam cada vez mais obnubiladas pela visão não linear de sua investigação. Assim, se o olhar de quem pensa tais práticas do ator é uma posição sempre comprometida com sua própria cultura é, com efeito, uma condição de qualquer teorização, pois toda manifestação carrega em si o prefixo etno, uma vez que sempre estará 32 impregnada, advinda e constituída de e numa determinada cultura. Fala-se sempre de um lugar preciso, logo, nos manifestamos dentro de uma cultura, ainda quando falamos do Outro. Os laivos dessa dificuldade de se afastar de si mesmo já impregnam o próprio conceito de préexpressivo. O prefixo pré possui tão somente um caráter lógico e não cronológico, dessa forma, não há uma anterioridade à expressão. É nela que os indícios, os sinais, as inferências do pré-expressivo se assinalam. É no plano da expressão que vivemos – nós os atores – nossas vidas espetaculares. Tratase da dimensão na qual nos reconhecemos como herdeiros de uma tradição, como possuidores de uma técnica, como artesãos de nós mesmos, mas representantes autorizados de nossa comunidade – ainda que ela não seja apenas o nosso entorno. Essa posição é, então, dada a partir do ponto de vista – profundamente cultural – do espectador. São os efeitos de atenção, a eficiência da presença do ator que Barba normatiza como o princípio dos princípios. Ele pré-supõe que todo teatro estaria preocupado, interessado e se apoiaria na premissa de chamar a atenção do espectador, antes mesmo de querer significar. Há, portanto, um sentido quase biológico e, senão biológico, limiar entre o biológico e o cultural. É nessa função de espectador que Barba, ainda nos primórdios da Antropologia Teatral, reconhece os princípios recorrentes e deles extrai, abstrai, considerações. No entanto, nas palavras de De Marinis, “afirmar que todo teatro [...] tem a ver com a atenção do espectador significa que todo teatro, indubitavelmente, tem que ver com o mesmo problema, mas não exatamente com a mesma coisa e, muito menos, com as mesmas soluções (1997, p.104). Um possível universalismo da Antropologia Teatral se desfaz, dessa forma, na medida em que o olhar que Barba lança sobre os fenômenos estudados, ainda que de seu próprio ponto de vista cultural, faz reconhecer que para essa cultura, da qual ele fala, chamar a atenção do espectador pareça ser uma verdade profundamente legitimada culturalmente. Trata-se, também, de uma operação lingüística que faz unir o que reconhecemos como teatro com um modo específico de se dar a ver, de se comportar de forma espetacular e, sobretudo, de ter êxito em chamar a atenção do Outro nessa tarefa. É desse ator que Barba fala e somente dele. Do ator que apoiado em um comportamento espetacular, culturalmente constituído e intencional, é eficiente em chamar a atenção do espectador além do que narra, conta, expressa e significa. Além, mas não independentemente. Se Barba não está falando de qualquer ator, de um modelo universal, resta ainda pensarmos: seria a pré-expressividade uma condição inata do ser humano? Haveria um a priori definitivo nessa dimensão pré-expressiva? Barba suporia um antes como condição suficiente e necessária para as artes de dar-se a ver? Da mesma forma, Pradier na discussão nomeada como Etnocenologia, não atinge um estatuto universalista ao propor um estudo sobre os comportamentos humanos espetaculares e ao propor que a espetacularidade humana cumpre um dispositivo biológico? A questão é complexa e sugiro aqui uma primeira aproximação. Dificilmente poderíamos sustentar – depois de tudo o que, no século XX, foi desenvolvido nessa área – um discurso sobre um a priori como condição, na qual se apoiariam e se sustentariam os desdobramentos do préexpressivo ou o vínculo biológico dos comportamentos espetaculares. A esse respeito se pode lembrar dos trabalhos desde Piaget (1990) até Maturana (2002), para citar alguns. O comportamento de chamar a atenção - que Bião (1996) já localiza nas reações do bebê como gênese do que virá a ser ulterior mente comportamento espetacular – poderia ser até uma espécie de instinto, uma informação genética que se manifesta em nosso comportamento, mas, as estr uturas de pensamento e ação que essa informação pode engendrar pressupõem, em grande medida, a interação. E não devemos subestimar o poder desse conceito. Interagir possibilita, sobretudo, tomar as informações biológicas e refazê-las na ação. O processo de interação é um processo limiar – está já dado biologicamente como potência, como possibilidade, mas forma, também, e na mesma direção, o processo de culturalização, de ingresso em uma cultura, pois permite ao sujeito se tornar o que é, ou o que virá a ser. Esse caráter de dinamismo das relações de interação entre o biológico e o cultural – presentes em teorias tão distintas quanto a Epistemologia Genética de Piaget, as ciências cognitivas de Maturana, a Etnocenologia de Pradier – que se manifesta nas fronteiras de idéias, que nossa tradição insistiu em delimitar como separadas, articula suposições para o pré-expressivo e para os comportamentos espetaculares que vão além de um mero inatismo. Quando Barba fala sobre uma dimensão préexpressiva do trabalho do ator como um nível de organização do bios cênico, não está a defender um a priori, pois não há uma separação entre o plano pré-expressivo e o plano expressivo. Somente por uma operação racional de investigação inferimos que a eficiência – também ela culturalmente constituída – em chamar a atenção, é constituída no amálgama que forma a constituição da dimensão expressiva. Eis dois usos duvidosos que poderíamos fazer dos conceitos de pré-expressividade e comportamentos espetaculares, e que constituem perigos preementes para a pesquisa: tomá-los como universais e como inatos. Poderíamos, entrementes, pensar que o trabalho do ator na dimensão pré-expressiva é um lugar limiar entre a ficção e a vida (RUFFINI, 2001), local descontínuo no qual o ator se dá a ver, explorando e articulando informações culturalmente construídas a partir de pequeninas – mas fundamentais – possibilidades biológicas. Não se é ator, portanto, desde sempre, torna-se ator. Tampouco, não existe um único modo de ser ator, senão uma diversidade de possibilidades. Barba não está, portanto, falando de qualquer ator. Não poderá fazê-lo. Não haverá de ser o seu, um ator transcendental, ideal, legítimo. Sua pesquisa se baseia, ainda que parcialmente, em 33 experimentos artísticos que, sem um controle científico no senso tradicional (De Marinis, s/d), estão inseridos numa cultura, ao mesmo tempo pessoal e histórica. Disso, sobressai o caráter pessoalizado de sua proposição. E cabe a nós, sabendo de todas as parcialidades e limites da Antropologia Teatral, aceitá-la ou não, usá-la como pedagogia ou não, pensar com ela, a favor dela, a partir dela, mas conscientes que estamos falando de um lugar determinado e, portanto, o que dizemos serve aos interesses teatrais não como uma verdade única e normativa, mas como um conjunto de explorações titubeantes, provisórias e parciais. Num caminho muito similar, a Etnocenologia pode inferir justamente à diversidade cultural. O prefixo etno já indica essa vocação. E a compreensão de sua dinâmica pode ser bem estabelecida quando Pradier (2000) demonstra, por inter médio de inúmeros exemplos e dados, a correlação das idéias do corpo representado na cena e do corpo interpretado e descrito pelas ciências. Falamos, portanto, de dentro dos comportamentos espetaculares, pois eles não são objetos separados de nós, eles não constituem uma positividade a ser alcançada. Eles são construídos histórica e culturalmente nas nossas práticas. Precisamos entendê-los, portanto, a partir de sua condição efêmera e mutável. E não seria essa a postura de qualquer ciência das artes do espetáculo contemporânea? Referências: BARBA, Eugenio. La canoa di carta: Trattato di Antropologia Teatrale. Bologna: Il Mulino, 1993. _____. A arte secreta do ator: dicionário de Antropologia Teatral. São Paulo/Campinas: Hucitec/Unicamp, 1995. BIÃO, Armindo. Estética performática e cotidiano. In: Performáticos, performance e sociedade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. DE MARINIS, Marco. Dal pre-expressivo alla drammaturgia dell’attore. Saggio sulla “canoa di carta”. In: _____ (Org.). Drammaturgia dell’attore. Porreta Terme: I Quaderni Del Battello Ebro, s/d, p.225-293. 34 _____. Compreender el teatro. Buenos Aires: Galerna, 1997. _____. Contra la distancia: hacia nuevos paradigmas para la experiencia teatral. In: PELLETTIERI, Osvaldo (Org.). Imagen del teatro. Buenos Aires: Galerna, 2002, p.35-52. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. _____. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2002. PIAGET, Jean. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990. PRADIER, Jean-Marie. El bios y la cultura en el arte de lo viviente. In: PELLETTIERI, Osvaldo (Org.). Imagen del teatro. Buenos Aires: Galerna, 2002, p.19-34. _____. La scène et la fabrique des corps : Ethnoscénologie du spetacle civant en Occident (Ve siècle av. J.C. – XVIIIe siècle). Bordeaux : Presses Universitaires Bordeaux, 2000. _____. Ethnosceénologie: la profondeur des émergences. La scène et la terre : questions d’ethnoscénologie. Internationale de l’imaginaire. Maison des cultures du monde. n.05, 1996, p.13-41. RUFFINI, Franco. Per piacere: itinerari intorno al valore del teatro. Roma: Bulkzoni, 2001. Pour une anthropologie des pratiques spectaculaires : le moment du spectacle, le temps de l’événement et le temps de l’enquête Bernard Müller* RÉSUMÉ : Quand il est montré au Brésil, le théâtre yoruba du Nigeria est présenté comme une forme culturelle typiquement africaine, en l’occurrence yoruba. Pour son public américain, cette forme de théâtre qui met en scène des moments d’une saga des orishas, serait une sorte de témoin vivant de la culture que les ancêtres déportés ont quittée. Participer à une représentation de théâtre yoruba permettrait ainsi de se relier au monde des origines, ce monde idéal situé en Afrique avant la traite négrière, c’est-à-dire avant la « contagion » moderne. Pourtant, aux yeux des adeptes des cultes des orishas des villes de l’intérieur du pays yoruba au Nigeria, cette forme de théâtre est un genre considéré comme « amaro », c’est-à-dire « brésilien ». On tentera d’expliquer ce paradoxe en montrant comment le théâtre yoruba s’inscrit dans une histoire transatlantique dont les dynamiques informent d’une construction sociale complexe, et contemporaine. MOTS-CLÉS : anthropologie du spectacle ; ethnosociologie ; épistémologie ; mouvement culturel ; construction des identités ; histoire transatlantique. RESUMO : No Brasil, o teatro iorubá da Nigéria é apresentado como uma forma cultural tipicamente africana, iorubá neste caso. Para seu público americano, essa forma de teatro, que põe em cena momentos de uma saga dos orixás, seria um tipo de testemunho vivo da cultura que os ancestrais deportados haviam deixado. Partcipar de uma representação do teatro iorubá permitira, assim, de se religarem ao mundo das origens, esse mundo ideal situado na África antes do tráfico negreiro, isto é, antes da « contaminação » moderna. No entanto, aos olhos dos adeptos dos cultos dos orixás das cidades do interior do país iorubá na Nigéria, essa forma de teatro é um gênero considerado como « amaro », isto é, « brasileiro ». Vai se tentar explicar esse paradoxo mostrando como o teatro iorubá se inscreve numa história transatlântica cujas dinâmicas revelam uma construção social complexa e contemporânea. PALAVRAS-CHAVE : antropologia do espetáculo; etnosociologia ; epistemologia ; movimento cultural ; construção de identidades ; história transatlântica. ABSTRACT: In Brazil, the Yoruba theater from Nigeria is presented as a typical African cultural event, Yoruba in this case. For his American audience, this form of theater that puts on the scene moments of a saga of “orixás”, it would be a kind of live testimony of the ancient culture that deportees had left. Participating in a theatrical representation of the Yoruba theater would thus be a new link towards an original world, this ideal world located in Africa before the slave trade, that is, before the modern “contamination”. Nevertheless, in the eyes of supporters of worship “orixás” of the cities in the interior of the Yoruba country in Nigeria, this form of theater is a genre considered to be “amaro”, or “Brazilian”. In this text, the author tries to explain this paradox showing how the Yoruba theater fits in a transatlantic history whose dynamics reveal a complex and contemporary social construction. KEYWORDS: anthropology of spectacle; ethnosociology; epistemology; cultural movement; construction of identities; transatlantic history. “No senhor padre”, old Francisco is reported to have said, “Africa is not my country, I was born in Brazil, in Bahia, in terra dos brancos, the land of the white man… Yes, I was happy there, in that bounteous land of Brazil! What beautiful churches, what lovely houses!” Journal du Père Baudin, 1874/1875, SMA Introduction Longtemps domaine exclusif des études littéraires puis bringuebalée entre des approches académiques diverses, notamment les études *Chercheur à l’IRIS, École des Hautes Études en Sciences Sociales EHHESS, France 35 théâtrales, littéraires, esthétiques, philosophiques ou mêmes thérapeutiques, l’analyse du spectacle semble en vérité avoir souffert d’un certain cloisonnement disciplinaire. L’absence, en langue française, d’une traduction de la notion que recouvre le terme anglo-saxon de performance témoigne aussi d’un vide théorique. L’homme de théâtre polonais, Jerzy Grotowski, lors de sa leçon inaugurale au Collège de France le 24 mars 1997 a tenté d’introduire la notion d’art performatif pour englober l’ensemble des “pratiques spectaculaires” (du théâtre au rituel) et pour ne pas limiter ces pratiques au seul point de vue des spectateurs qu’implique le terme spectacle. Dans cette optique l’ethnoscénologie a incontestablement ouvert de nouvelles pistes de recherche à la croisée des nombreuses disciplines, de manière à entrer « dans le vif des apories de civilisation que chacun s’efforce de régler à sa manière : le problème du corps et de l’esprit, de la rationalité et de l’émotion, de l’imaginaire, du vrai et du faux, du nécessaire et du contingent, du sacré, de la vie, de la maladie et de la mort1". Ainsi, alors que le spectacle gagne des domaines dans lesquels on ne le rencontrait pas jusqu’alors ou vise des objectifs politiques et sociaux qui ne leur étaient pas familiers (le théâtre comme producteurs d’identité localisée), on est surpris de constater qu’il est peu abordé comme objet social, c’est-à-dire comme un moment qui s’inscrit dans un processus qui va au-delà de l’œuvre. Il s’agit dans cet article de prendre acte de cette position inconfortable et d’y remédier en ouvrant une perspective nouvelle résultant du croisement des approches existantes, à la lumière d’une anthropologie du spectacle résolument descriptive. Pour cela, on passera par une étude de cas, celui du théâtre yoruba nigérian et des problèmes posés par sa description, de manière à poursuivre une réflexion continue sur les fondements épistémologiques d’une anthropologie de l’action, de l’événement et des transformations sociales, dans une perspective qui souligne le 36 caractère processuel des phénomènes sociaux. Tout en se situant au carrefour des apports des chercheurs en sciences sociales, études théâtrales, histoire de l’art, littérature, esthétique ou l’ethnoscénologie – sans en brader ni en renier l’héritage de quelque manière - on tentera de porter un regard renouvelé et comparatiste sur une pratique universelle. On focalisera dans ces pages notre attention sur une forme de théâtre urbaine qui met en scène des passages d’une mythologie relatant les faits et gestes des divinités du panthéon yoruba, appelés orishas. On s’intéressera toutefois ici davantage aux problèmes de méthode inhérents à la description, dans la perspective d’une anthropologie du spectacle, qu’à la description elle-même, qui a déjà donné lieu à plusieurs publications2. Le paradoxe du theatre Yoruba En réalité, le cliché de l’authenticité qu’ont développé les brésiliens à propos du théâtre yoruba, et que véhiculent parfois aussi les membres des compagnies de théâtre nigérianes, ressemble étonnamment à celui des ethnologues d’obédience structuraliste quand ils déclarent rechercher des données qui permettent de rendre compte d’une « structure » comme d’une permanence transhistorique qui existe malgré les individus, et auquel l’ethnologue aurait le drôle de privilège d’accéder. Comme je l’ai déjà montré, dans cette optique, le théâtre yoruba devient l’expression d’une culture, entendue comme un isolat, qui existerait en dehors de l’histoire, reléguant par la même ses adeptes, i.e. les membres de cette culture, hors du temps ou du moins hors de la chronologie 1 in “Ethnoscénologie : une discipline éblouie”, Passerelles Paris 8, n° 22, juin 1998, p.15-18 2 Voir articles Bernard Müller, « Entre invenção e continuidade: O nó górdio do Yoruba Traditional Theatre ou a tradição renovada», In Artes do corpo e do espetáculo : questões de etnocenologia, Salvador, Armindo Bião (Org.), pp. 463-478, 2007 ou Bernard Müller, « Nos ancêtres les Yoruba. Splendeur et misère de la bourgeoisie yoruba du Nigeria », Cahiers d’études africaines, XLIII (3), 171, pp. 483-503), 2003 ou Bernard Müller, La tradition mise en jeu– Une anthropologie du théâtre Yoruba, Editions Aux lieux d’être, Paris, 2006, 170 p. principale, celle précisément dans lequel navigue le bateau de la civilisation, et du progrès, « nous » bien sûr. Johannes Fabian a clairement mis en lumière la manière dont Claude Lévi-Strauss – et il n’est pas le seul - se donne pour objet d’observation privilégié « une société indigène qui, dans l’idéal du moins, se tiendrait immobile à la manière d’un tableau vivant3 ». Il est vrai que depuis sa genèse au 19ème siècle, l’anthropologie/ethnologie considérait que les rites, les mythes et les coutumes des « primitifs » appartenaient au passé de l’humanité. Les étudier revenait à faire un pas en arrière dans « notre » l’histoire, à « nous » les Occidentaux. Ce paradigme qui caractérisait les théories évolutionnistes serait toujours d’actualité ; et permettrait donc toujours d’informer la méthode employée par les sciences sociales. Pour Johannes Fabian, en effet, les courants modernes de l’anthropologie (fonctionnaliste, structuraliste, et pour partie culturaliste) n’ont absolument pas cessé de projeter l’objet de leur savoir dans un « autre temps » (autrement dit dans une « allochronie »). Entre la rencontre « sur le terrain » et la production scientifique, bien des choses se passent qui, sous couvert d’esprit de science, s’emploient à mettre à distance les acteurs de la scène : évitement de la narration, bannissement du sujet, présent ethnographique, formalisation, transcription visuelle de ce qui fut, en réalité, un « morceau de vie », mise en place de médiations symboliques, etc. Cette approche nous paraît ici la meilleure manière de passer à côté de l’objet, car elle envisage d’emblée son objet comme autre chose que ce qu’il est. En voyant à travers la représentation théâtrale la manifestation d’une sorte d’ « arrière-monde 4» nietzschéen, conçu comme un univers culturel ordonnancé qui se profilerait derrière les comportements sociaux. Dans ce raisonnement, la « structure » une fois inventée/découverte, permettrait alors de faire des rapprochements entre, par exemple, les mouvements d’une danse des egunguns yorubas, ou l’agencement des motifs de composent les pans du costume de ce masque-ancêtre yoruba tourbillonnant dans le vent, d’une part, et l’organisation familiale de la société yoruba, d’autre part… L’objet flou de l’anthropologie Il est vrai que la nature de la connaissance anthropologique est pour le moins floue. Son pendant en est l’opacité des situations que le chercheur, au cours de l’enquête, tente de dissiper comme s’il s’agissait d’une sorte de brouillard épistémologique, envisagé comme un incident de parcours et non comme une dimension consubstantielle à la manière dont est construit l’objet de recherche. Les chercheurs ne sont par ailleurs pas d’accord sur la nature de cette connaissance qui est sensée émerger au cours de l’enquête, ou « terrain ». Or, le fait de chercher (c’est l’activité principale du chercheur) des structures ne relève pas du même exercice que celui qui consiste à rendre intelligible une pratique qui a priori paraît curieuse. Ce n’est pas la même chose de reconstituer une mécanique culturelle, du type de la structure qui intéresse par exemple Lévi-Strauss, et d’essayer de comprendre ce qui se passe durant les séquences d’actions, en l’occurrence des spectacles. En effet, la plupart des approches ne tirent pas les conséquences théoriques découlant de la situation d’«allochronie » dans laquelle ils se placent en mettant leur objet à distance, comme si l’observation d’une situation sociale impliquait la même méthode qu’une observation en laboratoire. Si cette approche permet peut-être de faire apparaître des « structures », elle ne permet pas réellement de comprendre ce qui se passe, mais de 3 Johannes Fabian, Le Temps et les autres : Comment l’anthropologie construit son objet (en collaboration avec Estelle Henry-Bossonney), édition Anarcharsis, Marseille, 2006, p. 125-126. 4 Nietzsche appelle «arrière-monde» cette réalité stable, identique à soi, éternelle, impassible, ignorant le changement, la lutte, la douleur et la mort, qui caractérise précisément la condition humaine et sa charge d’angoisse. Cette notion se rapproche de la notion de « culture » que nous critiquons ici. Il écrit : « Un jour Zarathoustra jeta son illusion par delà les hommes, pareil à tous les hallucinés de l’arrière-monde. L’œuvre d’un dieu souffrant et tourmenté, tel lui parut alors le monde. Le monde me parut être le rêve et l’invention d’un dieu ; semblable à des vapeurs coloriées devant les yeux d’un divin mécontent ». (in : ZARATHOUSTRA - Des hallucinés de l’arrière-monde). 37 saisir ce qui existerait quand même, même quand il ne se passe rien. Le projet qui consiste à essayer de décrire ce qui se passe procède, en vérité, d’une tension inverse à celle des approches fonctionnalistes, car elle implique une réduction de l’altérité ; ce qui était initialement opaque doit devenir translucide, et ce qui était étrange doit devenir familier. Comme l’écrit Jean Bazin : « Comprendre une action, ce n’est pas déchiffrer le sens d’un comportement en imputant aux indigènes observés (en mettant au compte de leur culture ou de leur « programme mental ») des croyances ou des représentations que nous n’avons pas et ne saurions avoir ; c’est l’avoir décrite d’une manière telle qu’elle nous apparaisse comme l’une des manières de faire selon d’autres règles ou dans d’autres conditions ce que nousmêmes nous faisons. Découper les dernières partition de Schubert en petits morceaux et les distribuer à ses élèves préférés est, comme dit Wittgenstein, une marque de piété qui nous est aussi compréhensible, même si nous aurions plutôt choisi de les conserver intactes et à l’abri de tous».5 A ma connaissance, les disciples de Schubert n’étaient pas Yoruba, mais la tentative d’explication de leur geste, a priori déplacé, relève de la même tension intellectuelle que celle qui consiste à rendre compte de n’importe quelle situation, en l’occurrence celle à laquelle je participe lorsque j’assiste à Lagos ou à Ibadan à des représentations de Yoruba Theatre. « Interpréter ou décrire ?6 » Pour comprendre ce qui se passe alors, il me faut essayer de saisir les enjeux qui animent le moment du spectacle, aux yeux et dans la bouche des personnes en présence. La meilleure manière d’accéder à la compréhension de ces enjeux consiste tout simplement, dans un premier temps, à poser la question aux personnes concernées et d’essayer de saisir ce que les acteurs saisissent euxmêmes de la situation dans laquelle ils sont impliqués, à côté de l’ethnologue, forcément. Il apparaît ainsi d’emblée que si ce théâtre est 38 bien présenté comme une forme intacte, culturellement pure, comme le veulent aussi l’entendre les Brésiliens quand ils assistent à une représentation d’une telle pièce, on s’aperçoit aussi que cette formulation fait d’abord partie d’un discours. Il s’agit d’un trope qui n’explique que très partiellement le sens des actions théâtrales propres à ce genre. En réalité, la dimension culturelle du théâtre yoruba fait partie de l’objet, mais elle n’entretient aucun lien causal avec celui-ci. Pour comprendre, il me faut ainsi occuper la position d’un observateur, i.e. m’installer à un point de vue à partir duquel il devient possible de rendre compte du jeu social dont je subodore l’existence, sans toutefois encore en saisir ni les enjeux, ni les contours. Pour cela il est nécessaire que je m’immisce dans le monde des gens qui réalisent le moment/la situation à décrire. Il me faut donc mettre en œuvre une méthode qui m’aide à être dans la même temporalité7 que ceux dont j’ai le projet de décrire les pratiques et avec lesquels je partage, que je le veuille ou non, le temps de l’échange qui marque la rencontre. Comme le rappelle Alban Bensa cette rencontre constitue un événement marquant au cours duquel interagissent l’ « observateur » et l’ « observé », au point parfois de ne plus savoir avec certitude qui est qui : « le chercheur de terrain participe à la vie de ses hôtes moins comme le maître rusé de la situation […] que comme le pion, fort peu averti d’une partie dont les tenants et les aboutissants l’englobent et souvent le dépassent8 ». 5 Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse, 2008: p. 380. 6 Je reprends ici le titre d’un article de Jean Bazin, véritable manifeste pour une anthropologie, autrement. Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse, 2008: p. 380, voir chapitre intitulé : « Interprêter ou décrire. Notes critiques sur la connaissance anthropologique », p. 407-435. 7 Johannes Fabian parle de « co-temporalité » in [Le Temps et les Autres, Editions Anacharsis, Toulouse, 2006], Jean Bazin de « co-présence » [Science des mœurs et description de l’action, Le genre humain, 19992000 : p. 55-56 ], Gérard Althabe de « communication partagée » [Gérard Althabe, “Ethnologie du contemporain & enquêtes de terrain”, Terrain, 14, mars 1990, pp. 126-131]. 8 « De la micro-histoire vers une anthropologie critique » in Jeux d’échelle. La micro-analyse à l’expérience, Paris, Hautes Études/ Gallimard/Le Seuil, 1996, p. 44. 9 Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse, 2008: page 362. C’est précisément la complexité du jeu social, du fait de la multiplicité de ses ressorts et de la variété des formes, notamment esthétiques ou théâtrales, dans lesquelles se déroule ce jeu, qui constitue l’objet de la recherche. Cette complexité est empirique et son élucidation nécessite une démarche pragmatique. Or, comme nous le rappelle encore Jean Bazin 9 : « il n’y a pas derrière les événements [en l’occurrence un moment théâtral, ndla] une « structure » dont j’aurais à établir la permanence sous-jacente, ni un sens caché que j’aurais à déchiffrer, comme si les acteurs suivaient un texte secret, une partition illisible. Que des actions humaines soient conformes à des règles signifie seulement qu’elles ont une certaine capacité à se répéter, à être « les mêmes » (savoir comment on fait, c’est être capable de répéter l’acte) ; mais cette conformité n’est pas moindre lorsque ces règles changent, y compris lorsque (dans une situation instable) elles changent tout le temps. L’analogie du jeu a bien sûr ses limites : il faudrait en imaginer un qui soit tel que sa règle serait modifiée à chaque fois qu’un coup nouveau serait accepté par les partenaires ». Il rajoute ensuite: « il faut imaginer un jeu – autre limite de l’analogie – où les explications fournies aux spectateurs seraient éventuellement des coups dans le jeu».10 L’un des ressorts de ce jeu - quelque peu surréaliste - dont les règles ne cessent de se modifier au grès des actions des joueurs, est la dimension historique de l’événement. Son analyse doit permettre de rendre compte des dynamiques sociales, et des conflits qui la caractérisent. L’œuvre contient cet ensemble de relations, comme un entrelacs de sédiments historiques ; celles-ci la font en quelque sorte exister et la rendent descriptible. En enracinant notre objet d’étude, le spectacle, dans une anthropologie rigoureusement descriptive, il nous faudra donc procéder à un jeu d’échelle où l’observation d’un événement ordinaire, comme par exemple la représentation d’une pièce de théâtre, permet de discerner, non seulement les cadres de l’action, les ressorts sociaux, économiques et politiques, mais aussi les enjeux globaux dont il se fait l’écho. Le théâtre yoruba comme objet transatlantique Pour comprendre ce qui est en jeu à l’occasion de la représentation d’une pièce de Yoruba Theatre, il est essentiel de savoir que le théâtre yoruba est le fruit d’une élaboration progressive, inexistante dans sa forme actuelle avant la traite négrière, résultant de la combinaison de plusieurs registres et traditions performatives, initialement opérée à la fin du 19ième siècle par un milieu social spécifique, chrétien, urbain et cosmopolite, avant de connaître une diffusion populaire. Ce milieu est riche de l’apport des esclaves affranchis, revenus du Brésil, de la Jamaïque ou de la Sierra-Leone. Le théâtre yoruba est en ce sens un objet protéiforme dont les composantes se maintiennent dans un équilibre instable, une fragilité et une ambiguïté qui en font précisément la beauté ! Il témoigne non seulement à sa manière de la puissance des orishas, mais aussi de l’inventivité des hommes qui ont su leur redonner un sens, dans un monde nouveau que ce soit dans les Amériques ou en Afrique, régions du monde alors également chamboulées. On découvre ainsi que ce genre de spectacle vivant total11 tire son matériau dramaturgique d’un corpus de textes, rédigés à partir de la seconde moitié du 19ème siècle par des folkloristes puis par 10 Jean Bazin, Des clous dans la Joconde, édition Anarcharsis, Toulouse, 2008: page 371. 11 La notion d’art total vient de l’allemand Gesamtkunstwerk. Elle indiquait, à la fin du 19ème siècle, une utopie en vogue dans les milieux artistiques, parfaitement illustrée par le drame lyrique wagnérien. L’opéra était le genre par excellence, capable de rassembler la musique, les arts plastiques et la littérature en une parfaite synthèse. Cet art total puise évidemment nombre de ses ressources dans un romantisme soucieux d’assurer au monde sa vocation esthétique. 12 Bernard Müller, « Nos ancêtres les Yoruba. Splendeur et misère de la bourgeoisie yoruba du Nigeria », Cahiers d’études africaines, XLIII (3), 171, 2003, pp. 483-503. 13 “Yet in spite of their rivalry, Brazilians and Saros occupied the same structural position. They constituted a rising bourgeoisie, wich saw itself as the natural heir of the colonial regime”, Marianno Carneiro da Cunha, Da senzala ao sobrado : arquitetura brasileira na Nigéria e na República Popular do Benim = Da senzala ao sobrado : arquitetura brasileira na Nigéria e na República Popular do Benim = From slave quarters to town houses : Brazilian architecture in Nigeria and the People’s Republic of Benin / / Marianno Carneiro da Cunha ; fotos de Pierre Verger ; introdução de Manuela Carneiro da Cunha, ( fotos de Pierre Verger ; introdução de Manuela Carneiro da Cunha), São Paulo, SP : Nobel : EDUSP, c1985, p. 32. 39 des ethnographes et des dramaturges locaux12. Ce processus de mise en forme textuelle se poursuit aujourd’hui. Le milieu constitué dans la deuxième moitié du 19ème siècle (celui-là même qui a « écrit » la culture yoruba ; voir thèse) qui, à l’instar du théâtre qu’il produit, tient une position stratégique13 sur l’échiquier social yoruba, et nigérian. Cette position est le fruit d’une alliance entre, d’une part, une bourgeoisie cosmopolite issue principalement de la diaspora Sierra Leonaise (dite « saro »), d’esclaves libérés du Brésil dits « amaro » et, d’autres part, des élites traditionnelles des cités-États yorubas, notamment des membres de l’aristocratie de la ville d’Oyo14. Or voilà, aussi surprenant que cela puisse paraître, l’une des composantes de ce monde social yoruba est originellement brésilienne ou « amaro ». Le théâtre, comme le nationalisme culturel auquel il renvoie, estsont l’expression de la quatrième ou cinquième génération d’une bourgeoisie appartenant initialement à une diaspora noire générée par l’esclavage. Cette diaspora qui se forma dès la fin du 18e siècle est à la l’origine de plusieurs nationalismes africains qui empruntèrent le masque de la culture de la région dans laquelle ils s’installèrent, de gré ou de force. Dans la seconde moitié du 19ième siècle, les esclaves affranchis vont constituer jusqu’à un cinquième de la population de la ville de Lagos. Appelés aguda ou amaro, ces revenants retornados viennent pour la plupart du Brésil. Cette diaspora est estimée à 350000 personnes dont les deux tiers débarquent à Lagos où ils s’installeront près de Campos Square dont les quelques maisons qui subsistent aujourd’hui portent immanquablement un cachet « brésilien ». Leurs positions d’allochtone va les contraindre à développer certaines activités plutôt que d’autres. Marc-Antoine Pérouse de Montclos écrit ainsi à leur propos : «D’après la loi coutumière, cependant, ils ne peuvent ni cultiver ni pêcher parce que ce sont des migrants. Singularisés par leur identité lusophone et catholique dans un milieu à dominante protestante et anglophone, il leur est tout aussi 40 difficile d’entrer dans la fonction publique coloniale. Ils deviennent alors des commerçants influents, formant les premières strates de la bourgeoisie locale qui défendra les idéaux du mouvement nationaliste à l’indépendance […]. Ne représentant nullement les intérêts du Portugal, ces Afro-Brésiliens réapprennent les parlers vernaculaires […]15. » En quelques générations ce milieu est passé d’un statut d’élite exogène “para-coloniale” à celui d’une bourgeoisie yoruba reliée à l’aristocratie des cités-états yoruba. Des stratégies d’alliances matrimoniales16 permirent ainsi aux grandes familles de se fondre dans une classe commune. Ces stratégies ont eu pour effet d’entremêler les arbres généalogiques de telle manière qu’il soit devenu pour tout le monde possible d’établir une consanguinité avec une famille aristocratique locale dans un cas ou avec une famille de la bourgeoisie amaro et saro dans l’autre cas. Ce rapport entre bourgeoisie transnationale avant l’heure (le Nigeria n’était pas encore constitué comme colonie britannique) et les chefs locaux constitue un trait caractéristique du milieu qui nous intéresse ici. Contrairement à d’autres régions d’Afrique colonisées, la bourgeoisie saro/amaro à la fin du 18 e siècle a elle même déclenché le processus d’ethnogenèse qui constituera le groupe yoruba comme une entité distincte et surtout à distinguer. Pour ce faire, elle a produit un discours historique qui rattache cette élite exogène à l’histoire ancienne de cette région. Comme nous le rappelle Old Francisco, cité en exergue de cet article, quand il déclare que l’ « Afrique n’est pas mon pays » : la classe des saros/amaros se lança alors dans l’édification d’une filiation fictive en direction de ce qu’elle considéra comme ses 14 Bernard Müller; « L’année prochaine à Ile-Ife ! La ville idéale dans la construction de l‘identité yoruba », in G. Holder & A.-M. Peatrik (s. dir.), cité-État et statut politique de la ville en Afrique et ailleurs, Journal des Africanistes 74 (1-2), 2004. 15 Marc-antoine Pérouse de Montclos, Villes et violence en Afrique noire, Karthala, Paris, 2002, p. 205 16 Kirstin Mann, Marrying well : Marriage, status and social change among the educated elite in colonial Lagos, London, Cambridge University Press, 1985. ancêtres. Les amaros furent d’abord des étrangers dans leur propre pays et la façon dont aujourd’hui leurs descendants pratiquent le théâtre témoigne de cet exil et de se désir de redevenir autochtones. La racine Egba Au cours de ce processus, les saros et amaros ont incontestablement joués sur le souvenir qu’avaient certains d’entre eux de leur origine Egba. Et en effet, la deuxième vague d’esclaves libérés à regagner la Sierra Leone après le noyau de Nova scotians et de Marrons de Jamaïque fut majoritairement composée d’Egbas fait prisonniers par les ennemis du royaume d’Oyo alors en phase de déliquescence. On estime à 40.000 le nombre d’Egba qui atteignirent Freetown entre 1820 et 1840. Ceux-ci furent aussi les premiers à retourner dans cette région qui ne s’appelait pas encore le Nigeria, ni même le Yorubaland. Ils s’installèrent dans un premier temps à Abeokuta où plusieurs milliers d’Egba, fuyant les guerres intestines yoruba et la menace haussa-peule avaient déjà trouvé refuge. Le théâtre moderne en Sierra Leone apparaît dans les églises de Freetown au 19 e siècle qui avaient recours au théâtre pour illustrer certains passages de la bible. Cette pratique évolua ensuite vers une forme de “variety-concert”, l’ancêtre du “concert-party” qui se répandra ensuite tout au long de la côte du golfe de Guinée. Les “créoles” de la Sierra Leone appelèrent les “concert-party”, les “pleasant Sunday afternoon gathering”. Une pièce de théâtre ou un extrait d’une œuvre célèbre constituait le clou de ces rencontres. C’est vers 1860 que des nouvelles formes de “concerts” et de pièces de “music-hall” d’inspiration occidentale virent le jour à Lagos. Ces spectacles s’adressaient à une nouvelle élite africaine constituée en bonne partie d’anciens esclaves du Nouveau Monde et hétéroclite du point de vue culturel. Ces tentatives de créer un théâtre “néoafricain” reposant sur un alliage de formes théâtrales occidentales et locales portèrent leurs premiers fruits dès 1880. Les troupes exerçaient principalement à Lagos, Ibadan et Abeokuta. Le théâtre yoruba est en ce sens, comme cela a été montré, un objet protéiforme dont les composantes se maintiennent dans un équilibre instable, une fragilité et une ambiguïté qui en font précisément la beauté ! Il témoigne non seulement à sa manière de la puissance des orishas, mais aussi de l’inventivité des hommes qui ont su leur redonner un sens, dans un monde nouveau que ce soit dans les Amériques ou en Afrique, régions du monde alors également chamboulées. L’espace transatlantique dans lequel évolue le Yoruba Theatre ne cesse d’interagir comme en témoigne par exemple la tenue du 8ième congrès intitulé ‘International Congress of Orisha Tradition and Culture » qui s’est déroulé à La havane en août 2003 ou encore l’ouverture récente (septembre 2008) d’une maison du Nigeria à Salvador de Bahia qui ne manquera pas de proposer du théâtre yoruba dans son programme. On ne sera alors pas surpris que constater que bon nombre des animateurs du mouvement culturel yoruba contemporain, notamment en Amérique, s’avèrent être les descendants d’esclaves libérés et revenus qui ont joué un rôle décisif dans l’invention du théâtre yoruba nigérian et dans la mise en forme textuelle, patrimonialisée, d’une variété de traditions orales, notamment divinatoires, dans lesquelles les gens de théâtre vont aujourd’hui puiser leurs matériaux dramaturgiques. Il semblerait que le réseau yoruba s’articule à la fois en puisant à de nombreuses racines et en se déployant en de nombreux rhizomes et branches. S’il apparaît que les acteurs circulent d’un espace territorial et national à l’autre et qu’ils puisent à plusieurs sources « culturelles » (ce qui peut les faire apparaître comme « métis » ou créoles). Son fonctionnement n’est pas pyramidal, il comporte plutôt plusieurs noyaux et poursuit plusieurs objectifs selon le contexte et l’échelle à laquelle se placent chacun des acteurs. L’espace transnational n’est pas l’unique cadre de référence des membres et la plupart des acteurs occupent une place dans d’autres réseaux, associations et organisations 41 politiques ou autres. C’est aussi de cette histoire que met en forme esthétique le Yoruba Theatre. Ainsi, pour comprendre le théâtre yoruba, et pour en apprécier davantage les ressorts et les enjeux, il ne faut pas tant être initié aux mystères des orishas qu’à la complexité historique des relations transatlantiques qui développent depuis des siècles d’étonnants objets culturels. Ce constat ne devrait pas décevoir : il n’enlève rien à la qualité du spectacle dont il met en valeur les enjeux. Ce théâtre devient ainsi compréhensible : les Brésiliens ont finalement raison de s’y reconnaître puisque ce genre est bien, pour une part, le résultat d’une histoire commune. Performance comme mise en forme du social Nous envisageons donc la notion de performance comme une succession ou une série d’actions17 dont la description n’implique pas le recours à des données surplombantes à cette situation. Il s’agira pour nous de décrire convenablement les séquences d’une action spectaculaire ou théâtrale, non pas en vue d’en découvrir les ressorts symboliques qui seraient cachés derrière les actions, mais de manière à déployer l’ensemble des enjeux et des rapports sociaux lisibles dans la performance elle-même et dans les évènements qui l’accompagnent. La description d’une performance ainsi définie ne relève pas de la reconstitution d’un ordre préexistant mais une action ou une séquence d’actions qui s’effectuent en une situation spécifique et dont les acteurs sont munis d’intentions, de stratégies et de tactiques dans le but de produire un certain effet (émotion, efficacité, etc.) sur le public. À la fois action singulière, puisque les individus n’agissent jamais tout à fait de la même manière ni dans le même contexte, et réitération d’actions fondées sur un même référent, la performance est comme un pari sans cesse remis en jeu. La notion de jeu comme élément central de l’action spectaculaire est en effet décisive. Elle met en lumière les procédés qui font exister – le temps 42 de la représentation - un cadre de convention théâtrale mettant en abîme un artifice culturel. Les techniques de mise en scène et de scénographie, de construction du personnage et de jeu de l’acteur, de dramaturgie et de construction d’une fiction, de musique et de résonance auprès des publics, etc. doivent aider à comprendre les ressorts esthétiques et les enjeux sociaux de la fabrique de l’illusion. L’opération consistant à transposer dans un « monde fictif », celui de la scène, des éléments d’un monde considéré comme « réel », celui du quotidien, nous apparaît comme une clé heuristique fondamentale. Le spectacle sera envisagé comme un fait social qui met en forme des rapports sociaux, qui sont aussi des rapports politiques, non exempts de rapports de force. On se propose ainsi d’élaborer des outils de description qui permettent simultanément de rendre compte du spectacle dans sa dimension éphémère et dans le processus des interactions sociales qui le construit. On comprendra le spectacle comme une « perfor mance » qui, comme l’indique l’étymologie18 de ce terme, « exécute » un ensemble de rapports sociaux en lui donnant une forme spectaculaire ; chacune de ces actualisations constitue un événement qui s’inscrit dans l’histoire d’un groupe, d’une communauté, d’un milieu qui peut être appréhendé comme un monde. La construction de notre objet tend ainsi à fondre l’œuvre dans la situation dont elle constitue néanmoins l’occasion. Conclusion Comme toutes les sciences sociales et humaines, l’anthropologie est confrontée à un problème logique radical, à une aporie. Ce problème n’est pas spécifique à un champ pratique spécifique, mais il tient à la manière dont nos disciplines construisent leur objet, quel qu’il soit. 17 Etym. drame qui se dit draô en grec et signifie « faire », « agir ». XIX e siècle, de l’anglais performance, de l’ancien français (XVI e) parformer: exécuter. 18 Il se peut que se problème soit insoluble, et que la posture du chercheur en sciences humaines relève d’une certaine manière de l’absurde. Dans quelle mesure est-il possible d’accéder à la compréhension d’une action, aussi théâtrale soit-elle, sans la pratiquer ? Est-il possible de comprendre une action humaine sans se mettre soi même en situation de réaliser cette action, ou une action du même ordre ? Il est bien possible que ces questions demeurent sans réponse, et que le projet de description de l’anthropologie s’avère impossible, tout au moins tant que ces disciplines ne se seront pas radicalement libérées du joug du paradigme positiviste, sans pour autant tomber dans la littérature post-moderne. Sur ce point aussi, l’ethnoscénologie – en affirmant la compatibilité heuristique du souci théorique et de la pratique, habituellement dissociés, ouvre un champ de recherche radicalement nouveau, inespéré ? Il s’agit d’assumer la tragédie de l’allochronie et d’en tirer les conséquences à la fois sur la manière dont nos disciplines construisent leur objet et sur le statut de la connaissance ainsi acquise parmi les sciences. En effet, comme le rappelle Johannes Fabian : « Ce qu’il nous est possible de savoir ou d’apprendre à propos d’une culture/ société n’apparaît pas sous forme de réponses à nos questions, mais comme performance dans laquelle l’ethnologue agit, comme Victor Turner l’a formulé un jour, à la maniere d’un ethnodramaturge, c’est à dire comme quelqu’un qui cherche à créer des occasions au cours desquelles se produisent des échanges significatifs19 ». Cette approche qui peut paraître originale n’est en rien marginale, tant elle essaie de saisir la dynamique sociale en son cœur, en construisant son objet comme un « fait social total20 ». Il ne s’agit pas moins de renouer avec une anthropologie à la mesure des changements - et des crises - que traversent aujourd’hui les sociétés de ce continent, une crise dont on tentera de saisir la spécificité historique par la mise en oeuvre d’outils permettant de saisir leurs transformations présentes. En réalité il s’agit plutôt de revenir sur une terre en jachère ; un chantier quelque peu abandonné, que le spectacle pourrait bien contribuer à relancer. George Balandier n’écrivaitil pas déjà, en 1961: « L’une des premières règles de méthode que doit respecter la science sociale, comme toute science, est la recherche des niveaux « privilégiés » d’observation et d’analyse ; elle peut tenter alors de déceler des agencements réels, des liaisons dynamiques et non seulement des rapports logiques, des « choses sociales en mouvement » plus que des structures fixées ; elle s’impose de le faire, si elle entend saisir la société dans sa vie même et dans son devenir, à l’occasion de circonstances ou de conjonctures qui mettent cette dernière en cause, dans sa totalité ou presque. […] Un large horizon paraît ainsi, sur le fond duquel se dessinent les principaux phénomènes sociaux, leurs relations et leurs tendances respectives. »21 ? 19 [Much of what we can know or learn about a culture/society does not come in the form of answers to our questions, but as performances in which the ethnographer acts, as V. Turner once put it, as an “ethnodramaturg” or as a kind of producer or provider of occasions where significant communicative events happen.] Fabian, Johannes. Theater and Anthropology, Theatricality and Culture Research in African Literatures - Volume 30, Number 4, Winter 1999, pp. 24-31 20 Marcel Mauss, «Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques», Article originalement publié dans l’Année Sociologique, seconde série, 1923-1924. 21 Georges Balandier, « Phénomènes sociaux totaux et dynamique sociale», SociologieS, Georges Balandier, mis en ligne le 28 octobre 2008. URL : http://sociologies.revues.org/document2243.html . Ce texte est un article paru initialement dans les Cahiers Internationaux de Sociologie, , volume 30, 1961, pp. 23-34. 43 Pour une scénologie générale Jérôme Dubois* RÉSUMÉ : À partir des considérations historiques et epistémologiques autor de la question du corps au sein des sciences de l’homme, l’auteur revient à la proposition faite par Jean-Marie Pradier d’une « scénologie générale » comme convergence théorique à l’horizon de l’ethnoscénologie. Tout en discutant cette proposition à travers ses activités d’enseignement et de recherche dans des groupes de travail en France et au Brésil, l’auteur conclut sur l’urgent besoin de bases de données et félicite les initiaves dans ce sens. MOTS-CLÉS : scénologie générale ; ethnoscénologie ; epistémologie. Por uma cenologia geral RESUMO : A partir de considerações de caráter histórico e epistemológico sobre a questão do corpo no âmbito das ciências do homem, o autor discute a proposição feita por Jean-Marie Pradier de um « cenologia geral », como convergência teórica no horizonte da etnocenologia. Discutindo essa proposição através de suas atividades de ensino e de pesquisa omo participante de grupos de trabalho na França e no Brasil, o autor conclui sobre a urgente necessidade de bases de dados e felicita as iniciatvas existentes nesse sentido. PALAVRAS-CHAVE : cenologia geral ; etnocenologia ; epistemologia. For a general scénologie ABSTRACT: From considerations of historical and epistemological character on the question of the body within human sciences, the author discusses the proposition made by Jean-Marie Pradier a general scenology as a theoretical convergence on the horizon of Ethnoscenology. Discussing this proposition through his activities of teaching and researching as a participant in working groups in France and Brazil, the author concludes the urgent need for databases and congratulates the initiatives in that direction. KEYWORDS: general scenology; ethnoscenology; epistemology. L’objet de cet article est de revenir à la proposition faite par Jean-Marie Pradier d’une « scénologie générale » comme convergence théorique à l’horizon de l’ethnoscénologie qui si elle s’attache à rendre compte de la singularité des pratiques performatives et spectaculaires ancrées dans des aires culturelles spécifiques, consiste également à « comprendre la nature des liens qui 44 unissent en profondeur des formes si diverses »1. Si l’ethnoscénologie peut donc être orientée différemment, en fonction de la sensibilité culturelle des ethnoscénologues et des pratiques qu’ils étudient, la « scénologie générale » vise à rassembler les ethnoscénologues autour d’une même question : Pourquoi et comment l’Humain pense-t-il avec son corps ? Nous proposons de faire le point sur les implications d’une telle démarche. 1) Premier point, cette question fondamentale induit de considérer le corps humain comme outil et instrument de mesure, concept épistémologique et levier méthodologique. Si cela va de soi pour les ethnoscénologues qui se définissent comme tels, et bien qu’encore peu nombreux nous sommes de plus en plus nombreux, cela ne va pas de soi pour l’ensemble des chercheurs en sciences sociales et humaines. Or nous nous devons d’être reconnus bien au-delà de l’ethnoscénologie afin de faire que celle-ci ait la plus large audience possible parmi les chercheurs de toutes les disciplines ; non seulement pour permettre une pleine et entière légitimité académique et institutionnelle (ce qui advient peu à peu, depuis sa naissance en France en 1995 sous l’égide de l’Unesco, à l’initiative de Jean-Marie Pradier et du regretté Jean Duvignaud, par l’accroissement de l’enseignement de l’ethnoscénologie, dernier exemple en date, l’Université de Nice Sophia Antipolis a pris, pour axe pédagogique de la section théâtre du Département des Arts, les principes ethnoscénologiques, proposant par ailleurs une ethnomusicologie pour la musique et une ethnochorégraphie pour la danse ; ce qui advient par l’accroissement, également, des publications, des colloques, des doctorants, des blogs, etc.), mais *Maître de conférence à l’Université Paris 8, France 1 Jean-Marie Pradier, « Ethnoscénologie: la chair de l’esprit », Théartre 1, L’Harmattan, 1998, p.27. aussi, pour créer des collaborations transdisciplinaires essentielles à son 2 développement . C’est pourquoi, je vais revenir brièvement sur ce qui a posé problème à un sociologue épistémologue renommé, à savoir Jean-Michel Berthelot, quant à la reconnaissance académique de la sociologie du corps comme discipline à part entière et par conséquent du corps comme objet de recherche et concept fondateur d’une discipline en sciences sociales. Ce que Berthelot reprochait à ce qui se voulait la sociologie du corps, spécialisation consacrée au corps quand d’autres spécialisations de la sociologie se consacrent à la famille, au travail, etc., c’est de ne pas voir l’aporie à laquelle elle ne peut échapper : en essayant d’atteindre le corps on ne fait que produire des discours sur le corps, on n’atteint finalement jamais le corps en tant que tel. Autrement dit, toute discipline des sciences humaines et sociales qui viserait à dire le corps, tomberait dans un régime discursif3 et ne ferait qu’alimenter les discours tenus sur le corps. Deux objections peuvent être faites à ce point de vue : d’une part, tout discours qui dénie le corps n’obéit-il pas au corps ? Ce fut l’hypothèse de Nietzsche, et c’est encore celle de la psychanalyse. D’autre part, ne peut-on appréhender le corps autrement que par un régime discursif ? C’est l’hypothèse de Jean-Marie Brohm4 qui voit à l’œuvre deux autres régimes : le régime institutionnel permettant de considérer certaines organisations humaines à l’image organique du corps, et surtout le régime pragmatique faisant voir le corps comme une énergie vitaliste qui trouve l’intelligibilité de son expression à travers ses usages. Alors, même si le corps reste un objet énigmatique par la parole qui l’entoure, il n’en constitue pas moins un objet appréhendable par les techniques qui caractérisent ses usages, les actes qui désignent son action et les situations dans lesquelles il se trouve. C’est par ces situations qu’il acquiert une dimension sociale, culturelle, artistique, au-delà de la seule dimension anatomique et biologique. Le corps en tant que tel n’est donc pas ce qui intéresse le chercheur en sciences sociales ; ce qui l’intéresse c’est le corps en situation. C’est d’ailleurs étrangement Berthelot5 qui proposait cette voie dans un article antérieur à celui où il annonce l’aporie de la sociologie du corps. Et de même que l’ethnoscénologue s’intéresse aux corps en situations performatives et spectaculaires, c’est dans ces situations que pour lui les sciences biologiques, anatomiques, neuronales, prennent tout leur sens. Il y aurait par conséquent eu, de la part de Berthelot, un malentendu sur les visées des sciences sociales et humaines qui s’intéressent au corps. Là où il a raison, c’est que le corps comme champ de recherche ne peut être délimité par une seule discipline, que la sociologie ne peut suffire pour dire ce qu’est socialement le corps et donc se constituer en discipline avec un objet qui traverse de nombreux champs de la sociologie et de nombreuses sciences humaines. C’est donc l’ensemble des disciplines s’y rapportant qui permettent d’avoir un point de vue pluriel et pertinent sur ce qu’il est, au regard des potentialités innombrables qu’il contient. C’est pourquoi le sociologue David Le Breton a finalement choisi le terme d’anthropologie du corps pour désigner son champ de recherche. Et c’est pourquoi le parti pris transdisciplinaire de l’ethnoscénologie, qui fait appel autant aux sciences de la vie qu’aux scienceshumaines, autant aux théoriciens qu’aux praticiens, est pertinent et essentiel à son développement. Lorsque le praticien Jerzy Grotowski6 définissait le théâtre et donc l’objet de l’anthropologie du théâtre par ce qui se passe entre le performer et celui qui assiste à la performance, c’est bien d’un 2 A ce propos, Armindo Biao a très bien décrit dans un tableau comparatif ce qui spécifie l’ethnoscénologie par ce qui la rapproche et la met à distance d’autres champs de connaissance. Cf. Armindo Biao, « Um trajeto, muitos projetos » in Armindo Biao (Org.), Artes do corpo e do espetáculo: questões de etnocenologia, Salvador: PA, 2007, pp. 21-42. 3 Jean-Michel Berthelot, « Du corps comme opérateur discursif ou les apories d’une sociologie du corps. » in Sociologies et sociétés, Vol. XXIV, n°1, printemps, 1992. 4 Jean-Marie Brohm, Le corps analyseur, Economica, 001, p.44. 5 Jean-Michel Berthelot, « Corps et société (problèmes méthodologiques posés par une approche sociologique du corps) », in Cahiers internationaux de sociologie, Vol. LXXIV, Janvier-Juin 1983. 6 Jerzy Grotowski, Vers un théâtre pauvre, Lausanne, La cité, 1971, pp.26, 27. 45 corps à corps dont il parle. Jean-Marie Pradier a d’ailleurs très bien décrit certains éléments de cette relation. Je vous renvoie à sa communication publiée en 1988 dans les annales du 1er Congrès mondial de sociologie du théâtre : « Le public et son corps : de quelques données paradoxales de la communication théâtrale. »7 Pour ma part, j’ai suivi une formation doctorale en sociologie à l’Université Paris V, dans un laboratoire qui s’appelle le Centre d’Etudes sur l’Actuel et le Quotidien, au sein d’un groupe de recherche qui a été fondé en 1987 par Armindo Biao alors qu’il était doctorant en sociologie, le Groupe de Recherche sur l’Anthropologie du Corps et ses Enjeux (GRACE). L’un de ses enjeux est justement la question que se propose de traiter la scénologie générale. Aussi, bien que je sois désor mais chercheur au laboratoire d’ethnoscénologie de Paris 8, je garde toujours un lien affinitaire avec mon laboratoire d’origine pour lequel je suis chercheur associé, et je compte bien entretenir ce lien et créer d’éventuelles collaborations entre ce groupe de recherche sur l’anthropologie du corps, le laboratoire d’ethnoscénologie et d’autres chercheurs travaillant sur le corps, notamment Bernard Andrieu qui enseigne en tant que philosophe l’épistémologie du corps. Je rappelle que ma thèse de sociologie a porté sur les concepts dramaturgiques utilisés en sciences sociales, pour laquelle j’ai problématisé la notion de corps, notamment à partir des travaux de Marcel Mauss ; cette thèse est disponible chez l’éditeur l’Harmattan sous le titre La mise en scène du corps social, contribution aux marges complémentaires des sociologies du corps et du théâtre. Je signale enfin que je viens de diriger pour la revue Magma 8, revue électronique bilingue français/italien consacrée aux méthodes qualitatives des sciences humaines et sociales, un numéro sur Le corps comme étalon de mesure qui rassemble une quinzaine de chercheurs venant de diverses disciplines (sciences politiques, sociologie, anthropologie, arts, sports). Je souhaite activement poursuivre cette recherche sur le corps en proposant à la rentrée prochaine, à la Maison 46 des sciences de l’Homme, pour la saison 2010/ 2011, voire plus longtemps, un ralliement international des ethnoscénologues et des chercheurs de toutes disciplines autour de la question fondamentale que pose la scénologie générale : Comment et pourquoi l’Humain pense-t-il avec son corps ? 2) Second point, cette question qui part du postulat que, comme l’écrit Jean-Marie Pradier, « la forme spectaculaire est une pensée étendue dans l’espace » et « le corps est pensée »9 implique une méthode commune à tous les ethnoscénologues, méthode qui vient en plus des principes méthodologiques et épistémologiques de l’ethnoscénologie, je veux parler de la méthode comparative. En effet, penser ensemble le corps implique que nous confrontions ce qu’il en est de lui dans les situations performatives et spectaculaires diverses où nous l’avons appréhendé en nous posant la question du comparable. Il y a un double mouvement : dans un premier temps une distance à prendre avec les autres chercheurs pour se rapprocher des contextes dans lesquels s’inscrivent les situations du corps, et ensuite un rapprochement à faire avec les autres chercheurs pour tenter de comprendre les fluctuations du corps en fonction des situations. Bien entendu, la conception du corps change culturellement en fonction de la réponse à la question fondamentale que porte en elle la scénologie générale, mais il n’en reste pas moins que c’est bien le corps qui est le point de départ commun de cette réflexion. Je viens de faire un essai de réflexion collective dans un cours de Master intitulé Etude comparative des pratiques performatives et spectaculaires fonctionnant comme un laboratoire où chaque étudiant présente l’avancée de sa recherche aux autres et compare ainsi sa méthode et son objet en s’appuyant notamment sur la notion de corps et je dois dire 7 Jean-Marie Pradier, « Le public et son corps : de quelques données paradoxales de la communication théâtrale. » in 1er congrès mondial de sociologie du théâtre, Rome, 27-28-29 juin, Bulzoni, 1988. 8 Dont voici l’adresse du site: www.magma.analisiqualitativa.com 9 Jean-Marie Pradier « Ethnoscénologie: la chair de l’esprit », Théartre 1, L’Harmattan, 1998, p.19. que l’essai est plutôt concluant, puisque des points de comparaison sont venus alimenter une réflexion sur les différences et les ressemblances entre les recherches des étudiants et entre les pratiques performatives et spectaculaires présentées dans le cadre du cours (certaines de la région de Bahia telles que la samba de roda, le candomblé, la capoeira, d’autres des amérindiens du Nord, telles que le powwow, la danse du cerceau, le potlatch, ou encore d’Asie et d’Europe orientale, telle que le théâtre d’ombres). A titre d’illustration de la méthode comparative en ethnoscénologie, je vais maintenant présenter les résultats d’une étude que j’ai faite d’avril à juin 2007 au Brésil au sein du Groupe Interdisciplinaire de Recherche et Extension en Contemporanéité, Imaginaire et théâtralité (GIPECIT) dirigé par le Professeur Armindo Biao à l’Ecole de Théâtre de l’Université Fédérale de Bahia. Mon étude visait à décrire certaines pratiques performatives bahianaises, afin de relativiser l’étude que j’avais faite en France sur les formes théâtrales au sein et en dehors du théâtre et ainsi arriver à déterminer des éléments de comparaison entre ces deux régions. En transposant mon étude doctorale au sein d’une nouvelle région, j’entendais relativiser les formes régionales bahianaises et françaises les unes par rapport aux autres et tendre théoriquement vers une forme commune de mise en scène, autrement dit vers une « scénologie générale ». Autrement dit, ma problématique était celle-ci : quels sont les éléments de comparaison entre les pratiques performatives et spectaculaires bahianaises et françaises ? Quelle fut la méthodologie mise en place ? Sur le plan linguistique, j’ai dans un premier temps suivi durant cinq mois des cours de portugais du Brésil à l’Université de la Sorbonne à Paris, afin de pouvoir comprendre, une fois à Bahia, les cours que je suivrai, les chercheurs avec lesquels je serai en relation, les acteurs des pratiques performatives et spectaculaires et ceux de la théâtralité quotidienne avec qui j’aurai des entretiens non-directifs et semi- directifs, les revues et livres que je consulterai, les pratiques que je pourrai observer sur place. Une fois là-bas, quel fut le mode opératoire ? J’ai participé à l’activité de l’Ecole de théâtre en suivant certains cours et séminaires, en participant aux séances du GIPE-CIT, en assistant aux représentations des travaux des étudiants, en donnant deux communications sur la sociologie de l’œuvre de Bernard-Marie Koltès, en tenant un atelier de traduction du français vers le portugais d’une pièce de Koltès, Combat de nègre et de chiens, ce qui m’a permis de rencontrer des doctorants et des enseignants-chercheurs. J’ai par ailleurs assisté à des pratiques performatives dans des théâtres, dans la rue, lors de rituels religieux et sportifs. Enfin, je me suis entretenu avec des acteurs de la vie artistique, religieuse et quotidienne en me mêlant le plus possible aux activités en tant qu’observateur non-participant ou participant, en me reposant notamment sur une méthode d’enquête à la fois sociologique, ethnographique et ethnoscénologique. J’ai donc résidé deux mois et demi à Salvador de Bahia où j’étais convié en tant que « professeur invité » à l’Ecole de Théâtre de l’Université Fédérale de Bahia. Cette première incursion à Salvador m’a permis de repérer quelques éléments de comparaison. Je vais donc vous les livrer. Mais avant, il me faut préciser que je parle des formes théâtrales au sens large. Je m’intéresse autant au monde du théâtre qu’au quotidien. Du point de vue sociologique, je pars du principe qu’une forme est théâtrale à partir du moment où elle entre dans ce que le sociologue Erving Goffman a appelé le « cadre théâtral » : autrement dit, si elle a un temps et un espace déterminés qui l’isole du reste du monde et une spectacularité qui appelle un « public » plus ou moins défini. C’est ce qui se passe entre les spectateurs et les acteurs dans cet espacetemps qui spécifie la forme théâtrale. Et nous pouvons transposer cette définition en termes ethnoscénologiques, en parlant non d’acteurs mais de performers, non de « cadre théâtral » mais de cadre performatif et spectaculaire, car par ailleurs 47 demeure inchangée cette idée qu’il existe une contrainte spatio-temporelle et une spectacularisation. Or le fait est que ce rapport spatio-temporel change selon que l’on se trouve en France ou à Bahia en fonction de certains paramètres extrathéâtraux que nous pouvons définir comme suit : Tout d’abord un paramètre démographique et culturelle, qu’on pourrait appeler, pour reprendre un néologisme d’Aimé Césaire, la négritude10. En effet, au moins 80% de la population de Salvador est d’origine africaine. Pourquoi ? Non seulement parce que les colons portugais ont, durant 300 ans, jusqu’en 1888, date de l’abolition de l’esclavage au Brésil, concentré la grande majorité des africains, notamment Guinéens et Angolais, dont ils faisaient des esclaves, dans cette région de Bahia où se trouvaient les plantations de canne à sucre ; mais aussi, parce que ces mêmes colons ont, tout comme avec les indiens Tupi Guarani dès le départ de la colonisation, été contraints aux couples mixtes et au métissage avec les femmes esclaves, du fait même du peu de femmes européennes à faire la traversée en bateau. Ainsi, malgré le racisme omniprésent aujourd’hui, beaucoup de blancs de type indo-européen sont convaincus que dans leurs veines coule du sang africain ou que, du moins, leur éthos est en grande partie d’origine africaine. Exemple parlant, un journaliste blanc de la chaîne régionaliste TV Bahia qui faisait un reportage montrant les coutumes en Guinée, conclue son reportage en disant que le prochain se passera aussi en Afrique car « c’est là », je cite, « que sont nos racines ». Le « nous » englobe et le journaliste blanc et la région de Bahia. Autre fait significatif : si « négro » est comme en France un terme péjoratif, il existe en outre un terme qui peut (cela dépend comment on le dit) exprimer au contraire la fraternité noire avec son interlocuteur, c’est le terme « negao ». Or, cette appellation sert indistinctement pour le blanc comme pour le noir. Il n’est pas rare que le commerçant noir, dans le but de vendre un produit quelconque, interpelle de cette manière le blanc qui passe. Tout comme 48 on entend aussi « irmao », c’est-à-dire frère. Ceci dit, chose curieuse pour un parisien habitué à vivre dans la polyphonie linguistique des immigrés, au quotidien, les descendants des esclaves ne parlent pas de langues africaines, si ce n’est à travers les chants et les incantations religieuses à l’occasion des cultes du Candomblé, cultes qui sont, tout comme l’art martial de la capoeira, une forme de résistance, un attachement à leur culture d’origine. De fait, ces deux formes – le candomblé et la capoeira - sont essentiellement afrobrésiliennes et originaires de la région de Bahia, elles n’existent pas telles quelles en Afrique et sont des pratiques culturelles sorties de leur contexte quand on les trouve en Europe par exemple à Lisbonne. Il serait intéressant de déterminer le sens de ces pratiques dans le contexte français, comparativement à Bahia où le sens a évolué depuis que l’abolition de l’esclavage et la liberté de culte ont permis une pleine reconnaissance culturelle de ces pratiques devenues des fiertés régionales soutenues financièrement par l’Etat. C’est une piste de réflexion comparative. Par ailleurs, ce qui est intéressant, c’est que cette histoire du colonialisme, très marquée à Salvador - où il existe encore des vestiges, tel que le quartier du Pelorinho dont le nom vient du mat en bois, qui se trouve encore sur une place publique, auquel les colons attachaient les esclaves récalcitrants afin de les battre à mort , fait remonter en mémoire la participation de la France au colonialisme, à la traite des esclaves, époque qui n’est pas si éloignée dans le temps et que les hommes politiques français ont eu du mal et ont encore du mal à reconnaître. Nous en avons pour preuve la volonté encore récente d’inscrire dans les livres d’Histoire le rôle soit disant positif de la France durant sa période colonialiste, décret qui a été dénoncé par les historiens de profession, tout comme par Aimé Césaire, lequel a refusé de recevoir Nicolas Sarkozy jusqu’à ce que la loi soit 10 Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme, suivi de discours sur la négritude, Présence Africaine, 2004 (1955). retirée ; ceci montre le dénie de la France sur ses propres agissements lors de cette période. Il serait donc intéressant de faire un parallèle entre la considération du noir dans le théâtre en France et dans le théâtre à Salvador. Il y aurait beaucoup à dire : par exemple, quels sont les dramaturges qui ont traité la question de l’esclavage, quels sont les différentes représentations du noir, comment les acteurs noirs sont-ils considérés, etc. ? Quand un dramaturge comme Castro Alves - dont le théâtre de la ville de Salvador porte aujourd’hui le nom dénonce l’esclavage en 1865 dans son œuvre poétique Les esclaves, devenant alors le portedrapeau des abolitionnistes ; en France, le sujet est rarement traité et l’esclavage n’est pendant longtemps pas dénoncé en tant que tel. Si Voltaire dénonce la brutalité de l’esclavage, il ne le condamne pas. Pour que cette question noire apparaisse de façon critique au théâtre français, il faut attendre l’engagement politique de Jean Genet qui met en abîme dans la pièce Les nègres les préjugés des blancs sur les noirs ; ou à peu prés à la même période, l’engagement politique de Bernard-Marie Koltès lorsqu’il dit vouloir écrire au moins un rôle pour un acteur noir dans ses pièces, dénonçant le manque d’épaisseur des personnages d’origine africaine dans la dramaturgie française, la nonreprésentativité de leur population, les clichés exotiques des metteurs en scène européens qui montent Combat de nègre et de chiens avec un décor de cocotiers et du sable, ou les abus de pouvoir lorsque Dans la solitude des champs de coton certains metteurs en scène font jouer le rôle du dealer par un acteur blanc. Au delà de l’écriture de la condition du noir, il y a en effet la manière dont le théâtre nègre prend forme. A Salvador, depuis 1990 il existe une troupe de théâtre exclusivement noire, O Bando de Teatro Olodum11, en résidence dans le théâtre Vila Velha, ce qui leur permet d’une part d’entrer dans le territoire blanc de la culture, d’autre part d’échapper à la Bahiatursa, cet organisme d’Etat chargé du tourisme et des productions culturelles d’origine populaire, et enfin d’être en relation avec la fondation culturelle de l’Etat de Bahia, autrement dit de préserver leur indépendance ethnoculturelle tout en officialisant leur démarche artistique. Le seul équivalent, en France, est peutêtre le théâtre de Peter Brook aux Bouffes du Nord. Son théâtre n’est pas exclusivement africain, l’africain est une des influences culturelles, parmi l’indienne, etc. Mais il a monté des pièces d’auteurs africains avec des acteurs d’origine africaine. D’autre part, le travail poétique du Bando de Teatro Olodum repose sur des improvisations collectives ancrées sur la recherche de terrain, l’observation et la critique sociale du quotidien de Salvador. Il y a là une manne sociologique. Le trait marquant de leur théâtre est que leur mise en scène (des textes d’auteurs tels que Brecht, Büchner, Sartre, Shakespeare, ou des créations basées sur leurs improvisations telles que Le cabaret de la race ou La trilogie du Pelo) crée l’espace scénique avec les corps des acteurs. Nous retrouvons l’espace vide de Brook. Le décor est minimaliste : il y a des lignes sur le sol qui figurent une allée et des maisons, il y a des bancs sur la scène qui entoure l’espace ludique pour que les comédiens puissent s’asseoir et regarder leurs partenaires jouer, et une estrade sur laquelle se trouvent des musiciens. Bref, c’est la dramatisation du « corps noir » qui est en jeu. On retrouve le présupposé moniste de l’ethnoscénologie : non seulement le corps est pensée, mais il donne à penser, en l’occurrence la condition du corps noir. Autre paramètre, c’est le facteur économique, lequel a aussi une incidence culturelle. Il faut savoir que la richesse du Brésil n’est pas répartie de la même façon sur le territoire. Il y a des régions riches vers le sud et notamment le sud-est où l’on trouve Rio et Sao Paulo, et des régions pauvres, voire très pauvres, dans le nord et le nord-est. Salvador fait partie des villes les plus pauvres. Le chômage y est extrêmement élevé. Et cette donnée économique 11 A ce sujet lire: Amindo Biao, « Teatro e negritude na Bahia » in Trilogia do Pêlo de Marcio Meirelles; Catarina Sant’Anna, « Dramatis/Cidade : uma poética do espaço na « Trilogia do pelô » do Bando de Teatro Olodum. », Anais do congresso brasiliero de pesquisa de pos-graduaçao em artes cênicas, setembro 1999. 49 va se refléter dans le paysage culturel et artistique. Ainsi, il n’y a aucun festival organisé à Salvador, quand beaucoup d’autres villes du Brésil, fortes économiquement, attirent des sponsors brésiliens et étrangers. Car en effet, la quasi totalité du financement des événements culturels se fait par sponsoring. L’état incite l’investissement privé par la loi dit « Rouanet » qui permet aux entreprises ou aux individus de déduire partiellement ou totalement de leurs impôts sur le revenu, le montant investi dans un projet culturel approuvé par le ministère de la culture. Cette privatisation des institutions culturelles rapproche plus le système culturel brésilien du système états-uniens que de celui de la France. L’aspect négatif de ce mécanisme est que le choix des projets est plutôt orienté par l’intérêt financier des entreprises et non pas par l’intérêt du public : la concentration de 77%12 des investissements dans la région du sud-est, qui a le plus fort pouvoir économique du pays, se fait au détriment des autres régions et au détriment du théâtre expérimental, au profit du théâtre commercial. Par ailleurs, la monnaie du Brésil est faible sur le plan international, ce qui empêche beaucoup d’artistes brésiliens de partir donner des spectacles à l’étranger, et ne permet pas aux structures brésiliennes d’inviter de nombreux artistes étrangers. Cette difficulté est très présente à Salvador, moins à Rio et Sao Paulo. Proportionnellement, Rio et surtout Sao Paulo sont ouvertes à l’art contemporain, quand Salvador est plus fermée sur l’art traditionnel, plus régionaliste. De fait, l’absence de festival de théâtre international à Salvador ne permet pas aux compagnies de théâtre de rencontrer des compagnies étrangères et d’échanger leur expérience. Quant au public, il faut savoir que les classes défavorisées sont exclues en grande partie du marché des arts du spectacle, soit en raison du prix des billets, soit en raison du prix du transport pour se rendre jusqu’à la salle de spectacle, soit encore par un manque d’informations et d’habitudes à assister à des spectacles. Le fait est que les classes défavorisées ne fréquentent quasiment pas les théâtres en France, mais le théâtre leur est financièrement plus accessible qu’au Brésil sauf à 50 la limite lorsque certains spectacles sont accessibles à partir du moment où l’on apporte un litre de lait ou un sac de riz. Par contre, le théâtre de rue qu’est à sa manière le carnaval permet une accessibilité complète aux pauvres. Quand cent vingt mille personnes sont attendues dans les rues à Rio ou à Sao Paulo, on estime à deux millions le nombre de personnes à Salvador, dont la moitié de touristes, soit tout de même un tiers de la ville de Salvador13. Ceci dit, il faut sans doute retirer tous ceux qui « travaillent » : les glaneurs de canettes vides par exemple, qui revendront leur butin aux entreprises de recyclage. Bref, hormis les sponsors privés, le tourisme est la manne providentielle de Salvador en matière culturelle. On voit ainsi des terreiros, c’est-à-dire des lieux de culte pour le candomblé, s’ouvrir aux attitudes iconoclastes des touristes, assouplir leurs règles, tandis que certains terreiros, souvent dans des quartiers plus pauvres et dangereux, mais aussi par volonté de préserver le rituel, ne permettent pas aux touristes de venir, si ce n’est en étant conviées par des filles et des fils de saints et en respectant strictement le rituel. Autre paramètre en effet, le religieux. Ce n’est pas pour rien que le pape a été faire une promenade de santé au Brésil. Le Brésil est le pays avec le plus grand nombre de chrétiens au monde. L’Eglise Universelle possède une chaîne de télévision publique qui montre les marches pour Jésus, les messes organisées dans les stades, etc., et possède des temples monumentaux. C’est assez impressionnant compte tenu de la misère qui règne par ailleurs. Ainsi, plus qu’en France, la religiosité et les croyances s’affichent : on verra tous les joueurs de foot ou l’arbitre se signer avant le match et à la fin du match, et quand il y a une session de pénaltys, on voit les deux équipes dire chacune de leur côté des Ave Maria afin que le sort tourne en leur faveur. Et au-delà de la chrétienté, on trouve notamment à Salvador, les croyances sur lesquelles repose le candomblé. Ainsi, il m’est arrivé de voir 12 D’après une Etude du marché des arts du spectacle au Brésil réalisée pour le Ministère du patrimoine canadien, en 2005. 13 Ibidem. quelqu’un se signer avant d’entrer dans la mer pour se baigner. Signe syncrétique, puisqu’il évoque à la fois le Christ, mais aussi Yemanja, la déesse africaine des eaux. Cette thématique religieuse sera très présente dans les productions culturelles profanes, au théâtre comme au cinéma, parfois de manière ironique. Ainsi, outre la religion instituée, nous trouvons la superstition et la magie. Or on pourrait croire que la magie n’est pas présente dans la religion catholique en Europe, mais il suffit de voir le pape bénir la photo de la petite anglaise disparue au Portugal pour se rendre compte du contraire : le geste de la croix censé bénir une personne peut aussi se pratiquer sur l’image de cette personne et arriver jusqu’à son destinataire. Bref, par rapport au théâtre, la question serait celle-ci : comment le religieux s’y inscrit en France et à Bahia ?14 Voilà, cette liste de paramètres donnant les premiers éléments qui permettent une comparaison entre les formes performatives et spectaculaires bahianaises et françaises n’est bien entendu pas exhaustive. J’aurais pu parler de l’incidence de l’urbanisme, du tropicalisme, et enrichir mon analyse d’autres pratiques performatives. Mais cette première étape d’une recherche que je souhaite approfondir ultérieurement montre en quelques points l’intérêt d’une comparaison entre les pratiques performatives et spectaculaires de deux aires culturelles aussi différentes et présente à mon sens quelques éléments significatifs en développant ces trois paramètres extrathéâtraux que sont la démographie, l’économie et le religieux, du point de vue historique et socioanthropologique, en se reposant notamment sur l’ethnographie et l’ethnoscénologie, avec en filigrane la question du corps : esthétique, politique, ludique et critique d’un coté, objetmarchandise et festif de l’autre, mystique enfin, ces multiples dimensions pouvant se recouper en fonction des situations. 3) Le troisième point qu’implique une scénologie générale, c’est la non-spécialisation des chercheurs. En effet, si la spécialisation du chercheur est une étape dans sa carrière et une nécessité qui répond au fait que les ethnoscénologues tâchent de couvrir le maximum de pratiques performatives spectaculaires et d’aires culturelles du monde en se répartissant donc des aires et des pratiques dont ils seront en quelque sorte les spécialistes, il n’en reste pas moins que pour confronter les pratiques entre elles, il est également nécessaire d’être fin connaisseur de plusieurs pratiques et donc de ne plus être spécialisé dans une seule pratique. Pour ma part, après m’être intéressé aux pratiques bahianaises, j’espère approfondir ma connaissance lors d’un séjour plus long, mais je ne vais pas pour autant me considérer spécialiste, car il me semble que les ethnoscénologues de Bahia sont les spécialistes les plus légitimes des pratiques qu’ils côtoient ; je vais donc partir dès ce mois d’aout 2009 dans une autre région du monde où il n’y a à ma connaissance pas encore d’ethnoscénologues, à savoir en Ontario au Canada, faire l’étude de certaines pratiques performatives et spectaculaires amérindiennes. 4) Quatrième point, la production et le partage documentaire ethnographique. En effet, pour enseigner et comparer ces pratiques que nous étudions en ethnoscénologie, l’outil filmique est des plus utiles. Or il me semble que les données existantes (par exemple à la Maison des cultures du monde) sont peu nombreuses et demandent à être développées de façon importante. Lorsque nous évoquons en cours ces pratiques, la vidéo est un moment essentiel de transmission de nos connaissances sur ces pratiques performatives et spectaculaires qui ont toutes la particularité d’être des expériences vécues sur le mode de l’action, et non pas toujours sur le mode discursif. Il est très difficile de faire comprendre et décrire ces pratiques sans l’apport d’images et notamment d’images filmiques. Cet outil est également primordial dans la perspective qu’est la scénologie générale et demande donc à être développé comme ingrédient de base de la recherche. Il faudrait idéalement rendre accessible à tous les ethnoscénologues une base de données et d’échanges de ces données 14 Par exemple, avec le dernier spectacle de Robert Hossein - « N’ayez pas peur », Jean-Paul II - organisé au Palais des congrès à Paris en 2007; la pièce « Vixé Maria » qui existe depuis 10 ans à Salvador ; etc. 51 essentielles à l’enseignement comme à la recherche. En conclusion, je voudrais féliciter l’initiative de Nathalie Gauthard de créer à Nice une Association Française d’Ethnoscénologie ; cela pourrait donner l’idée à d’autres pays où les ethnoscénologues sont présents d’en créer une au sein de leur nation respective, et par la suite nous pourrions envisager de fonder une Association Internationale d’Ethnoscénologie au sein de laquelle la scénologie générale serait une question fondamentale. 52 GIPE-CIT canta Padilla* Armindo Bião * RESUMO: texto teatral, elaborado no curso do semestre letivo 2008.2, da Universidade Federal da Bahia, como parte do programa da disciplina TEA 507 Tópicos Especiais em Artes Cênicas, Turma 01, Objetos e corpus de pesquisa em artes do espetáculo/ etnocenologia e como produto parcial do projeto de pesquisa Mulheres por um fio: inferno, purgatório e paraíso no Atlântico Negro, financiado pelo CNPq com bolsa de produtividade em pesquisa para o período de março de 2008 a fevereiro de 2011, para ser lido em público como atividade de extensão correlata, tendo como tema a personagem histórica espanhola Doña María de Padilla, que se transforma em personagem mítica do romanceiro espanhol e dos inquéritos da inquisição ibérica, personagem teatral na Europa e, finalmente, em entidade da umbanda brasileira. PALAVRAS-CHAVE: María Padilla; romanceiro; teatro; umbanda. RÉSUMÉ: texte théâtral, produit au cours du semestre 2008.2, de l’Université Fédérale de Bahia, dans le programme de TEA 507 Thématiques Spéciales en arts du Spectacle, Groupe 01, Objets et corpus de recherche/ ethnoscénologie, comme produit partiel du projet de recherche Des femmes sur un fil; enfer, pourgatoire et paradis dans l’Atlantique Noir, soutenu par le CNPq, avec une bourse de productivité pour la période de mars 2008 à février 2011, pour être lu devant le public en tant qu’activté d’extension universitaire, autour du thème du personnage historique espagnol Doña María de Padilla, qui devient perosonnage mythique du romancero espagnol et de l’inquisition ibérique, personnage théâtral dans l’Europe de l’Ouest et, enfin, entitié de l’umbanda brésilienne. MOTS-CLÉS: María Padilla; romancero; théâtre; umbanda. ABSTRACT: theatrical text, prepared during the semester 2008.2, at Federal University of Bahia, as part of the program of discipline TEA 507 Special Topics in Performing Arts, Class 01, objects and research corpus in performing arts / Ethnoscenology. It is a partial result of a research project Women by a thread: hell, purgatory and paradise in the Black Atlantic, financed by a CNPq fellowship research for the period from March 2008 to February 2011. The text, meant to be read in public as an extension activity, is about the spanish historic character Doña María de Padilla, who becomes a mythical character of iberic romanceiro and Inquisition, a theatrical character in Europe and, finally, an entitity in Brazilian umbanda. KEYWORDS: María Padilla; romancero; theatre; umbanda. Homens (Pianíssimo) Ay! un galán de esta villa, (sedutores, apresentando-se às mulheres) Mulheres (Forte) Válgame la Virgen Santa! (reagindo) Homens (Forte com brio) Ay! un galán de esta villa, (reafirmando-se para as mulheres) Mulheres (Mezzo Piano Descrescendo) Válgame la Virgen Santa! (reagindo) Homens (Crescendo) Ay! un galán de esta villa, (reafirmando-se para as mulheres) Mulheres (Forte Staccatto) Ay! un galán de esta casa (reagindo) Homens (Fortíssimo) Ay! un galán de esta villa, (reafirmando-se para as mulheres) Mulheres (Pianíssimo) Ay! un galán de esta casa. (reagindo) * Pesquisador do CNPq, Professor Titular da Escola de Teatro da UFBA, Salvador, Bahia, Brasil 1 Primeira versão de texto dramatúrgico, para ser lido e cantado, cuja primeira apresentação pública ocorreu em 26.11.2008, no Instituto Cervantes, em Salvador, Bahia, no encerramento do Ciclo de Encontros do GIPE-CIT 2008, com roteiro e dramaturgia de Armindo Bião e a colaboração de Carmen Paternostro, Cristiano de Araújo Fontes, Daiseane Andrade, Étoile Santos da Silva, Inès Perez Wilke, João Carlos Chaves da Silva, Manuel Zergarra Guerrero, Maria Lúcia Pereira, Marcelo Benigno Amorim, Marconi de Oliveira Araponga, Osvaldice de Jesus Conceição, Rafael Rolim Farias, Sonia Costa Amorim e Marcelo Jardim (preparação para o canto). 55 (PAUSA) Rafael ou 1334. Bião Boa noite minha gente! (para o público) Todos Castela, França e Bahia! (para o público) Étoile Vamos contar pra vocês (para o público) Todos uma história de Maria! (para o público) Inès Numa aula teatral (para o público) Todos de etno/ ceno/ logia! (para o público) Guerrero e João (Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa, (reafirmando-se para as mulheres) Osvaldice (Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa. (reagindo) Bião Nossa Maria nasceu com o nome de Mari Diaz, numa importante família de Castela, provavelmente na região de Palência, talvez até mesmo na localidade de Astudillo, no norte da atual Espanha, em 1332, Marconi ou 1333, Fotos de A. Bião: Fachada do Palácio Mudéjar de D. Pedro; 56 João Com cerca de, Guerrero talvez, Marcelo 20 anos, Mari Diaz passou a ser conhecida como Doña María de Padilla, em maio de 1352, Marconi quando ela conheceu o jovem Rei Don Pedro, de Castela, que se encontrava então com apenas 18 anos incompletos. Homens (Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa, (reafirmando-se para as mulheres) Mulheres (Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa. (reagindo) Bião Doña María de Padilla foi amante desse Rei D. Pedro durante nove anos, até julho de 1361, quando morreu, com menos de 30 anos, provavelmente, João por conta da terrível epidemia de peste que devastou Sevilha, inclusive os alcáceres reais, onde viveram e folgaram Doña María e D. Pedro. Detalhe interno de decoração; Perspectiva interna sobre um pátio. Mulheres (Primeira melodia) Válgame la Virgen Santa! (pela alma de Maria) Marconi Doña María, conhecida em vida como a preferida do Rei, seria posteriormente reconhecida como Rainha de Castela, Marcelo o que aconteceu um ano após sua morte, João quando D. Pedro declarou, com as bênçãos da Igreja Católica, Marconi haver se casado com ela em segredo, em função de razões de estado. Foto de A. Bião: Vista parcial da Catedral de Sevilha, em cuja cripta real repousam os despojos de Doña María de Padilla Rafael Nas crônicas históricas do Chanceler Ayala, que a conhecera na corte do Rei D. Pedro, Doña Maria aparece como Homens (Piano; melodia 7) Ay! un galán de esta Villa, (reafirmando-se para as mulheres) João uma mulher muito discreta, Mulheres (Forte; melodia 8) Ay! un galán de esta casa. (reagindo e referindo-se a D. Pedro) Ayala (Guerrero, escrevendo) mujer de buen linaje, e fermosa, e pequeña de cuerpo, e de buen entendimiento. Carmen O Rei D. Pedro foi o único filho legítimo de dois primos irmãos. 57 Daise De fato, o Rei Afonso XI, de Castela, pai de D. Pedro, era primo carnal, Carmen A mãe do Rei D. Pedro, a “fermosíssima Maria”, era irmã do Rei D. Pedro I, de Portugal. Étoile tanto por parte de mãe quanto por parte de pai, Daise O português Rei D. Pedro I é o mesmo que fizera rainha depois de morta sua amante Inês de Castro. Lúcia de sua única e legítima esposa, a princesa de Portugal, imortalizada pelos Lusíadas de Camões, como “a fermosíssima Maria”. Mulheres (Piano; melodia 8) Ay! un galán de esta casa. (reagindo e referindo-se a D. Pedro) Osvaldice O Rei D. Pedro viveu em constante conflito com seus 10 irmãos por parte de pai. Sonia Filhos do Rei Afonso XI, de Castela, e de sua amante Doña Leonor de Gusmão. Inès O Rei D. Pedro ficou conhecido, inicialmente, como O Cruel e, depois, como O Justiceiro. Carmen Entre as inúmeras pessoas que ele mandou matar, estavam: Bião a amante de seu pai e mãe de seus 10 meio-irmãos, Doña Leonor de Gusmão; João e sua primeira esposa legítima, assim publicamente reconhecida, a nobre francesa Blanche de Bourbon, Guerrero rejeitada e que teria morrido virgem. Mulheres (Piano; melodia 8) Válgame la Virgen Santa! (reagindo e referindo-se a D. Pedro) 58 Marcelo A Inês “tão linda”, que fora assassinada por ordens do pai de seu amante real e avô do Rei D. Pedro de Castela. Ètoile O desesperado Rei D. Pedro I, de Portugal, que perdera sua preferida por ordens de seu próprio pai, ficou conhecido como o Cru ou O Cruel e também o Justiceiro. Lúcia Assim, talvez, esse infeliz rei português tenha inspirado, ao menos em parte, seu colega, homônimo e sobrinho espanhol, o Rei D. Pedro I, de Castela. Osvaldice A preferência do Rei D. Pedro I, de Castela, por Doña María de Padilla, Marconi a desgraça da rainha francesa enjeitada Blanche de Bourbón e a guerra fratricida na descendência do Rei Afonso XI, João são temas de quase vinte histórias cantadas pelo “romancero viejo español”. Carmen ... El Cruel Pedro llamado Caso-se con Doña Blanca Bião (ruídos noturnos e sussurros) Esses romances começam a ser difundidos por toda a Espanha e, depois, por Portugal, após o assassinato do Rei D. Pedro, em 1369, por seu único meio irmão que lhe sobreviveu D. Henrique, de Trastâmara, o primeiro de uma nova dinastia em Castela. Todos ... El Cruel Pedro llamado Caso-se con Doña Blanca Fuese para Montalván Que alli es barraganado Con Doña Maria de Padilla Que lo tiene enhechizado Inès Em quase todos esses romances cantados são narradas crueldades do Rei D. Pedro e de sua amante, Doña María de Padilla, sempre apresentada como mulher traiçoeira, adúltera, sedutora, perversa, diabólica, feiticeira. Guerrero fue enhechizado esta suerte La Reina al Rey habia dado Una cinta mucho rica De oro muy bien labrado Con perlas piedras preciosas Ceñiala el rey Don Pedro con placer, de muy buen grado Porque se la Dió la Reina Que del era muy amado Inès Doña María de Padilla La cinta hubiera en su mano Dió la en poder de un judio Que era magico e sábio Puso el ella tales cosas Que al Rey mucho han espantado Culebra le ha semajado Marcelo As reviravoltas da história e do destino, assim como os interesses pessoais e familiares, fizeram com que a descendência do rei D. Pedro I e de Doña María de Padilla se unisse com a descendência de D. Henrique, seu assassino e sucessor, gerando, inclusive, quatro gerações depois, Marconi D. Isabel, a rainha católica, uma das responsáveis por D. Pedro de Castela ser conhecido como o Justiceiro. Sonia O teatro do século de ouro espanhol, Carmen que na verdade vai do Renascimento do Século XVI ao Barroco do Século XVII, Daise daria atenção ao Justiceiro D. Pedro e à mulher discreta e de Guerrero “buen entendimiento”, Daise que seria Doña María, como foi o caso de Lope de Vega e Calderón. Rafael O teatro ganha enfim a corte e os romances se recolhem no meio do povo pequeno das províncias, inclusive de Portugal, que de 1580 a 1640, fazia parte da Espanha. Bião O teatro e o romanceiro divulgam, assim, dois perfis opostos de Doña María. Carmen Guardando o teatro o perfil da heroína, vítima romântica de seu amor por um rei em tempos difíceis. Étoile E o romanceiro divulgando a história da mulher terrível, maligna, manipuladora, entendida nos artifícios da beleza, do amor, do sexo e dos feitiços. 59 Lúcia É bem provável que daí tenha surgido o que ficaria registrado pela Inquisição. Osavaldice De fato, os tribunais da inquisição, espanhóis e portugueses, dos séculos XVII e XVIII, assim registram a invocação de mulheres feiticeiras: Feiticeira (Étoile) Por Barrabás, Satanás, Caifás, y María Padilla con toda su cuadrilla ablandasen el corazón del dicho... Feiticeira (Lúcia) Por Barrabás, Satanás y por Lúcifer/ por doña Maria de Padilla y toda su compañia, Narrador (Marconi) Lembremos que de 1580 a 1640, Portugal e Espanha formaram um só Reinado e que as línguas e os imaginários respectivos se misturaram para a eternidade... Feiticeira (Marcelo) Paloma, paloma, todos te chamam paloma, só eu te chamo hermana senhora, pelo poder que em ti mora. Que vás à cama de Pedro, dos lençóis lhe faças espinhos, dos cobertores lagartos vivos, que o espinhes e o atravesses, que não possa dormir nem sossegar, sem que comigo venha estar. Narrador (João) Algumas dessas mulheres foram degredadas para o Brasil, outras para a África, desviando-se posteriormente também para o Brasil, possivelmente trazendo em sua bagagem essas invocações, como sugerem as pesquisadoras Laura de Mello e Souza, em 1986, Marlyse Meyer, em 1993 e Monique Augras, em 2001. Feiticeira (Osvaldice) Eu te conjuro vinagre, pimenta e enxofre em nome de Pedro, com três da padaria, três da cutilaria, três do açougue, três do terreiro, três do haver do peso, todos três, todos seis, todos nove se ajuntarão no coração de Pedro entrarão, se mais são, ou menos são, 56 diabos se ajuntarão, à torre do 60 Primão se treparão, nove varas de amor apanharão, na mó de Caifás as aguçarão, no coração de Pedro as cravarão, que não possa estar, nem sossegar, até comigo não vir estar; Dona Maria de Padilha com toda a quadrilha me trazeis Pedro pelos ares e pelos ventos; Marta a perdida que por amor de um homem fostes ao inferno, assim vos peço que do vosso amor repartais com Pedro, que não possa dormir, nem sossegar, até comigo vir estar. Feiticeira (Bião) Por aquela rua nem Pedro com o ligado do enforcado ao pescoço, vem dizendo acode-me Maria, não te quero acudir, valha-te Barrabás, valha-te Satanás, e Natam, e quantos no inferno estão, e então no teu coração se meterão, chegome ao ar, ao ar me chego, Pedro veio vir, dizendo Maria vale-me, valha-te Barrabás, valha-te Satanás, valha-te verdete, ó meu Deus e que é meu Príncipe, que andas pelas encruzilhadas descasando os casados, e ajuntando os amancebados, ajunta-me com Pedro, Dona Maria de Padilha com toda a quadrilha me trazeis Pedro pelos ares e pelos ventos, Marta a perdida que por amor de um homem fostes ao inferno, por ele ao inferno fostes, assim se perca Pedro por mim. Feiticeira (Sonia) Por São Pedro e por São Paulo, por Jesus crucificado, por Barrabás, Satanás, Caifás, e por quantos eles são, por Dona Maria de Padilha e toda sua quadrilha, me digas, peneira, se as ditas duas pessoas estão presas Narrador (Daise) E dizia que dizia isto, para não ser morta pelo marido, fazendo fervedouro com pedaços de pano, coração de pombo, alecrim... Feiticeira (Rafael) Satanás, Barrabás, Caifás, Diabo coxo, sua mulher... Com Barrabás, Satanás, com Lúcifer e sua mulher... O céu vejo, estrelas acho, Senhora Santana ai que farei que ainda hoje não vi a Pedro e Maria... Senhora Santana, assim como o mar mareja, o céu estreleja e o vento ventaneja, e os peixes não podem entrar no mar sem água, nem o corpo sem alma, assim Pedro e Maria não possam estar sem o perdão virem a dar Narrador (Bião) E metia a boca na tigela, batia no chão com três varas de marmeleiro. Feiticeira (Carmen) Barrabás, Satanás, Caifás, Maria Padilha com toda a sua quadrilha, Maria da Calha com toda a sua canalha, cavalo marinho que com pressa os traga pelo caminho. Narrador (João) Jogava num fervedouro pedra d’ara, buço de lobo, alfazema, sangue de leão, barbasco... para prender o amante cortava um queijo de cabra em três porções e, colocando-os à janela entre nove e dez da noite, dizia: Feiticeira (Bião) Este queijinho queremos partir a primeira talhada para Barrabás, a segunda para Satanás, a terceira para Caifás, que todos três se queiram ajuntar presto, e asinha e isto que pedimos nos queiram outorgar, que Pedro nos vá a buscar e que pela porta venha entrar, e sem nós não possa estar, e tudo quanto Maria lhe pedir queira fazer, e outorgar. Narrador (Inès) O que lembra a Marlyse Meyer as orações da cabra preta afamada. Narrador (Guerrero) E assim invocava a feiticeira Antonia Maria, que talvez se parecesse com Doña María de Padilla, pois era mulher graciosa, de pequena estatura, alva de rosto, e este largo, olhos pretos, e fermosos, em sua casa em Pernambuco Feiticeira (Carmem) Neste portal me venho assentar, e não vejo Pedro nem tenho quem o vá buscar, vá Barrabás, vá Satanás, vá Lucifer, vá sua mulher, vá Maria Padilha com toda sua quadrilha, e todos se queiram juntar e em casa de Pedro entrar, e o não deixem comer, dormir nem repousar sem que pela minha porta adentro venha entrar, e tudo quanto eu lhe pedir me queira fazer, e outorgar, e se isto me fizerem uma mesa prometo de lhe dar. Narrador (Bião) Esta tradição feiticeira aparece na famosíssima novela de Prosper Mérimée, de 1845, Carmen, como percebeu bem Roberto Motta, em 1980. Nas palavras de Don José: Don José (Étoile) Pendant mon absence, elle avait défait l’ourlet de sa robe pour en retirer le plomb. Maintenant, elle était devant une table, regardant dans une terrine pleine d’eau le plomb qu’elle avait fait fondre, et qu’elle venait d’y jeter. Elle était si occupé de sa magie qu’elle ne s’aperçut pas d’abord de mon retour. Tantôt elle prenait un morceau de plomb et le tournait de tous les côtés d’un air triste, tantôt elle chantait quelqu’une de ces chansons magiques où elles invoquent Marie Padilla, la maîtresse de Don Pédro... Don José (João) Durante minha ausência, ela tinha desfeito a barra de seu vestido para dali retirar o chumbo. Agora, ela estava diante de uma mesa, olhando dentro de uma vasilha cheia d’água o chumbo que ela havia derretido e que ali tinha jogado. Ela estava tão ocupada com sua magia que de início não percebeu meu retorno. Tanto ela pegava um pedaço do chumbo e o girava de todos os lados com um ar triste, tanto ela cantava uma dessas canções mágicas onde elas invocam Maria Padilha, a amante de Don Pedro... Narrador (Marconi) Outro testemunho da presença, de algum modo, de Maria Padilha, no romantismo francês, é o poema de Victor Hugo, de 1828, 61 Étoile La légende de la nonne, Marconi que seria parcialmente adaptado para a música popular, Étoile Por Georges Brassens. Todos Venez, vous dont l’œil étincelle Pour entendre une histoire encor Approchez: je vous dirai celle De doña Padilla del Flor Elle était d’Alanje, où s’entassent Les collines et les halliers Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Bião Il est des filles à Grenade Étoile Il en est à Séville aussi 62 Étoile Elle fuyait ceux qui pourchassent Les filles sous les peupliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Bião Elle prit le voile à Tolède Au grand soupir des gens du lieu Comme si, quand on n’est pas laide On avait droit d’épouser Dieu Étoile Peu s’en fallut que ne pleurassent Les soudards et les écoliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Étoile Or, la belle à peine cloîtrée Amour en son cœur s’installa Un fier brigand de la contrée Vint alors et dit: Bião Qui, pour la moindre sérénade A l’amour demandent merci Bião “Me voilà!” Étoile Il en est que parfois embrassent Le soir, de hardis cavaliers Étoile Quelquefois les brigands surpassent En audace les chevaliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Étoile Ce n’est pas sur ce ton frivole Qu’il faut parler de Padilla Bião Car jamais prunelle espagnole D’un feu plus chaste ne brilla Étoile Il était laid: les traits austères La main plus rude que le gant Bião Mais l’amour a bien des mystères Étoile Et la nonne aima le brigand Bião On voit des biches qui remplacent Leurs beaux cerfs par des sangliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Étoile La nonne osa, dit la chronique Au brigand par l’enfer conduit Bião Aux pieds de Sainte Véronique Donner un rendez-vous la nuit Étoile A l’heure où les corbeaux croassent Volant dans l’ombre par milliers Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Bião Or quand, dans la nef descendue La nonne appela le bandit Au lieu de la voix attendue C’est la foudre qui répondit Étoile Dieu voulu que ses coups frappassent Les amants par Satan liés Todos Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers Todos Cette histoire de la novice Saint Ildefonse, abbé, voulut Qu’afin de préserver du vice Les vierges qui font leur salut Les prieurs la racontassent Dans tous les couvents réguliers Enfants, voici des bœufs qui passent Cachez vos rouges tabliers João Aí se conta a história de uma jovem e bela freira espanhola, que cai em tentação amorosa, atraída por um militar, merecendo de Deus, juntamente com ele, a condenação eterna ao inferno e a ter seu infeliz destino relembrado de convento em convento, como alerta às demais jovens e virgens freiras. Bião A relação da protagonista dessa canção com a personagem histórica de Doña Maria de Padilla é muito tênue. Marcelo Mas vale a pena lembrar que ela fundou o Convento das Clarissas em Astudillo, onde viveu por algum tempo e onde viveria e morreria freira uma de suas filhas. Guerrero O conjunto arquitetônico onde viveram Doña Maria e o Rei Don Pedro, em Astudillo, no século XIV, atualmente restaurado, reúne; Carmen um museu, no que se chama o Palácio de Don Pedro Daise e o convento com uma capela, onde suas imagens aparecem num retábulo como mártires do cristianismo e o claustro. 63 Fotos de A. Bião: Vista parcial interna do Convento de Astudillo; Marconi A cidade de Astudillo é também conhecida por seus mais de dois quilômetros de subterrâneos e suas dezenas de bodegas, incrustadas nas pedras, onde se produziu vinho por muitos séculos. Rafael Numa de suas entradas se lê infierno, Inès Infierno, Guerrero Infierno. Lúcia Ainda na tradição romântica, entre a Itália, a Espanha e o Brasil, lembremos que Gaetano Donizzetti criou uma ópera intitulada Maria Padilla. Osvaldice Esta ópera teve estréia em Milão em 1841, publicação em edição bilíngüe e temporada em Lisboa em 1845. Sonia No Rio de Janeiro, em 1856, a ópera Maria Padilla foi apresentada em espetáculo de gala no Teatro Lírico Fluminense e também mereceu uma edição brasileira, no Rio de Janeiro. 64 Retábulo da Capela do Convento Inès Aí, voltamos à Doña María discreta e amorosa vítima do amor constante, todo o oposto de uma feiticeira, conforme ficaria personificada pela tradição espanhola, que produziu, entre outras, a peça Doña María de Padilla, de Francisco Villaespesa, de 1913. Bião E que mereceria duas biografias exemplares: Inès A da poeta Casilda Ordoñez Ferrer, intitulada María de Padilla, esa dulce y equilibrada castellana. Guerrero E a de Don Carlos Ros Carballar Doña María de Padilla, El Angel Bueno de Pedro El cruel. Carmen Antes de chegarmos ao Brasil, a terra da umbanda, onde reina a pombagira Maria Padilha, Marcelo a linda, a gostosa, a feiticeira, a poderosa, Marconi A que adora rosas ver melhas, cigarrilhas e champagne, Rafael passemos rapidamente pelo teatro baiano, inspirado pela ópera de Georges Bizet e a novela de Prosper Mérimée Carmen. Carmen Vamos a cantar um trechinho da Habanera, cantada originalmente por Carmen, em sua primeira aparição na ópera, para celebrar o amor como um pássaro rebelde, que ninguém consegue domar, de acordo com o libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy. Bião Em O Pique dos Índios ou A Espingarda de Caramuru, montagem de A Outra Companhia de Teatro, sobre um texto de Haidyl Linhares, no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, durante quatro semanas do mês de março de 2008, assim cantava a Professora de Música e Poeta Dona Ambrosina Embevecida do Arcanjo e do Amor Perfeito, que permanecia virgem, embora já madura, por haver perdido seu noivo, ainda jovem, num desastre de trem: Osvaldice Oh senhora Maria Padilha Minha alma venha alegrar Traga paz aqui para sua filha Que só canta para não chorar Amor Amor Amor Amor O amor é mais Mais que um poema 65 Fotos: João Meirelles (em todas as fotos: Prêmio Braskem dos Melhores do Teatro Baiano de 2008, na categoria Ator Coadjuvante, por esse trabalho, Armindo Bião, cuja personagem invoca Maria Padilha; em uma foto com Amós Heber e em outra com Haydil Linhares) Espetáculo: O Pique dos Índios ou A Espingarda de Caramuru, de A Outra Companhia de teatro, grupo residente do Teatro Vila Velha; Temporada: 16 apresentações ao longo de quatro semanas, de quinta-feira a domingo, às 20h, durante o mês de março de 2008, no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, Brasil, para público estimado de 1.500 espectadores; Texto: Haydil Linhares; Direção: Vinício de Oliveira Oliveira; Cenário: Lorena Torres Peixoto; Figurino e maquiagem: Luiz Santana; Iluminação: Rivaldo Rio; Coreografia: Jairson Bispo; Direção musical: João Meirelles; Preparação e arranjo vocal: Marcelo Jardim; Produção: Eddy Veríssimo; Indaiá Oliveira; Luiz Antônio Jr.; Realização: A Outra Companhia de Teatro; Baobá Produções Artísticas; Teatro Vila Velha; Funarte/ MinC; Patrocínio: Petrobrás; Elenco: AC Costa; Amós Heber; Armindo Bião; Ava Soani; Camilo Fróes; Chica Carelli; Érica Ribeiro; Haydil Linhares; Indaiá Oliveira; Jéferson Dantas; Luiz Antônio Jr.; Manuela Santiago; Rita Carelli; Roquildes Júnior; Thaís Rissi. 66 Daise A Maria Padilha, conhecida no Brasil e nos países vizinhos da América do Sul, é a rainha das encruzilhadas, das pombagiras e dos exus. Fotos de A. Bião: Esquinas de ruas espanholas com seu nome: em Astudillo e Sevilha: encruzilhadas; o nome da rua em Sevilha fica no muro da antiga fábrica de tabacos (onde teria trabalhado a Carmen da novela e da ópera), hoje Universidade de Sevilha João Parenta próxima do grego Hermes Trimegisto, o três vezes grande, o que ajuda os homens a compreenderem o que lêem Marconi realizado com alunos do Bacharelado em Artes Cênicas, com Habilitação em Interpretação Teatral, da Escola de Teatro da UFBA. Étoile E do romano Mercúrio, o dos pés e do capacete alados, que rege o comércio e as artes. Étoile Aí voltamos à tradição do romanceiro ibérico Guerrero Assim, meio deus, deusa, diabo e criança, rainha, prostituta e travesti, nossa Maria Padilha é Lúcia a encantada pombagira, exu fêmea, como sua outra variante, Marcelo a Nega de Um Peito Só, que aparece em diversos folhetos de cordel brasileiros, um dos quais, de José Costa Leite, O encontro de Lampião com a Negra Dum Peito Só, adaptado para o teatro, em 2001, para o espetáculo Isto é bom!, Lúcia que usa a rima e o metro da poesia de fácil memorização, Rafael a musicalidade, enfim, para contar histórias, Osvaldice para narrar e representar Bião Viabilizando, enfim, a experiência do teatro épico narrativo e crítico, ao lado do teatro dramático, da identificação e da reflexão dos atores sobre si próprios como pessoas, 67 Inês em relação a questões, como, por exemplo, do machismo e do racismo. Carmen Maria Padilha e a Nega de Um peito Só são a mesma encarnação do feminino, sexualizado, como a tentação diabólica, Rafael são a personificação da natureza sensual e sensível, do prazer, do gozo. Bião Vamos ouvir a história da velha Rita Gogó afamada e respeitada na arte de catimbó dando toda explicação e a Luta de Lampião com a Negra dum Peito Só. Carmen Sabemos que Lampião na fama de cangaceiro o seu nome amedrontou o Nordeste Brasileiro com repercussão tamanha a sua grande façanha assombrando o mundo inteiro. No ano de 32 o bandido Lampião andava pelo Nordeste de bacamarte na rnão dizendo: João ninguém me zangue Étoile A velha Rita Gogó residia no sertão era bamba no feitiço e o povo da região sem ter compaixão nem dó mandava fazer catimbó para matar Lampião Guerrero. E a velha começou fazendo uma panelada pra botar pra Lampião ali, numa encruzilhada numa noite sem ter lua e a panelada sua foi ficando preparada. Lúcia Dentro da panela dela tinha um rabo de tatu uma unha de macaco um bico de urubu uma pena dum vira-bosta uma pimenta da costa e um casco de aratu. Marcelo Alecrim de taboleiro duas gias num cordão duas penas de macuca duas pedras de carvão duas unhas de veado dois chifres de amancebado e dois cavalos do cão. Daise gravando o nome com sangue na história do sertão. 68 Osvaldice Três canelas de defunto 3 pés de capim assu 3 galhos de pinhão roxo 3 escamas de mussu 3 galhos de mussambê 3 bicos de zabelê e 3 penas de jacu. Marconi Quatro rabos de arraias 4 pés de siriema 4 maracais de cobra 4 folhas de jurema 4 caveiras de gente 4 dentes de serpente e 4 penas de ema. Sonia Cinco bicos de socó 5 costelas e um papo 5 folhas de maconha 5 cabelos de sapo 5 grilos encangados 5 vidros preparados do suco do genipapo. Lampião ia passando e viu a velha abaixada fez logo o pelo sinal e deu uma gargalhada então perguntou de cá dizendo: João Quem está lá? Rafael A oração do sapo-seco ela rezou com cautela benzeu com a mão esquerda e depois botou na panela o suco de um pepino a raspa do som do sino e o leite da favela. Inès Rezou mais a oração da cabra preta falada e a de São Cipriano e foi com a panelada muito contente e faceira numa noite de sexta-feira botar numa encruzilhada. Bião A meia noite em ponto ela levou a panela botou na encruzilhada e acendeu uma vela benzeu sua panelada e ficou ali abaixada rezando as orações dela. Carmen e a negra ficou calada. João Se não falar eu atiro! Carmen Lampião disse em seguida: a velha pensou consigo Daise já vi que estou perdida Guerrero e logo com medo dele pensou. Daise Eu vou botar ele num beco sem ter saida. Marcelo A velha se levantou com a panela na mão e foi se aproximando rezando uma oração e com toda astúcia dela quiz rebentar a panela na cara de Lampião. Marconi Lampião chegou pra perto e deu-lhe um murro danado que a velha caiu no chão 69 e ele já preparado com o maior ódio dela meteu o pé na panela foi caco pra todo lado. Étoile A velha se levantou e passou-lhe uma rasteira que Lampião quase cai mas puxou logo a peixeira e disse: João Ninguém te aconselha Carmen entiado de Canguinha o cachimbo dela tinha 5 palmos de canudo. Étoile E com 2 meses depois o feitiço estava feito examinou com cuidado e viu que estava perfeito ficou contente na hora dizia a velha: Rafael cortou logo uma orelha da velha catimboseira. Lúcia Com a orelha cortada a velha Rita Gogó saiu em toda carreira gritando de fazer dó vermelha igual uma brasa e quando chegou em casa remexeu no catimbó. Bião Preparou a buginganga com água do oceano e terra do cemitério pimenta, arruda e tutano mexeu durante 3 meses ferveu a água l0 vezes e depois coou num pano Carmen Ela deu 3 fumaçadas no cachimbo Sabe-Tudo e ajoelhou-se chamando o seu guia Daise Zé Bochudo! 70 Daise Eu agora desgraço aquele sujeito. Guerrero Lampião pegou sentir uma dor no mocotó e cada dia que passava ia ficando pió Lampião desmantelou-se e uma noite encontrou se com a Negra dum Peito Só. Lúcia Era uma negra feia banguela, só tinha um dente do cabelo arrepiado parecia uma serpente imitava ao Capeta Bião Eta racismo porreta!* Lúcia alem de feia e cambeta tinha um peito somente. * Este verso, em negrito e em itálico, assim como mais dois, também em negrito e itálico, mais à frente, referentes à esma questão do racismo, foi acrescido ao texto original do folheto, por inspiração de Bertolt Btecht, Oscarito e Hugo Pozzolo, no intuito de fortalecer o caráter épico crítico da encenação, do jogo e do trabalho dos atores. Marcelo Era um peito bem grande igual a um mamão caiana com 5 quilos ou mais o Lampião não se engana disse: João Esta negra é o diabo eu vou arrancar-lbe o rabo pra fazer ponche com cana. Guerrero la atravessando um rio a uma distância pouca viu a negra e ela disse: Bião Por você eu vivo louca já que a hora é chegada lave a boca bem lavada e venha beijar minha boca Bião Quer ou não quer? deixas de cavilação eu vim pra você mamar você deve aproveitar esta boa ocasião. Sonia Lampião lhe disse assim: João Me respeite negra safada eu não sou de sua iguala eu dou-lhe é uma braçada veja que sou Lampião cangaceiro do sertão sujeito da vida errada. Inès Lampião dizendo assim: a negra disse: Bião Sujeito: Não me troco por você me trata com mais respeito segure o chapéu na mão peça desculpa e perdão e venha mamar no meu peito Osvaldice Lampião disse: João Te dana! negra feia desgraçada não gosto de negra moça quanto mais velha e pelada Bião ê coisa racista danada João é bom que não te esqueça de ti só quero a cabeça pra eu fazer garrafada. Carmen Ela balançava o peito pro lado de Lampião dizendo: Osvaldice Lampião deu-lhe uma tapa que a negra caiu lá fora mas se levantou e disse Bião Hoje chegou sua hora nunca apanhei de ninguém sou pió do que o trem você me paga é agora. Fique sabendo qu’eu sou urna negra de respeito você desmoralizou-me vai sofrer de qualquer jeito com sua imbecilidade 71 por gosto ou contra a vontade tem de mamar no meu peito. Carmen Botou o peito pra fora que parecia uma jaca Lampião se afastou e pegou no cabo da faca dizendo: João Daí pra traz Carmen a negra disse: Étoile Lampião lhe disse assim: João Negra imunda desgraçada deixe de tanto cinismo cachorra velha pelada eu te matando, bandida é uma bala perdida porque tu não vales nada. Marcelo Disse a Negra: Bião Rapaz você está feito vaca? Daise Lampião disse: João Moleca eu peso igualmente o trem Guerrero disse a negra a Lampião Bião Pois é como cá também porque com macho safado eu sempre tenho tirado as manhas que ele tem. E você vai mamar apulso veja que sou eu que quero e é pra vir mamar mesmo faz dias que lhe espero você diz que tem coragem se não mamar com vantagem em nada lhe considero. Há dias que venho atraz do famoso Lampião Pernambucano valente 72 o assombro do sertão pió do que satanaz pra eu tirar seu cartaz e a fama de valentão. Bião Não se faça de valente nem manhoso você tem nojo de mim mas o meu peito é cheiroso deixe de beocidade pode mamar a vontade meu leite é doce e gostoso. Marconi Lampião se aproximou de bacamarte na mão a negra deu-lhe um bofete que ele caiu no chão e quando ele tombou a negra se escanchou nas costas de Lampião. Dizendo: Bião Eu vim vencê-lo por força de catimbó e fazer toda vingança da velha Rita Gogó hoje chegou sua hora você vai mamar agora na Negra dum Peito Só. Rafael Lampião ficou tremendo devido a conversa dela nunca ninguém lhe fizera uma proposta daquela inda sendo um valentão e logo ali Lampião começou fitando ela. Disse a negra: João Negra danada você me paga é agora de você pode vir dez Étoile a negra meteu-lhe os pés que ele caiu lá fora. Osvaldice Foi serrado o tiroteio bala vinha e bala ia o fumaceiro cobriu ninguém ali se rendia Lampião metia bala negro caía sem fala e nem a pestana batia Bião É isso mesmo diga se mama ou não mama se não quiser, mama apulso porque esse é meu programa dizem que você é mau hoje, debaixo do pau você mama e não reclama. Lúcia Chegou o diabo Cambeta e trouxe a negra Carijó e o diabo Três Contigo irmão de Forrobodó o negro gritou de lá Marcelo Lampião vai mamar já na Negra dum Peito Só. Carmen Ela começou a fumar no cachimbo Sabe-Tudo era um cachimbo que tinha 5 palmos de canudo ali foi se ajoelhando na mesma hora chamando o seu guia Bião Zé Bochudo! Daise A negra botou o peito na boca de Lampião Lampião deu-lhe um murro com toda força da mão ela deu um grito rouco e quando afracou um pouco ele tomou posição. Rafael Lampião se escanchou na negra na mesma hora dizendo: Marconi A negra Carijó tirou um cabelo do corpo dela não sei se foi da pestana do umbigo ou da “titela” e avançou pra Lampião com o cabelo na mão mas Lampião chutou ela. Sonia A negra tirou a saia e fez um sassaricado quando puxou o facão Lampião pulou de lado dizendo: 73 João Negra safada eu sou bamba na brigada e o meu braço é pesado. Guerrero Veio a negra Maricota da bunda de tanajura com uma mão de pilão e um facão na cintura era uma negra até boa. de vez em quando atirava na cara de Lampião. Lampião já enfadado lutava muito cansado da grande revolução. Bião O racismo aqui voa! Guerrero vinha igualmente uma leoa quando sai da furna escura. Carmen Lampião viu um moleque por traz dum muro atirando Lampião atirou nele que ele caiu berrando ficou ciscando e tremendo chorando e se maldizendo sorrindo e assobiando Inès Cambeta partiu danado Lampião deu-lhe um soco que ele subiu 10 metros e caiu sentado num toco se acabou em seguida pois quando cuidou na vida a metade estava oco. Marconi Diabo Cueca Suja chegou trazendo um chicote dizendo assim: Rafael Lampião você hoje errou o bote Carmen Lampião estava louco deu-lhe um monstruoso soco, que ele saiu de trote. Daise Cara Preta e Rabo Fino armados de mosquetão 74 Étoile A Negra dum Peito Só chegou como um furacão querendo botar o peito na boca de Lampião pra fazer ele mamar ele quiz lhe segurar ela deu-lhe um empurrão. Guerrero Já tinha morrido diabo de causar tristeza e dó outros fizeram carreira que subiu nuvem de pó no meio da confusão ficou somente Lampião com a Negra dum Peito Só. Lúcia Lampião agarrou a negra com toda disposição quando puxou o punhal a negra entrou em ação disse: Bião Vou borrar seu mapa Marcelo na cara deu-lhe uma tapa e tomou-lhe o punhal da mão. Carmen Caveirinha vem tomar xoxô Caveirinha vem tomar xoxô xô Lúcia Era uma luta danada que só mesmo o leitor vendo Lampião dava e levava cada bofete tremendo e a negra desgraçada ficou com a cara inchada e a munheca doendo. Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Marconi Lampião pegou a negra sem ter compaixão nem dó dizendo: João Arranca toco vem tomar xoxô Arranca toco vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô João Eu não acredito em feitiço nem catimbó Marcelo Sete facadas vem tomar xoxô Sete facadas vem tomar xoxô xô Marconi veloz como um furacão tomou o punhal da mão da Negra dum Peito Só. Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Guerrero Rompe nuvem vem tomar xoxô Rompe nuvem vem tomar xoxô xô Osvaldice A negra deu uma dentada na venta de Lampião depois um galo cantou e ela ficou sem ação na vista dele despiu-se deu um estouro e sumiu-se sem deixar sinal no chão. Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Bião e Marconi Tibiriri vem tomar xoxô Tibiriri vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Labareda vem tomar xoxô Labareda vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Osvaldice Pombagira vem tomar xoxô Pombagira vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô 75 Lúcia Lucifer vem tomar xoxô Lucifer vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Sonia Lebara vem tomar xoxô Lebara vem tomar xoxô xô Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô DONIZETTI. Maria Padilla: melodrama em 3 actos para se representar no R. T. São Carlos. Edição bilíngüe, em italiano e português. Lisboa: Typographia de P. A. Borges [Rua d’Oliveira (ao Carmo) No. 65], 1845. FERRER, Casilda Ordoñez. María de Padilla, esa dulce y equilibrada castellana. In Publicaciones de la Institución Tello Téllez de Meneses 36, 1975, p. 89.105. LEITE, José Costa. O encontro de Lampião com a Negra Dum Peito Só. [Folheto de cordel]. Condado, PE: [S. L.], [S. N], [S. D.]. MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda sua quadrilha: de amante um rei de Castela a Pomba-Gira de Umbanda. São Paulo: Duas Cidades, 1993. MÉRIMÉE, Prosper. Carmen et treize autres nouvelles. Paris: Gallimard, 1965. Daise Dona da casa vem tomar xoxô Dona da casa vem tomar xoxô xô MOTTA, Roberto. Transe, Possessão e Êxtase nos Cultos Afro-brasileiros do Recife. In: CONSORTE, Josildeth Gomes; COSTA, Márcia Regina da (Org.). Religião, política, identidade. São Paulo: EDUC, p. 109-120, 1988. Todos Maria Padilha vem tomar xoxô Maria Padilha vem tomar xoxô xô Étoile Tranca rua vem tomar xoxô Tranca rua vem tomar xoxô xô PIDAL, Ramón Menendez. Romancero Hispânico: hispamo-portugués, americano y sefardí – teoría e historia. Madrid: Espasa-Calpe, 1968. Todos Rosedá Referências AUGRAS. Monique R. Maria Padilla, reina de la magia. In: Revista Española de Antropología Americana, n. 31. Madrid: [s. n.], p. 293-319, 2001. CARMEN. Direção: Giorgio Crocci. Produção: Wolfgang Werner. Intérpretes: Malgorzata Walewska, Mario Malagnini e outros. Libretto: Henri Meilhac; Ludovic Halévy. Música: Georges Bizet. St. Margarethen: Movieplay Music, c 1998, 1 DVD (80 min), NTSC, widescreen 4X3, color. CAROSO, Carlos; RODRIGUES, Núbia. Exus no Candomblé de Caboclo. In: PRANDI, Reginaldo (Org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, p. 331-362, 2004. DÍAZ-MAS, Paloma (Ed.). Romancero. Barcelona: Crítica, 2001. 76 DONIZETTI, musique de. Maria Padilla: opéra italien. Paris: Paris, Schonenberger, 18—]. ROIG, Mercedes Díaz. El Romancero viejo. 23. ed. Madrid: Cátedra, 2007. ROS, Carlos. Doña María de Padilla: el ángel bueno de Pedro el Cruel. Sevilla: Castillejo, 2003. SANTOS, Percília de Jesus. Percília de Jesus dos Santos: entrevista [set. 2008]. Entrevistador: Armindo Bião. Salvador: 2008. MP4 (3 min). SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. VILLAESPESA, Francisco. Doña María de Padilla: drama histórico en tres actos y en verso. Madrid : Renacimiento, 1913. Sites consultados http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:D%C3%B3nde_vas_Alfonso_XII.png acesso em 7 de janeiro de 2009. http://www.dailymotion.com/video/x3znop_brassens-lalegende-de-la-nonne-rep_music acesso em 7 de janeiro de 2009. http://www.abc-lettres.com/legende-nonne/poeme.html acesso em 7 de janeiro de 2009. IMAGENS DA LEITURA DRAMATIZADA DE GIPE-CIT CANTA PADILLA Cortesia de Isa Trigo e Inès Perez Wilke 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Carmen Paternostro Osvaldice Conceição e Inès Perez Wilke Marconi Araponga, Marcelo Benigno, Manuel Guerrero e Rafael Rolim Osvaldice Conceição, Inès Perez Wilke e Lúcia Pereira Carmen Paternostro, Osvaldice Conceição e Inès Perez Wilke Sonia Amorim, Daiseane Andrade e Étoile Silva Armindo Bião, João Silas, Marconi Araponga, Marcelo Benigno, Manuel Guerrero, Rafael Rolim, Carmen Paternostro e Osvaldice Conceição 77 CEIBA danza Lorca El poeta y los sones negros: de El Rey de Harlem a Los Negritos sin drama Jesús Cosano Prieto * RESUMEN: Script para un espectáculo coreográfico de danza flamenca, sobre el impacto de la cultura afro-americana de los Estados Unidos y Cuba en la vida y obra del poeta Federico García Lorca (1898 / 1936). PALABRAS-CLABE: Lorca; flamenco, cultura afro-americana. RESUMO: Dramaturgia para espetáculo coreográfico de dança flamenca, tendo como tema o impacto da cultura afro-americana dos Estados Unidos e de Cuba na vida e obra do poeta Federico Garcia Lorca (1898/ 1936). PALAVRAS-CHAVE: Lorca; flamenco, cultura afro-americana. ABSTRACT: Dramaturgical papper and choreographic play for a flamenco dance show on the overwhelming impact of afro-american culture, from US and Cuba, on poetry and life of Federico Garcia Lorca (1898/ 1936). KEYWORDS: Lorca: flamenco; afroamerican culture. Espectáculo de imágenes, música y danza, basado en la impresión que Federico García Lorca, recibió cuando en su viaje (a Estados Unidos primero y a Cuba después), descubre al pueblo negro y su cultura. Lorca, que llevaba ya en su ser dos culturas ancestrales, la andaluza y la gitana, descubre la cultura negra en sus vertientes afroamericana y afrocubana. Y percibe que la cultura negra tiene elementos y similitudes con la gitana que podrían enriquecer, complementar, lo hispano: la música, el ritmo, la oralidad..., la condición humilde y marginal de las dos culturas, la coincidencia del nacimiento en la misma época, finales del XIX, de tres músicas que nacidas en la marginalidad y prohibidas en sus comienzos con el paso del tiempo 78 se convertirán en patrimonio musical de la humanidad; el son cubano, el flamenco y el blues. Lorca, se convierte en un puente de transición entre ambos, en él se fusionan tres culturas, la blanca, la gitana y la negra. El espectáculo que proponemos estará inspirado en la influencia que la música de los negros produjo en Lorca y a través de ella y apoyada en sus textos y en el de otros autores, realizar una recreación sobre su desarrollo y las posibles influencias de las músicas de origen africano en el flamenco. Descartamos premeditadamente el resto de estudios e intereses del poeta en ese tiempo: sus creaciones, las conferencias, sus impresiones de las ciudades y personajes, el momento histórico por el que estaba pasando América en esos años, etc., para ceñirnos exclusivamente en las impresiones que la música y la danza de los negros del “norte y del sur”, produjeron en Federico Gracía Lorca. El espectáculo recorrerá la llegada de Lorca a Nueva York, su descubrimiento de la negritud y continuará con el viaje a Cuba que inmediatamente después realizó. Estará apoyado en imágenes antiguas y en textos y poemas del propio Lorca, Langston Huges, Nicolás Guillén, Cabrera Infante, Gastón Baquero, Miles Davis, Fernando Ortíz, Juan Marinello, Rolando A. Perez, Lydia Cabrera y Concha Zardoya. Asimismo, contará con la colaboración recitando los poemas de Gastón Baquero, del poeta * Director de la Fundación de Cultura Afrohispanoamericana, CEIBA, Espanha cubano Bladimir Zamora y del músico español Santiago Auserón. La música será toda creada nueva específicamente para este espectáculo. Serán la compositora y cantaora flamenca Lola Molina y el propio Juan de Juan, sus creadores. Todos los temas serán interpretados y tocadas en directo por un grupo de músicos de jazz formado entre otros por Jerry Gonzalez, Alaín Pérez y Antonio Serrano. Además se utilizará música grabada antigua de los inicios del blues y jazz, música tradicional cubana y música flamenca. Sevilla, 31.1.2008 BALLET JUAN DE JUAN Presenta: EL POETA Y LOS SONES NEGROS Mi corazón se encoge y luego crece antes de volverse a encoger. Con el flamenco sucede lo mismo que con mi música…, ...esta música sale también del alma, del pasado, de mil vidas: es sentimiento. El flamenco es como el blues... Por eso yo siempre me he acercado a él con respeto, con muchísimo respeto.” Miles Davis Inmediatamente después del texto de Miles Davis se proyecta en la pantalla en blanco y negro fragmentos de imágenes y música de los viejitos del blues, del documental de Scorsese, flauta, baile y percusión. -Tiempo 1 ó 2 minutos De El Rey de Harlem a los Negritos sin Drama Idea original: Jesús Cosano Prieto Coreografías y música: Juan de Juan Composición musical: Lola Molina Asesoría Científica: María Paz Moreno (Universidad Ohio State) Colaboraciones especiales: Bladimir Zamora; Santiago Auserón; Jerry Gonzalez *** ESCENA PRIMERA Escenografía. Espacio limpio, oscuridad total, fondo de pantalla. Poco a poco aparece este texto de Miles Davis: “Cuando toco aquí (en España) siento una sensación muy especial. Hay algo en este país que me llega hondo. A veces, cuando oigo f lamenco, me arrodillo. ...Continua la escena y en la oscuridad total se proyectan en pantalla las imágenes siguientes acompañadas de blues de los más añejos (prisión), en una primera parte y en la segunda coincidiendo con las imágenes de música, bandas de blues. (“imágenes antiguas de archivos de J. C., de la población negra en USA y Caribe) Duración 2- 4 minutos ………………………………… Al finalizar las imágenes y la música, en silencio vuelven a aparecer las primeras imágenes de los negros del principio alternadas y “fundiendose” con los viejitos de Triana Pura y Pura. 20-30 segundos de duración. A continuación desde el silencio de la sala nace o se hacen uno de los gritos más desgarradores del flamenco (de la Niña de los Peines) En la pantalla a la vez lentamente aparece el siguiente texto: 79 “El grito extraño salvaje de su flamenco era para mí muy parecido al primitivo blues negro del Sur más profundo” Madrid, 1937 Langston Hughes sobre Pastora Pavón “ La Niña de los Peines” Finalizado el grito de La N. De los P., acompañado de gritos del primitivo blues a la vez el escenario oscurece y finaliza la primera escena. ESCENA SEGUNDA Coreografia de N. Y. De la época. Imágenes, que permitan sentir que se está en aquella ciudad metido en el ambiente de los negros. No tiene que ser algo necesariamente de cabaret, aunque la atmósfera que se respire si debe acercar al espectador a ello. Llegada de Lorca a N. Y. Lorca descubre a la población negra y su cultura. Su música. En pantalla aparece el texto de la carta de Federico García Lorca a su familia desde Nueva York: En casa de Nella Larsen, “los negros cantaron y bailaron” … ¡Pero qué maravilla de cantos! Sólo se puede comparar con ellos el cante jondo… Federico García Lorca, 1929, N.Y. Se escuchan cantos antiguos de blues, durante 10 segundos aproximadamente. Entra inmediatamente después (o enlaza), Juan de Juan que empieza a bailar en principio sólo con la música en directo que será 80 prioritariamente de jazz y blues y que darán pie a fusionar el cante de las voces flamencas con la instrumentación. Después entran las voces flamencas cantando el poema: De España a Alabama (Bulerias) Concha Zardoya ¿Adónde ha ido la gente, que ya no canta su flamenco? La gente no ha ido a ninguna parte: todavía canta su flamenco. ¿Adónde ha ido la gente, que ya no canta su blues? La gente no ha ido a ninguna parte: todavía canta su blues. … y aquí Juan de Juan… Juan baila jazz, blues, junto a los instrumentos primero y después la voz de cante jondo como si fuera Lorca percibiendo, sintiendo y escuchando sus primeros cantos en casa de Nela Larson Hacia el final de la escena el blues y el jazz se van apagando y entra con Juan en escena la voz de L. H. recitando “El negro habla de los ríos” a la vez que en la pantalla aparece el texto en castellano. Inmediatamente después las voces flamencas y Juan interpretan con el más rancio flamenco el poema: EL NEGRO HABLA DE LOS RÍOS (Soleá por bulerías) Langston Hughes He conocido ríos: He conocido ríos antiguos como el mundo y más viejos que el flujo de sangre humana en las humanas venas. Mi alma se ha hecho profunda como los ríos. Me bañé en el Eúfrates al comienzo de los amaneceres. Me construí una cabaña cerca del Congo que arrullaba mis sueños. Miré hacia el Nilo y sobre él alcé las pirámides. Oí el canto del Mississippi cuando Abe Lincoln bajó a Nueva Orleans, y vi su embarrado pecho tornarse dorado al amanecer. He conocido ríos: Ríos antiguos, oscuros. Mi alma se ha hecho profunda como los ríos. Fin de la segunda escena. ESCENA TERCERA Aparece en pantalla el texto de Lorca y a la vez una bailaora de belleza contrastada, acompañada de percusión representará lo que Federico García Lorca dice que sintió en su texto. Coreografía: Luna saliendo por el mar. …En la reunión había una negra que es, y lo digo sin exagerar, la mujer más bella y hermosísima que yo he visto en toda mi vida. Bailó sola una especie de rumba acompañada de un tam-tam y era un espectáculo tan puro y tan tierno verla bailar que solamente se podía comparar con una salida de la luna por el mar. Federico García Lorca, carta a su madre New York, 1929 ESCENA CUARTA Transición: la bailaora va dando paso a Juan de Juan (nuevo vestuario), que entra con la percusión de ella.., poco a poco finaliza, se retira y suenan los instrumentos y las voces gitanas…, comienza el final de la primera parte. Escenografía: en pantalla proyección de imágenes antiguas de Harlem, lugares, músicos, Langston Hughes, etc. .-Transición en el tiempo como si fuera algo escrito que Lorca vio en aquella época, pero visto a través de los poemas de L H y y Concha Zardoya, en versos cantados a diversos palos, a seleccionar entre los poemas de L. H. y Concha Zardoya. Estos temas cantados y bailados son los que explicarían esa impresión de Lorca. Fondo escenario: Imagen del gitano y la Luna de Zaida Temas a interpretar: SIEMBRA TU ARROZ EN EL AGUA (Jaleo) Concha Zardoya Siembra tu arroz en el agua. Planta algodón en el llano. Coge tu musgo del roble. Canta en la plaza los salmos. Tunde tu hierro en la fragua. Poda las ramas del árbol. Come tu pan... El que sobre dalo, cantando, a los pájaros. CANCIÓN DE ESPAÑA (FRAGMENTO) (Seguirillas) Langston Huges Venid, todos los que sois cantantes y cantadme la canción de España. Cantadla sencillamente para que pueda entenderla. ¿Cuál es la canción de España? 81 El flamenco es la canción de España: gitanos, guitarras, baile, muerte, amor y pena al ritmo del taconeo y del chasquido de los dedos sobre tres cuerdas. El flamenco es la canción de España. BAILE (Son flamenco) Concha Zardoya ¡El son! ¡El son! ¡El son! ¿La zebra galopando? ¡El son! ¿Oyes el son? ¿Inmensos elefantes, llamados por un dios? ¡El son! ¡El son! ¡El son! ¿Invitan a la danza? ¿El son del agua? ¡El son! Tam-tam que no se calla... ¡Que bailes, negro! ¡El son! ¡El son! ¡El son! ¡El son! Y bailas de alegría, y bailas de dolor, y bailas cuando odias, y bailas por amor. ¡El son! ¡El son! ¡El son! Y bailas cuando rezas: tu baile es devoción. Tu baile es pasatiempo, conjuro bajo el sol. ¡El son! ¡El son! ¡El son! La arena de la pena se pisa en el danzón. Y bailes o no bailes, te baila el corazón. ¡El son! ¡El son! ¡El son! Fin de la primera parte, 40-45 minutos aprox. ………………………………………… SEGUNDA PARTE Escenografía: Imágenes del Puerto de Cuba, El Malecón, barco de la época entrando en el puerto. 82 Se escucha el suave sonido de olas y un toque profundo de sirena del barco entrando en La Habana. Imágenes de la entrada en el Puerto de La Habana, el Malecón. A medida que aparecen los primeros textos de Lorca va sonando la primera música: Son del Trio Matamoros “...el barco se acerca y se acerca, y el olor a palmera comienza a inundar el espacio, el perfume de las Américas, con sus raíces, las Américas de Dios. Pero que me encuentro aquí? España de nuevo? De nuevo, La Andalucía de todo el mundo? Es este el color amarillento de Cádiz, que incluso aquí es mas intenso, es el rosa de Sevilla, casi roja y el verde de Granada unido con una luz azul clara que deslumbra” “Si me pierdo, que me busquen en Andalucía o en Cuba” Federico García Lorca La Habana,1930 … Finalizada la introducción, entra Juan de Juan y acompañado del texto de Lorca que sigue a continuación, baila al ritmo de la música cubana un pequeño tema que servirá de introducción, para continuar junto a la bailaora, la versión en flamenco “rumba” de Lola de alguno de los poemas de Nicolás Guillén “Motivos de son”. Duración 12 minutos aprox. “La Habana se alza sobre las plantaciones de azúcar, el sonido de las maracas, las trompetas divinas y las marimbas. ¿Y quien viene a darme la bienvenida en el puerto? Trinidad, la mujer negra de mi infancia. Y los negros, con sus ritmos que descubro, tan profundos y típicos como los de las gentes de mi Andalucía, negritos felices que dicen con orgullo: somos latinos.” Federico García Lorca La Habana, 1930 ……. “Lo andaluz es lo más cercano a lo criollo antillano, porque allá como acá se entrecruza lo español con lo africano. Lo negro posee comunicaciones subterráneas con lo gitano … Juan Marinello Escritor cubano que estuvo con Lorca en Cuba ……. “Lorca, se había hecho amigo de los morenos de los sextetos y no había noche que la excursión no terminase en las “fritas” de Marianao. Primero escuchaba muy seriamente. Luego con mucha timidez , rogaba a los soneros que tocasen este o aquel son. Enseguida probaba con las claves, y como había cogido el ritmo y no lo hacía mal, los morenos reían complacidos..” Adolfo Salazar Musicólogo español, que estuvo con Lorca en Cuba Versiones varias (posibles pregones de Vallejo y el Manisero interpretado por el cuarteto Machín), posibles sones interpretadas por Lola Molina de Nicolás Guillén. A continuación sale el texto de los Ñañigos y sólo Juan interpreta el canto y baile ñáñigo, como “diablito”. …… ...De la mano de Lydia Cabrera, Federico asiste a una ceremonia de iniciación ñáñiga, manifestación del folclor afro-cubano. “El poeta parecía fascinado por la celebración y los movimientos del diablito” Lydia Cabrera, escritora cubana amiga de García Lorca que le acompaño en su visita a Cuba. Fin de la escena SIGUIENTE ESCENA Se recita el poema de Gastón Baquero (recita Bladimir Zamora) “La frontera andaluza está en La Habana. Cuando un poeta andaluz aparece en el puerto, Las calles se alborotan, y en las macetas De todos los balcones florecen los geranios”. “El poeta sale de paseo. Confunde las calles de la ciudad marina con plazas sevillanas, con rincones de Cádiz, con patios cordobeses, con el run-run musical que brota de las piedras de Granada “Federico a solas, Federico solo, deslumbrado Por el duende de luz de la calle habanera. No se sabe quién toca, pero repiquetean guitarras sobre un fondo de maracas movidas suavemente”. El aire, Es tan increíble como la dulzura de los rostros, Y el cielo Es tan puro como el papel azul en que escribían los árabes Sus prodigiosos poemas” El poeta sale de paseo. Confunde las calles De la ciudad marina con plazas sevillanas, Con rincones de Cádiz, con patios cordobeses, con el run-run musical que brota de las piedras de Granada ... 83 Resuenan himnos callejeros: síncopas nacidas del ayuntarse de una princesa de Benin con un caballerito de Jerez de la Frontera. Resuenan en el alma del poeta enajenado por las calles habaneras, Himnos caídos del sol, cantados por espejos, por las piedras de la ciudad antigua: himnos entonados a toda voz por niños vendedores de frutas, acompañados de guitarra tañida por jóvenes etíopes con sombreros de jipijapa y la camisa roja abierta hasta el ombligo: himnos alucinantes columpiados en la calle habanera por el percutir de pequeños bongoses, arrastran al poeta hacia el Cielo Mayor de la Poesía. Juan y los músicos escuchan al poeta. Tenuemente mientras se recita el poema se escucha a lo lejos sonidos de maracas y cantos de pregones antiguos, Juan poco a poco se va acercando a la voz, cuando finaliza el recitado, los músicos rodean a Juan, al Poeta, y al compás de tangos y otros continúa el espectáculo. Los tipos de música deberían parecerse a lo que el poema va diciendo. Finaliza esta escena con las imágenes de Joseito Fernández y el Punto Cubano, y Juan bailando por ese palo, para dar paso a la siguiente escena. Comienza con el recitado de Santiago Auserón (y en pantalla aparecería el trozo de poema), de Gastón Baquero Negros y Gitanos por el cielo de Sevilla. ...Gitanos y negros tienen lenguaje en el tacón, lenguaje de hablar con sus dioses secretos, con sus bisabuelos trasformados en piel de tambor o en media luna de castañuelas… 84 Gastón Baquero Fragmento del poema: “Negros y Gitanos vuelan por el cielo de Sevilla” Sentado al lado de una mesa al golpe de nudillo y de tacón, Juan primero al compás de la música de Cuba y después de música flamenca improvisará “increscendo” ese “lenguaje” del que habla Baquero. Finalizada la improvisación, se canta y baila la versión flamenca del poema de Nicolás Guillén: CUANDO YO VINE A ESTE MUNDO (Soleá) Nicolás Guillén Cuando yo vine a este mundo, nadie me estaba esperando; así mi dolor profundo se me alivia caminando, pues cuando vine a este mundo, te digo, nadie me estaba esperando. Miro a los hombres nacer, miro a los hombres pasar; hay que andar, hay que mirar para ver, hay que andar. Otros lloran, yo me río, porque la risa es salud: lanza de mi poderío, coraza de mi virtud. Otros lloran, yo me río, porque la risa es salud. Camino sobre mis pies, sin muletas ni bastón, y mi voz entera es la voz entera del sol. Camino sobre mis pies, sin muletas ni bastón. Con el alma en carne viva, abajo, sueño y trabajo; ya estará el de abajo arriba, cuando el de arriba esté abajo. Con el alma en carne viva, abajo, sueño y trabajo. Hay gentes que no me quieren, porque muy humilde soy; ya verán cómo se mueren, y que hasta a su entierro voy, con eso y que no me quieren porque muy humilde soy. Miro a los hombres nacer, miro a los hombres pasar; hay que andar, hay que vivir para ver, hay que andar. Cuando yo vine a este mundo, te digo, nadie me estaba esperando; así mi dolor profundo, te digo, se me alivia caminando, te digo, pues cuando vine a este mundo, te digo, ¡nadie me estaba esperando! ESCENA FINAL Aparece el texto siguiente describiendo el viaje de vuelta en barco ya con Lorca totalmente “pillado” por la música de los negros del “frio y del calor”. “…Federico y yo llevamos en el barco de vuelta a España, los primeros sones que en Granada y en Madrid golpearon sus claves y rechinaron sus gúiros y exhalaron los gritos roncos de marimbas y bongoes salpicados por la lluvia de maracas”. Adolfo Salazar Musicólogo español, que estuvo con Lorca en Cuba Orgía de música y danza final al son del poema de Federico García Lorca: SON DE NEGROS EN CUBA (Son, guaguancó) Cuando llegue la luna llena iré a Santiago de Cuba, iré a Santiago, en un coche de agua negra. Iré a Santiago. Cantarán los techos de palmera. Iré a Santiago. Cuando la palma quiere ser cigüeña, iré a Santiago. Y cuando quiere ser medusa el plátano, Iré a Santiago con la rubia cabeza de Fonseca. Iré a Santiago. Y con la rosa de Romeo y Julieta iré a Santiago. Mar de papel y plata de monedas Iré a Santiago. ¡Oh Cuba! ¡Oh ritmo de semillas secas! Iré a Santiago. ¡Oh cintura caliente y gota de madera! Iré a Santiago. ¡Arpa de troncos vivos, caimán, flor de tabaco! Iré a Santiago. Siempre dije que yo iría a Santiago en un coche de agua negra. Iré a Santiago. Brisa y alcohol en las ruedas, iré a Santiago. Mi coral en la tiniebla, iré a Santiago. El mar ahogado en la arena, iré a Santiago, calor blanco, fruta muerta, iré a Santiago. ¡Oh bovino frescor de cañavera! ¡Oh Cuba! ¡Oh curva de suspiro y barro! Iré a Santiago. FIN 85 Jean DUVIGNAUD La Rochelle, 22 de Fevereiro de 1921 La Rochelle, 17 de Fevereiro de 2007 88 Sergio Guedes* RESUMO: breve biografia do intelectual francês Jean Duvignaud, sociólogo e homem de teatro , que presidiu o primeiro colóquio internacional de etnocenologia. PALAVRAS-CHAVE: Jean Duvignaud; teatro; etnocenologia. RÉSUMÉ: brève biographie de l’intellectuel français Jean Duvignaud, sociologue et homme de théâtre, qui a présidé le premier colloque international d’ethnoscénologie. MOTS-CLÉS: Jean Duvignaud; théâtre; ethnoscénologie. ABSTRACT: brief biography of the French intellectual Jean Duvignaud, sociologist and man of theater, who chaired the first international colloquium of ethnoscenology. KEYWORDS: Jean Duvignaud; theatre; ethnoscenology. Escritor, crítico de teatro, sociólog o, dramaturgo, ensaísta, roteirista, encenador, antropólogo. Maître de conférence na Universidade de Túnis, depois nas universidades de Tours (1965-1980) e de Paris-VIII (1980-1991) da qual foi Professor Emérito. Fundador de revistas, tais como Arguments com Edgar Morin nos anos 50; Cause commune com o ex-discípulo Georges Perec nos anos 70 e Internationale de l’Imaginaire, 2000 com Chérif Khaznadar. Fundador e Presidente de honra da Maison des Cultures du Monde. Presidiu na UNESCO o primeiro colóquio internacional de etnocenologia. Suas obras mais significativas são os romances : L’Or de la République, L’Empire du milieu. Em sociologia :Les Ombres collectives, Sociologie du théâtre, L’Anomie, Fêtes et civilisations, La Solidarité, La Genèse des passions dans la vie sociale. E do que nós vivemos, sobrevivem somente os momentos de antecipação, de utopia, de felicidade que marcaram a vida presente, a única que importa; da efêmera intuição de uma eternidade possível. Insubstituíveis momentos quando estivemos ‘abertos para as coisas futuras’. Nós não somos o que nós fomos, mas o que nós fomos tentamos a viver, como suplemento da vida, com outros e como se, por alguns dias ou semanas, se pudesse esconjurar o tempo. J. Duvignaud, Les octos. Béants aux choses futures.(trad. do autor). Jean Duvignaud morreu na cidade onde nascera 86 anos antes, La Rochelle, bastião do Protestantismo, das aventuras míticas dos três Mosqueteiros, das aventuras bélicas do Cardeal Richelieu, da saída marítima importante de navios e de capital para a Rota dos Escravos... Perdeu cedo a sua mãe e refugiou-se nos livros. Após estudos nas chamadas grandes écoles e uma passagem pela Resistência durante a Segunda Guerra Mundial sua vida profissional debutou como professor de Filosofia e depois de Sociologia. Fiel aos destinos dos homens da sua geração, cuja encarnação maior foi Jean-Paul Sartre, Jean Duvignaud foi também um daqueles intelectuais franceses polimorfos do pós-guerra. Se a história do pensamento ocidental os distribui por áreas de conhecimento estanques e assim podemos classificá-los, compreender-lhes os propósitos, filiá-los mais ou menos facilmente a escolas, grupos e linhas de pesquisa, um olhar distraído sobre a vasta produção do intelectual Jean Duvignaud, homem de contrastes, põe em evidência a sua participação com igual intensidade a mundos aparentemente antagônicos como o da literatura e o das ciências sociais; o da viagem e da abertura ao outro como o do ensimesmamento autobiográfico. A sua dedicação natural nos diversos projetos que levou a cabo, bem como a sua propensão a participar de vários “mundos” simultaneamente o caracterizavam. Inclassificável também na sua atuação nas ciências sociais. Sob este ângulo, Jean Duvignaud era exemplar : enquanto ele podia « instalar-se » no confortável estatuto de « especialista da sociologia da arte e do teatro », ele desenvolvia uma sociologia do conhecimento, do imaginário, do cotidiano, do riso. Ele recusava até que o considerassem mais sociólogo que antropólogo e vice-versa. É sem duvida por isso que ele sempre valorizava a escrita superpondo a reflexão sociológica e a construção romanesca.1 * Mestrando em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, Brasil 1 « De ce point de vue, Jean Duvignaud était exemplaire : alors qu’il pouvait « s’installer » dans le confortable statut du « spécialiste de la sociologie de l’art et du théâtre », il développait une sociologie de la connaissance, de l’imaginaire, de la quotidienneté, du rire. Il refusait même qu’on le considère plus sociologue qu’anthropologue et vice et versa. Sans doute est-ce aussi pour cela qu’il valorisait toujours l’écriture imbriquant la réflexion sociologique et la construction romanesque. » Jean-Pierre Corbeau, « Mise en perspective de l’article de Jean Duvignaud « L’idéologie, cancer de la conscience » », SociologieS, Jean Duvignaud, mis en ligne le 11 décembre 2007. URL : http://sociologies.revues.org/document1363.html. Consultado em 17 de dezembro de 2008. (trad. do autor). 89 A característica plural da obra por ele deixada se reflete de maneira insólita por situar-se a igual distância entre a investigação científica e o da ficção. Esta última servindo muitas vezes para ilustrar, exemplificar ou ser até a própria expressão daquela. Duvignaud e as ciências humanas Professor na Faculdade de Letras e Ciências de Tunis, ele conduziu os seus estudantes, regularmente entre 1960 e 1966, para realizarem juntos, no Sul do país, uma pesquisa cujo resultado é um marco na história da etnografia. Na cidade de Chebika, terra incógnita à beira do deserto. A esses jovens, oriundos de uma elite intelectual e econômica, movidos por uma incondicional admiração pelo ocidente europeu, foi revelada uma realidade social até então ignorada. Rapidamente Duvignaud e seus alunos compreenderam a impossibilidade de aplicar ali o método quantitativo passível, segundo eles, de falsear os resultados. Obtiveram bem mais informações através da obser vação da vida cotidiana e de discussões coletivas informais com a população sem utilizar questionários previamente estabelecidos. Em Chebika ou les mutations d’un village maghrébin (J, DUVIGANAUD, Paris, Gallimard, 1968) que é o resultado dessa pesquisa de campo de seis anos Duvignaud aborda expressamente o quanto a pesquisa “mexeu” com o pesquisado e, com a sua linguagem. Respondendo exaustivamente às perguntas que lhe eram feitas, nota-se, no decorrer do tempo, o quanto estas dão vida a uma reflexão dos membros da comunidade de quase 300.000 habitantes sobre suas próprias práticas e tradições vivenciadas ou esquecidas, suscitando uma tomada de consciência dos papeis sociais, do estado em que se encontrava a população em relação ao prog resso, à administração central do país e ao mundo. O resultado é uma obra com ver ve quase romanesca, que dá a palavra ao sujeito da 90 pesquisa, “entrando” nos seus pensamentos, descrevendo o seu comportamento e nos revelando cada ponto de vista, evitando assim uma simples abordagem estatística. Atento à diversidade das tradições sociológicas e dos limites de uma racionalização Duvignaud preconiza e estabelece uma metodologia concreta e uma ética da pesquisa etnográfica inspiradas na complexidade das relações entre o indivíduo, na sua experiência individual e coletiva, baseadas na indeter minação e nas rupturas sociais2. Ele parte do verdadeiro para estabelecer “de dentro” uma narrativa colandose assim a realidade pura. “Eles se revelam si mesmos”. É a imaginação a serviço da verdade. É (estudo e) pesquisa de campo, “onde a escrita transcende o objeto de empatia atingindo a dimensão poética”.3 Imaginar segundo a verdade” indo ao campo “como se vai à fonte” e honrar a expressividade literária caminhando através do labirinto dos vestígios, usos e ritos que leva ao significado escondido da existência comum. 4 Foi também o momento de constatar a reversibilidade dos efeitos da pesquisa, e o quanto esta também pode “mexer” com o pesquisador. Enfim, para ele, “o vilarejo [lhe] ensinou que a vida social, por mais desapontada e impotente que seja, se determina sempre para além dela própria”5 Duvignaud e o teatro O elemento essencial na obra de Duvignaud foi o teatro enquanto linguagem artística que torna 2 Jean-Pierre Corbeau, op. cit. « Etudes de milieu et récits de vie desdéshérités du monde où l’écriture transcense l’objet d ’empathie en atteignant à la dimension poétique ». Pierre Lassave, Dialogues avec la littérature : Louis Chevalier et Jean Duvignad, p. 130. Pierre Lassave : « Dialogues avec la littérature : Louis Chevalier et Jean Duvignaud », Genèses, Paris, n° 34, mars 1999, pp. 114-131. 4 « imaginer selon le vrai” em allant au terrain “comme on va à la fontaine » et honorer l1’expressivité littéraire en cheminant à travers le labyrinthe des bribes, usages e rites que mène au sens caché de l’existence comune » (Jean Duvignaud, Chebika, changement dans un village du sud tunisien, Paris, Plon, 1991 – introduction, p. 13-22.). (Apud Pierre Lassave, op. cit.). (trad. do autor). 5 Le village [Chebika] m’a enseigné que la vie sociale, si déçue ou impuissante soit-elle, se détermine toujours au-delà d’elle-même. Ibid. p. 429. (Apud Pierre Lassave, op. cit.). (trad. do autor). 3 mais evidentes os sistemas das relações sociais6. Duas obras lhe foram essencialmente consagradas: Sociologie du théâtre, Essai sur les ombres collectives, Paris, PUF, 1965 e L’acteur, Esquisse d’une sociologie du das relações entre autor, produção dramática e sociedade; do modo como esta última “induz” a criação da obra que lhe é endereçada. O segundo livro põe em evidência a sociedade enquanto público e as relações entre o ator, a criação e a personagem Para ele o ato de representar uma personagem é uma apropriação da substância social. Já no romance Le singe patriote. Talma, un portrait imaginaire, Arles, Actes Sud, 1993, Jean Duvignaud, híbrido e raro com sua imensa cultura, aborda o teatro como metáfora da sociedade7. A obra de Jean Duvignaud se inscreve na incessante alternância entre os gêneros e na compreensão do outro na anomia, termo que lhe é caro, dos contrastes, dos conflitos das existências múltiplas, sucessivas, e movida pela profunda Seus estudos o levam igualmente a investigar a manifestações espetaculares através da festa (“e o seu correlativo individual, o riso [como sendo] o fluxo do excesso, da vitalidade criativa que submerge, a certos momentos, os grupos e as pessoas” 9), o transe e a possessão na Umbanda do Norte do Brasil, que ele visitou, como portas da aestruturalidade, meios “de afrontar uma livre espontaneidade existencial nunca permitida pela vida social” (p. 35). O imaginário, o sonho, a festa, o jogo, o riso, o desejo, o transe, tudo o que as ordens estabelecidas designam na história como anômicas, subversivas ou perigosas vão então marcar o autor através das suas experiências vividas ou solicitadas de homem maduro, seus textos de professor de sociologia do conhecimento, seus romances de aventuras passionais e crepusculares10 Em Le don du rien o sociólogo dizia-se estar na contra-corrente de um movimento de idéias que há vinte anos tem tentado reduzir na França a história do desejo ou do imaginário ao formalismo de uma lógica inconsciente ou à combinatória de signos11. Duvignaud e a etnocenologia O Colóquio de Fundação do Centro Internacional de Etnocenologia em Paris, em 1995 sob os auspícios da UNESCO, da Maison des Cultures du Monde, e da Universidade de Paris 8, contou com a presença e participação de Jean Duvignaud que o presidiu. Apesar de a sua própria obra estabelecer correlações precisas entre a sociedade e a representação teatral propriamente dita, ele assinala que o projeto de instauração dos estudos etnocenológicos “não se confunde com a mise en scène da vida cotidiana nem com as formas do imaginário de teatro” 12 . Essa disciplina transcultural e emergente não cede à tentação de se ater a essa prática artística – o teatro – e vai além dela, da sua “aparição (...) em nosso domínio”, e pensa o espetáculo como sistema complexo – em suas dimensões biológicas e cognitivas. O seu objeto são o estudo, a documentação e a análise das formas de expressão espetaculares dos povos destinadas a um público, seja ele passivo ou ativo, como diz Cherif Hhaznadar13 É impossível não discernir nos seus textos consagrados às manifestações espetaculares, uma 6 “Duvignaud montou várias peças de teatro (Woyzzeck de Büchner, Maré basse de sua autoria, etc.) depois escreveu a sua tese em sociologia precisamente sobre o teatro, vasto afresco histórico sobre as “correlações funcionais” (Gurvitch) entre a cena, o ator, e a sua época, Sua obra sociológica a partir de então é marcada pelo estudo da estilização das paixões humanas para além da linguagem verbal assim como ela ilustra sua interpretação do teatro antigo, shakespeariano, clássico ou romântico”. (J. Lassave, Op cit. p.122). (trad. do autor). 7 Ver também o caso da jovem Rima, órfã, habitante de Chebika, pobre, e “sem irmão para defendê-la”. É a oportunidade para J. Duvignaud discorrer sobre o teatro a partir de um encontro presencial. Comparaa a Antígona essa jovem que aprendeu a ler sozinha e também por isso incompreendida como única mulher alfabetizada do vilarejo. Rima não conhece nada do futuro, ela padece, mas se insurge contra o presente que, em nome de tradições do passado, a oprime. Ref. David Le Breton, Le théâtre du monde: lecture de Jean Duvignaud. Colaboração Jean Duvignaud. Presses Université Laval, 2004218 p. 8 J. Lassave, op. Cit. p. 9 « Ce qui m’intéresse ici, et qui concerne éminemment la fête et son corrélatif individuel, le rire,c’est le flux d’excès, de vitalité créatrice, qui submerge à certains moments les groupes et les personnes », car « l’homme ne se réduit jamais à son activité pratique instituée » Le Don du rien, essai d’anthropologie de la fête, Paris, Plon, 1977 (p. 287). Apud. Alain Caillé, Prefácio « Jean Duvignaud, Le don du rien », Revue du MAUSS permanente, 28 octobre 2007 [en ligne]. http:// www.journaldumauss.net/spip.php?article195. 10 J. Lassave. op. cit. p. 124. (trad. do autor). 11 Apud Allain Caillé. Op. cit. p. (p. 57 12 DUVIGNAUD, Jean. Uma nova pista. In: Greiner, Cristine; BIÃO, Armindo (Orgs.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999. p. 31 13 KHAZNADAR, Chérif. Contribuição para uma definição do conceito de etnocenologia. Trad. de Sergio Guedes. In: Greiner, Cristine; BIÃO, Armindo (Orgs.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999. p. 58. 91 abordagem precursora da etnocenologia e do seu objeto: as práticas e comportamentos humanos espetaculares organizados (PCHEO). Além do que, as suas teses sobre o teatro, a representação e o jogo restam uma plena contribuição ao porvir de uma Cenologia geral14. O poder de análise visual de Duvignaud, como vimos no seu trabalho junto aos habitantes de Chebika como observador participante, é um requisito indispensável para os estudos etnocenológicos, conquanto que esse olhar não se atenha apenas ao “pico emergente percebido”, ao aspecto tão somente espetacular do fato estudado15. Os caminhos divergem quando, na sua obra, ele insiste na noção de resistência do gesto espetacular descrito como resposta às “exigências” da fome, da sexualidade, da morte, do trabalho, do sagrado, enquanto que para a etnocenologia a atividade espetacular humana é um traço fundamental da espécie.16 Segundo o seu codificador Jean-Marie Pradier, a etnocenologia é uma etnociência cuja “hipótese é que a atividade espetacular humana, é um traço fundamental da espécie, sustentado pela unidade do corpo/pensamento”17. Entretanto, considerando a sua definição de manifestações espetaculares no prefácio do Atlas de l’Imaginaire, Duvignaud parece apontar para um motor oculto dessas de efervescências coletiva: A vida humana não é a das colméias ou dos formigueiros! Há mais coisas nessas cerimonias que parecem buscar resolver um enigma. Nos confins do vivido e do possivel. (...) Como é que esses espetaculos parecem visar para além da curiosidade, do respeito das tradições ou do prazer estético18. Jean Duvignaud optou pela análise do teatro para poder ir mais longe nas suas especulações sociais. Franco-atirador diz dele mesmo que “ia contra a corrente (...) de um movimento de idéias que na França vem tentando há vinte anos reduzir a história do desejo ou do imaginário ao for malismo de uma lógica inconsciente ou à combinatória de signos” 19. E 92 finalmente quando afir ma que “a invenção dramática é imanente ao corpo social”20, podemos, desde aí, inscrever o seu nome como um dos precursores dos estudos sobre a espetacularidade e, conseqüentemente, da etnocenologia. 14 PRADIER, Jean-Marie. « Ethnoscènologie : la chair et l’esprit ». Théâtre 1, Paris: Universidade de Paris 8, 1998, p. 17-37. Repertório Teatro & Dança 1, Salvador UFBA/PPGAC/GIPE-CIT, 1998, p. 9-22. 15 Pradier, op. cit. 16 Ver a esse propósito a analogia que faz Jean Marie Pradier com a musica e a linguagem: “[a] expansão e evolução cultural [ do sentido musical e da linguagem] levou à formação de entidades espetaculares autônomas que correspondem à distribuição das atividades humanas, nas sociedades: liturgia, cerimônia, parada, ritos, rituais, festa, revista, desfile, procissão, carnaval, circo, mímica, teatro são atualizações históricas e locais de um atributo universal.” Pradier, op. cit. 17 Pradier, op. cit. 18 « La vie humanine n’est pas celle des ruches ou des fourmilières Gründ, Françoise et Chérif Khaznadar, Atlas de l’imaginaire, préface de Jean Duvignaud, Maison des Cultures du Monde / Favre, Paris et Lausanne, 1996, 206 pages. (Trad. do autor) 19 Apud. Alain Caillé, Prefácio « Jean Duvignaud, Le don du rien », Revue du MAUSS permanente, 28 octobre 2007 [en ligne]. http:// www.journaldumauss.net/spip.php?article195 20 Jean Duvignau, Les ombres collectives, Sociologie du théâtre PUF, Paris, 1973. p. 367. (trad. do autor) ! Il y a plus dans ces cérémonies qui semblent chercher à résoudre une énigme. Aux confins du vécu et du possible. (...) D’où vient que ces spectacles semblent viser plus loin que la curiosité, le respect des traditions ou le plaisir esthétique.» “Ensaiando dentro da mente”: dança e neurociências Mônica Medeiros Ribeiro* Antonio Lúcio Teixeira** RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar e discutir algumas contribuições neurocientíficas ao estudo da aprendizagem da dança. Aprender uma seqüência de movimentos coreografados envolve uma série de processos cognitivos (observação, simulação, imitação e repetição) que podem ser estudados por meio do mapeamento cerebral. E o aprendizado da dança coreografada pode ser organizado em três estágios: o cognitivo per se, o associativo e o autônomo. No último estágio, o automatismo permite que o dançarino estabeleça novas associações neurais e singularize seus movimentos. Esses movimentos são afetados ou coloridos, principalmente, pelas emoções que variam a cada apresentação. Assim, o intérprete pode recriar a mesma seqüência inúmeras vezes, conferindo sempre originalidade. PALAVRAS-CHAVE: dança; neurociências; aprendizagem. ABSTRACT: The objective of the present text is to present and discuss some neuroscientific contributions to the study of dance learning. To learn a determined sequence of movement involves a series of cognitive processes, such as observation, simulation, imitation and repetition. Theses processes can be studied by modern neuroimaging techniques. Cognitive, associative and autonomous are the stages of learning a choreographed dance. In this latter stage, automatism process allows the dancer to form new neural associations and to perform the movements in a singular manner. These movements are mainly affected by the emotions that can vary in each performance. Thus the performer can recreate the same sequence of movements a thousand times with originality. KEYWORDS: dance; neuroscience; learning. RÉSUMÉ: Cet article vise à présenter et à discuter de certains neurocientíficas contributions à l’étude de l’apprentissage de la danse. L’apprentissage d’une séquence de mouvements coreografados implique un certain nombre de processus cognitifs (l’observation, la simulation, l’imitation et la répétition) qui peuvent être étudiés par la cartographie du cerveau. L’apprentissage et la chorégraphie de la danse peuvent être organisés en trois étapes: le cognitif en soi, le monde associatif et autonomes. Dans la dernière étape, l’automatisation permet au danseur de nouvelles associations de neurones et de leur mouvement. Ces mouvements sont affectés ou de couleur, surtout par les émotions qui varient en fonction de chaque demande. Ainsi, l’interprète peut recréer la même séquence à plusieurs reprises, donnant toujours l’originalité. MOTS CLÉS: danse; neurosciences; apprentissage. Introdução A Neurociência é o conjunto das disciplinas que estudam, com os mais variados métodos, o sistema nervoso e a relação entre as funções cerebrais e as funções mentais. A dança é uma forma de expressão humana que acompanha o homem desde tempos imemoriais. Provavelmente, evoluiu junto com a música como uma forma de gerar ritmo (BROWN e PARSONS, 2008). Pode ser considerada, portanto, em uma perspectiva estética e uma teleológica. A dança é marcada, sobretudo, por seu caráter ritualístico e extracotidiano, tendo como condição a escolha, ou seja, a intencionalidade (GRUND, 2007). Dotada de alta complexidade coordenativa motora, tanto a dança, quanto os movimentos esportivos têm sido alvo de estudos neurocientíficos. Esses estudos tomaram um rumo diferenciado quando alguns neurocientistas começaram a se perguntar o que diferiria, com relação às suas bases neurais, uma pir ueta executada por uma primorosa bailarina durante a encenação do “Lago dos Cisnes” de um arremesso de Michael Jordan numa partida de basquete. Como identificar as pegadas ou o “rastro” da arte no cérebro? Teriam diferentes representações neurais a nuance e a intenção de comunicação do movimento expressivo na arte? O objeto de estudo passou, então, das bases neurofisiológicas da ação * Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG ** Professor da Faculdade de Medicina da UFMG 95 músculo-esquelética para as bases da expressão, seja ela referente à dança, ao teatro, a música ou às artes plásticas. O estudo das bases neurobiológicas do comportamento humano expressivo em suas diferentes formas foi intensificado com a evolução dos métodos de neuroimagem no final do século XX, principalmente a ressonância magnética funcional (fMRI) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET). A tomografia por emissão de pósitrons quantifica o fluxo sanguíneo ou consumo de oxigênio no cérebro, enquanto que a ressonância magnética funcional trabalha a partir da criação de um campo magnético que é registrado na forma de ressonância magnética e transformado em imagem com o auxílio de programas computacionais (SANTOS, 2008). Com o auxílio desses métodos, vários pesquisadores aventuraram-se no misterioso universo neural subjacente às atividades artísticoexpressivas. Por exemplo, em Londres, Calvo Merino e Cols.(2008) estudaram a percepção estética no contexto das artes performáticas; Cross e Cols. (2008) verificaram se a prática física e a aprendizagem por observação tinham correlações sensíveis na rede da ação observada; Grafton e Cols. (2006), nos Estados Unidos, publicaram trabalhos acerca da observação de dança por bailarinos, todos por meio de fMRI. Sacco e Cols. (2006), na Itália, investigaram também com fMRI a atenção no treinamento motor numa execução de passos de tango, enquanto, no Canadá, Brown e Cols. (2005) descreveram, a partir dos resultados da PET, as bases neurais da dança durante a execução de passos de tango. Utilizando outros métodos de pesquisa, podemos citar ainda o trabalho do neurobiólogo inglês, Semir Zeki (2007), que trabalha com a organização visual no cérebro, estudando as bases neurais da criatividade e da apreciação estética da arte; o pesquisador e coreógrafo Ivar Hagendoorn (2004), na Alemanha, que investiga a relação entre a neurocrítica da dança, dança improvisacional e a neurociência cognitiva; Stevens e McKechnie (2005), na Austrália, que correlacionam ação, memória, 96 comunicação não verbal com dança contemporânea; e Kevin Dumbar, nos Estados Unidos, que pesquisa sobre os efeitos da educação das artes e da ciência no cérebro. Destes estudos emergem perguntas diversas: Por que as pessoas dançam? A arte possui algum traço neural específico? Os mecanismos neurais se ampliam na execução de um virtuoso passo de balé? Quais são os processos cognitivos subjacentes à criação e à execução de uma dança? Dançar em um ritmo não sincronizado, assimétrico, em relação à música demanda novas áreas no circuito motor? Como os passos dos bailarinos são ritmados? Qual a diferença neural entre a emoção ‘real’ e a emoção suscitada pelas vivências de um personagem interpretado por um ator? Como é possível que a emoção de uma noite de estréia afete um movimento sem prejuízo na execução da coreografia ou na sincronização com o grupo? É possível mapear as rotas neurais da dança-teatro de Pina Bausch, por exemplo? As neurociências começam a ampliar seus estudos para além do movimento patológico e não funcional para o movimento virtuoso ou artístico. Pode-se dizer que a arte tem servido à ciência na elucidação destas e outras questões. Neste artigo, pretendemos apresentar e discutir algumas contribuições neurocientíficas ao estudo da aprendizagem da dança coreografada a partir de uma revisão narrativa da literatura. Salientaremos o modelo de aprendizagem motora e a participação dos processos de simulação, de imitação, de repetição durante o aprendizado do movimento expressivo em uma dança coreografada. Apresentaremos também algumas evidências que conferem ao automatismo a condição de facilitador e viabilizador da coexistência de funções cognitivas diversas junto ao ato motor durante a execução de uma coreografia. Aprender a dançar A destreza de Louise Lecavalier, bailarina do canadense La La La Human Steps Dance, ao dançar na série de TV “Mondo Beyondo” (1987) com seus saltos arrebatadores e surpreendentes; o imperceptível esforço dos bailarinos do mesmo grupo em “Amjad” (2007), espetáculo todo executado com sapatilhas de ponta; a estarrecedora precisão técnica e beleza de “Amelia” (2002) também do La La la Human Steps; a sincronia cheia de graciosidade e swing brasileiro nos movimentos dos bailarinos do grupo Corpo em Lecuona (2004), a dramaticidade do movimento de Malou Airaudo quando dialoga rítmica e emotivamente com Stravinsky em “A Sagração da Primavera” (1975) de Pina Bausch são atributos decorrentes de muito exercício e conseqüente aquisição técnica em dança. A dança é uma atividade motora altamente complexa que demanda habilidades vísuoespaciais, cinestésicas, auditivas, dentre outras. Brown e Parsons (2008) descrevem-na como uma confluência de movimentos e ritmos que exige um tipo de coordenação interpessoal no espaço e no tempo praticamente inexistente em outros contextos sociais (RIBEIRO E TEIXEIRA, 2008). Além disso, numa dança como a dança-teatro de Pina Bausch, o ato motor é inundado de afetividade. A cognição deixa sua marca indelével no movimento expressivo, permitindo-lhe ser chamado de dança e fazer parte da herança cultural da humanidade. É importante lembrar que aqui a cognição é compreendida como um conjunto de sub-funções que englobam, dentre outras, a percepção, a emoção, a simbolização, a resolução de problemas, a comunicação e a expressão de informações (FONSECA, 2007). Então, aprender uma coreografia, uma seqüência pré-estabelecida de movimentos, requer complexas e especializadas “ferramentas” neurais. Sabe-se que o movimento é realizado por meio da interação entre os sistemas sensório-motor, cognitivo e afetivo/emocional. De maneira simplificada, as áreas de processamento sensorial nos lobos temporal, occipital e parietal interpretarão os sinais recebidos do meio externo (ambiente) e interno (estado dos órgãos internos), enviando sinais para as áreas de planejamento do movimento no córtex frontal. Em seguida, o córtex pré-frontal processa que tipo de movimento deve ser executado, enviando sinais para a área motora suplementar, cerebelo e núcleos da base, responsáveis pela estratégia motora. O cerebelo e os núcleos da base monitoram a execução do movimento realizada pelos músculos que, por meio de órgãos sensoriais, enviam informações acerca da orientação do corpo no espaço (RIBEIRO, 2007). Isso possibilita a realização de ajustes nos movimentos readequandoos às circunstâncias dadas. Assim, a ação motora na dança resulta da integração de estímulos sensoriais e motores de forma proposicional, isto é, voluntária e dotada de intencionalidade. Todo esse percurso neural é ativado durante a execução de um movimento como passar uma roupa, escrever um relatório e até mesmo dançar uma coreografia. No entanto, haveria algo mais nas redes neurais envolvidas no aprendizado do movimento voluntário expressivo pertencente à dança? Aprender uma coreografia demandaria os mesmos circuitos neurais que são recrutados, por exemplo, quando aprendemos a dirigir? Observar, Imitar e Repetir Quando o bailarino observa o movimento que lhe está sendo transmitido pelo coreógrafo, ele simula o movimento internamente. Essa ação simulada é definida como uma representação interna do movimento sem o movimento observável (JEANNEROD, 1994). O trajeto neural desse processo é constituído pela a área motora suplementar, pelo córtex pré-motor ventral, lóbulo parietal inferior, sulco temporal superior e pela área motora primária (BINKOFSKI et al. 2000). Decety e colaboradores (1995, 1994), demonstraram que regiões cerebrais ativadas durante movimentos imaginados também são ativadas na execução dos movimentos. Para Bouquet e Cols. (2007), o sistema motor não somente executa ações, mas também ressoa com as ações observadas. Esse ressoar é a própria simulação do movimento que se apresenta mais 97 forte quando os bailarinos possuem familiaridade com os movimentos observados (GRAFTON et al. 2006). De acordo com esses pesquisadores, a experiência física do movimento altera as bases neurais dos processos de simulação motora. Ou seja, quando os bailarinos observam movimentos que lhe são conhecidos corporalmente, as áreas do circuito de simulação são afetadas. A simulação é diferente se o sujeito possui uma vivência corporal anterior ao momento de aprendizado. Daí pode-se inferir que o aprendizado prévio de um determinado estilo de movimento pode facilitar a aquisição de novas combinações seqüenciais de movimentos semelhantes. Então, a simulação parece preceder o processo de imitação do movimento. A capacidade de ensaiar mentalmente é vital para o processo de aprendizagem motora. Na imitação, os processos cognitivos são altamente exigidos, pois além de realizar movimento, o bailarino necessita observar e sincronizar várias modalidades sensoriais, e até mesmo criar. A criatividade aqui se refere à busca de maneiras diferenciadas para completar a meta do aprendizado. Enquanto imita, obser va e executa a ação simultaneamente requerendo a interação de funções vísuo-motoras. É como se o movimento ocorresse “dentro e fora” da mente ao mesmo tempo. Além disso, é importante ressaltar que durante a execução por imitação é importante estar atento no esquema motor do movimento. Nas Artes Cênicas, denominamos este estar atento de “ter consciência do movimento”. Quando dizemos que um performer tem muita consciência corporal, estamos dizendo que ele tem grande capacidade de execução de movimentos complexos, dado seu conhecimento cinestésico. Quanto mais ele treina este estar atento, ou desenvolve sua consciência corporal, maior será a ativação em regiões frontais posteriores envolvidas com a produção do movimento (SACCO et al., 2006). Sacco et al. (2006) hipotetizaram que, enquanto a atenção envolve principalmente as regiões pré-frontais, a atenção treinada produz uma 98 maior ativação das áreas frontais motoras, favorecendo a imagem motora, o esquema corporal, mais que a visual. Dessa maneira, o treino de imagem motora poderia facilitar a aquisição do próprio esquema motor. Assim como a simulação, o processo de imitação possui um circuito neural específico que, de acordo com Iacoboni (1999) compreende três regiões corticais perisilvianas (ou seja, próximas do sulco lateral ou de Sylvius): o córtex temporal superior, o córtex parietal posterior e o córtex frontal inferior. O córtex temporal superior forneceria uma descrição visual da ação observada para os “neurônios espelho” do córtex parietal, codificando inicialmente a descrição da ação a ser imitada. Os “neurônios espelho” do córtex parietal posterior forneceriam infor mações somatosensoriais adicionais da ação observada e as enviariam para os “neurônios espelho” do córtex frontal inferior, codificando detalhadamente as especificações motoras para a ação a ser copiada (RIBEIRO E TEIXEIRA, 2008). Por fim, os “neurônios espelho” do córtex frontal inferior codificariam o objetivo da ação a ser imitada (IACOBONI, 2005). Os “neurônios espelho” foram originalmente descritos no córtex pré-frontal do macaco, na área F5 (RIZZOLATTI et al., 1996; GALLESE et al., 1996). De acordo com os estudos acerca dessa população de neurônios, eles se enquadrariam na classe dos neurônios visuomotores, ativando-se quando o animal fazia uma determinada ação e quando ele observava a ação de outra pessoa. (DI PELLEGRINO et al., 1992; RIZZOLATTI et al., 1996; Gallese et al., 1996). Um aspecto funcional importante desses neurônios é essa relação entre propriedades visuais e motoras. A idéia por detrás dessa interação visuomotora reside no fato de que durante a imitação se requer tanto a observação da ação, quanto a sua execução (IACOBONI, 2005). Apesar de carecermos de evidências diretas acerca da existência de “neurônios espelho” em humanos, há uma expressiva quantidade de trabalhos que sugerem isso (RIZZOLATTI & CRAIGHERO, 2004, p.174). Essas evidências são provenientes de experimentos neurofisiológicos e de neuroimagem. Experimentos neurofisiológicos demonstraram que quando os indivíduos observam uma ação feita por outro indivíduo, seu córtex motor se torna ativo na ausência de qualquer atividade motora evidente. Mais evidências foram obtidas por meio da técnica não-invasiva de estimulação elétrica do sistema ner voso, a estimulação magnética transcraniana (TMS). Quando a TMS é aplicada no córtex motor, com uma intensidade simulada apropriada, um potencial motor evocado (MEPs) pode ser percebido na extremidade dos músculos contralaterais. A amplitude desse potencial é modulada pelo contexto do comportamento. No experimento realizado por Fadiga et al. (1995), ficou demonstrado que tanto ações com significado (ações transitivas), quanto ações sem significado (ações intransitivas) determinaram um aumento nos MEPs. O aumento envolvia seletivamente aqueles músculos que os participantes usaram para produzir os movimentos observados (RIZZOLATTI E CRAIGHERO, 2004). É importante notar que ações transitivas ativam tanto o lobo parietal, quanto o frontal, enquanto que ações intransitivas ativam apenas o lobo frontal (RIZZOLATTI E CRAIGHERO, 2004). Então, os estudos realizados com TMS indicaram a existência de um sistema de ressonância motora, ou seja, um sistema de “neurônios espelho” em humanos. Cabe ressaltar que existem diferenças entre o proposto sistema de “neurônios espelho” em humanos e o descrito para macacos. Primeiramente, movimentos sem significado produzem ativação desse sistema em humanos (FADIGA et al., 1995; MAEDA et al., 2002). Ainda, as características temporais da excitabilidade cortical durante a ação observada, sugerem que o provável sistema de “neurônios espelho” nos humanos codifica também movimentos formados na ação. Essas propriedades devem desempenhar um importante papel na capacidade humana de imitar a ação de outros (RIZZOLATTI & CRAIGHERO, 2004, p.176). Soma-se a isso o fato de o processo de imitação ser fundamental para o próximo passo: a repetição, tão necessária na aprendizagem de uma dança coreografada Repetição. Talvez este seja o momento chave nos processos de aprendizagem aqui abordados. Tanto a aprendizagem de uma coreografia, quanto a direção de um carro demandam a repetida execução de uma seqüência pré-determinada de movimentos. Mas, antes de repetir, observa-se, simula-se e imita-se. A partir daí, pode ocorrer o chamado exercício consciente no qual a atenção e a tomada de consciência são extremamente necessárias. Voltando para o aprendizado na dança, é fundamental reiterar a importância da intencionalidade do movimento que gera um ato motor consciente, voluntário e objetivado. O bailarino tem uma série de tarefas durante a execução da seqüência motora. Dentre elas, destacam-se a atenção ao efeito de seu movimento no observador, a consciência de onde imprimir um tônus mais forte ao movimento, de qual frase do movimento enfatizar, de quando acelerar, retardar ou reter o fluxo. Comunicar com o espectador. Isso se dá não necessariamente de maneira direta, mas por meio da intenção de conduzir o olhar daquele que frui a obra, ora acentuando, ora atenuando um fragmento motor, dançando a coreografia com a dinâmica que lhe é pertinente e, desta maneira, imprimir-lhe sua assinatura pessoal. Tudo isso deve estar presente no aprendizado e na execução da dança. Somente por meio da experiência, resultado de anos de treinamento e preparação, somados aos princípios cognitivos da percepção e controle do movimento que se pode alcançar excelência no processo de aprendizagem que se repetirá ao longo de toda a vida profissional do performer do movimento (HAGENDOORN, 2004). Observar, simular, imitar, repetir, hierarquizar, categorizar e associar são “técnicas” utilizadas pelos bailarinos para facilitar a compreensão, a retenção e a execução de uma coreografia (STEVENS e McKECHNIE, 2005). 99 Da ação pensada ao pensamento expresso na ação Para tornar uma idéia coreográfica visível, o bailarino terá que, inicialmente, realizar um grande esforço cognitivo. Mesmo que o estilo de movimento lhe seja familiar, a seqüência motora não o é. A novidade da tarefa produz grande ativação nas regiões corticais pré-frontais. Essas regiões estão fortemente relacionadas às funções executivas. No primeiro estágio de aprendizagem motora na dança, são recrutadas especialmente algumas funções executivas: a atenção seletiva, a memória operacional, a solução de problemas e a tomada de decisões, o planejamento e a motivação. Além da região pré-frontal, as áreas que estão especificamente relacionadas com a produção motora, como as áreas motora primária, motora suplementar e pré-motora, são fortemente ativadas neste primeiro momento. Este é o estágio cognitivo per se no qual o bailarino compreende a natureza da tarefa e desenvolve estratégias para atingir a meta. Aqui não se pode exigir uma excelência de desempenho, pois ele ainda está buscando a melhor maneira de realizar os movimentos. Durante os processos de imitação e, principalmente, de repetição, a aprendizagem vai se tornando mais processual e menos declarativa. Nesse momento, o intérprete não necessita focar tanto a atenção, nem mesmo planejar e escolher caminhos para aprender a seqüência. No entanto, caso deseje, ele pode interferir na execução motora. Pode-se dizer, então, que coexiste aprendizagem processual e declarativa na fase de aprendizagem associativa, na qual ele começa a refinar os movimentos com a repetição (RIBEIRO, 2007). Após inúmeras repetições, o aprendizado se consolida e alcança-se o estágio autônomo. O bailarino pode evocar passos e agir sobre eles alterando a dinâmica da seqüência por meio, por exemplo, de mudança no tônus dos movimentos. Aqui, o conhecimento adquirido pode ser conscientemente lembrado, mas a atenção não está voltada para os movimentos e sim para o que 100 chamamos de interpretação única de cada artista. O intérprete interfere cognitivamente naquilo que foi aprendido por meio de acentos, de acelerações e desacelerações, retenções, o que dota a coreografia de uma graça toda particular àquele que a executa. Este é o estágio autônomo, também conhecido como o de automatismo. Nesse momento, o intérprete pode emocionar-se com alguém da platéia, com a própria apresentação, pode lidar com algum imprevisto na execução coreográfica, ou seja, pode concentrar-se numa tarefa secundária por haver se especializado na seqüência e otimizado a eficiência do movimento (RIBEIRO, 2007). Na área de estudos sobre comportamento motor, o movimento automatizado refere-se, portanto, àquele estágio no qual não se necessita uma atenção e monitoração consciente. No entanto, na área de Artes Cênicas, o termo automatismo é, muitas vezes, compreendido, de maneira pejorativa, como “robótico”. O caráter “robótico” está relacionado à mecanicização do movimento, à falta do sentimento de “presença cênica”, à ausência de intencionalidade, à falta de espaço para as emoções e sentimentos. Desconhece-se que, no sentido neural, a automatização é um mecanismo protetor, pois permite a ativação simultânea de diversos circuitos concomitante à execução coreográfica. As funções motoras sob responsabilidade dos circuitos pré-frontais passam a ser monitorizadas pelo cerebelo e núcleos da base, liberando os circuitos pré-frontais para executarem novas tarefas. A própria relação das seqüências com algum tipo de emoção que as “acompanha”, dotando o bailarino de um “quê” especial que o distingue dos demais, pode ser possibilitada pela liberação dos circuitos pré-frontais em decorrência da automatização. Como exemplo dessa liberação de funções estritamente motoras dos circuitos pré-frontais, destacamos um interessante trabalho. A atividade neural de um desenhista profissional e de uma pessoa comum, enquanto desenhavam uma série de faces, foram comparadas por técnicas de neuroimagem funcional (SOLSO, 2001). Essas técnicas permitem identificar quais áreas cerebrais estão ativadas ou envolvidas durante a execução de um determinado paradigma experimental, no caso, o desenho de faces. A região parietal posterior direita, tradicionalmente associada com o processamento de faces, estava mais ativa no nãoartista, enquanto que, no artista, o córtex préfrontal direito estava significativamente mais ativo. Esse estudo sugere que o artista não precisava mais da informação básica relacionada ao processamento de faces, mas estava provavelmente envolvido com a composição do desenho. Isso reforça nossa hipótese de que o não recrutamento da área pré-frontal na coreografia automatizada deixa “espaço livre” para novas associações e permite uma dose de liberdade ao intérprete da dança. Durante a realização de uma coreografia num corpo de baile, por exemplo, o bailarino terá sua atenção dividida entre os companheiros, o espaço, a música, as reações da platéia, a qualquer imprevisto que possa ocorrer, as emoções próprias daquele dia, as memórias que lhe assaltarem a mente e as próprias contingências do estado físico do corpo, sem prejuízo da execução motora. Ao contrário, devido ao alto grau de excelência alcançado pela consolidação da aprendizagem, ele poderá imprimir sua assinatura pessoal aos movimentos. E as emoções do artista? É comum ouvirmos falar a respeito da condição emotiva dos artistas. Preconceito ou não, o fato é que esses profissionais são treinados a explorar, a expor suas emoções e sentimentos mais profundos. É certo que nem todo trabalho de arte, seja teatro, dança ou outro, parte ou faz uso da emoção como partícipe da construção sígnica. Mas, é impossível dissociar movimento e emoção. Seja ela elemento de constr ução simbólica ou simplesmente parte da natureza humana que emerge de maneira inesperada durante uma apresentação cênica. Durante a aprendizagem do movimento na dança, a afetividade também se evidencia. O conhecimento que o bailarino soma à seqüência coreográfica aprendida possui forte componente episódico e autobiográfico, e geralmente se apresenta acompanhado de emoções ou memórias emotivas. Os aspectos expressivos e afetivos na criação e na execução de movimentos na dança são o que possivelmente distingue o processo de aprendizagem na dança daquele que ocorre em outras áreas do movimento complexo como atletismo, a ginástica rítmica ou de solo, os jogos, etc (STEVENS e McKECHNIE, 2005). O movimento é contaminado pelas emoções e assim, ‘virulento’, passa a dizer algo mais, passa a ter uma significância própria. Somente assim compreendemos as variações na execução de uma idêntica seqüência motora durante uma longa temporada de apresentações. As emoções afetam os movimentos conferindo-lhes matizes diferenciados. E isso, sem prejuízo da excelência devido ao estágio autônomo e, segundo nossa proposta, à conseqüente “liberação” do lobo frontal que poderá interferir no dançar de maneira intencional, modulando cada fragmento da coreografia. Conclusão A aprendizagem da dança coreografada envolve, portanto uma série de requisitos neurobiológicos que podem ser observados por meio do mapeamento neural dos processos de observação, simulação, imitação e repetição. São necessários três estágios para que se consolide o aprendizado de movimentos coreográficos: cognitivo, associativo e autônomo. No ultimo estágio o automatismo permite que o indivíduo recrute novas associações neurais e matize seus movimentos com sua interpretação pessoal. Esses matizes são coloridos, principalmente, pelas emoções que variam a cada apresentação e permitem que o intérprete recrie a mesma seqüência inúmeras vezes. Manifestação cultural tão antiga quanto o homem, a dança socializa, ritualiza, comunica, expressa crenças, pensamentos, emoções por meio 101 de sua linguagem silenciosa. Mas por que as pessoas decidem se expressar através da dança? Essa pergunta persegue vários pesquisadores que decidiram aproximar arte e ciência. Estaria a resposta “representada” no cérebro, por meio de circuitos neurais específicos? Ainda não se tem resposta para essas e várias outras perguntas que emergem dessas profícuas aproximações de áreas de conhecimento. Talvez essa seja a razão do crescente aumento do número de pesquisas neurocientíficas que abordam a expressão da dança, da música, do teatro, a recepção estética, os efeitos do aprendizado de arte no cérebro. Mas, de acordo com Kandel (2008, p.73), referência clássica acerca dos estudos sobre memória, a “arte proporciona uma visão do que há sob a superfície das coisas”. Zeki (2001) apresenta a arte como uma das mais ricas experiências das quais nós somos capazes, mas principalmente como uma expressão da variabilidade que é a característica evolutiva mais importante do cérebro humano. À ciência a arte tem proporcionado saberes e descobertas inesperadas. À arte, a ciência possibilita um misterioso e sedutor percurso de conhecimento que promete repercutir nos processos metodológicos do ensino de arte. Conhecimento este que elucida questões do único ser que faz arte, o homem. Referências: BINKOFSKI, F.; AMUNTS, K.; STEPHAN, K.M.; POSSE, S.; SCHORMANN, T.; FREUND, H.J.; ZILES, K.; SEITZ, R.J. Broca’s region subserves imagery of motion: A combined cytoarchitectonic and fMRI study. Human Brain Map.v.11,n. 4,p. 273-85, 2000. BOUQUET, C.A.; GAURIER, V.; SHIPLEY,T.; TOUSSAINT, L.; BLANDIN, Y. Influence of the perception of biological or non-biological motion on movement execution. J Sports Sci. v.25, n.5,p.519-30, 2007. 102 CALVO MERINO, B.; JOLA, C.; GLASER, D.E.; HAGGARD, P. Towards a sensorimotor aesthetics of performing art. Conscious Cogn. v.17, p.911-22, 2008. CROSS, E.S.; KRAEMER, D.J.M.; HAMILTON, A.F.C.; KELLEY, W.M.; GRAFTON, S.T. Sensitivity of the action observation Network to Physical and Observational Learning. Cereb Cortex, p.1-12, 2008. DECETY, J.; Jeannerod, M. Mentally simulated movements in virtual reality: does Fitt’s law hold in motor imagery? Behav Brain Res. v. 72, n. 1-2,p.127-34,1995. DECETY, J.; JEANNEROD, M.; BETTINARDI, V.; TADARY, B.; WOODS, R.; MAZZIOTTA, J.C.; et al. Mapping motor representations with positron emission tomography. Nature, v.371, p.600-2, 1994 DI PELEGLEGRINO G, FADIGA L, GALLESE V, RIZZOLATTI G. Understanding motor events: a neurophysiological study. Exp. Brain Res. v. 91, p.17680,1992. FADIGA L, FOGASSI L, PAVESI G, RIZZOLATTI G. Motor facilitation during action observation: a magnetic stimulation study. J. Neurophysiol.v. 73, p.2608-11, 1995. FONSECA, V. Cognição, Neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. GALLESE, V.; FADIGA, L.; FOGASSI, L.; RIZZOLATTI, G. Action recognition in the premotor cortex. Brain, v.119, p.593-609, 1996. GRAFTON, S.T.; CROSS, E.S.; HAMILTON, F.C.; Building a motor simulation de novo: Observation of dance by dancers. Neuroimage, v. 31p.1257 –67,2006. GRUND, F. Danse. In: Marzano M. Dictionaire du corps. Paris: Presses Universitaires de France, 2007. HAGENDOORN, I. Some Speculative Hypotheses about the Nature and Perception of Dance and Choreography. JCS. v. 11n.3–4, p. 79–110, 2004. IACOBONI, M. Understanding others: imitation, language, empathy. In: HURLEY, S.; CHATER, N. eds. Perspectives on imitation: From Neuroscience to Social Science. Cambridge, MA: MIT, p.77-99, 2005. BROWN, S.; PARSONS, L. Neuroscience and Dancing. Sci Am. v. 299, n.1,p. 78- 83, 2008. IACOBONI, M.; WOODS, R.P.; BRASS, M.; BEKKERING, H.; MAZZIOTTA, J.C.; RIZZOLATTI, G. Cortical mechanisms of human imitation. Science, v. 286, p. 2526-28, 1999. BROWN S.; MICHAEL, J.; MARTINEZ, Lawrence P. The Neural Basis of Human Dance. Cereb Cortex. v.16, p. 115767, 2006. JEANNEROD, M. The representing brain: Neural correlates of motor intention and imagery. Behav Brain Sci. v. 17, p. 187-245, 1994. KANDEL, E.R. Sob a superfície das coisas. Mente e Cérebro, v.191, p.72-05, 2008. MAEDA, F.; KLEINER-FISMAN, G.; PASCUAL-LEONE, A. Motor facilittion while observing hand actions: specificity of the effect and role of observer’s orientation. J. Neurophysiol. v.87, p.1329-35, 2002. RIBEIRO, M.M. Em Busca das Bases Neurofisiológicas da Dança-Teatro de Pina Bausch. [Monografia]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas; 2007. RIBEIRO, M.M.; TEIXEIRA, A.L.; Aprender uma Coreografia: Contribuições das Neurociências para a Dança. Neurociências Brasil, 2008 [no prelo]. RIZZOLATTI, G.; Fadiga, L.; Fogassi, L.; Gallese, V. Premotor cortex and the recognition of motor actions. Brain. Res. v.3, p.131–141, 1996. RIZZOLATTI, G.; CRAIGHERO, L. The mirror-neuron system. Annu Rev Neurosci. v. 27, p.169-92, 2004. SACCO, K.; CAUDA, F.; CERLIANI, L.; MATE, D.; DUCA, S. Motor imagery of walking following training in locomotor attention. The effect of the tango lesson. Neuroimage, v. 32, p.1441–9, 2006. SANTOS, E.C. In: FUENTES, D.; MALLOY DINIZ, L.F.; CAMARGO, C.H.P.; COSENZA, R.M. Neuropsicologia Teoria e Prática. São Paulo: Artmed, 2008. SOLSO, R.L. Brain activities in skilled versus a novice artist: an fMRI study. Leonardo, v. 34, p.31-4, 2001. STEVENS, C.; McKECHNIE, S. Thinking in action: thought made visible in contemporary dance. Cogn Process.v. 6, p.243-52, 2005. ZEKI, S. Essays on Science and Society: Artistic creativity and the Brain. Science, v.293, n.5527, p.51-52, 2001. ZEKI, S. [citado 2007 out 10]. Disponível em: http:// www.Neuroesthetics.org/índex.html. 103 Formas de representação do corpo negro em performance Marcos Antônio Alexandre* RESUMO: Este artigo apresenta como objetivo trazer para discussão as identidades negras, analisando e resgatando as formas de representação do corpo negro em performances e em suas concepções espetaculares e ritualísticas. Assim, no desenvolvimento do trabalho, é discutido a presença do negro nos festejos do Congado e em dois textos espetaculares produzidos e apresentados em Belo Horizonte, Minas Gerais, Exercício Nº 1 e O Negro, a Flor e o Rosário. PALAVRAS-CHAVE: Corpo; negro; performance; Cuba; Brasil RESUMEN: Este artículo presenta como objetivo traer a la discusión las identidades negras, analizando y rescatando las formas de representación del cuerpo negro en performances y en sus concepciones espectaculares y ritualizadas. Así en el desarrollo del trabajo se discute la presencia del negro en los festejos del Congado y en dos textos espectaculares producidos y presentados en Belo Horizonte, Minas Gerais, Exercício Nº 1 y O Negro, a Flor e o Rosário. PALABRAS CLAVE: Cuerpo; negro; rendimiento; Cuba; Brasil ABSTRACT: This article aims to bring to discussion the black identities, by examining and rescuing the ways of representation of the black body in spectaculars and rituals performances. Thus, in the development of this work, it is discussed the black presence in the celebrations of the Congado and in two spectaculars texts produced and presented in Belo Horizonte, Minas Gerais, Exercício Nº 1 and O Negro, a Flor e o Rosário. KEYWORDS: Body; black; performance; Cuba; Brazil “[...] falava da benção que um filho representa para a mãe e para toda a família, porque ele herda e perpetua a história e a memória.” (Ana Maria Gonçalves, 2006, p. 207) O Congado não é para turista ver — pode até vim para olhar —, é uma expressão. É a fé dos Congadeiros que sustenta a sua história. (Frei Chico, 2006) 104 A articulação social das identidades e da diferença constitui uma negociação complexa pelo fato de envolver aspectos que não se manifestam simplesmente na questão das minorias em si, mas em uma combinação de formulações que são inscritas numa relação entre a força, as estratégias de poder e a capacidade humana que não são homólogas. Dentro desta perspectiva, interessa-me, para o desenvolvimento deste artigo, trazer para discussão as identidades negras com o objetivo de analisar e resgatar as formas de representação do corpo negro em perfor mances e em suas concepções espetaculares e ritualísitcas. A partir deste viés, defendo como postura crítica, tendo como foco a leitura de algumas manifestações ritualísticas, perfor máticas e artísticas, que a negritude — inscrita no corpo e na pele — se instaura e se converte, muitas vezes, em uma escrita/inscrição performática e, por sua vez, perlocutória. Performática no sentido de como o negro e seu corpo aparecem nos trabalhos artísticos e ritualísticos — cenicamente e/ou dramaturgicamente. Trata-se de um corpo crivado de reminiscências de memória, um lugar de saberes e de identidades que são perpetuados através dos tempos. Esse corpo, como espaço diaspórico, pode, por um lado, ser reportado ao “atlântico negro” e, por outro, é [ou se vê] ressignificado quando se integra ao continente americano e passa a produzir e legitimar a sua cultura. Estas reminiscências da memória mencionadas integram os ritos religiosos afro-brasileiros desde a “descoberta” do país; em * Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Brasil princípio, com a catequização dos indígenas que viviam sob o território brasileiro e, logo depois, com as diversas etnias africanas que chegaram aos portos brasileiros nos negreiros que cruzaram os mares — lugar de enunciação e de disseminação da diáspora negra — trazendo nossos ancestrais e, com eles, uma parte de nossa cultura, religiosidade, história e memória, que é constituída de esperanças, mágoas, energias, resistência. Na nossa contemporaneidade, teoricamente, a memória vem sendo utilizada de diversas formas pelo sujeito pós-moderno1. Em um contexto social visto por muitos como um momento de valorização da inexistência de verdades absolutas, onde, muitos negam a utopia, apesar de termos a consciência de que essa existe em distintas instâncias — ideológicas, intelectuais, pessoais, políticas e sociais —, recorrer à memória pode parecer contraditório. No entanto, considero esses elementos — as utopias recorrentes da modernidade, principalmente as anteriormente citadas, e a memória pessoal e coletiva —, aspectos fundamentais para os meus estudos relacionados à valorização da cultura negra na sociedade brasileira e nos espaços de formação de conhecimento — os ambientes acadêmicos e artísticos —, espaços que, muitas vezes, não fomentam estratégias para discussão e inserção da cultura negra na nossa sociedade. Paul Ricoeur (2000, p. 81) aponta que “Lembrar não é somente acolher, receber uma imagem do passado; é também buscá-la, “fazer” algo. O verbo “recordar” duplica o substantivo “lembrança” [“recordação”]. O verbo designa o fato de que a memória é “exercida.2” Dos dizeres do autor, salta-me à vista sua afirmação de que a memória é (e eu acrescento, “pode ser”) exercida. Nesse sentido, vale a pena refletir sobre como esse ato de exercê-la3, que nem sempre assume um caráter positivo, vem sendo utilizado. Para esta análise, interessa-me observar como o ato de construir e reconstruir a memória torna-se significante para a propagação e transcriação das culturas afro-brasileiras. Ricoeur (2000, p. 51) acrescenta à sua reflexão o argumento de que “[...] uma boa parte da busca do passado se coloca sob o signo da tarefa de não esquecer.”4 O fato de não esquecer, a necessidade de criar arquivos e, ao mesmo, constituir e reconstruir repertórios5 é um dos instrumentos de veiculação e manutenção da memória de uma comunidade (de um povo, de uma nação). Considero relevante investir na formulação de que todo sujeito se constrói a partir da memória. Neste sentido, vale a pena destacar o fato de que as comunidades e cidades mineiras são reconhecidas por serem fontes de cultura que se manifestam por meio da transmissão mnemônica. Nos rituais religiosos afro-brasileiros, disseminados em diferentes cidades e povoados mineiros, os saberes são transmitidos de pais para filhos, de famílias para famílias, de geração para geração. Por outro lado, é reconhecida a existência de pesquisas 1 Entendido aqui como os sujeitos que se vêem, na nossa contemporaneidade, enfrentados ao mundo globalizado e dito pósmoderno, com toda a sua falta de utopias e descrenças no conceito de totalidade e das verdades absolutas. Neste sentido, interessa-me a argumentação proposta por Terry Eagleton (1993, p. 273): “O pósmodernismo tem sido audacioso no questionamento das concepções tradicionais de verdade, e seu ceticismo frente às pretensões de uma verdade absoluta e monológica tem produzido efeitos radicais genuínos. Ao mesmo tempo, essa corrente tem mostrado uma tendência crônica a caricaturar as noções de verdade produzidas por seus adversários, criando alvos de palha de conhecimento transcendentalmente desinteressado para ter o prazer de destruí-los ritualmente. Uma das armadilhas ideológicas poderosas do humanismo liberal tem sido a de assegurar uma relação supostamente intrínseca entre verdade e o desinteresse, e é importante que os radicais a critiquem. A não ser que tenhamos interesses de algum tipo, não teríamos por que nos importar em descobrir qualquer coisa. Más é simples demais imaginar que todas as ideologias dominantes operem necessariamente com conceitos de verdade absolutos e auto-idênticos, que um toque de textualidade, de desconstrução ou ironia auto-reflexiva possa desmontar. Uma oposição assim simplista ignora a complexidade própria dessas ideologias, que são bastante capazes, de vez em quando, de incluir a ironia e a autoreflexão entre suas armas”. 2 Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “Acordarse es no sólo acoger, recibir una imagen del pasado; es también buscarla, “hacer” algo. El verbo “recordar” duplica el sustantivo “recuerdo”. El verbo designa el hecho de que la memoria es “ejercida”.” 3 Ricoeur propõe uma instigante reflexão sobre os usos e abusos da memória no seu livro La memoria, la historia y el olvido (2000). 4 Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “[…] una buena parte de la búsqueda del pasado se coloca bajo el signo de la tarea de no olvidar.” 5 Entendido, aqui, na concepção de Diana Taylor (2002, p. 16): “Há maneiras contínuas de preservar e transmitir memória que vão dos “arquivos” aos “corpos”, ou ao que chamo de “repertório” do pensamento/memória do corpo, com todos os tipos de modos, mistos e mediáticos, entre eles.” 105 que revelam que, na nossa contemporaneidade, tem acontecido um processo de desvalorização da memória religiosa em algumas culturas. A título de exemplo, há estudos que comprovam que existem casas de umbanda e de candomblé que têm sido fechadas pelo fato de que seus líderes vêm se convertendo ao protestantismo. Essa relação, no entanto, positivamente, não pode ser estabelecida com os rituais do Congado, que continuam sendo festejados em diferentes regiões do estado de Minas Gerais, cultuando os santos católicos que integram os reinados: Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Mercês, Santa Efigênia e São Benedito. I – O Congado em Minas Gerais Em Minas, as festas de Nossa Senhora do Rosário integram várias comunidades. Segundo Glaura Lucas, Falar do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Minas Gerais, mais conhecido como Congado, é falar de uma tradição historicamente importante na formação cultural do país, e geograficamente tão próxima, apesar de tão distante do conhecimento e do imaginário da sociedade em geral, no que se refere ao seu contexto e significado. (LUCAS, 2006, p. 75) A pesquisadora, didática e criticamente, conceitua: O Reinado é uma manifestação religiosa afro-brasileira, em sua especificidade mineira, fruto do sincretismo entre o catolicismo europeu e expressões da religiosidade africana, sobretudo de origem bantu, resultante da imposição cultural sofrida pelos negros durante a escravidão, no interior das irmandades religiosas. Sua música representa igualmente uma síntese do impacto de uma cultura sobre a outra, através do qual transcriações e ressignificações se processaram juntamente como estratégias de resistência para a preservação de elementos e significados fundamentais. (LUCAS, ibidem) A preservação desses elementos e significados fundamentais citados pela autora são, em grande parte, legitimados, estabelecidos e transmitidos por famílias e comunidades afro-brasileiras a partir da memória corporal, que é vivificada durante os festejos. Nos meses de festa, as comunidades se agrupam para louvar e agradecer a Nossa Senhora do Rosário. Nesses momentos, os corpos dos congadeiros em procissão se convertem em um 106 corpo de memória, sua significância é mais abrangente, representam muito mais que o corpo físico em performance, pois, no momento em que se processa e se vive o ritual, os corpos permitem estabelecer um diálogo entre o passado e o presente, perde-se a dimensão espaço-físicocorporal e passa integrar a dimensão espaçomemória-corporal. Recorrendo mais uma vez às palavras de Paul Ricoeur (2000, p. 191), que explicita que “Entre o espaço vivido do corpo próprio e do entorno e o espaço público se intercala o espaço geométrico. [...] O ato de habitar, de “viver em”, situa-se nos confins do espaço vivido e do espaço geométrico. Porém, o ato de habitar só se estabelece mediante o de construir.6" No momento de vivência do ritual, a dimensão espacial, corporal e mnemônica é rompida e o que se presencia é uma integração. Como propõe Ricoeur, o ato de habitar é estabelecido por meio da construção de um momento único e podemos vivenciar uma escritura que além de performática, corpórea e litúrgica no tempo e no espaço, inscreve-se a oralitura 7, possibilitando o surgimento de uma tessitura de memória pessoal e coletiva de uma diáspora negra, que se converte em um repertório enunciador de um discurso de integração corporal, social e comunitária. Na manifestação performática do Congado, o sujeito é parte integradora do festejo. Neste sentido, o corpo é fonte de resistência e de propagação da cultura e, claro, de perfor mance. Por que 6 Versão consultada em espanhol. Tradução minha: “Entre el espacio vivido de lo cuerpo propio y del entorno y el espacio público se intercala el espacio geométrico. [...] El acto de habitar, de “vivir en”, se sitúa en los confines del espacio vivido y del espacio geométrico. Pero el acto de habitar sólo se establece mediante el de construir.” 7 Conceito proposto por Leda Maria Martins, no qual se trabalha a visão da literatura afrodescendente no Brasil, entre outras formas de cultura, que considera não só a produção escrita como também as manifestações cunhadas a partir da oralidade. Segundo as palavras da autora: “A esses gestos, a essas inscrições e palimpsestos performáticos, grafados pela voz e pelo corpo, denominei oralitura, matizando na noção deste significante a singular inscrição cultural que, como letra (littera) cliva a enunciação do sujeito e de sua coletividade, sublinhando ainda no termo seu valor de litura, rasura da linguagem, alteração significante, constitutiva da alteridade dos sujeitos, das culturas e de suas representações simbólicas.” (MARTINS, 2002, p. 87, grifos da autora) performance? Porque, como Richard Schechener8, leio e relaciono a performance como uma ação ritualizada, reiterativa, um “comportamento recuperado”: de um rei ou de uma rainha Conga, as reminiscências da memória são evocadas. Ajoelhai, senhora, enfrente de Nossa Senhora; ajoelhai, senhora. (repetido por toda comunidade) Arrecebei, senhora, arrecebei, senhora, o manto de Nossa Senhora, arrecebei senhora. (repetido por toda comunidade) Já recebeu, senhora, já recebeu, senhora, o manto de Nossa Senhora, já recebeu, senhora. (repetido por toda comunidade) Vai receber, senhora, vai receber, senhora, a coroa de Nossa Senhora, vai receber, senhora. (repetido por toda comunidade) Olhai no céu, vem descendo uma coroa, Vai receber a coroa de Nossa Senhora [...] Foi coroada, senhora, foi coroada senhora, enfrente de Nossa Senhora, foi coroada, senhora. (repetido por toda comunidade) Bendito louvado seja! Que Nossa Senhora do Rosário abençoa. Que vós tenha tanto amor pela coroa como teve a senhora sua mãe. 12 As performances marcam identidades, redefinem o tempo, reformulam e adornam o corpo, e contam histórias. Performances — de arte, de ritual ou da vida diária — são feitas de “comportamentos duplamente realizados”, “re-estabelecem comportamentos recuperados”, performatizam ações que as pessoas treinam para realizar, que elas praticam e ensaiam. (SCHECHENER, 2002, p. 22)9 Essas relações integram os rituais dos festejos do Congado e se fazem presentes não só nos dias em que se celebram as datas religiosas relacionadas aos Santos patronos dos festejos — realizadas nos meses de maio, julho, outubro, novembro de acordo com o calendário de cada região —, como também nos encontros para coroação e descoroação de reis e rainhas Congos. Nestes momentos, os instrumentos que são utilizados nas procissões e cortejos 10 ressonam para que os participantes performatizem — os ternos percorrem os espaços públicos e urbanos em um cortejo compassado e com passos marcados — e, ao mesmo tempo, também são ritualmente ressignificados. Por exemplo, a gunga, instrumento que nasceu de um artifício usado para tolher a liberdade dos negros à época escravidão11, converte-se em uma “arma” de liberdade e de identidade, uma vez que pode ser lida como um símbolo de cultura dos negros no ritual performático, marcando o ritmo, a beleza e a leveza do festejo. Por sua vez, semiologicamente, durante o ritual, a gunga liga o corpo do negro a terra, e pode ser interpretada como o instrumento que propicia um elo entre a ancestralidade e a representação mnemônica que vai possibilitar que os integrantes possam reviver o momento de coroação do Rei Congo. Os passos marcados e sincopados, com toque dos pés no chão clamam pela terra, a grande mãe, o espaço de vida e de morada eterna. Segundo as palavras de Ana Cristina Pontes e Marcelo Vilarino (2006, p. 43), no Congado, “As coroas simbolizam duas esferas do sagrado que se interpenetram — são o elo com os santos de devoção e representam a vinculação com a ancestralidade africana.” Portanto, no coroamento 8 Para Schechner, um dos pioneiros no campo dos estudos das artes performáticas, performances são ações. Segundo o autor, as performances “Ocorrem em diversas instâncias e tipos. A performance deve ser construída como um “amplo espectro” ou “gama” de ações humanas que englobam rituais, jogos, esportes, manifestações populares, entretenimentos, as artes do espetáculo (teatro, dança, música), e performances da vida quotidiana para a promulgação de papéis sociais, profissionais, sexuais, raciais e de classes, bem como sobre a cura (do xamanismo à cirurgia), os meios de comunicação e a internet. Antes dos estudos da performance, pensadores ocidentais achavam que sabiam exatamente o que era e o que não era “performance”. Mas, na verdade, não há, histórica ou culturalmente, um limite fixo sobre o que é ou não “performance”. A essa gama de ações, outros gêneros são adicionados, outros são abandonados. A idéia subjacente é a de que qualquer ação que está enquadrada, apresentada, que chama a atenção, ou que se expõe é uma performance. Muitas performances pertencem a mais de uma categoria dessa gama.” No original, em inglês. Tradução minha: “Occur in many different instances and kinds. Performance must be constructed as a “broad spectrum” or “continuum” of human actions ranging from ritual, play, sports, popular, entertainments, the performing arts (theatre, dance, music), and everyday life performances to the enactment of social, professional, gender, race, and class roles, and on the healing (from shamanism to surgery), the media, and internet. Before performance studies, Western thinkers believed they knew exactly what was and what was not “performance”. But in fact, there is no historically or culturally fixable limit to what is or is not “performance”. Along the continuum genres are added, others are dropped. The underlying notion is that any action that is framed, presented, highlighted, or displayed is a performance. Many performances belong to more than one category along the continnum.” 9 No original, em inglês. Tradução minha: “Performances mark identities, bend time, reshape and adorn the body, and tell stories. Performances — of art, ritual, or ordinary life — are made of “twice-behaved behaviors,” “restores restored behaviors,” performed actions that people train to do, that they practice and rehearse.” 10 Alguns instrumentos utilizados são: acordeão, tambores (caixas), cuícas, gungas, pandeiros e reco-recos. 11 O instrumento era amarrado ao tornozelo dos escravos fugidos para que assim eles pudessem ser facilmente descobertos e “recuperados”. 12 A reprodução dos trechos descritos não é integral. Trata-se apenas de um fragmento dos dizeres, que foram gravados durante uma cerimônia de coroação de uma rainha e, depois, transcritos. 107 A santa retirada do rio atraída pelos tambores, performatizados em uma batida compassada e pelos cantos dos negros de Moçambique, mais uma vez, volta à cena. Na coroação da rainha, à sua coroa se une o manto — alusão à Virgem Santa e ao seu manto sagrado, referência ao catolicismo e, obviamente, aos reinados europeus —, que deverá ser honrado e bem cuidado, como símbolo da proteção e do poder, faculdade essa que é legitimada pelos integrantes da comunidade e, nesse sentido, representa muito mais do que qualquer forma de poder legitimada pelo Estado. É a representação de um coletivo, pois um dos papéis que assumirá é o de guiar (aconselhar, unificar) as pessoas que estarão sob seu reinado. Ou seja, além da coroação e integração da rainha na comunidade, há a constatação do legado que lhe é transmitido e que deverá ser cuidado. É a “benção que um filho representa para a mãe e para toda a família [neste caso, para toda a comunidade], porque ele herda e perpetua a história e a memória.” Assim como na coroação, no ritual de descoroação, também se revive e se recupera as reminiscências da memória pessoal, coletiva e corporal que são reiteradas a partir do corpo em performance de todos da comunidade, que, no momento de ação/representação (dança, rito, gesto, ritmo, passagem), resgata um comportamento ancestral possibilitando assim a interação mnemônica entre o presente e o passado vivificado. Neste caso, no entanto, não há como não deixar de observar que o ritual é regido pelo sentimento de perda. Na nossa sociedade, a vida é associada socialmente à alegria, à boa ventura, ao futuro e, por sua vez, a morte à tristeza, à perda, à ausência. Somos conscientes de que os sentimentos associados tanto à vida quanto à morte são estabelecidos culturalmente e que a morte nem sempre vai assumir o caráter negativo, de perda, tão comum ao cristianismo. Há culturas em que se festeja a morte e que o luto assume outra conotação, onde não se evidencia apenas o sentimento de perda, mas, principalmente, o de passagem. A título de exemplo, destaco, em 108 primeiro lugar, alguns povos africanos que além de realizarem todas as cerimônias fúnebres para os seus mortos, festejam-nos cantando e dançando em suas homenagem, além de comerem e beberem com muita fartura, geralmente, os alimentos que eram apreciados pelo defunto. Para esses povos não se trata de uma violação de conduta ou de uma profanação, mas simplesmente uma forma de honrar ao parente ou conhecido que foi chamado para voltar ao reino de Orum. Em segundo lugar, o culto aos mortos no Mundo Maia13, que, hoje, é uma mescla de rituais pagãos e cristãos. Neste sentido, enquanto na Guatemala se dança rumo ao cemitério, no México, os maias da península de Yucatán, Tabasco e Chiapas preparam comidas, levantam altares e rezam para os defuntos. No ritual de descoroação de uma rainha, o som sincopado das caixas também é entoado. As crianças, jovens e adultos da comunidade (todos com o rosário no peito) também cantam e dançam, 13 “Novembro é, para o Mundo Maia, o mês dos mortos. Acredita-se, pressente-se, pela memória histórica e cultural, que, nestas datas, lhes são permitidos abandonar o além e vagar uns dias pelo mundo. Eles buscam suas casas, seus familiares, suas terras. Quando as encontram, ficam para comer e beber, compartilham presentes, anedotas e, assim que estão satisfeitos, retornam para sua morada eterna. Voltarão no próximo ano, nos dias 1 e 2 de novembro, em um ciclo permanente que mantém a vida e a morte unidas. Este perpétuo retorno é uma crença fortemente arraigada entre as diversas comunidades do Mundo Maia. São povos acostumados a olhar para o passado e tê-lo em conta e para os quais morrer é somente abandonar este mundo e habitar outro. Entretanto, cada lugar tem características distintas quando chega a hora de se comunicar com seus mortos. Muitos o fazem sofrendo e revivendo o luto, outros festejando e alguns, inclusive, dedicando-se aos jogos da sorte. Todos têm o mesmo objetivo: deixar satisfeitos a aqueles que voltam do além, pois se acredita que somente assim eles conseguirão o descanso de suas almas.” Disponível em http:// www.mayadiscovery.com/es/vida/default.htm. No original, em espanhol. Tradução minha: “Noviembre es, para el Mundo Maya, el mes de los muertos. Se cree, se presiente, por memoria histórica y cultural, que en estas fechas se les permite abandonar el más allá y vagar unos cuantos días por el mundo. Buscan sus casas, a sus familias, sus tierras. Cuando las encuentran, se quedan a comer y a beber, comparten regalos, anécdotas y, una vez satisfechos, regresan a su eterna morada. Volverán el próximo año, los días 1 y 2 de noviembre, en un permanente ciclo que mantiene unidas la vida y la muerte. Este retorno perpetuo es una creencia firmemente arraigada entre las diversas comunidades del Mundo Maya. Son pueblos acostumbrados a mirar hacia el pasado y a tomarlo en cuenta, para los cuales morir es solamente abandonar este mundo y habitar en otro. Sin embargo, cada sitio tiene características distintivas cuando llega la fecha de comunicarse con sus muertos. Muchos lo hacen sufriendo y reviviendo el duelo, otros festejando y algunos, incluso, dedicándose a los juegos de azar. Todos tienen el mismo objetivo: dejar satisfechos a quienes vuelven del más allá, pues se cree que solamente así éstos lograrán el descanso de sus almas.” mas agora com o intuito de prestar a última homenagem à sua rainha. Os sentimentos de dor e tristeza não conseguem tomar conta do ambiente, ou seja, não é que se cultue e se promova a alegria, pois todos sentem a perda não só da rainha, mas da mulher, da vizinha, da conselheira. É um momento em que as guardas masculina e feminina se despedem da rainha. O canto masculino se integra ao feminino e, ao mesmo tempo, se evoca os nomes dos santos patronos e todos respondem: “Viva Nossa Senhora do Rosário” e “Viva São Benedito”. Rezase um pai nosso e, como salmo de resposta, três Ave-Marias. Cada membro do cortejo beija a coroa da rainha. Um líder local canta com voz grave e forte: “Vou entregar êêê, vou entregar êêê”. A coroa é entregue à filha que a beija e a segura solenemente — mais uma vez, perpetua-se o legado ancestral. O estandarte de Nossa Senhora do Rosário é erguido. Oi tá chegando a hora de ir Ôôô Oi tá chegando a hora de ir Ôôô Meu coração tá me doendo Ôôô Com muita dor no coração Vamos entregar a nossa rainha... O rito de descoroação e de despedida está completo. “É a fé dos congadeiros que sustenta a sua história”. Retomo essas palavras de Frei Chico, pronunciadas em uma missa conga, para corroborar o meu discurso e postura crítica e ideológica, pois interpreto e considero os rituais dos reinados e, por sua vez, os Congadeiros como grupos de resistência, pois cumprem com a função de fazer com que se mantenham vivos os ritos e a memória dos antepassados, representando aqueles que reviveram e ainda revivem, no século XXI, a partir do corpo, da memória corporal e da reiteração gestual, a história do negro. Para a minha argumentação e leitura crítica, considero que, nos festejos, cada integrante em cena cumpre com a função de realizar uma cerimônia social, que, por sua vez, enfatiza as identidades culturais do povo mineiro (e de todos afrodescendentes), fazendo dialogar seus mitos, sua religião e sua ideologia. II – Exercício nº 1 (2006) O Exercício nº 1 é um espetáculo cênicomusical do grupo Rosa dos Ventos14. A concepção e direção é de João das Neves e Titane, cantora que também assina e a direção musical em parceria com o cantor e compositor Sérgio Pererê. Foto de João Castilho A concepção do trabalho partiu de uma dramaturgia do ator baseada em células rítmicas para criação de personagens e desenvolvimento de linguagem para coro e percussão. O espetáculo integra elementos das Artes Cênicas, entendendo o teatro, a música e a dança como práticas em espaços coletivos: é uma encenação compartilhada com a platéia, que é convidada a participar da montagem em vários momentos da representação. A proposta espetacular apresenta referências dos cortejos populares e folias de reis e foi concebida e 14 O Grupo Rosa dos Ventos foi criado a partir das oficinas e formação artística ministradas no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte pela cantora Titane e o diretor teatral João das Neves. O projeto contou também com a colaboração da preparadora corporal Irene Zivianni e do músico Sérgio Pererê. Em atividade desde 2005, o grupo alia o teatro, a dança e a música em um coro cênico-percussivo. As referências partem da cultura popular como: congado, folia de reis, folguedos e festejos populares. A proposta é realizar uma musicalidade próxima às raízes afro-mineiras, movimento este que, uma vez desencadeado, gera força expressiva e ocupação cênica. O Grupo participou de importantes eventos do calendário cultural de Belo Horizonte como o 5º Festejo do Tambor Mineiro (Agosto, 2007), o Festival de Arte Negra – FAN (2006), o Festival Internacional de Teatro-FIT (2006), os Tambores de Natal (2006); além de participar como convidado do show “Titane e o Campo das Vertentes”, realizado no Grande Teatro do Palácio das Artes (novembro de 2006). Entre novembro e dezembro de 2007, o Grupo circulou com o Exercício nº 1, por quatro Centros Culturais de Belo Horizonte (Alto Vera Cruz, Vila Marçola, Pampulha e Liberalino Alves). 109 apresentada, em um primeiro momento, no Parque Lagoa do Nado, um espaço público de Belo Horizonte em que a natureza se revela como grande aliada. O espetáculo inicia com um grande cortejo, onde o público, separado do espaço no qual estão os atores/performers — um lago separa a audiência dos atores (cerca de trinta integrantes) — não se trata de um grupo de apenas atores negros, os integrantes possuem diversas habilidades artísticas nas áreas de dança, teatro e música —, começa a acompanhar o deslocamento dos atores que, segurando uma vela, cantam e se dirigem ao encontro da audiência em direção ao outro lado do lago. Neste momento, é como se fosse recriado um terno do Congado. Ao som da música, os corpos de movimentam em sincronia, integrados ao ritual que é reconcretizado e corporificado cenicamente. O espaço da Lagoa do Nado é ressignificado dramaturgicamente. Os passeios públicos, a lagoa, as árvores, são integrados à representação. Foto de João Castilho É de lei e é devera É de lua, é de luar Quando um negro velho canta Faz as estrela brilhar E a lua canta junto Com o negro no congar. É de lei e é devera É de lua, é de luar Vou seguindo entre os espinhos Sem sequer me arranhar 110 Pois meu velho abre caminho Ou me leva pelo ar. É de lei e é devera É de lua, é de luar Quando um negro velho chora Faz o rio virar mar Mas não há de haver o dia Dessa tristeza chegar. É de lei e é devera É de lua, é de luar Uma legião de negro velho Vem me visitar Trazendo São Benedito E a Senhora do Rosário.15 A música é uma das linguagens fundadoras da proposta espetacular. É como se fosse construído um mosaico composto por imagens, canções e histórias, que remetem o espectador a um universo de fabulações e de fragmentos de memórias pessoais e coletivas. Tal assertiva pode ser corroborada a partir da leitura da letra da música de Sérgio Pererê que traz simbolicamente os festejos do Congado para o texto espetacular. A figura do negro velho — símbolo de ancestralidade, sabedoria e perpetuação da memória — vai sendo reconstruída. Num primeiro momento, por meio de sua canção, é signo de esperança, guia e abre os caminhos que são repletos de percalços (espinhos) — talvez, por que não?, de um negro em fuga —; em seguida assume simbolicamente a imagem da dor — o choro ancestral de milhares de negros; e, por fim, é a possibilidade de reencontro e de propagação da cultura, pois é quem traz, tendo o corpo negro multiplicado em uma legião de outros corpos negros velhos, os santos para serem festejados. III – O negro, a flor e o Rosário (2008) O espetáculo apresenta concepção, roteiro, música e direção musical de Maurício Tizumba, a direção cênica é de Paula Manatta e traz no elenco 15 Velhos de corôa. Música de Sérgio Pererê utilizada no espetáculo. nove atrizes negras, entre elas a filha de Tizumba, Júlia Dias. Trata-se de um musical, onde Tizumba se propõe a levar para o palco, de forma lúdica, “contos” e “figuras” da cultura afro-brasileira: Orixás, Zumbi dos Palmares, Dandara, Saci Pererê, Cosme e Damião e Nossa Senhora do Rosário. Foto de Netun Lima16 No programa do espetáculo, Maurício Tizumba informa sobre a sua origem e a sua formação dentro da cultura e da religião afrobrasileira: Quem sou eu? Sou um artista popular por profissão, que teve a felicidade de nascer em meio a manifestações tão ricas e de matriz africana. Sou neto de Orminda de Souza, a benzedeira que curava quebranto, vento virado e outras moléstias usando guiné, arruda, espada de São Jorge e uma infinidade de ervas que às vezes, a mando dela, a gente mesmo ia no mato buscar. Com ela eu aprendi a rezar o terço, o rosário e o gosto pelos festejos de reinado, que é uma manifestação religiosa bantu católica (o congado). Sou filho de Eni Kizalelu, a primeira ekede de Belo Horizonte, feita pelo bate-folha da Bahia, na casa de Tateto Nepangi. Por ela, me tornei chicarangongo (ogan) da casa de Tateto Londeji e lá eu aprendi a cultuar os inquices (orixás), a adorar a natureza, ter espírito de irmandade e rezar o kibuko no candomblé de Angola. Tomei coragem de montar este espetáculo depois de ter trabalhado quase dois anos com o grande mestre João das Neves, no Rio de Janeiro. O tema é o mesmo, negritude. A forma é a mesma, contação de histórias. E, por que contação de histórias? Por que a história do povo negro brasileiro tem que se contada e recontada da maneira correta. Assim, me torno um eterno aprendiz da minha própria história. Quando criança, aprendi muito em ioruba. Hoje, aos 50 anos, estou reaprendendo tudo, só que em bantu. (TIZUMBA, 2008) As palavras do artista, aqui transcritas integralmente, além de revelar o lugar de onde ele enuncia o seu discurso — um espaço forjado na encruzilhada, discursiva e sincrética —, introduzem o espectador e o ambientam no universo que vai ser recuperado e reinterpretado cenicamente. Considero relevante reiterar o fato de que, no musical, há uma tentativa de trabalhar com os contos e fabulações míticas que integram a nossa cultura. A montagem inicia com um cortejo que remete o público para o campo dos rituais do Congado. Ao som de um tambor, tocado por Tizumba, as atrizes, entoando uma cantiga adentram o teatro e como se estivessem fazendo parte de um terno da Congada, encaminham para o palco, onde serão recuperados distintos mitos que serão performatizados cenicamente. Nota-se que há uma preocupação de transcriação dos mitos, além de uma busca por uma unidade cênico-textual que é alinhavada não só pela temática, mas também pelas coreografias, músicas e ensinamentos que são trazidos para cena. A partir dos Orixás, por exemplo, os artistas expressam sobre as divindades cultuadas no candomblé e vivenciadas na cultura brasileira. Há uma tentativa de representação, energeticamente, das danças de Ogum, Oxossi, Iemanjá, Nanã, Oxumaré, Obaluaê, Xangô, Iansã e Oxum. Os elementos e matérias da natureza — água, vento, terra, arco-flecha, ferro etc. — são ressignificados e incorporados nas partituras corporais das atrizes/performers. Aqui, tenta-se recuperar o corpo crivado de memória coletiva por meio dos movimentos coreografados propostos para a representação da dança de cada orixá 16 Disponível em http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/ modulos/galeria_foto/portlets/galeria_mostrar?id_galeria=412. 111 mencionado. Um dos mitos de Obaluaê/Omolu é trazido para cena. Trata-se do relato em que Obaluaê ao ter o corpo coberto pelas feridas, abandona a cidade para viver afastado de todos, pois acreditava seria repelido pelas pessoas. Uma das versões do mito é a seguinte: Há muitos e muitos anos, um episódio interessante percorre a África inteira. É sobre uma grande festa, que reunia uma lista de ilustres convidados – Oxum, Iemanjá, Oxalá, Xangô, Oxossi, Ossaim, Obá, Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e Oxumaré. Todos os orixás estavam lá. Na verdade, quase todos, porque faltava o Omolu. Omolu ficou do lado de fora com vergonha das marcas que a varíola lhe deixara no rosto. Ao saber disso, Ogum correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá, para que o irmão participasse da festa. Omolu entrou, mas ninguém quis dançar com ele. Mesmo cobertas, suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa Iansã foi a única que o chamou para uma dança. E como Iansã é a orixá dos ventos, sem querer, mandou a roupa de Omolu pelos ares! Qual não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu um homem lindo, sem defeito algum. Ao ver a beleza de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os masculinos se morderam de inveja. Omolu ofereceu à Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia, passou a dançar sempre sozinho nas festividades.17 Ao incorporar o mito à sua montagem, Maurício Tizumba não só explica, no campo do ensinamento, as características do Orixá, como também explicita cênica e didaticamente para o público o porquê de o Orixá usar a roupa de palha [o olifá] e sua importância dentro do culto do candomblé. Em outro momento, a partir da figura de Zumbi dos Palmares se busca mostrar o símbolo de igualdade, liberdade e resistência dos negros. O mesmo acontece com a representação da personagem Dandara, a mulher guerreira, que lutou em defesa do Quilombo de Palmares e que é pouco reconhecida pela maioria do público presente. O artista plástico Eduardo Félix, que assina o cenário e o figurino, faz dois bonecos em tamanho real de Zumbi e de Dandara, que são manipulados pelas atrizes, aparecendo em cena tocando tambor. O instrumento aqui cumpre com o papel de religare, cumprindo com a função de ligar os dois espaços: 112 o terreno e o das deidades, buscando restabelecer a ligação perdida com os dois universos. Lembremos, em primeiro lugar, que o Ogan é aquele que, inspirado pelo Orixá, empresta suas mãos para tocar os atabaques — Rum, Rump, Le, como são nomeados na nação Jeje — fazendo a música para que a deidade possa dançar. Por outro lado, o mesmo tambor será um dos instrumentos fundamentais para os rituais da Congada ou mesmo para os blocos afros em suas distintas concepções e formações. Os bonecos de Zumbi e Dandara passam a ser lidos não só como ícones históricos e líderes negros, mas também como portadores de ancestralidade e como cor pus inscritos de memória. Outros nomes retratados no musical são Saci Pererê — com suas brincadeiras e travessuras — e os santos milagrosos Cosme e Damião. Essas personagens são as responsáveis pelo caráter lúdico da montagem. Na figura de Saci Pererê, Tizumba mexe com o imaginário de adultos e crianças, ensinando as artimanhas e armadilhas que devem ser utilizadas para prender um Saci e como lidar com suas traquinagens. Ao mesmo tempo, balas são atiradas ao público e são relatadas as histórias sobre São Cosme e São Damião18, explicando o 17 Disponível em http://www.acordacultura.org.br/main.asp?View= %7B716826A6 -8DAC-4709-BCC5-FCB2E7C500CE%7D. 18 São Cosme e São Damião, os santos gêmeos, morreram em cerca de 300 d.C. Sua festa é celebrada em 27 de setembro. Somente a Igreja Católica comemora no dia 26 de setembro pois, segundo o calendário católico, o dia 27 de setembro é o dia de São Vicente de Paulo. Há várias versões para suas mortes, mas nenhuma comprovada por documentos históricos. Uma das fontes relata que eram dois irmãos, bons e caridosos, que realizavam milagres e por isso teriam sido amarrados e jogados em um despenhadeiro sob a acusação de feitiçaria e de serem inimigos dos deuses romanos.Segundo outra versão, na primeira tentativa de matálos, foram afogados, mas salvos por anjos. Na segunda, foram queimados, mas o fogo não lhes causou dano algum. Apedrejados na terceira vez, as pedras voltaram para trás, sem atingi-los. Por fim, morreram degolados. Segundo a crença popular apareceram materializados depois de mortos, ajudando crianças que sofriam violências. O dia de São Cosme e Damião é celebrado também pelo Candomblé, Batuque, Xangô do Nordeste, Xambá e pelos centros de Umbanda onde são associados aos ibejis, gêmeos amigos das crianças que teriam a capacidade de agilizar qualquer pedido que lhes fosse feito em troca de doces e guloseimas. O nome Cosme significa “o enfeitado” e Damião, “o popular”. Estas religiões os celebram no dia 27 de setembro, enfeitando seus templos com bandeirolas e alegres desenhos, tendo-se o costume, principalmente no Rio de Janeiro, de dar às crianças (que lotam as ruas em busca dos agrados) doces e brinquedos. Informações disponíveis em http:// pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3%A3o. porquê de eles serem considerados os protetores das crianças. não só demonstram o caráter de espontaneidade das manifestações de massa, mas também possibilitam que repensemos e nos aproximemos mais de nossa cultura e de nossas matrizes africanas. À Guisa de Conclusão Foto de Netun Lima19 Nossa Senhora do Rosário — considerada a mãe dos negros congadeiros e candombeiros, e protetora daqueles que veneram o seu rosário —, não só integra o roteiro do musical de Maurício Tizumba como também pode ser considerada como um mote de estruturação da proposta cênica. Além de o espetáculo ser aberto com um cortejo que nos remete àqueles realizados no do Congado, os elementos relacionados a esse rito são retomados em outros momentos durante a apresentação. Quando trago para discussão os trabalhos artísticos aqui apresentados, faço-o por considerar importante o ato de transportar para a cena (seja no palco ou em um espaço não-convencional) os rituais religiosos e as fabulações e manifestações culturais aqui retratadas, ainda que eu seja consciente de que há aqueles sujeitos (praticantes das religiões e alguns pesquisadores) que consideram que os rituais devem ser restritos aos seus lugares de prática. No entanto, considero que não se trata de um “mal” uso dos rituais quando se busca como propósito uma recuperação das energias que integram tais ritos. Neste sentido, acredito que os trabalhos, aqui retratados, tentam alcançar esse objetivo e, além de reconcretizarem as temáticas pesquisadas para a nossa contemporaneidade, permitem que o público possa, de alguma maneira, se vê representado em cena, uma vez que os aspectos discutidos nas montagens, Devo reforçar a idéia de que, no instante de realização (vivência) dos rituais e festejos — do Congado ou de manifestações religiosas ou artísticas discutidas neste texto —, a dança, os passos marcados, em harmonia e em conjunto com a música, os cânticos e as vozes daqueles membros das comunidades; realizam, concretizam e, concomitantemente, dão voz aos aspectos culturais que perpassam pelo corpo de cada integrante, diluindo assim as fronteiras entre as linguagens do rito, da performance e da dança, conjugando-as no ambiente, que pode ser lido como o cenário de execução do ato performático e ritualístico. Se em Exercício nº 1, pelo fato de ser apresentado em um espaço público e de o elenco estar mais próximo do público — nesse caso, não há como negar que essa característica, muitas vezes, provoca mais empatia por parte da audiência — a relação ritualística possa ser, em princípio, mais “fácil” de ser recuperada; em O Negro, a Flor e o Rosário, apesar de a montagem ter sido levada para um palco italiano, os recursos propostos pela encenação -— rompimento da quarta parede, como a entrada em forma de cortejo para o palco ou o jogo proposto com as crianças por meio das fabulações relacionadas às figuras de Saci Pererê e São Cosme e São Damião —, ainda que parcialmente, reconstrói aspectos históricos, ritualísticos e lúdicos. O caráter de espetacularidade de Exercício nº 1 e O Negro, a Flor e o Rosário se faz evidente e é por isso que argumento que o mais importante é o reconhecimento e a constatação de que, em ambos os textos espetaculares analisados, os rituais são vistos não só como um lugar de representação e de valorização do corpo negro em 19 Disponível em http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/ modulos/galeria_foto/portlets/galeria_mostrar?id_galeria=412 113 performatividade e/ou como espaço de religare, mas como uma instância artística em que a memória é fonte de expressão de vida. Finalmente, apenas gostaria de enfatizar que defendo como postura crítica que os rituais ao serem performatizados — sejam, especificamente, nos festejos e cortejos do Congado com seus ritmos, danças, instrumentos, cantigas, nas missas congas; nos encontros do Candomblé e/ou da Umbanda; em outras manifestações cultuadas no território mineiro e brasileiro ou em propostas espetaculares que são produzidas em Belo Horizonte e em outros estados brasileiros — acessam uma matriz ancestral e se convertem em um ato de inscrição de cultura. Cultura essa que definitivamente não se atém (ou não deveria) somente ao campo das fabulações e dos ensinamentos míticos. Afinal, as palavras cantadas e, ao mesmo tempo, crivadas, grifadas, grafadas e gravadas nos corpos e nas reminiscências de memórias de um sujeito — especialmente, do negro — e as ações corporificadas e vivificadas no ato de performatividade e de espetacularidade ainda têm muito a dizer e a soar, emitindo sopros de esperança como aqueles que podemos encontrar em um ato ritualístico e mítico: Tá caindo flor, Tá caindo flor, Tá caindo flor, Tá caindo flor, Lá no céu, cá na terra, Oh, tá caindo flor. Referências: EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Trad. Mauro Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2006. LUCAS, Glaura. Diferentes perspectivas sobre o contexto e o significado do Congado Mineiro. In: TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Rubens Caixeta de. Músicas africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. MARTINS, Leda Maria. Performance do tempo espiralar. Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais (Org. Graciela Ravetti e Márcia Arbex). Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/UFMG: Póslit, 2002.pp. 69-92. 114 PONTES, Ana Cristina e VILARINO, Marcelo. As irmandades dos homens pretos e o Reinado. In: PONTES, Ana Cristina e MORAIS, Fernanda Emília de (Coord.). Heranças do tempo, tradições afro-brasileiras em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura, 2006. pp. 11-26. RICOEUR, Paul. La memoria, la historia, el olvido. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina, S.A., 2004. pp. 81-127, 189-236. TAYLOR, Diana. Encenando a memória social: Yuyachkani. Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais (Orgs. Graciela Ravetti e Márcia Arbex). Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/ UFMG, 2002. pp. 13-48. TIZUMBA, Maurício. O Negro, a flor e o Rosário. Belo Horizonte: Programa de espetáculo, 2008. SCHECHENER, Richard. Performance Studies – An Introduction. London and New York: Routledge, Taylot & Francis Group, 2002 Sites consultados: http://adminf5.new.divirta-se.uai.com.br/divirtase/ modulos/galeria_foto/portlets/ galeria_mostrar?id_galeria=412. Acesso em 03 de dezembro de 2008. http://www.acordacultura.org.br/ main.asp?View=%7B716826A6-8DAC-4709-BCC5FCB2E7C500CE%7D. Acesso em 04 de dezembro de 2008. http://www.alterosa.com.br/html/ noticia_interna,id_sessao=37&id_noticia=10851/ noticia_interna.shtml. Acesso em 03 de dezembro de 2008. http://www.mayadiscovery.com/es/vida/default.htm. Acesso em 03 de dezembro de 2008. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3%A3o. Acesso em 04 de dezembro de 2008. Samba de roda como una práctica espectacular en Barravento (1961) de Glauber Rocha Jolanta Rekawek* RESUMEN: Las prácticas espectaculares organizadas del pueblo bahiano se entrelazan, sus participantes fluctúan con un vasto repertorio de performances y funciones diferentes. Glauber Rocha capta en Barravento (1961) los vínculos entre las prácticas espectaculares organizadas de carácter popular como el ritual de candomblé, la samba de roda y la capoeira. La secuencia de la samba de roda en su opera prima es una muy bien lograda referencia a una práctica lúdica, fundamental para la cultura popular bahiana. El director incorpora en ella a los habitantes de la aldea donde fue filmada la película sin imponerles un papel que sería artificial aprovechando su ancestral capacidad de ser testigos y su hábito de participar en una ceremonia cultural donde la colectividad festeja el hecho de estar juntos y también tiene la oportunidad de contemplarse a si misma. De modo que los espectadores familiarizados con esta tradición podrían responder a la interpelación que Glauber Rocha hacía desde la pantalla para elevar su estatus orientando su percepción en claves de espectacularidad que implica una interacción no muy común en el cine, obvia en el teatro y muy presente en múltiples prácticas espectaculares del pueblo brasileño. PALABRAS CLAVE: samba de roda; práctica espectacular; Glauber Rocha. RESUMO: As práticas espetaculares organizadas do povo baiano se entrelaçam, seus participantes mantêm um vasto repertório de performances e de funções diferentes. Glauber Rocha capta em Barravento (1961) os vínculos entre as práticas espetaculares organizadas de carácter popular como o ritual do candomblé, o samba de roda e a capoeira. A sequência do samba de roda em sua obra prima é uma muito bem sucedida referência a uma prática lúdica, fundamental para a cultura popular baiana. O diretor incorpora os habitantes da aldea onde foi filmada a película sem lhes impor um papel que seria artificial aproveitando sua ancestral capacidade de serem testemunhos e seu hábito de participar de uma cerimônia cultural na qual a coletividade festeja o fato de estar juntos e também tem a oportunidade de contemplar-se a si mesma. De modo que os espectadores familiarizados com esta tradição poderiam responder à interpelação que Glauber Rocha fazia a partir da tela para elevar seu status orientando sua percepção em chaves de espetacularidade que implica uma interação não muito comum no cinema, óbvia no teatro e muito presente em múltiplas práticas espetaculares do povo brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: samba de roda; prática espetacular; Glauber Rocha. ABSTRACT: The organized spectacular practices of bahian people intertwine: participants have a wide repertoire of performances and different functions. Glauber Rocha captures in Barravento (1961) the links between organized spectacular practices of popular kind, as the ritual of Candomblé, samba de roda and capoeira. The sequence of samba in his masterpiece is a very successful reference to a playful practice, a key to the Bahian popular culture. The director incorporates the inhabitants of the village where the film was shot without imposing an artificial role against their ancestral ability to testimony and habit of participating in a cultural ceremony in which the community celebrates the fact of being and comunicating together. So that viewers familiar with this tradition could answer the question that Glauber Rocha raised from the screen, to enhance its status guiding somehow their perception of keys of spectacularity involving an interaction not very common in film, but obvious in theater and very present in multiple spectacular practices of the Brazilian people. KEYWORDS: samba de roda; spectacular practice; Glauber Rocha. Las prácticas espectaculares organizadas del pueblo bahiano se entrelazan, sus participantes fluctúan con un vasto repertorio de partituras corporales y funciones diferentes: por ejemplo las hijas de santo frecuentemente participan de las ruedas de samba de roda o, por otra parte, no es extraño ver a los capoeiristas frecuentando los terreiros de candomblé. Glauber Rocha capta los vínculos entre estas manifestaciones espectaculares de carácter popular cuando, por ejemplo, en la secuencia tercera de Barravento (1961) muestra la llegada del * Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil 115 protagonista, Firmino, a la aldea del litoral bahiano. En una celebración improvisada de samba de roda la madre de santo, que preside los rituales de candomblé filmados en la película, sale al centro de la rueda formada espontáneamente por los participantes y se desahoga en un repertorio de gestos que su cuerpo reinstituye, recombina y reactualiza como ambiente de memoria, término acuñado por Pierre Nora. El estudioso francés distingue entre los lugares de memoria (lieux de mémoire) como por ejemplo las bibliotecas, los archivos, parques temáticos relacionados con la letra como signo de la transmisión del saber, y los ambientes de memoria (milieux de mémoire) que cobijan la “memoria verdadera que se ha refugiado en gestos y hábitos, en habilidades pasadas adelante a través de insospechadas tradiciones, en el auto-conocimiento inherente del cuerpo, en reflejos no-estudiados y en memorias arraigadas; (…).1 La samba de rueda fue importada al Brasil, como otras formas de ocio, junto con la música sacra de los bantos, jejés, y nagôs desde África. A grandes rasgos la samba de rueda se puede definir como una forma de ocio tradicional (“Yo nací en la samba de rueda. Todo mi pueblo bailaba. Nací, fui críada y viví en aquel ambiente.”2) y hasta hace poco muy popular en Bahía. Precisamente debido a su carácter popular Glauber Rocha pudo filmar la secuencia de la samba de rueda con la participación de los autóctonos, es decir pescadores y marisqueras de Buraquinho 3 , vestidos con ropa de trabajo: con vestidos simples, sombrero de paja, sin camisa o con ropa rasgada, lo cual significa que el acto de participar en la rueda no era un evento extra-cotidiano sino que formaba parte de su rutina. Solamente Firmino, vestido elegantemente con traje y camisa blancos e impecable sombrero, se destaca como un cuerpo extraño entre los habitantes de la aldea de origen pobre. La rueda de samba en Barravento se forma con la ocasión de la llegada de Firmino pero los habitantes de la aldea, al incorporarse tan espontáneamente a esta práctica espectacular demuestran que la misma forma parte de sus 116 comportamientos cotidianos. “Cuando ellos van a pescar en el mar después quieren agradecer lo que traen”. 4 El hecho de reunirse en una rueda refleja un deseo de configurar un espacio semiotizado5 en el cual se establecen relaciones de varios tipos (emocionales, visuales, de comportamiento, etc.) donde se lleva a cabo una celebración colectiva que instituye como ley la igualdad. “Allí todo el mundo es igual”6. En cuanto al significado de la rueda los que se incorporan a la samba de rueda lo explican así: “Tienes que acompañar el rumbo del círculo, es el globo que circula”7. Para este tipo de la práctica espectacular organizada del pueblo bahiano es fundamental la comunicación sin jerarquía impuesta, una performance realizada de tú a tú directamente y que envuelve a todos al mismo tiempo. Esta característica de la samba de rueda significa un espacio donde las personas pueden realizar sus sueños de igualdad, ser responsables por los acontecimientos, cosa que no siempre pueden experimentar en una realidad adversa y visiblemente jerarquizada. “Todos están en la samba de rueda para sambar. La samba de rueda es la integración”.8 1 Pierre Nora. Entre a memória e a história: os lugares de memória. Traducción al português de Patrícia Farias. Traduzido do original francês publicado in: Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, vol 1 (La Republique), 1984, p. 23. Traducción al castellano es nuestra. 2 Raquel Maria Oliveira dos Santos. Testimonio grabado el 20 de setiembre de 2005 en la Secretaría de Cultura, Deporte y Ocio del Ayuntamiento de Lauro de Freitas (Bahía – Brasil). Ella es un buen ejemplo como varias modalidades de la expresión cultural del pueblo bahiano provenientes de la misma matriz afro-brasileña se mezclan: Raquel es la madre pequeña del terreiro de la Mãe Mirinha en Portão y a la vez es una excelente bailarina de samba de rueda. 3 Aldea en el litoral bahiano donde fue filmada Barravento en 1960. 4 Ibídem. 5 Paul Zumthor. Performance, recepção, leitura. San Paulo: EDUC, 2000, p. 49. 6 Raquel Maria Oliveira dos Santos, op. cit. 7 Ibídem. 8 Julio César (Careca), performer y creador del grupo de samba de rueda “As Matriarcas” compuesto por las señoras de edad avanzada que cultivan esta manifestación cultural de raiz en el municipio de Lauro de Freitas donde fue rodada Barravento. In: la misma grabación en la Secretaría de Cultura del município de Lauro de Freitas, op. cit. Foto 1: Las miembros del grupo de samba de roda llamado As Matriarcas ( creado por Júlio Cesar en Lauro de Freitas, muncipio donde fue rodada Barravento) inician una rueda de samba. 9 Además del aspecto de integración en la performance de la samba de rueda se hace muy importante la performance individual de las personas que salen al centro de la rueda y se ponen a bailar. Cada participante puede vivir su momento de gloria cuando es convidado a través de un toque del ombligo o de la mano a salir al centro y mostrar espontáneamente delante de todo su repertorio gestual propio, compenetrado con el ritmo de la música que marcan los otros participantes. Y precisamente es lo que ocurre en la secuencia en Barravento: primero sale tímidamente al centro una marisquera vestida de blanco, da una vuelta sambando y marca el ritmo con los pies; de hecho, el movimiento de los pies es importantísimo: “Vemos la samba por el pie, vemos quien realmente sabe sambar por el pie”. 1 Sigue la performance una otra mujer de la aldea que, tímidamente, repite los movimientos de los pies en el suelo en una vuelta que da en medio de la rueda. Después se pone a bailar una mujer que mueve rítmicamente las nalgas resaltadas por un vestido ajustado, cosa que el director muestra en un primerísimo plano destacando las habilidades de la bailarina. La mujer llama seguidamente al actor Aldo Teixeira (Aruan) para bailar en medio de la rueda y éste lo hace con naturalidad efectuando los movimientos de los pies, las manos y finalmente las caderas. Concluyendo su performance, el actor se acerca a un pescador y antes de entregarle el protagonismo mueve las caderas muy cerca de un hombre de edad avanzada que contento se pone a bailar delante de todos. Lo hace de una manera muy sensual moviendo las caderas, cubriendo con una mano los genitales y sosteniendo la otra detrás a la altura de las nalgas. Su performance es sensual, rítmica y alegre. La participación de los hombres en la rueda de samba filmada por Glauber Rocha es muy natural y se alterna perfectamente con la de las mujeres. 9 Todas las fotos de situaciones reales de referencia fueron cedidas por el Departamento de Comunicación del Ayuntamiento de Lauro de Freitas y son de autoría de José Raimundo. 10 Raquel Maria Oliveira dos Santos, op.cit. 117 Fotograma 1: Los habitantes de la aldea inician una samba de roda con el motivo de la llegada de Firmino. (Barravento – secuencia tercera)1 Además del aspecto de integración en la performance de la samba de rueda se hace muy importante la performance individual de las personas que salen al centro de la rueda y se ponen a bailar. Cada participante puede vivir su momento de gloria cuando es convidado a través de un toque del ombligo o de la mano a salir al centro y mostrar espontáneamente delante de todo su repertorio gestual propio, compenetrado con el ritmo de la música que marcan los otros participantes. Y precisamente es lo que ocurre en la secuencia en Barravento: primero sale tímidamente al centro una marisquera vestida de blanco, da una vuelta sambando y marca el ritmo con los pies; de hecho, el movimiento de los pies es importantísimo: “Vemos la samba por el pie, vemos quien realmente sabe sambar por el pie”.2 Sigue la performance una otra mujer de la aldea que, tímidamente, repite los movimientos de los pies en el suelo en una vuelta que da en medio de la rueda. Después se pone a bailar una mujer que mueve rítmicamente las nalgas resaltadas por un vestido ajustado, cosa que el director muestra en un primerísimo plano destacando las habilidades de la bailarina. La mujer 118 llama seguidamente al actor Aldo Teixeira (Aruan) para bailar en medio de la rueda y éste lo hace con naturalidad efectuando los movimientos de los pies, las manos y finalmente las caderas. Concluyendo su performance, el actor se acerca a un pescador y antes de entregarle el protagonismo mueve las caderas muy cerca de un hombre de edad avanzada que contento se pone a bailar delante de todos. Lo hace de una manera muy sensual moviendo las caderas, cubriendo con una mano los genitales y sosteniendo la otra detrás a la altura de las nalgas. Su performance es sensual, rítmica y alegre. La participación de los hombres en la rueda de samba filmada por Glauber Rocha es muy natural y se alterna perfectamente con la de las mujeres. La samba quiere mostrar originalidad, cada uno improvisa. Hoy en día los hombres tienen vergüenza de bailar samba; están más acostumbrados con la capoeira. Si llamas a alguno te dirá que samba es cosa de mujer. Pero antes no, antes los hombres también participaban de la 11 La expresión Fotograma bajo las imágenes significa que éstas han sido captadas directamente del DVD Barravento (1961) de Glauber Rocha. La publicación de los fotogramas que siguen en este texto ha sido autorizada por Tempo Glauber (Río de Janeiro). 12 Raquel Maria Oliveira dos Santos, ibídem. samba. Hacían toque del ombligo en la cintura, movían las nalgas, el culo. Todos bailaban samba. A mí me encanta ver a una bahiana saliendo, rodando, dando toda aquella vuelta. El encanto de la mujer en la samba es aquella manera de moverse, de saltar, llamar al otro a que venga a bailar.13 El repertorio gestual en una sesión de samba de rueda como la de Barravento depende de cada uno que puede elegir libremente si mueve las caderas, la cintura, los hombros o cualquier parte del cuerpo penetrando en la vasta memoria que abriga su cuerpo como “local de un saber en continuo movimiento de recreación, remisión y transformación perennes del corpus cultural”14. De hecho, Luiza Maranhão, la actriz que interpreta a Cota, trabaja todo el cuerpo cuando sale al centro de la rueda y realiza su performance. Rocha resalta las cualidades de los movimientos de la performer: en planos cortos destaca sus pechos, sus caderas que se mueven rítmicamente, los pies y así sucesivamente. En seguida muestra como Firmino se incorpora a la performance de Cota y capta el juego de seducción que fluye entre los dos: en un momento Firmino se pone muy cerca de Cota que mueve las caderas delante de él y la performance de los dos se convierte así en una simulación del juego amoroso o incluso sexual. Esto no es nada nuevo en una de las prácticas espectaculares del pueblo bahiano: Antonio Risério destaca el carácter sensual de las danzas populares en Bahía como lundo u ombligada que conllevan sutiles símbolos del acto sexual. Fotogramas 2, 3, 4 y Foto 2: Samba de roda es una práctica espectacular organizada donde los participantes ostentan su repertorio gestual en medio de la rueda animados por el ritmo de las palmas y la letra de la canción. Entre los elementos típicos de esta práctica es fundamental el movimiento de los pies. (Barravento – secuencia tercera). 13 Júlio César (Careca), ibídem. 14 Leda Martins. “Performances do tempo e da memoria: os congados”. Revista O Percevejo, Departamento de Teoria do Teatro. Programa de Pósgraduação em Teatro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2003, ano 11, nº 12, p. 82. 119 Fotogramas 5 y 6: En esta secuencia los actores Luiza Maranhão (Cota) y Antônio Pitanga (Firmino) están compenetrados con los performers autóctonos que son co-responsables por el acto. La naturaleza festiva de la vida bahiana nunca se ha dejado contener dentro de los límites de las fiestas oficiales, patrocinadas por el poder laico o religioso. En realidad las fiestas oficiales primaron siempre por una especie de trasbordo, con la masa de la populación prolongando la celebración pública organizada por la élite dirigente en espacios de conmemoración en que ella podía entregarse, sin mayores inhibiciones, a los juegos del placer. Placer de hablar, de cantar, de bailar, de embriagarse, de abrazarse, de tocarse. De la sensualidad de la samba a la relación sexual propiamente dicha muchas veces no era necesario dar más que un paso. (…) El lundo y la ombligada eran, en realidad, prefiguraciones del acto sexual.15 Conforme podemos observar en la secuencia de la samba de rueda filmada por Glauber Rocha en Barravento, el repertorio gestual de los participantes es diversificado. “La samba no es coreografiada, es conforme la manera que cada uno ha aprendido. Pero todo el mundo improvisa”.16 Esto se ve muy claramente en la letra de la samba de rueda filmada en la que se alternan estrofas improvisadas al momento con las de origen tradicional. Por esto la sesión de samba de rueda es un espacio donde cada uno de los participantes baila revelando un complejo saber puesto que “el cuerpo en performance restaura, expresa y, simultáneamente, produce este conocimiento grafado en la memoria del gesto. Performar en este sentido, significa inscribir, grafar, repetir transcreando, revisando (…)”.17 A través de la secuencia de planos montados, Rocha documenta y espectaculariza a la vez este saber inscrito en los cuerpos que participan en la sesión de la samba de roda en su película. El aspecto colectivo, la unión de los participantes de samba de rueda es muy importante y refleja la necesidad de un grupo de celebrar su 120 comunión: “¿Por qué la rueda? Porque hay un montón de gente junta”. 18 Y precisamente este aspecto: el de una colectividad unida y no jerarquizada, Rocha logra representar en la secuencia de samba de rueda distribuyendo el protagonismo de una manera igualitaria entre los participantes autóctonos y el resto del reparto profesional. De manera que la secuencia de la samba de rueda en Barravento es una referencia a una práctica lúdica, fundamental para la cultura popular bahiana con sus sutiles aspectos dramatúrgicos de protagonismo marcados por los grados de sensualidad, el punto álgido y el desenlace, visibles en cada performance individual. No olvidemos, sin embargo, que Rocha aprovecha esta secuencia también para esbozar las dos líneas de la narrativa de Barravento: destaca a través de la función del personaje de Firmino su papel revulsivo en la aldea y también muestra el drama de Naína que no es capaz de inmiscuirse en la vida de la comunidad: la muchacha de ojos tristes se niega a participar en la samba de rueda de la misma manera que se negará a iniciarse en el candomblé. Estos dos elementos de la misma situación dramática en la cual, por un lado, Firmino anima la rueda de samba y, por otro, Naína se niega a bailar, 15 Antonio Risério. Uma história da cidade da Bahia. Río de Janeiro: Versal Editores, 2004, p. 172. Cabe añadir que los performers que realizan samba de rueda en el municipio de Lauro de Freitas donde fue rodada Barravento y a los que tuvimos acceso niegan la simbología sexul en el repertorio gestual que ejercen. 16 Julio César (Careca), op. cit. 17 Martins, op. cit., p. 82. 18 Julio César (Careca), op. cit. significan un claro hito del cual partirán dos líneas narrativas de la película: la primera – en la que Firmino intentará despertar la conciencia de los pescadores oprimidos y la segunda – en la que Naína paulatinamente superará sus reticencias con respeto a la iniciación en el ritual del candomblé. Por lo tanto la secuencia de la samba de rueda en Barravento no posee solamente su valor documental y espectacular sino también demarca sus funciones a nivel dramatúrgico. De modo que Glauber Rocha aprovecha los elementos de las prácticas espectaculares organizadas del pueblo bahiano no solamente para configurar vigorosos espectáculos en su opera prima sino que también vehicula a través de estos, los recursos dramatúrgicos imprescindibles para su narrativa dejando un tanto apagado su discurso político. En este contexto vale la pena recordar que desde el inicio de su trayectoria el director bahiano tuvo que defender la incoherencia como un elemento inherente a la obra artística e intentó comunicarse con el espectador como un ser libre y apto a hacer sus propias interpretaciones: “(…) no tengo el menor interés en defender estilo, posición profesional, en mantener estabilidad junto al público. Es decir que no creo que tenga la verdad en las manos. Entonces lanzo las cosas como una discusión franca, abierta para el espectador”.19 de la de samba de rueda en Barravento precisamente por la sintonía que existe entre los participantes: los habitantes de Buraquinho y los actores. Los habitantes de Buraquinho se incorporan a la rueda de samba de una manera tan libre y espontánea compartiendo junto con los actores la gloria de formar parte de elementos que constituyen un espectáculo. Nada es forzado, desprovisto de autenticidad, todo se encuadra en esta secuencia en una cadena de performances individuales que logran protagonismo distribuido de manera igualitaria. Cabe destacar que los actores como Antônio Pitanga, Luiza Maranhão o Aldo Teixeira, no necesitaron de una preparación específica para realizar su performance ya que al tener raíces africanas se insirieron naturalmente en la samba de roda reestableciendo una “huella” 21 que se instituye en las partituras corporales que derivan de la matriz cultural africana. De esta manera la samba de roda no es una práctica enseñada sino reinstituída a través de los cuerpos de los performes siendo que en la secuencia de Barravento no existe diferencia entre la danza interpretada por los actores y la de los autóctonos. Tanto los actores como los habitantes de la aldea penetran naturalmente en este ambiente o repertorio de memoria, tal como lo plantea Diana Taylor. Según ella, el repertorio de memoria: tiene que ver con la memoria corporal que circula a través de performances, gestos, narración oral, movimiento, danza, canto – en suma, a través de aquellos actos que se consideran un saber efímero y no reproducible. El repertorio requiere presencia – la gente participa en la producción y reproducción de saber al “estar allí” y ser parte de esta transmisión.22 El espectador como testigo “R e s p i c i o, es una palabra latina que significa el respeto a las cosas, e ahí la función del testigo real; no meter la nariz con su miserable papel, con aquella insistente demostración “yo también”, sino ser testigo – o sea no olvidar, no olvidar por encima de todo”.20 Jerzy Grotowski se refería de esta manera a la situación original del espectador que, para él, era la del testigo que está en osmosis con el actor, formando parte del espectáculo. Así pues los espectadores podían participar en una especie de la ceremonia cultural que les atribuía la función fundamental del testigo. Estas reflexiones de Grotowski nos parecen muy útiles a la hora de analizar la práctica espectacular 19 Glauber Rocha. Entrevista a Diário Popular, Lisboa 24 de junio de 1971, p. 11. Traducción nuestra. 20 Jerzy Grotowski. Teksty z lat 1965-1969 (Textos de los años 1965-1969). Breslau: Wydawnictwo Centralnego Programu Badan Podstawowych, 1990, pp. 66-67. 21 Leda Martins. Participación en la tertulia sobre Memoria y Referencia Cultural (Identidade e Negritude) promovida por el Núcleo de Referência Cultural de la Fundação Cultural do Estado da Bahia, 12 de junio de 2006, Salvador. 22 Diana Taylor. “Performance y memoria social. El archive y el repertorio”. NYU. In: The Archive and Repertoire: Performing Cultural Memory in the Ameritas, Dirham: Duke UniversityPress, 2003, p. 2: http://hemi.nyu.edu/esp/seminar/peru/call/workgroups/ perfsocmemdtaylor.shtml. 121 De ahí que en la secuencia de samba de roda Rocha penetrando en un repertorio de memoria otorga la responsabilidad por lo que ocurre a los habitantes de Buraquinho y a los actores simultáneamente y esto significa que el director incorpora a los autóctonos aprovechando su práctica espectacular reactualizada por los cuerpos en función de la memoria que guardan con su insospechada capacidad de ser testigos. Por lo tanto el cineasta aprovecha los elementos que brotan de la matriz cultural y filosófica africana muy palpable en las raíces del pueblo bahiano y configura una visible sintonía que envuelve la performance de los actores y los autóctonos creando imágenes convincentes y vigorosas. Jerzy Grotowski explica así el proceso de la creación de un espectáculo: “Para dar vida a un ser nuevo son necesarios dos seres. Aquel ser nuevo es el espectáculo, nosotros y los orígenes, lo individual y lo comunitario – estas son aquellos dos seres diferentes que han de concebir la tercera”.23 Cabe señalar que no pretendemos forzar la hipótesis de que Rocha habría aprovechado experiencias de Grotowski, pero sí destacar la similitud de ambos artistas en su empeño de relacionarse con las raíces de sus respectivas matrices culturales. Grotowski insistió en renovar el ritual teatral, no religioso, a través del acto y no a través de la fe y, por otra parte, Glauber Rocha aprovechó todo un legado de las prácticas espectaculares organizadas de Bahía para incluirlo en su película a través de los elementos con deter minadas funciones en la secuencia de situaciones dramáticas y también como espectáculo provisto de gran autenticidad. Y esta autenticidad es posible porque Rocha incorpora a los habitantes de Buraquinho como espectadores y co-autores, a la vez, del acontecimiento dramático en el que participan. Todos ellos son responsables por lo que ocurre lo cual supone transformar el nivel de la percepción en una percepción activa, en una co-autoría de la práctica espectacular o sea organizada en función de ser vista, como lo es la secuencia de samba de roda en Barravento. 122 Por eso las prácticas espectaculares organizadas típicas de la cultura bahiana como samba de roda, candomblé y capoeira otorgan a Barravento una dimensión fundamental que es más convincente que aquella derivada de su discurso político de índole marxista y originada por la situación dramática en la que Firmino llega a la aldea de pescadores para convencerles que las masas libres de la superstición religiosa del candomblé tienen que rebelarse contra la opresión. Con este punto de partida, Glauber Rocha configura una situación dramática que no es capaz de transformar la realidad sino de otorgarle tan sólo a la acción un carácter simbólico. En este contexto vale la pena recordar que Jean Duvignaud reconoció que en todos los niveles de la experiencia existe un verdadero teatro espontáneo aunque distinguiera claramente entre la situación social y la situación dramática. Para Duvignaud, la ceremonia social otorga una forma real a los papeles sociales para comprobar su capacidad de actuar y transformar las estructuras existentes creando nuevas situaciones. En cambio la ceremonia dramática, que se convierte en un espectáculo, tan sólo muestra la acción para otorgarle un carácter simbólico y no actuar de verdad.10 “El teatro se diferencia de la vida social precisamente por aquella sublimación de los conflictos reales: la ceremonia dramática es, por definición, una ceremonia aplazada, sobreseída, parada. El arte dramática es perfectamente consciente que está al borde de la realidad”.24 De esta manera, Rocha se sitúa con la situación dramática inspirada en su discurso político (basada en el conflicto entre las masas oprimidas y un sistema injusto) en una esfera 23 Jerzy Grotowski, 1990, op. cit., p. 84. 24 Jean Duvignaud, “Teatr w spoleczenstwie, spoleczenstwo w teatrze (Teatro en la sociedad, sociedad en el teatro)”. Dialog, Varsovia, 1990, nº 9, p. 105. Duvignaud entiende por ceremonia tras Georges Politzer “limitado y definido en el tiempo y en el espacio ‘un recorte especialmente significativo de la experiencia en común, cuyos elementos, relacionados en sí, constituyen el cumplimiento o tan sólo representación de un acto colectivo importante”. Ibídem, p., 103. 25 Ibidem, p. 105. que no haya sido planteada de una forma dogmática y simbólica que representa tan sólo la acción sin poder radical desde el punto de vista de movimiento histórico. llevar a transformaciones en la vida real. (...) esto salva “Barravento”. A pesar de que la tesis central Simultáneamente, el director abre un espacio sea un poco discutible, sin llegar a ser algo panfletario en importante en Barravento a los elementos derivados la película, entonces vale como protesto. Tiene una cierta magia...”.28 de las prácticas espectaculares organizadas de carácter popular con evidentes funciones dramatúrgicas, El cineasta tiene el mérito innegable con organizados sobre todo en torno al ritual de candomblé Bar ravento por “concentrar una multitud donde, según Turner, la comunidad reflexiona sobre heterogénea en torno a una vivencia en común”15 si misma a través de la acción simbólica de la fase ya que lo que destaca en Barravento son liminal haciendo posible la transformación de la precisamente las secuencias que incluyen las sociedad. 26 Por consiguiente, al exhibir tan prácticas como la samba de rueda representada en frecuentemente en Barravento los elementos que un lugar que pertenece a todos, de una manera no derivan de una práctica ritual que implica la jerarquizada y durante la cual se llega a consumar creatividad y la transformación de una comunidad el acto de comunión entre los miembros de la aldea: Rocha perjudica el impacto de su discurso ideológico que proviene de las ideas de Marx. Se puede afirmar, tras Alexandra Seibel, que en Barravento Glauber Rocha es (estilísticamente) fascinado por lo que está (políticamente) criticando”.27 De ahí que las performances configuradas a través de los elementos ritualísticos y las derivadas de otras prácticas espectaculares como la samba de roda huyen de la función didáctica trazada por el discurso político del joven director y aportan pistas para trazar líneas de interpretación múltiples a la hora de analizar la comunidad protagonista de Barravento. Confrontada con el poder de las prácticas especta-culares Foto 3: Las bahianas adeptas al candomblé hacen una ofrenda a la divinidad de aguas saladas, la línea narrativa de índole marxista no llega Iemanjá, el 2 de febrero de 2006 en la playa de Buraquinho donde fue rodada Barravento en 1960. a ser una propuesta convincente ni mucho menos una ceremonia social de transformaciones “Cuando uno entra en la samba de rueda tiene firmes. El mismo Rocha afirmaba años que: aquella sensación de vivir, de valorizar nuestra Barravento fue la primera película de largo-metraje que cultura porque la cultura negra tiene que ser hice. Es una película hecha en un lugar llamado valorizada (…) Todos están en la samba para Buraquinho, sobre pescadores negros. Se trata de sus sambar. La samba de rueda es integración”.30 problemas sociales de pesca con los problemas de los ritos y de la magia, del “candomblé”. Quiero decir que es una película muy vital en cuanto a imagen, pero hoy un poco discutible desde el punto de vista del planteamiento de ciertos problemas. En aquella época yo creía que la religión africana, los mitos del “candomblé”, aquí, eran fenómenos de profunda alienación político-social. Hoy no lo veo así. Creo que la religión africana en Bahía es la gran fuerza de resistencia en la permanencia que la civilización negra tiene aquí. Por lo tanto, esa tesis de la película se vuelve discutible, pero lo que salva todo es 26 Victor Turner. O proceso ritual; estrutura e anti-estrutura. Río de Janeiro: Vozes, 1974. 27 Alexandra Seibel, “Encenando o oprimido”. Cinemais, Río de Janeiro, marzo-abril de 1998, nº 10, p. 81. 28 Rocha en la entrevista para el Diário Popular, op. cit., p. 11. 29 “Brook sobre Shakespeare“.Dialog, Varsovia, nº 2, 1975, p. 173. 30 Julio César, op. cit. 123 Fotograma 7: Las hijas de santo danzan en la rueda de xiré. (Barravento – secuencia quinta). La samba de rueda es, pues, un recurso contra la pasividad y la soledad de los individuos que participando activamente se convierten en una colectividad creativa, alterna y hasta contestataria al aludir a una matriz cultural y filosófica que le es negada como referencia deseable. Y precisamente esta dimensión de la samba de rueda donde el cuerpo se sumerge en el repertorio de memoria en un acto espectacular que re-actualiza el saber, encuentra su reflejo en Barravento. La manera en que Rocha filma la secuencia refuerza nuestra hipótesis de que el cineasta busca una nueva comunicación con el público cinematográfico.31 El director bahiano se conecta con la riquísima tradición de las prácticas espectaculares organizadas del pueblo brasileño que se fundamentan, entre otras cosas, en la interacción, en el fuerte sentimiento de una experiencia comunitaria, en la espontaneidad y en las ganas de improvisar en un lugar informal como por ejemplo una plaza, un mercado, una feria. De modo que los espectadores familiarizados con la tradición popular brasileña podrían 124 responder a la interpelación que Glauber Rocha hacía en Barravento (1961) para elevar su estatus orientando su percepción en claves de espectacularidad que implica una interacción no muy común en el cine, posible en el teatro y muy presente en múltiples prácticas espectaculares del pueblo brasileño. Referências BARROSO, Oswald. “A Performance no teatro popular tradicional”. In: Teixeira, João Gabriel, Gusmão, Rita (orgz.). Performance, cultura e espectacularidade. Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia, 2000. “Brook sobre Shakespeare”. Dialog, Varsovia, nº 2, 1975, p. 173. DUVIGNAUD, Jean. “Teatr w spoleczenstwie, spoleczenstwo w teatrze (Teatro en la sociedad, sociedad en el teatro)”. Dialog, Varsovia, 1990, nº 9, pp. 102-115. 31 Rocha se quejaba del público latino-americano que, según él, estaba dominado, colonizado por el lenguaje del cine “imperialista”. Ver : A última entrevista de Glauber Rocha en Cuba (a Jaime Sarusky), recogida en Folha de São Paulo, 14 de diciembre de 1975. GROTOWSKI, Jerzy. Teksty z lat 1965-1969 (Textos de los años 1965-1969). Breslau: Wydawnictwo Centralnego Programu Badan Podstawowych, 1990. NORA, Pierre. Entre a memória e a história: os lugares de memória. Trad. Patrícia Farias. Traduzido do original francês publicado in: Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, vol 1 (La Republique), 1984, pp. 18-34. MARTINS, Leda.”Performances do tempo e da memoria: os congados”. Revista O Percevejo. Departamento de Teoria do Teatro. Programa de Pós-graduação em Teatro, Universidade Federal do Río de Janeiro (UNIRIO), 2003, ano 11, nº 12, pp. 68-98. ___. Participación en la tertulia sobre Memoria y Referencia Cultural (Identidade e Negritude) promovida por el Núcleo de Referência Cultural de la Fundação Cultural do Estado da Bahia, 12 de junio de 2006, Salvador. ROCHA, Glauber. A última entrevista de Glauber Rocha en Cuba (a Jaime Sarusky), recogida en Folha de São Paulo, 14 de diciembre de 1975. _______________. Entrevista a Diário Popular, Lisboa, 24 de junio de 1971. SEIBEL, Alexandra Seibel, “Encenando o oprimido”. Cinemais, Río de Janeiro, marzo-abril de 1998, nº 10, pp. 7389. TAYLOR, Diana Taylor. “Performance y memoria social. El archive y el repertorio”. NYU. In: The Archive and Repertoire: Performing Cultural Memory in the Ameritas, Dirham: Duke UniversityPress, 2003. : http://hemi.nyu.edu/esp/seminar/peru/call/workgroups/ perfsocmemdtaylor.shtml. TURNER, Victor. O proceso ritual; estrutura e anti-estrutura. Río de Janeiro: Vozes, 1974. ______________.”Teatr w codziennosci, codziennosc w teatrze (El teatro en lo cotidiano, lo cotidiano en el teatro)”. Dialog, Varsovia, 1988, nº 9. ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. San Paulo: EDUC, 2000. 125 Espaço e Teatralidade na Minissérie “Hoje é Dia de Maria”* Sylvia Nemer** RESUMO: A relação entre cultura popular, teatro e expressão audiovisual é o tema do presente texto, interessado em discutir a questão do uso do espaço teatral na minissérie “Hoje é dia de Maria”, obra profundamente marcada, segundo termos de Paul Zumthor, por uma “intenção de teatro” (ZUMTHOR, 2007). RÉSUMÉ: Les rapports entre culture populaire, théâtre et expression audiovisuel sont la thématique du présent texte, où on discute la question de l’espace théâtral dans la minisérie télevisée brésilienne “Aujourd’hui c’est un jour de Marie”, ouevre profondement ancrée, selon les termes de Paul Zumthor par un “souci de théâtre”, une intentioin théâtrale (ZUMTHOR, 2007). ABSTRACT: The relationship between popular culture, theater and audiovisual expression is the theme of this text, interested in discussing the question of theatrical space using in the miniseries “Hoje é dia de Maria “, a work deeply marked, following Paul ZUMTHOR terms, by an “intention of theater” (ZUMTHOR, 2007). Na vinheta de abertura da minissérie vê-se um palco com uma cortina se abrindo e em seguida a imagem completa de um teatro de marionetes onde figuras do artesanato nordestino se movimentam num espaço composto por elementos do cotidiano, da paisagem e da cultura sertaneja. Na segunda temporada o mesmo palco se apresenta, porém suas figuras remetem ao ambiente da cidade grande com seus personagens, seus edifícios, seu teatro de variedades, feitos de pano, metal e papelão. Embora situadas em ambientes diferentes, tanto a primeira quanto a segunda temporada da minissérie, nos faz penetrar na história pela via do imaginário, da fantasia; o palco, como indica a vinheta de abertura, é o seu elemento central. A vinheta é uma moldura da obra que busca repetir, no campo diegético, a idéia de teatro presente na cena de abertura. Há um diálogo entre 126 a sugestão inicial e o enredo, que se desenrola por meio de um tipo de montagem em que cada plano, lembrando o teatro de variedades, é uma espécie de atração à parte. Nesse aspecto, o espaço teve um papel fundamental. Filmada no palco da terceira edição do Rock in Rio, a estrutura circular do espaço ocupado pela produção da minissérie repercutiu no esquema circular da história contada, a de uma menina que sai de casa e após uma longa jornada acaba retornando ao seu lugar de origem, mas igualmente no modo fragmentado de contá-la, associado ao princípio das “atrações”. Cobrindo a parede interna do círculo, um painel de 360° pintado à mão representa as paisagens pelas quais Maria passa, como o bosque e o sertão. Cada cenário representa um momento da narrativa cuja estrutura fragmentada lembra a dos espetáculos populares nos quais predomina o princípio das “atrações”. A utilização de um cenário giratório foi, nesse caso, fundamental, possibilitando o estabelecimento de nexos entre o “espaço cenográfico”, o “espaço dramático” e o “espaço fílmico”. Levada ao ar pela Rede Globo em duas fases no ano de 2005, a primeira com 8 capítulos em janeiro e a segunda com 5 capítulos em outubro, a minissérie é uma adaptação da obra de Carlos Alberto Soffredini, que se inspirou nas fábulas coletadas por Silvio Romero, Câmara Cascudo e Mário de Andrade para compor o enredo da história, * O presente artigo é parte de uma pesquisa mais ampla realizada no acervo de literatura de cordel da Fundação Casa de Rui Barbosa entre 2006 e 2008 com bolsa concedida pelo convênio FAPERJ/ FCRB. ** Pesquisadora da FAPERJ, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Brasil programada inicialmente para ser um especial comemorativo dos 30 anos da Globo. O projeto, que não chegou a ser concretizado na ocasião, foi retomado, anos mais tarde, por Luiz Fernando Carvalho que sem poder contar com a parceria de Soffredini, morto em 2001, recorreu ao dramaturgo Carlos Alberto Abreu que o ajudou a desenvolver a versão apresentada em 2005 para o aniversário de 40 anos da emissora. A minissérie, seguindo a linha do trabalho desenvolvido por Soffredini, recorre ao repertório das tradições orais do Nordeste para compor a história de Maria (Carolina Oliveira), uma menina que após fugir da casa do pai (Osmar Prado) para escapar dos maus tratos da madrasta (Fernanda Montenegro) se vê perdida no mundo, defrontada a surpresas, perigos e obstáculos. Inseparável da chavinha dada, antes de morrer, por sua mãe (Juliana Carneiro da Cunha), Maria percorre um longo caminho; em busca das “franjas do mar” ela atravessa o “país do sol a pino” onde se depara com os mais variados tipos de experiência: a fome, sofrida por Zé Cangaia (Gero Camilo) que, diante das privações, se vê obrigado a vender sua sombra ao diabo; a ganância encarnada pelos executivos (Charles Fricks e Leandro Castilho) espancadores de cadáveres; a exploração vivida pela menina carvoeira (Laura Lobo) e pelas outras crianças trabalhadoras nas minas de carvão. Todas essas experiências lhe deixam marcas profundas, porém as figuras que as correspondem desaparecem da mesma for ma que haviam aparecido. A única que vai lhe acompanhar ao longo de toda a trajetória é o diabo Asmodeu (Stênio Garcia) que tentando desviá-la do seu caminho acaba roubando-lhe a infância. Maria adulta (Letícia Sabatella) não desiste, no entanto, de sua busca. Encorajada pelos saltimbancos Quirino (Daniel de Oliveira) e Rosa (Inês Peixoto), que com sua trupe ambulante levam alegria aos pequenos vilarejos por onde passam, ela segue em frente contando com o apoio dos novos amigos, com o amparo de Nossa Senhora da Conceição (Juliana Carneiro da Cunha), antiga aliada nos momentos de aflição, e com a proteção do pássaro misterioso que a acompanha desde o início da jornada e que acaba tornando-se seu Amado (Rodrigo Santoro). O amor pelo pássaro, que durante a noite se metamorfoseia em homem, é a última experiência vivida por Maria que depois de libertar seu Amado do cativeiro, retorna a condição de criança. A partir daí ela reinicia o caminho de volta reencontrando as mesmas figuras pelas quais havia passado anteriormente e chegando, finalmente, ao ponto de partida, a sua casa, onde vê seu pai, sua mãe e seus irmãos trabalhando na roça normalmente, como se nada tivesse acontecido. A jornada de Maria é uma história que costura, através das experiências vividas pela menina (em seu sonho), fragmentos de várias outras histórias, de histórias antigas pertencentes ao repertório das tradições orais do país. Representando arquétipos do imaginário brasileiro e universal, os personagens da minissérie funcionam como elos de ligação entre o passado e o presente, entre o mundo rural e a cidade grande, entre as antigas tradições (registradas pelos folcloristas entre o final do século XIX e o início do século XX) e a cultura contemporânea. Foi com esse propósito, de estabelecer uma ponte entre os dois mundos, que os personagens (com outras roupagens) retornaram na segunda temporada da minissérie. Ambientada na cidade grande, a segunda temporada colocou em cena o mesmo elenco que havia atuado na primeira temporada. Os atores (com exceção de Carolina Oliveira, que continuou interpretando a mesma Maria que havia interpretado na primeira temporada) encarnaram personagens diferentes, porém com os mesmos traços arquetípicos dos vividos anteriormente. Stênio Garcia, por exemplo, retornou como Asmodeu Cartola, o inescrupuloso proprietário do teatro. Osmar Prado reapareceu na pele do Dr. Copélius, o generoso dono da loja de brinquedos. Letícia Sabatella voltou como Rosicler, a dançarina 127 que despertou uma louca e impossível paixão no sonhador Dom Chico Chicote, vivido por Rodrigo Santoro. Através desses novos personagens, a trajetória de Maria é re-encenada, desta vez num ambiente urbano, que, por sua vez, é perpassado pelas mesmas referências presentes na representação anterior voltada para o mundo rural. Com base no quadro, até aqui, delineado, julgamos oportuno, antes de darmos continuidade à reflexão, definir o quadro conceitual que norteia a análise proposta. Os três principais conceitos empregados se referem à questão do ESPAÇO: “espaço cênico” (correspondente ao local de realização das filmagens e seus elementos cenográficos); “espaço dramático” (referente ao enredo e aos recursos de representação utilizados para desenvolvê-lo); “espaço fílmico” (operações de câmera, processos de edição, etc). Os dois primeiros foram pensados a partir da definição de Patrice Pavis (2007 p 132136). O terceiro foi extraído da obra de André Gardies (1993). No que diz respeito à articulação entre os três níveis de espaço – cênico, dramático e fílmico – outras noções serão ressaltadas. A primeira se refere à questão do deslocamento, à jornada da personagem principal cuja caminhada, informando a construção do espaço, pode ser associada ao modo de composição das cenas de perseguição em filmes de ação ou suspense nas quais o fluxo narrativo está condicionado a uma descontinuidade espacial: “Quando você tem de seguir a trajetória de uma ação através de vários espaços, começa a ter a idéia de que cada plano é fragmento de um espaço ficcional maior; o espaço total da perseguição.” (GUNNING, 1994, p. 118). A segunda noção diz respeito aos obstáculos encontrados pela personagem na realização de seu percurso. Em relação a isso o caso de Maria, na minissérie analisada, e de Fabiano, no filme “Vidas Secas” (1963) de Nelson Pereira dos Santos, se equivalem. Nos dois casos os obstáculos fazem parte do enredo, da evolução da história na qual o deslocamento espacial equivale às mudanças no 128 enredo e ao estado da personagem cujo caminhar se realiza (GARDIES, 1993, p. 78). A terceira noção se liga mais diretamente à cenografia e à atividade de recepção, ou seja, à capacidade do espectador preencher mentalmente os dados que não são passados materialmente pelo filme. Uma posição em torno dessa questão foi dada por André Gardies em sua análise do filme “Le salaire de la peur” (1953) de Georges-Henri Clouzot. Nesse filme, a relação entre a realidade latino-americana e a representação dessa realidade é sugerida através de um cenário que evoca determinados objetos que seriam próprios do ambiente representado. Dessa forma o diretor apontou para um ponto comum a todos países latino-americanos sem a necessidade de se referir especificamente a nenhum: “O burro como meio de transporte, a calçada não asfaltada e deteriorada, as roupas das pessoas na rua me dizem da pobreza do país. Um conjunto de traços me envia para o significado ‘pobreza’. Do mesmo modo outros signos têm por significado comum o calor úmido: transpiração dos personagens, proteção contra o sol etc.” (GARDIES, op.cit., p. 72, trad. da autora). Em relação à questão da TEATRALIDADE será nossa referência conceitual o verbete de Patrice Pavis, segundo o qual: “teatralizar um acontecimento ou texto é interpretar cenicamente usando cenas e atores para construir a situação. O elemento visual da cena e a colocação em situação dos discursos são as marcas da teatralização” (PAVIS, 2007, p. 374). Esta definição é complementada pela observação de Paul Zumthor que, citando Josette Féral, fala de uma “intenção de teatro”: A teatralidade parece ter surgido do saber do espectador, desde que ele foi infor mado da intenção de teatro em sua direção. Este saber modificou seu olhar, forçando-o a ver o espetacular lá onde só havia até então o acontecimento. Ele transformou em ficção aquilo que parecia ressaltar do cotidiano, ele semiotizou o espaço, deslocou os signos que ele então pode ler diferentemente... A teatralidade aparece aqui como estando do lado do performer e de sua intenção firmada de teatro mas uma intenção cujo segredo o espectador deve partilhar. (FÉRAL, apud ZUMTHOR, 2007, p. 41) Sobre a noção de ATRAÇÕES, recorreremos ao estudo de Tom Gunning sobre o cinema das origens. Referindo-se a esse cinema, o autor comenta: “os filmes eram breves, um show de filmes era uma série de atrações curtas e não a criação de um todo ficcional”. A linguagem das atrações é abandonada com a progressiva adoção pelo cinema de um encadeamento narrativo. No entanto (como se observa em Méliès, por exemplo) “havia filmes usando a combinação de narração e atração” (GUNNING, 1994, p. 115-117). Nos filmes de Georges Méliès, como observou Susan Sontag, há uma profunda relação entre o teatro e o cinema. A autora chama atenção para uma possível equivalência entre a montagem teatral e o processo de montagem dos filmes daquele diretor, cujo resultado, revelado num tipo de espetáculo denominado de “atrações” destacaria o “artifício” sobre a forma realista de representação (SONTAG, 1987, p. 108). A esse respeito são expressivas as experiências de Eisenstein e de Maiakóvski. Nos dois casos a experiência com o universo das “atrações”, com as técnicas do teatro popular, transfere-se da prática teatral, onde atuaram inicialmente os dois diretores, para o cinema. (RIPELLINO, 1971). Definidos os conceitos, levantaremos alguns pontos relativos ao modo de construção dos três níveis de espaço (o “espaço cênico”, o “espaço dramático” e o “espaço fílmico”) na minissérie estudada. Nossa preocupação é compreender como estes “espaços” se articulam, ao mesmo tempo em que dialogam com as instâncias inspiradoras da referida obra (o teatro popular e o repertório das tradições orais). Um dos aspectos relativos a tal articulação diz respeito à evolução da história de Maria e ao avanço da personagem no espaço, em suas duas jornadas: a primeira em que, depois de fugir de casa e de vagar perdida a procura do mar, ela reencontra sua família; a segunda em que, depois de encontrar o mar e de ser engolida por um monstro, ela se vê sozinha na cidade grande e procura o caminho de volta para casa. Em “Hoje é dia de Maria” a ênfase recai sobre o fantástico, o maravilhoso, o extraordinário. Aqui as coordenadas de espaço tempo foram abolidas. Maria empreende uma longa jornada, encontra inúmeras pessoas, vive diversas experiências, perde a infância, torna-se adulta, conhece o amor, sofrimentos, perdas, volta a ser criança, atravessa diversos tempos e lugares, sem, contudo, se deslocar no tempo ou no espaço. Própria da experiência do sonho, em que no fim tudo volta a ser como era antes, a trajetória de Maria desenvolve-se de uma maneira circular. Pode-se, a esse respeito, pensar nas narrativas da tradição oral que acabam com todos os problemas resolvidos e o mundo voltando à sua antiga ordem[1]. A presença de um narrador (na voz de Laura Cardoso), repetindo em off a mesma história mostrada no campo visual pelos diálogos e ações dos personagens, reforça essa idéia, ou seja, de que há uma estrutura lendária (circular) presidindo a composição da minissérie. Essa idéia é retomada na segunda jornada quando vemos no final do último episódio que toda a história não passara de um delírio da menina que, doente em sua cama, vê a história contada por sua avó (Laura Cardoso) materializar-se em imagens, as mesmas que vemos passar na tela e que, no fim das contas, constituem o enredo da minissérie, o enredo que acompanhamos ao longo dos cinco capítulos. Jornada iniciática, a história de Maria se desenvolve no espaço que atua como elemento de obstáculo ou de favorecimento à personagem (GARDIES, op.cit., p 78). Não se trata de uma simples ocupação do espaço cênico (normalmente concebido apenas como o local onde a trama se desenvolve), mas de um tratamento metafórico do espaço, ou seja, da tentativa de reproduzir no espaço cênico a idéia de busca que perpassa o espaço dramático. 129 Há, portanto, uma proposta clara de articulação entre forma e conteúdo, entre a estética da minissérie e o seu enredo, que se traduz, entre outros aspectos, pela estrutura circular do palco e pelas sucessivas mudanças de cenário que reproduzem visualmente os diferentes estágios da trama, segundo observação de Lia Renha, responsável pela direção de arte da obra em pauta: O caminho de Maria, que é o caminho da vida de todos que escolhem seus propósitos, vai pelo mundo; não fica trancafiado de forma cartesiana. Quando vemos uma paisagem, a enxergamos em 360º. Quando se entra dentro desse domo, não se está dentro de um mundo recriado. Eu não conseguiria contar essa história como eu sinto fora de um círculo; não vemos o mundo com quinas. (RENHA, 2005, p. 36-37) Os dramas vividos pela heroína acompanham, como salientou Lia Renha, o seu deslocamento em busca das “franjas do mar”. Essa busca, iniciada após a fuga de casa, será recortada pela figura do demônio Asmodeu com quem Maria irá se deparar inúmeras vezes ao longo de seu percurso. Sempre ajudada por alguma alma boa que encontra pelo caminho, Maria consegue avançar e se manter firme em sua busca, apesar das tentativas de Asmodeu de desviá-la de seu objetivo. Cada vivência de Maria, cada figura que ela conhece ao longo de sua trajetória, representa uma aventura à parte, um quadro com relativa autonomia em relação aos demais que formam o todo da narrativa. Como no cinema de Georges Méliès vê-se aqui uma proposta de unidade em meio a uma estrutura fragmentada na qual cada atração visa captar, por meio da surpresa, do susto, do riso, a atenção máxima do espectador (GUNNING, 1994). Trata-se, no caso, de um tipo de dramaturgia inteiramente diferente da que costuma caracterizar a programação ficcional da televisão brasileira. A composição e a montagem dos planos reforçam essa concepção estética, de quadros, de atrações, muito comum no cinema de George Méliès e nas expressões populares tradicionais de 130 grande influência na obra do diretor do chamado “cinema das origens”[2]. A técnica (operações da câmera, montagem) transpõe para a tela estruturas narrativas próprias do primeiro cinema, evocando o universo da cultura popular[3] por meio da linguagem das atrações. Desse modo, a “apropriação”[4] das tradições se processa não como “citação”[5] (como é comum na televisão e não raro no cinema), mas em termos “dialógicos”[6] (não excluindo aí o diálogo com a tradição das imagens em movimento). Fugindo ao encadeamento narrativo tradicional, rompendo com as noções convencionais de tempo e espaço, “Hoje é dia de Maria”, por meio de uma concepção cenográfica incomum nos produtos televisivos, dos mais modernos recursos tecnológicos e de procedimentos típicos da linguagem audiovisual, como movimentos de câmera e operações de montagem, dialoga com as manifestações da cultura oral tradicional que operam segundo uma lógica não linear, como observou Paulo Vieira. Referindose à presença de romances, xácaras, vilanicos de inspiração marítima na peça “Viva a Nau Catarineta”, de Altimar Pimentel, o autor comenta: Somente a simplicidade destas fontes de origem popular faz compreender – e aceitar, sem maiores exigências quanto à construção da fábula – a passagem de uma ação à outra, da taverna à navegação, da navegação ao assalto à fortaleza de onde se liberta a Saloia, daí à tempestade, sem que haja momentos de crescimento da ação, de estabelecimentos de pontos de ruptura que conduzam à circunstância seguinte. (VIEIRA, 2000, p. 170) A “mediação”[7] do teatro, que ajuda a promover a idéia de circularidade e de fragmentação narrativa, se faz também presente na concepção dramatúrgica. Através das técnicas, principalmente, do teatro popular, “Hoje é dia de Maria” dialoga com processos narrativos característicos das manifestações orais tradicionais, baseadas, fundamentalmente, nos gestos e na voz que na minissérie receberam um tratamento particularizado como se observa no making off da obra onde, nas etapas de preparação dos atores, verifica-se a preocupação do diretor com as dimensões gestual e vocal. Elemento fundamental da trama, a música (com Villa Lobos e Pixinguinha dividindo a trilha sonora com maracatus, frevos e cirandas), na maior parte das vezes, é entoada pelos próprios personagens em substituição aos diálogos, dentro de uma linha de representação fortemente teatralizada. Apesar das inúmeras referências às tradições (romances, mitos, lendas, fábulas cantigas) e ao teatro popular (de variedades, de bonecos, de marionetes, circo), a relação da obra com essas expressões não é de mera transposição de elementos de um universo para o outro. Tratase, ao contrário, da busca de uma linguagem de articulação entre expressões orais e audiovisuais, feita através da música, do gestual, do uso de marionetes, do figurino, da maquiagem, da iluminação, do cenário e do recurso a acervos técnicos próprios ao meio audiovisual com destaque para a técnica de montagem de atrações característica do cinema das origens. Esses diferentes níveis de articulação não apenas apontam para possibilidades estéticas novas no meio audiovisual (contrapondo-se ao realismo, principalmente, televisivo) como também propõem formas alternativas de abordagem da cultura popular pelas artes da representação nas quais prevalece, quase sempre, a opção pelo típico, pelo característico, em detrimento da técnica: No que se refere à percepção de acervos técnicos, talvez devêssemos suspender o encantamento aflorado pela visão de uma natureza característica, e, então, indagar por um sistema de códigos tão singulares quanto longamente elaborados. E, acredito, será através do cuidadoso exercício de compreensão e recuperação destes códigos, e através de sua precisa reelaboração em métodos e técnicas adequadas à arte da cena, que um teatro popular pode vir a se articular de maneira mais efetiva, isto é, como expressão artística criadora e autônoma, e não como instância redutora de universos culturais diversos. (RABETTI, 2000, p. 7 e 8) A observação de Beti Rabetti a respeito do teatro popular (“como expressão artística criadora e autônoma”) serve para pensarmos a obra aqui analisada em sua relação “de diferença e de distância” com a cultura popular o que, por sua vez, pressupõe a capacidade de articular “variâncias e invariâncias, que garantem a permanência de um núcleo matricial fixo de determinadas produções arcaicas, ao mesmo tempo que possibilitam um constante processo de atualização, para adequação a transformações históricas mais amplas”. (RABETTI, op.cit., p 18) [1] A noção de “circularidade”, apresentada por Bakhtin em seu estudo sobre a obra de Rabelais, envolve uma relação com o tempo que está na base da cultura popular, das expressões do riso, do grotesco: “A sucessão das estações, a semeadura, a concepção, a morte e o crescimento são os componentes dessa vida produtora. A noção implícita do tempo contida nessas antiqüíssimas imagens é a noção de tempo cíclico da vida natural e biológica” (BAKHTIN, 1999, p. 22) [2] Nos filmes de Méliès os vínculos com as atrações circenses e teatrais, talvez se expliquem pela experiência prévia do diretor nessas áreas. Também no caso de Soffredini, Abreu e Carvalho a atividade teatral é concomitante à experiência dos autores nos meios audiovisuais. Além disso, os três expressam, em várias de suas obras, fortes vínculos com a cultura popular tradicional que é, em última análise, um campo onde as atrações costumam se fazer mais presentes. [3] A noção de cultura popular adotada na presente análise parte das observações de Gerd Bornheim que recusa a visão dicotômica promovida por determinados segmentos intelectuais em relação à chamada “cultura popular” cujas posturas (positiva, face às tradições do mundo rural, 131 consideradas como elevadas e autênticas, e negativa, face às manifestações culturais da grande cidade, vistas pelo prisma da massificação) revelam, segundo ele, uma total falta de atenção às metamorfoses do público contemporâneo. O autor, que defende uma posição menos idealista da cultura popular tradicional, apresenta duas atitudes em relação ao uso do folclore no teatro: “Uma coisa é o folclore em estado bruto, que se repete tal como surgiu no passado e que, bem ou mal, continua se mantendo vivo. E outra bem diferente está naquilo que o teatro pode fazer com o folclore, servindo-se dele como ponto de partida para a instauração de um teatro popular.” (BORNHEIM, 1983, p. 31-32) [4] Sobre a noção de “apropriação” Roger Chartier comenta: “Ela evita, inicialmente, identificar os diferentes níveis culturais a partir apenas da descrição dos objetos que lhes seriam considerados próprios”. Nessa passagem o autor, ao se referir às for mas de apropriação de elementos de uma tradição cultural por outra pertencente a um campo diferente, recusa a idéia de homogeneidade que quase sempre leva a uma visão hierárquica da produção cultural (CHARTIER, 2004, p. 12) [5] Uma análise do processo de “citação” de elementos da cultura popular por parte de ar tistas er uditos foi feita por Elizabeth Travassos. A autora comenta sobre os procedimentos adotados por representantes da música nacionalista do século XIX (como Alberto Nepomuceno que inseriu um maxixe no Prelúdio da ópera “O garatuja” e por Carlos Gomes que costumava introduzir temas ameríndios em óperas com roupagens do belcanto italiano) que recorriam à cultura popular em termos de citação. Esse recurso foi criticado por Mário de Andrade, defensor de um tratamento das tradições populares cuja ênfase deveria recair 132 não sobre o conteúdo das mesmas mas sobre as suas for mas, suas estr uturas (associadas à essência da expressão) que deveriam ser processadas para dar corpo à nova música nacionalista (TRAVASSOS, 2000, p. 36-38) [6] O conceito de “dialogismo” de Bakhtin foi analisado por Robert Stam que chama atenção para o aspecto relacional do discurso, ou seja, para a “relação entre o texto e seus outros”. Na minissérie “Hoje é dia de Maria”, não se observa uma relação direta entre o contexto e o texto que o informa; observa-se, entre estes, o que Robert Stam denominou de dialogismo cultural e textual (STAM, 1992, p. 72-78) [7] O conceito de “mediação” foi introduzido nos estudos de Comunicação e Cultura por Jesús-Martin Barbero que buscou por meio deste pensar os trânsitos entre o popular tradicional, o erudito e o popular massivo ultrapassando, assim, as fronteiras normalmente estabelecidas entre as respectivas “áreas”. Desse modo a fórmula de McLuhan, de que o meio é a mensagem, passa por uma revisão, apontando para um processo no qual ganha corpo a noção de mediações que pressupõe os intercâmbios entre as mais variadas formas de comunicação e manifestação cultural (BARBERO, 1997). Referências: BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo, Hucitec, 1999. BARBERO, Jesús-Martin. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997. BORNHEIM, Gerd. Teatro: A Cena Dividida. Porto Alegre, LP&M, 1983. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo, UNESP, 2004. FÉRAL, Josette. “La Théâtralité”, Poétique, 1988, p 348-50. Apud. ZUMTHOR. Performance, recepção, leitura. Tradução Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo, Cosac Naify, 2007. GARDIES, André. Le récit filmique. Paris, Hachette, 1993, p 69-83. GUNNING, Tom. “A grande novidade do cinema das origens”. Entrevista concedida a XAVIER, Ismail, MOREIRA, Roberto e RAMOS, Fernão. Revista Imagem, Campinas, nº 2, ago., 1994, p 112-121. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo, Perspectiva, 2007. RABETTI, Beti. “Memória e culturas do popular no teatro: o típico e as técnicas” IN: O Percevejo, Revista de Teatro, Crítica e Estética, Ano 8, n° 8, 2000, p 3-18. RENHA, Lia. apud. COSTA, Ana Carolina. “Refinado e popular: ‘Hoje é dia de Maria’ reaproveita matéria-prima para retratar o mundo dos contos populares” IN: Luz & Cena. Ano VII, nº 67, jan/fev 2005, p 36-37. RIPELLINO, Ângelo Maria. Maiakovski e o teatro de vanguarda. São Paulo, Perspectiva, 1971. SONTAG, Susan Sontag “Teatro e filme” IN: A Vontade Radical. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. STAM, Robert. “Dialogismo cultural e textual” IN: Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo, Ática, 1992, p 72-78. TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2000. VIEIRA, Paulo. “O teatro do povo” IN: O Percevejo, Revista de Teatro, Crítica e Estética, Ano 8, n° 8, 2000, p 165-170. 133 Malê Debalê: uma origem, uma tribo, uma festa Lúcia Fernandes Lobato* RESUMO: Aqui são apresentados os elementos constitutivos que motivaram a fundação, em 1979, do bloco afro Malê Debalê, que, por suas ações espetaculares, principalmente no carnaval baiano, se tornou a entidade mais representativa da cultura negra de Itapuã. O bloco é identificado ao conceito maffesoliano de “tribo”, são descritos os símbolos de sua prática espetacular, reconhecidos por sua presença na vida política e cultural de Salvador e evidencia-se a importância do caráter festivo na constituição e na renovação constante do grupo. uma homenagem prestada aos malês, negros muçulmanos chegados à Bahia na condição de escravos. Os fundadores do bloco se identificavam com o perfil histórico de luta dos malês os quais em 25 de janeiro de 1835 realizaram em Salvador a maior revolta escrava urbana até então ocorrida, conhecida como a Revolta dos Malês. Foi uma justa PALAVRAS-CHAVE: Bahia; cultura negra; carnaval. RÉSUMÉ: Ici sont présentés les élements constitutifs qui on donné raison d’existence, en 1979, au groupe social et culturel afro-bahianais Malê Debalê, qui, de par ses actions spectaculaires, notamment lors du carnaval, est consideré comme l’entité la plus répresentative de la culture nègre du quartier d’Itapuã. Le groupe est identifié au concept mafesolien de “tribu”. On décrit les symboles de sa pratique spectaculaire, réconnus de par leur présence dans la vie politique et culturelle de Salvador de Bahia. La fête est prise en son importance structurelle pour la constitution et renouvellement du groupe. MOTS-CLÉS: Bahia; cultura negra; carnaval. ABSTRACT: Here are described the sources that led to the founding in 1979, of the african group Malê Debalê which, by its spectacular actions, especially in the Bahian carnival, has become the most representative organisation of the black culture of Itapua. The group is identified with the maffesolian concept of “tribe”. Its symbols are described as well as their spectacular practices, well known for their presence in political and cultural life of Salvador, Bahia. The importance of its festive character in the formation and renewal of the group is highlighted. KEYWORDS: Bahia; black culture; carnival. O bloco Afro Malê Debalê foi fundado em 23 de março de 1979 por um grupo de familiares, amigos e vizinhos moradores do bairro popular de Itapuã, situado no litoral norte da cidade do Salvador - Bahia. O cotidiano partilhado na mesma localidade, o respirar coletivo de sua gente na mesma ambiência e o conviver com os dramas e as delícias do dia-a-dia foram os responsáveis pelo surgimento e consolidação do grupo. O nome Malê Debalê, escolhido a partir de uma consulta realizada na própria comunidade, foi Foto de Crispim homenagem e a este respeito manifestou-se Antônio Risério, em carta a Nei Lopes (1988, p. 69): O sucesso do bloco afro Male Debalê, junto com a revalorização popular das revoltas islâmicas, criou uma espécie de mito em torno dos malês. Hoje na Bahia, qualquer negro informado, alguns com certa ponta de esnobismo (compreensível, mas condenável), afirma-se descendente dos malês. * Professora da Escola de Dança da UFBA, Brasil 137 No entanto, apesar da homenagem, não era uma razão histórica que movia a formação do bloco, mas sim, a vontade e o desafio de, através da sua prática espetacular organizada, participar da festa. Debalê, voltando às razões que deram o nome do bloco, foi uma palavra criada pelo grupo que tinha a informação de que “bali” significaria felicidade em yorubá. Assim, segundo Josélio de Araújo, membro fundador e atual presidente, o bloco foi batizado com o nome Malê Debalê na intenção de traduzir “negros da felicidade” ou “negros felizes”. Apesar dessas conjecturas, a origem do bloco está intrinsecamente ligada ao sentido da festa como revelação de utopias. O impulso maior dos fundadores era referendar, através da prática espetacular no carnaval, a existência e legitimação do grupo na cidade do Salvador. As festas populares vêm atraindo o olhar pesquisador contemporâneo de sociólogos, antropólogos, etnólogos e historiadores. A História Oral, fundada pelo Grupo dos Annales, chegou a se apropriar das festas como objeto de estudo, por sua inerente vinculação com a mentalidade, o cotidiano e a vida coletiva, introduzindo definitivamente o tema na preocupação das ciências humanas. Atualmente, autores como Jean Duvignaud e Norberto Luiz Guarinello ressaltam o caráter lúdico e espetacular das festas introduzindo-as nas discussões acadêmicas, retomando e revendo a compreensão de sua gênese, buscando suas transformações e as possíveis leituras e analogias com os aspectos conjunturais sociais, culturais e históricos. É indiscutível que as festas permitem uma apreensão do real. Elas constituem uma forma de apropriação do mundo, reveladora do imaginário coletivo de grupos e comunidades que, a exemplo do Malê, constroem, no viver comum de uma mesma realidade, os mesmos sonhos e as mesmas utopias. A utopia da festa desdenha e brinca com a mediocridade do presente e celebra o desejo. Guarinello, entendendo a festa como um espaço e um tempo de exaltação dos sentidos sociais, assim conceituando (in Jancsó, Istvan e Kantor, Íris 2001, p. 972). A festa é, portanto, sempre uma produção do cotidiano, uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar definidos e especiais, implicando a concentração de afetos e emoções em torno de um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto principal é a simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma deter minada identidade. Festa é um ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa dos seus participantes. No caso de Salvador, participar de forma organizada no carnaval significa vir a ser reconhecido e identificado como personagem social, o que justifica plenamente a motivação da fundação do Malê. Foto de Crispim 138 Mas é importante ressaltar que hoje o carnaval, apesar da permissibilidade que supera o cotidiano, é regido por normas que regulamentam no interior de sua realização um jogo de poder e uma disputa social acirrada de espaço. É fundamental compreender que o lúdico e as licenciosidades, inerentes às festas, dão lugar à revelação de frustrações, revanches e reivindicações. Nesse sentido, desde o Brasil colônia, aqueles que não participam dos privilégios encontram nas festas o espaço de realização e expressão de resistências. Isto porque, enquanto dura a folia, o entusiasmo e a alegria rompem com os padrões e as regras de comportamentos estabelecidos pelo poder, e as transgressões, incorporadas como elementos intrínsecos das festas, tornam visíveis simbologias étnico-culturais de grupos sociais fora do modelo dominante. Foto de Margarida Neide No processo histórico baiano, negros, índios e mestiços recriaram seus mitos, reproduziram suas hierarquias religiosas e tribais tocando, cantando e dançando no carnaval. Até bem pouco tempo em Salvador, o carnaval mantinha sua característica essencialmente popular, apesar dos órgãos oficiais sempre se sentirem ameaçados, buscando domesticar e regulamentar as manifestações mais rebeldes. Nesse sentido, a festa tem conseguido dar visibilidade e dimensão às contradições ideológicas latentes nas relações da sociedade baiana. Inegavelmente, o negro, maioria na população de Salvador, tem ocupado um espaço no carnaval como elemento estruturante. Esta condição poderia indicar um lugar privilegiado do negro no carnaval da cidade de maior população negra fora do continente africano, com uma cultura impregnada dos valores e da estética negra. Porém, como os blocos afros e os afoxés não reproduzem a ideologia do poder, mas, ao contrário, expressam a herança tribal, a religião e toda a força da cultura negra herdada dos escravos, acabam por instaurar na festa a contradição e a disputa por um espaço, que não lhes é assegurado pelo poder público local. Por esta razão, as entidades negras e populares baianas acabam tendo que se defrontar com problemas de ordem políticoeconômica e com preconceitos raciais e estéticos. Têm que resistir e insistir para existir, e assim acabam por conseguir um espaço permitido, que, por outro lado garante a Salvador o exotismo que promove o sucesso para o marketing do turismo. Neste contexto adverso, a sobrevivência dessas entidades se dá pela sua capacidade de resistir aos modelos em voga sendo fiéis às suas tradições, reproduzindo as simbologias, as heranças culturais e religiosas que as fazem orgulhosas de serem o que são. E a festa é uma possibilidade de revelação dessas utopias. Os negros, em Salvador, ocupam a 139 cidade, tornando-se uma presença espetacular e reproduzindo valores e simbologias da sua cultura e da sua ancestralidade. Na festa desvelam as diferentes formas contraditórias de viver suas ações e contradições. Assim, o desejo de contar a própria história, síntese de muitas estórias, e “melhor representar o nosso bairro no centro de Salvador, nas folias Momescas”, confor me escrito na Ata de Fundação, motivou Josélio de Araújo, Ubirajara Fernandes Lopes de Souza, Antônio Santana, Erivaldo Paulo de Oliveira, Delson dos Santos, Miguel Arcanjo dos Santos, Jorge Santos de Jesus, Antônio Luís Lopes de Souza, Alberto Caetano de Souza Santos e Enaldo Carvalho a fundarem, às margens da lagoa do Abaeté, o Malê Debalê. O objetivo imediato era apenas participar do carnaval. Mas o impulso gerador revelava também o desejo do reconhecimento do bairro de Itapuã e sua cultura na sociedade baiana contemporânea. Apesar do ideal político da representação, o que realmente contava era o elemento lúdico, as práticas coletivas locais, a convivência, o futebol, a cerveja e a conversa jogada fora. O fundamental era a existência da vontade de dar dimensão espetacular ao simples estar junto com, como estratégia de identificação social. Assim gerado, principalmente, pela ação espetacular, surgiu com festa o Malê Debalê. Surgiu, assimilando em seu discurso os heróis da rebeldia negra, os feitos revolucionários de escravos, a simbologia dos orixás somados à ironia e às incoerências da vida popular, aos costumes, aos hábitos contemplativos e praieiros e à convivência com os encantos naturais daquele bairro. Fundado em 1979, faz sua primeira apresentação no carnaval de 1980, levando para a avenida o tema: “Reino Dourado dos Achantes”. A música “Diz meu povo”, de autoria de Capenga, era muito simples e foi facilmente assimilada e cantada pelas ruas de Salvador: 140 “ E diz meu povo Auê... Auêêê Diga de novo Malê Debalê Estou na avenida Venham ver (Refrão) Para conhecer Que esse É o Bloco Negro É o Malê Debalê Saudando as forças Gandhy, Ilê e Badauê Mas esse é O Bloco Negro É o Malê Debalê .” A simplicidade da música não escondia, no entanto, os propósitos daquela gente. Chegavam saudando, respeitosamente, as entidades carnavalescas mais antigas da cultura popular negra baiana como Gandhy, Ilê e Badauê. Porém, também clamavam estar na festa, em plena avenida, como portadores das tradições e simbologias afrodescendentes. Chamavam o povo para se apresentar, afirmando ser o bloco negro Malê Debalê. Todos na rua ficaram contagiados com a alegria e a garra do grupo. Naquele primeiro ano, foi o campeão, na categoria das entidades afros, no concurso, então promovido pelo governo municipal. Uma das responsabilidades desse sucesso foi sem dúvida a pulsação do toque de seus tambores, que dão o tom, o ritmo e a harmonia de toda a ação espetacular do bloco. A máxima é “tocou, dançou” e ao som dos seus tambores, todos dançam, ninguém fica parado e estabelece-se o reinado do movimento e, assim, acontece a festa. Outro grande motivo do sucesso foi a Dança Malê que surgiu com o próprio Malê, pois desde sua primeira apresentação neste carnaval de 1980, é um elemento diferenciador em relação aos outros blocos baianos. Até então não se via, em Salvador, desfiles com alas de dança. Os blocos eram como os conhecidos cordões de foliões que dançavam e brincavam sem nenhuma intenção coreográfica. O Malê aparece, tendo a frente de seu desfile uma ala de dança organizada, ensaiada e coreografada por um de seus componentes, o dançarino conhecido pelo nome artístico de Formigão, hoje o mais antigo integrante do elenco do Ballet Folclórico da Bahia. A dança personalizou o Malê Debalê e lhe deu notoriedade. É reconhecidamente identificada por sua força e vigor, a tal ponto que o jornal The New York Times, conferiu-lhe o título de “O maior Ballet Afro do Mundo”. Provavelmente o elemento mais representativo de todo o processo do grupo é o próprio símbolo do Malê. Ao fundo está desenhada uma meia-lua. Ocupando o centro do símbolo, incrustado na lua, um polígono estrelado regular de seis pontas, conhecido como o signo de David. Certamente, a intenção era representar a estrela de Salomão, de cinco pontas, reverenciando a mandinga dos malês, que colocavam esta estrela, em cima de um mantra, guardado num patuá que traziam no pescoço, para se resguardarem de olhados e bruxarias. Porém, o desconhecimento da diferença resultou no equívoco de representar, através da estrela de David, a crença vinculada à estrela de Salomão. Enfim, em cada ponta dessa estrela, desenhada no símbolo do Malê Debalê, aparece um búzio ou um peixe. Ao centro, destaca-se a figura da negra malê. Assim, a lua, a estrela, os búzios, os peixes e a negra dão a forma e o sentido a uma imagem emblemática. Nela, é possível reconhecer a ambiência de Itapuã, representada pelos búzios, os peixes e a lua. A referência à ancestralidade e a religiosidade está representada na estrela. Na figura da mulher altiva, há uma homenagem à beleza negra. Assim de festa em festa, a cada carnaval o Malê Debalê veio escrevendo a sua história vivida coletivamente, fixando seus símbolos represen- tativos e constituindo-se a partir de uma matriz festiva que assegurou a solidariedade necessária para a construção da “Tribo Malê”. O termo “tribo” é aqui empregado como um elemento coesivo, significando uma maneira de partilhar valores, espaços e ideais circunscritos num mesmo território, a partir de diversas experiências vividas em comum. Este elemento coesivo tem, no caso do Malê, uma base territorial comum, calcada no sentimento de participação e na responsabilidade, indispensável à sobrevivência do grupo. Essa tribo existe a partir das individualidades de cada um de seus componentes que, juntos, se integram numa única forma na qual todas essas individualidades se diluem, produzindo o fenômeno reconhecido por Maffesoli (1998, p. 96) como a transcendência imanente, isto é, aquilo que ao mesmo tempo ultrapassa os indivíduos e brota da continuidade do grupo. Assim, falar do Ser Malê remete à compreensão da metáfora “Tribo Malê”, pois este ente denominado Malê não está relacionado ao ser individual, mas sim ao ser coletivo. O que permitiu ao Malê Debalê sobreviver às dificuldades e crises, ao longo de vinte e dois anos, foi a existência de um forte sentimento de ligação, denominado por Maffesoli de pertencimento, reconhecível entre seus integrantes. É esse sentimento que, além de dar a coesão ao grupo, garante o caráter cooperativo no interior da sua comunidade, instigando-a para ação. O mecanismo de pertencimento (MAFFESOLI, 1998, p. 194196) é regido por três pressupostos: participar do espírito coletivo, integrar-se ao grupo (o que significa ter passado pelo feeling grupal) e ter vencido os diversos rituais iniciáticos. Esse sentimento de pertencer possibilita, também, diferenciar uma comunidade – no caso do Malê, um bloco afro – da genérica categoria de um grupo étnico. O pertencimento responde pela unificação dos esforços individuais em defesa dos interesses comuns que, na maioria das vezes, são desprezados pela sociedade, porque não constituem uma 141 verdade universal e projetiva, mas saberes localizados e, na maioria das vezes, imediatistas. A preocupação do grupo é o presente vivido coletivamente através de relações de sintonia. Outra categoria identificável, tanto na “perdurância” do grupo, quanto na sua forma espetacular, é o vitalismo (MAFFESOLI, 1998, p. 94) que está na base do exercício de ser/estar junto com nas mais diversas situações corriqueiras e nos (assim considerados) fatos menores da vida cotidiana de cada um e do próprio grupo. Podemos dizer que há, também, uma identificação, reforçando o que é comum a todos e definindo uma solidariedade e uma ética comunitária, reafirmando o sentimento que o grupo tem de si mesmo. É exatamente este sentimento que traduz uma maneira de Ser Malê oriunda de uma prática cultural oral e tribal, construída com base no localismo e na solidariedade e na ajuda mútua que encontra sua forma de expressão na música, no canto, na dança e na plasticidade de seus signos e símbolos. Apesar da contemporaneidade e de todos os seus aparatos tecnológicos, o grande veículo de comunicação é o tambor, pois, para reunir rapidamente o grupo, ainda é o toque do tambor, ouvido à distância, que faz com que todos corram à sede porque alguma coisa está acontecendo. Tocando o tambor também são dirimidas brigas e feitas verdadeiras amizades. Outra característica tribal, presente no Malê, é a desconfiança para com aqueles que chegam de fora. Apesar de serem bem recebidos e sentirem um clima hospitaleiro e acolhedor, não partilharão da confiança e da intimidade do grupo. Há o que pode ser revelado e o que constitui uma espécie de segredo. Pode-se reconhecer um comportamento secreto do grupo face àquele ou àquilo que vem de fora, o que determina um “autocentramento” que, até certo ponto, foi determinante para sua “perdurância”. O fato de o Malê pertencer a Itapuã, uma localidade tradicional e praieira, afastada do centro da cidade, aumenta as características bairristas e provincianas dos integrantes do grupo. Os mais 142 velhos, ainda hoje, quando vão ao centro da cidade, vestem roupas domingueiras e avisam: “Vou à Salvador”, como se Itapuã fosse uma outra cidade. Assim, não é de se estranhar que a personalidade da “Tribo Malê” seja arredia, caracterizada pela teimosia, a desconfiança e o “autocentramento”, mesclados a uma certa ingenuidade própria dos que vivem na aldeia. Talvez por terem a consciência de serem descendentes da cultura negra e herdeiros da luta escrava na Bahia, ou mesmo por sua condição de pobres, negros e mestiços, sem os privilégios da sociedade, cultivam um caráter guerreiro e conspirador. Vivem numa espécie de resistência passiva e, dessa maneira, exercitam sua presença grupal nas diferentes formas de se relacionar com o poder. A “Tribo Malê” não convive nem com as práticas discriminatórias, nem com o racismo e, muito menos, com o autoritarismo. Assim, se encontram no bloco pessoas de todas as cores e de todos os credos. A base religiosa é o candomblé, mas não há domínio de tal ou qual terreiro, nem interferência do grupo nas questões da fé pessoal. Todas essas características definem o perfil desse Ser Malê que possui uma personalidade construída na tragédia e no cotidiano da vida, mas sonhada e glorificada na prática espetacular e na festa. O compositor e cantor Sivu, em sua canção intitulada “Jazz”, refere-se ao Ser Malê cantando o seguinte verso: “vagabundos de Deus, eu sou Malê Debá”. Referências: DUVIGNAUD, Jean. Fêtes & Civilisations. 2. ed. Paris: Scarabée & Compagnie, 1973. GUARINELLO, NOBERTO LULIZ. In Jancsó, Istvan e Kantor, Íris. Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. V. II. São Paulo: Hucitec, Editora da Universidade de São Paulo/ Fapesp: Imprensa Oficial, 2001. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998. ______. O conhecimento comum. São Paulo: Brasiliense, 1988. RISÉRIO, Antônio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio, 1981. Repertório Teatro & Dança Números publicados Ano 1: 1998 n. 1 Etnocenologia Ano 2: 1999 n. 2 Dança e outras Artes n. 3 Formação em Artes Cênicas Ano 3: 2000 n. 4 Artes do Espetáculo e Ciência Ano 4: 2001 n. 5 Performance Ano 5: 2002 n. 6 Dramaturgia Ano 7: 2004 n. 7 Formação em Dança Ano 8: 2005 n. 8 O Cômico Ano 9: 2006 n. 9 Poéticas da Diferença Ano 10: 2007 n. 10 Teatro pós-dramático Ano 11: 2008 n. 11 Música e Artes do Espetáculo Este número Ano 12: 2009 n. 12 Etnocenologia Próximos números Ano 12: 2009 n. 13 Corpo e Cena Ano 13: 2010 n. 14 Poéticas do Espetáculo na América Latina Números futuros Audiovisual e Artes do Espetáculo Imaginário e Espetáculo