O anti-dogmático (texto de Jorge Amado)

Transcription

O anti-dogmático (texto de Jorge Amado)
o ANTI -DOGM ATICO
Jorge Ama do
Origina l em frances
Tred ucso de Rosa Alice Mosimann, UFSC
A recor dacao qu e tenho de Bertolt Brecht me vern princi pal mente de urn comedo da casa de Anna Segh ers, em certa
noite de 1954, nos arredores de Berlim, llya Ehrenbourg estava
presente. A conve rsa era das mais variadas. Com os cabelos
curtos, a tu nica ajus tada, havia na silhueta austera de Brecht
algo de urn sold ado . Qu ando ele interv inha na conversa, faziase urn silencio resp eitoso. Para n6s todos, 0 alernao, 0 ru sso, 0
france s ou 0 brasileiro, ele significava muito; eramos gratos
por tudo que podia nos d izer, tendo levad o ao extre ma sua
experiencia de hom em.
Ele parecia urn solda do urn pou co cansado d o combate
mas firme em sua posicao. De quando em qu ando, no rneio de
uma di scus sao por vezes acirrada qu e se desen rolava no recinto, ele sorria quase timidamente; era a sua man eira de di zer
que estava contente.
Pou cas obras de escritores conternpo ra neos estao tao pienam ente penetradas pe la ideia da paz, pela necessid ade de
servi-la, quanto a ob ra desse grande poeta alemao, desse dramaturgo genial. Ele foi 0 solda do d a causa do hornern, do
homem sim ples que luta pelo bern, pelo futu ro, pela vida. E
cu rioso constatar que dessa Alema nha militarista dos bar6es
p russi anos e dos generais barb aros, dessa Alema nha de Hitler
e da anticultu ra se eleva ram alguns dos melh ores humanistas
Fragmttltos vol. 5 n' 1, pp. 167-171
16B
Jorge Amado
de nossa epoca: Heinri ch e Thomas Mann, Anna Seghers,
Arno ld Zweig, Bert olt Brecht. Sao eles, sem du vida alguma,
que rep resentam a verdade rnais profunda do povo alernao.
Brecht nos lega a heranca de obra depensamento profundo,
de id eias grandes , d e sentimentos elevados e ao mesmo tempo
de uma audaciosa originalida de formal.
Creio qu e na obra d e Brecht, rnais do em qualquer outra
do nosso tempo, pod emos antever 0 que sera, na verdade, a
arte dos dias vindouros. Negacao de toda esquematizacao na
obra de arte, antidogmatismo por excelencia, Brecht procurou
e encontrou, em sua busca terrivel e sem concessiies, novas
formas para urn conteudo novo que se imp oe nessa nossa
epoca em que se forja uma vida nova e em qu e a fisionomia
da humanid ad e se transforma. (Poucos contribuiram, como
ele, a forjar essa vida e a transformar essa fisionomia).
Ele nos rnostrou , pelo exemplo d e seu trabalho, como uma
obra feita para 0 povo, para ser arma do povo, nao necessita
lirnitar- se, reduzir-se a f6rmulas ou esque mas, "med iocrizarse", para atin gir os homens, influencia-los, contribuir poderosa mente para a transforrna cao d o mundo. Ele nos mostrou
como aliar - numa un idade perfeita - 0 mais popular conteudo a forma mais original; provou que 0 "popular" e 0 "intelectual" nao sao parcelas opos tas; ele nos ensinou como ser
urn escritor d o povo, conservando 0 mais alto nivel intelectu al.
Jamais confund iu simplicidade e simplismo, povo e populacho; jamais aceitou a tese, na moda em dado memento, de que,
para ali ngir as grandes massas humanas e dela s ser compreendid o, seria necessario desce r na escala intelectual , abandonar
a busca de novas formas ou Iimitar senlimentos e realid ade.
Ele foi urn esplend ido exemplo do verdade iro escritor realista,
leal pa ra com 0 povo e para consigo mesmo.
Era um a paixao ardente, a boca d o povo nos palcos de
teat ro, uma voz poetica de trovao e raios e tarnbem uma doce
melodi a de amor. a amor 0 consumiu, 0 amor pelo ser humano, Ao deixar-nos, estavarnos rnais ricos do que quando apareceu . Foi urn so ldado, nao d os qu e conquista m terras e
saqueiam cida des, Conquistou para n6s algo rnais va lido e
d uravel, Legou -nos urn maior conhecimento d o homem, ,uma
fe ainda maior no homem, pa rtiu, mas Helene Weigel, sua
esp osa, con tinua ra gritando Mae Coragem nos palcos de Berlim
a Anti-dogmatico
e Brecht estara presen te em tod o lugar em que
e cresce.
Ele escreveu certa vez :
0
169
homem luta
A lua br ilhou a noite inteira
E 0 barco sobre a ag ua d eslizava sem ru id o.
N6s volta mos de longe.
Bern que e precise, as vezes , se aba ndo nar,
Perde r a cabeca, perd er a razao.
Jorge Amado.
in Europe n, 1334 jan/fev 1957
[e me souvie ns d e Bertolt Brecht sur tout dans une piece
de la maison d 'Anna Seghe rs, certa ine nuit d e 1954, au x environs de Berlin. I1ya Ehrenbourg etait present. No us parli ons
des choses les plu s diverses. Les cheveux coupes court, la
tu nique ajustee, iI y avait dan s 1a silhouette au stere de Brecht
quelque chose d 'un solda d t. Quand iI intervenait dans la conversation, un silence resp ectu eux s'etablissait. Pour nous tous,
pour I' Allemande, Ie Russe, Ie Pra ncais ou Ie Bresilien, il signifiait beaucoup , nou s lui etions reconnaissant s d e tout ce qu 'il
pouvait nous dire, aya nt pou sse au plu s loin son experience
d 'homrne .
II ressemblait a un solda t un peu fatigu e du combat mais
ferme dans sa tranchee. De temp s en temp s, au milieu de la
d iscu ssion parfois apre qui se deroulait dans la piece, iI souriait presque timidement, c'etait sa man iere d e dir e qu 'il etait
content.
Peu d 'oeuvres d 'ecrivains contemporains sont au ssi pleinement impregnees par l' idee de la paix, par la necessite d e la
servir que I'oeuvre de ce gra nd poete allemand, de ce genial
dramaturge. II fut Ie soldat de la caus e de l'hornrne, d e l'h omme simple luttant pour Ie bien , pour I'avenir, pour la vie. II est
curieux de noter qu e d e cette AIIemagne militariste de s ba ron s
pruss iens et de s generaux barbares, de cette Allemagne de
Hitl er et de I'antic ulture se sont eleves quelques-uns d es rneilleurs humanistes d e notre epoq ue: Heinr ich et Thomas Mann,
Anna Seghers, Arno ld Zweig, Bertolt Brecht . Ce sont eux sans
170
Jorge Amado
aucun doute qui representent la verite la plu s pro fonde du
peupl e allemand.
Brecht no us legu e l'heritage d 'une oeuvre a Ia pensee
pr ofon de, aux idees grandes, aux sentiments eleves et en
merne temps d'une audacieuse originalite de forme. [e crois
qu e dans l'oeuvre de Brecht plu s qu e dans quelque autre de
notre temps nou s pou von s voir a l'avance ce que sera en verite
I'art des jours a venir. Negati on d e tout schematisrne dans
l'oeu vre d'art, a ntidogmatisme par excellence. Brecht cherch a
et rencontra da ns sa recherche ter rible et sans concessions, d e
nouvelles formes artistiques pour un nouveau cont enu qui
s' impose a not re epoque, alors que se forge un e vie nouvelle
et que se tran sforme Ie visage de l'humanite, (Et peu ont contribu e comme lui a forger cette vie et a tran sform er ce visage).
II nou s rnontra, par I'exemple de son travail, comment
un e oeuvre qui se des tine au peupl e, a etre I'arme du peuple,
n'a nul besoin de se limiter, de se redu ire a des formules ou
des schemas, a se "med iocriser" pour toucher les homm es,
pour influ er sur eux, pour concouri r pui ssament a la transformation d u monde. II nou s montra comment allier - en une
par faite u nite - Ie contenu Ie plu s populaire a la form e la plu s
originale; iI prou va qu e Ie "pop ulaire" et I' "intellectuel" ne
sont pas d es parcelles opposees: iI nou s enseigna comment on
peut etre un ecrivain du pe uple en conserva nt Ie plu s haut
niveau inte llectue l. 11 ne confond it jamais sirnplicite et sirnplisme, populair e et populacier; it n' accepta jamais la these, un
certain temp s a la mod e, selon laqu elle pour toucher de grandes masses humaines et pour etre compris d 'elles, it faut d escendre da ns l'echelle intellectu elle, abando nner la recherche
de nouvelles formes ou limiter les sentiments et la realite, 11
fut un exemp le splendi de d u ve ritable ecrivain realiste, loyal
enve rs Ie peup le et loyal envers lui-m eme.
C'etai t une pass ion arde nte, la bou che du peuple sur les
scenes de theatre, une voix poetiqu e de tonn err e et d'eclairs et
aussi une douce melodie d'amour . L'amour Ie cons urna, son
amo ur pour l'etre hu main. En partant , iI nou s laissa plus riches
que nous ne l'etion s quand it apparut. Ce fut un soldat, non
de ceux qui conquie rent les terres et saccagent les cites. 11 a
conquis po ur nou s quelque chose de plus va lable et du rable.
II nous a legue un e plus grande connaissance de I'h omrne, une
a A nti-dogmatico
171
foi encore plu s grande dans l'hornme . II est parti mais Helene
Weigel, son epouse, continuera a crier "Mere Courage" sur les
scenes de Berlin et Brecht sera present partout ou I'homme
lutte et grand it.
II ecrivit un e fois:
La lun e a brill e toute la nuit
Et Ie bateau sur I'eau glissait sans bruit.
Nous sommes revenus de loin.
II faut bien, parfois, s'abandonn er,
Perdre la tete, perdre la raison...
Jorge Amad o
(Trad uit du bresilien par Pierre Gamarra)