Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir
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Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir
1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA Carla Cavalcanti e Silva Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir dos cadernos 53 e 55 de Albertine São Paulo 2010 2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir dos cadernos 53 e 55 de Albertine Carla Cavalcanti e Silva Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Língua e Literatura Francesa do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Letras. Orientador: Prof. Dr. Philippe Willemart São Paulo 2010 3 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER M EIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Silva, Carla Cavalcanti. Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir dos cadernos 53 e 55 de Albertine/ Carla Cavalcanti e Silva; orientador Philippe Willemart. -- São Paulo, 2010. 411 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-graduação em Língua e Literatura francesa. Área de Concentração: Literatura francesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 1. Em busca do tempo perdido – 2. Marcel Proust – 3. Composição – 4. Unidade – 5. Fragmento – 6. História de Albertine. 4 FOLHA DE APROVAÇÃO Carla Cavalcanti e Silva Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir dos cadernos 53 e 55 de Albertine. Tese apresentada à Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor. Área de Concentração: Língua Literatura Francesa. Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr. _______________________________________________________________ Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________ Prof. Dr. _______________________________________________________________ Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________ Prof. Dr. _______________________________________________________________ Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________ Prof. Dr. _______________________________________________________________ Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________ Prof. Dr. _______________________________________________________________ Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________ de da a e 5 AGRADECIMENTOS Ao professor Philippe Willemart, pela orientação, confiança e pela liberdade incondicional que me concedeu ao longo de toda a pesquisa. À professora e amiga Claudia Amigo Pino, pelos profícuos diálogos, pela inspiração e amizade que me legou desde os tempos de minha graduação. Às professoras Leda Tenório da Motta e Maria Cecília de Queiróz Pinto pela leitura atenta de meu texto e pelas críticas e contribuições que tanto ajudaram na realização deste trabalho. Ao Bernard Brun e Nathalie Mauriac Dyer, responsáveis pela equipe Proust em Paris, pela ótima acolhida que me propiciaram e pela ajuda na consulta aos manuscritos proustianos na Bibliothèque Nationale de France. À Pyra Wise, secretária do Fonds Proust no ITEM, pela ajuda sempre atenciosa e alegre e pelas sugestões bibliográficas preciosas. Ao Sr. Guillaume Fau, responsável pelo departamento dos manuscritos proustianos, um sincero agradecimento pela autorização conferida à consulta dos manuscritos originais. A todos os amigos do Laboratório do Manuscrito Literário, em especial aos da primeira geração, que contribuíram, incontestavelmente, para minha formação. A todos meus amigos proustianos, em especial a Rodrigo Brucoli, José Carlos Souza e Valter José pelas belíssimas conversas sobre a obra de Marcel Proust. A todos os meus amigos que conheci nos anos de graduação e pós-graduação, pelo fervoroso engajamento no estudo da literatura e da crítica e pela companhia, mesmo que virtual, mas essencial nesses longos períodos de solidão inevitáveis na elaboração de uma tese. Às amigas Teresinha Natal Meirelles, pela revisão deste trabalho e Samira Murad pela revisão do abstract. À Meire Knoll, minha primeira professora de francês, que graças à sua paixão pela língua francesa, foi decisiva na escolha de minha carreira. À minha família pelo apoio constante e incondicional com relação às minhas escolhas, à minha mãe Mara, por todos os livros que me ofereceu, dos infantis até a minha primeira edição em francês da obra Em busca do tempo perdido, ao meu pai Eduardo, pelas discussões políticas, literárias e mundanas que tanto incitaram meu gosto pelas humanidades, à minha avó Lucília pelas conversas tão agradáveis, aos meus irmãos Rogério e Renata, pelo companheirismo e pelas boas risadas que ainda damos juntos, aos meus sobrinhos Vinícius e Rafael, pela energia e diversão incontestes. Ao Leandro, pela leitura, revisão e sugestões concernentes a este trabalho, pelo companheirismo intenso, pelas conversas inteligentes, pela calma, paciência e, sobretudo, pela forma sábia e madura com que lida com as adversidades. Ao CNPq pela concessão da bolsa de doutorado, e à Capes, pela concessão da bolsa sanduíche e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa. 6 Et dans ces livres-là, il y a des parties qui n´ont eu le temps que d´être esquissées, et qui ne seront sans doute jamais finies, à cause de l´ampleur même du plan de l ´architecte. Combien de grandes cathédrales restente inachevées! Marcel Proust, Em busca do tempo perdido 7 RESUMO SILVA, C.C. Unidade e fragmento: uma leitura da composição proustiana a partir dos cadernos 53 e 55 de Albertine. 2010. 411f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Embora o romance Em busca do tempo perdido seja incontestavelmente uma obra inacabada, não se trata, entretanto, de uma obra incompleta. Seu fechamento circular, promovido pelo diálogo entre o primeiro e último volumes, foi tema de grande parte da crítica proustiana. Com relação à sua composição, seu processo escritural passou por diversas mudanças e a construção, equiparada à execução de uma catedral, poderia igualmente ser caracterizada pela colagem, montagem ou “costura” dos fragmentos textuais esboçados nos setenta e cinco cadernos de rascunho. A busca pela unidade em meio a essa profusão de textos levou o escritor à atividade incessante de releitura e reescritura e, consequentemente, ao inacabamento da obra. O trabalho que ora apresentamos tem por objetivo o estudo dessa composição, a partir da leitura e análise dos cadernos 53 e 55, ambos consagrados à elaboração da história de Albertine. Palavras-chave: Em busca do tempo perdido – Marcel Proust – Composição – Unidade – Fragmento – História de Albertine. 8 ABSTRACT SILVA, C.C. Unity and fragment: a reading of the Proustian composition using exercise books 53 and 55 of Albertine as a starting point. 2010. 411f. Thesis (PhD) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Although the novel In Search of Lost Time is certainly unfinished, it is not an incomplete work. Its ‘round’ ending, promoted by the dialogue between the first and last volumes, was the subject of much Proustian criticism. With respect to its composition, its writing process has gone through many changes and the construction, equivalent to the execution of a cathedral, could also be characterized by the process of ‘montage’ or the stitching of textual fragments contained in Proust’s seventy-five exercise books. The search for unity amongst this profusion of texts has led the writer to the ceaseless activity of rereading and rewriting and thus to the incompleteness of the work. The analysis presented here is aimed at studying this composition, having the reading and the analysis of exercise books 53 and 55, both related to the elaboration of the story of Albertine, as a starting point. Keywords: In Search of Lost Time – Marcel Proust – Composition – Unity – Fragment – Story of Albertine. 9 RÉSUMÉ SILVA, C.C. Unité et fragment: une lecture de la composition proustienne à partir des caheirs 53 et 55 d´Albertine. 2010. 411f. Thèse (Doctorat) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Quoique le roman À la recherche du temps perdu soit indubitablement une oeuvre inachevée, il ne s´agit pourtant d´une oeuvre incomplète. Sa clôture circulaire, engendrée par le dialogue entre le premier et le dernier volumes, a été le thème de la plupart de la critique proustienne. Par rapport à sa composition, son processus scriptural a subi plusieurs changements et la construction, comparée à l´exécution d´une cathédrale, pourrait être également caractérisée par le colage, le montage ou le faufilage des fragments textuels esquissés dans les soixantequize cahiers de brouillons. La quête de l´unité dans cette profusion de textes a conduit l ´écrivain à l´activité incessante de relecture et reécriture et, par conséquent à l´inachèvement de l´oeuvre. Le présent travail a pour but l´étude de cet composition à partir de la lecture et l ´analyse des cahiers 53 et 55, tous deux consacrés à l´élaboration de l´histoire d´Albertine. Mots-clé : À la recherche du temps perdu – Marcel Proust – Composition – Unité – Fragment – Histoire d´Albertine. 10 LISTA DE ABREVIATURAS USADAS As citações do romance de Marcel Proust foram feitas a partir da edição coordenada por J-Y Tadié, publicada pela Gallimard, na coleção Bibliothèque de La Pléiade (1987-1989). A fim de facilitar sua localização, as citações foram feitas entre parênteses no próprio corpo do texto, enquanto as traduções dos trechos originais encontram-se em nota de pé e foram extraídas da edição estabelecida pela Globo. As demais traduções, caso não façam menção expressa a uma edição em português, são de responsabilidade da autora. Du côté de chez Swann CS À l´ombre de jeunes filles en fleurs OJFF Le côté de Guermantes CG Sodome et Ghomorre SG La prisonnière LP Albertine disparue AD Le temps retrouvé TR Contre Sainte-Beuve CSB Jean Santeuil JS Les plaisirs et les jours Pl. et J. Correspondance Corresp. Cahier 53 C. 53 Cahier 55 C. 55 11 LISTA DE CÓDIGOS DA TRANSCRIÇÃO Mot palavra ou passagem rasurada. Mot palavra ou passagem rasurada em mais de uma campanha de escritura. Toutes/s rasura feita por sobreposição de palavras. (tacha-se a parte rasurada e dá-se a versão ulterior em caractere menor). Odet/Albertine rasura por sobreposição de palavra inacabada. (toda a palavra é tachada e a versão ulterior permanece no mesmo corpo). les/des rasura por sobreposição quando somente a primeira letra é rasurada (rasura-se toda a palavra e dá-se a versão ulterior em caractere menor). ,/. rasura por sobreposição de pontuação. [ill.]/ [n mots ill.]/ [passage ill.] palavra(s) ou passagens cuja decifração não foi possível. Mot * leitura hipotética. < > adição interlinear (símbolo utilizado somente nas notas de rodapés para as traduções dos trechos manuscritos originais). 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 13 1. A HISTÓRIA DE ALBERTINE: O FIM DA CATEDRAL? 1.1 Sobre o nascimento de Albertine 41 1.2 Os cadernos de Albertine 53 2. A UNIDADE NO VESTIDO 2.1 A Prisioneira e o projeto Sainte-Beuve 68 2.2 O leitmotiv Fortuny 74 3. “LA FENÊTRE ÉCLAIRÉE” E A ESCRITURA CONSTELAR 3.1 Outro motivo 79 3.2 A “fenêtre écalirée” em Jean Santeuil 94 3.3 A janela de Barbey d´Aurevilly 107 3.4 As versões 118 4. AS NOTAS E A ESTÉTICA DA COMPOSIÇÃO 4.1 Lembrar e buscar novas formas 136 4.2 Os textos moventes e o não-lugar 146 4.3 A questão do “je” 160 CONSIDERAÇÕES FINAIS 177 BIBLIOGRAFIA 191 APÊNDICE 202 ANEXOS 326 13 Introdução Comme elle est une construction, forcément, il y a des pleins, des piliers, et dans l´intervalle de deux piliers, je peux me livrer aux minutieuses peintures. Considerando a obra Em busca do tempo perdido1 um romance sobre um romance, ou melhor, sobre os caminhos não prescritivos da busca pela vocação literária de seu protagonista, teremos na figura do herói um escritor em potencial e isto o aproximaria do autor da Recherche, podendo ser uma espécie de alegoria do percurso literário do próprio Marcel Proust. Todavia, observando a carreira literária proustiana, percebemos que herói e autor distinguem-se sobremaneira, notadamente com relação ao ato de escritura. Se o herói nunca produz, ou o faz muito pouco, Proust, por sua vez, sempre escreveu, possuindo ensaios e novelas elaborados na época do colégio. Em uma carta a Alberto Lumbroso, o escritor afirma: Vous ne vous doutez guère je pense que comme je sortais du collège, je réunis divers essais et nouvelles écrits pendant les classes, en un volume, les Plaisirs et les jours, pour lequel Monsieur Anatole France, que je n´ai pas revu depuis 25 ans, écrivit une ravissante préface où il m´appelait un Bernardin de Saint-Pierre dépravé et un Pétrone ingénu. (Corresp., t. XIX, p. 266)2 Proust termina essa coletânea aos 23 anos de idade, mas muitos dos textos haviam sido produzidos ainda aos 14 anos. Essa antologia caracteriza-se por seu aspecto híbrido, 1 Doravante denominada simplesmente por Recherche. “Você não duvidaria, penso eu, que como eu saía do colégio, reuni diversos ensaios e novelas escritos durante as aulas em um volume, os Prazeres e os dias, para o qual o Sr. Anatole France, que não vejo há 25 anos, escreveu um prefácio arrebatador no qual me chamava de Bernardin de Saint-Pierre depravado e um Petrônio ingênuo”. Referência ao escritor do século XVIII, Bernardin de Saint-Pierre, autor de Paul et Virginie, e ao escritor latino, Petrônio, autor de Satíricon que viveu entre os anos 27-66 d.C. 2 14 misturando diferentes gêneros tais como o poema em prosa, as novelas e os “portraits” de artistas à maneira de La Bruyère. Segundo Jean-Yves Tadié: Le premier ouvrage de celui-ci, Les Plaisirs et les jours, qui paraît chez Calmann-Lévy en 1896, nous apprend beaucoup de la méthode de son auteur, et de ses thèmes. Bien que ce livre soit loin d'égaler À la recherche du temps perdu, ou même Jean Santeuil, presque tout en est déjà là, à l'état de semence. Le premier trait à souligner est qu'il s'agit d'un recueil de textes divers, plus de cinquante. L'écrivain a trouvé dès sa jeunesse la manière d'écrire qu'il ne changera pas, et qui le rendra si heureux et si malheureux: par fragments, par morceaux très différents de longueur, de ton, de contenu. (1987, p. XI)3 Ao longo da preparação para a publicação dessa obra, Proust dedicava-se havia um ano à escritura de seu primeiro romance, Jean Santeuil, livro inacabado, como outros projetos do escritor, mas abandonado após um número expressivo de páginas, 784 impressas a partir do manuscrito, publicadas postumamente, em 1952. Apesar desse abandono, é importante salientar a transição que ocorreu da primeira obra para esta, etapa que revela a passagem da forma breve, dos retratos, da novela e dos poemas em prosa para o gênero romanesco. No entanto, é curioso verificar que embora Jean Santeuil utilize, diferentemente da Recherche, um narrador em terceira pessoa, trata-se de um texto bastante autobiográfico, e muitos críticos atribuem seu abandono a esse aspecto que funciona como o único elemento organizador. Nas palavras de Tadié: On note qu'il s'agit toujours de scènes autobiographiques, non encore soumises au point de vue des personnages, à l'intrigue, à l'imaginaire d'une fiction. C'est l'une des raisons d'un grand abandon, celui de cette masse de pages: raconter sa vie, ses impressions, Proust, entre vingt-cinq et trente ans, le pouvait; non leur donner une structure d'ensemble, un principe organisateur. (1987, p. XIX)4 3 “Sua primeira obra, Os Prazeres e os dias, que é publicada por Calmann-Lévy em 1896, nos ensina muito sobre o método de seu autor e sobre seus temas. Ainda que o livro esteja longe de se igualar ao Em busca do tempo perdido, ou mesmo a Jean Santeuil, quase tudo já está lá, no estado de semente. O primeiro traço a sublinhar é que se trata de uma antologia de textos variados, mais de cinqüenta. O escritor encontrou, desde sua juventude, a maneira de escrever que ele não mudará e que o fará tão feliz e tão infeliz: por fragmentos, por pedaços muito diferentes em tamanho, tom e conteúdo”. 4 “Notamos que se trata sempre de cenas autobiográficas, ainda não submetidas ao ponto de vista dos personagens, da intriga, do imaginário de uma ficção. É uma das razões de um grande abandono, o dessa massa de páginas: contar sua vida, suas impressões, Proust, entre vinte e cinco e trinta anos, poderia; mas não dar-lhe uma estrutura de conjunto, um princípio organizador”. 15 Sejam quais forem as razões, tema que será discutido ao longo desta tese, o fato é que Proust, em 1899, renuncia a Jean Santeuil e se empenha na tradução dos trabalhos do esteta inglês John Ruskin. Em uma carta a Marie Nordlinger, o escritor afirma: “Depuis une quinzaine de jours je m'occupe à un petit travail absolument différent de ce que je fais généralement, à propos de Ruskin et de certaines cathédrales” (Corresp., t. II, p. 377) 5. Segundo Philip Kolb, nas notas que preparou para a edição das correspondências proustianas, esse “pequeno trabalho” era um estudo que constituiria o prefácio ao Bíblia de Amiens e que Proust publicaria em abril de 1900 na Gazette des Beaux-Arts e no Mercure de France. Mas, o que era para ser apenas um estudo crítico e estético dos livros de Ruskin tornou-se um projeto de tradução que levou seis anos para ser concluído. Com um inglês precário, Proust contará com a ajuda de sua mãe e de Marie Nordlinger para traduzir os livros do crítico de arte, La bible d´Amiens e Sésame et le lys. Esse considerável desvio em direção à crítica de arte, sobretudo no estudo da arquitetura e das catedrais, e à tradução, embora pareça excluir o projeto romanesco, reforça-o substancialmente. Conforme Henry Lemaître: Or, la publication de Jean Santeuil apporte une précieuse confirmation à la thèse selon laquelle le contact avec Ruskin détermina dans l'âme de Proust une sorte de révolution spirituelle d'une plus profonde portée qu'une simple influence littéraire: (...) on s'accordera sans doute à reconnaître que de Jean Santeuil à la Recherche, il y a plus qu'une évolution; dans cet intervalle, il y a, pour achever une continuité qui sans cela ne se fût point accomplie, une découverte, découverte de soi-même, et des multiples liens par lesquels se réorganiseront secrètement les expériences observées et transposées fragmentairement dans Jean Santeuil. (1953, p. 59)6 O crítico concede à leitura e à tradução de Ruskin um peso enorme e decisivo na realização da Recherche. O esteta inglês não trouxe para Proust somente a experiência artística, mas suscitou a articulação das experiências da memória e da infância ainda dispersas 5 “Faz uns quinze dias que me ocupo de um pequeno trabalho, absolutamente diferente do que faço geralmente, a propósito de Ruskin e de certas catedrais”. 6 “Ora, a publicação de Jean Santeuil traz uma preciosa confirmação à tese segundo a tese de que o contato com Ruskin determinou, na alma de Proust, uma espécie de revolução espiritual de um alcance mais profundo que de uma simples influência literária: (...) concordar-se-á talvez em reconhecer que de Jean Santeuil à Recherche há mais que uma evolução; nesse intervalo, para encerrar uma continuidade que sem isso não seria levada a cabo, há uma descoberta de si mesmo e das múltiplas ligações pelas quais se reorganizariam, secretamente, as experiências observadas e transpostas fragmentariamente em Jean Santeuil”. 16 em Jean Santeuil. Tadié declara que “La plume qui a commencé Jean Santeuil ne ressemble guère à celle qui trace les premières lignes de ‘Sur la lecture’”. (1987, p. XXIV-XXV)7. Na verdade, o estudo profundo dos trabalhos de Ruskin permitiu a Proust um enriquecimento da linguagem artística, o crescimento de sua cultura e, o que consideramos mais importante, forneceu-lhe uma reflexão crítica com relação ao seu projeto romanesco. O escritor descobre a idolatria ruskiniana – que toma o belo pelo verdadeiro – e critica esse deslumbramento na Recherche por meio dos idólatras da arte, como Swann. Essa maneira de aprender a ver o mundo a partir do olhar do outro é ainda mais evidente em outros projetos de Proust, como os pastiches. O escritor, a partir de um fato real, o “affaire Lemoine”8, imitava voluntariamente o estilo de alguns escritores como Balzac, Flaubert, Sainte-Beuve etc., em textos que, em sua maioria, eram publicados no Figaro. Sem dúvida, os pastiches podem ser considerados como um exercício de estilo, nos quais Proust buscava uma forma à maneira dos escritores pastichados, mas não devemos esquecer o caráter zombeteiro e irônico desses textos com relação a esses autores. Escrever pastiches era, ao mesmo tempo, um modo de mostrar o conhecimento profundo da literatura feita por esses escritores, sua capacidade e genialidade de imitá-los, marcando, com isso, sua originalidade, sua diferença a respeito desses grandes autores da literatura francesa. Todavia, os pastiches não foram simplesmente uma etapa evolutiva da escritura proustiana que desembocaria na Recherche e que seria deixada de lado. Pensemos no romance Le Temps retrouvé e na presença significativa do pastiche dos Goncourt. Segundo Jean Milly: Sans entrer dans une comparaison détaillée des deux pastiches Goncourt, rappelons que celui de la Recherche est à peu près contemporain, pour la rédaction, des additions apportées au premier. On y retrouve, surtout dans 7 “A pluma que começou Jean Santeuil não se parece mais com aquela que traça as primeiras linhas de ‘Sobre a leitura’”. 8 Engenheiro francês preso e julgado por ter enganado o diretor da De Beers, empresa que comercializava minérios e diamantes, vendendo-lhe uma técnica secreta de fabricação de diamantes. 17 son début, l'imitation très dense des mêmes traits formels et des mêmes thèmes. Mais peu à peu, ces ressemblances deviennent plus diffuses: le second pastiche a moins de prétentions métalinguistiques et comiques. Il présente, en revanche, un plus grand intérêt littéraire et théorique. Littéraire, parce qu'il met en scène, sous un jour nouveau, des personnages du roman déjà bien connus, et s'intègre par là à l'ensemble de l'œuvre. Théorique, en illustrant par l'exemple l'esthétique des Goncourt, pour la comparer à celle du Narrateur, c'est-à-dire en fait à celle de Proust lui-même. Elles s'opposent comme un art des apparences et un art des relations profondes. Aussi cet épisode prend-il place à juste titre, comme repoussoir, dans l'exposé de principes qu'est Le Temps retrouvé. (1970, p. 156)9 Possuindo dois estados de rascunho, esse pastiche procura, pouco a pouco, reforçar a diferença literária e estética existente entre os Goncourt e o narrador proustiano, e por que não dizer, Proust propriamente dito. Seu objetivo não é apenas escrever “à maneira de”, mas oporse a essa forma de escrita e a esse modo de ver o mundo. O exercício do pastiche, da imitação, não se restringe apenas a esse episódio, mas se apresenta, na Recherche, por meio dos personagens que também falam à “maneira de”, como Mme. de Villeparisis, muito próxima das noções estéticas proferidas por Sainte-Beuve. Com relação a outro projeto igualmente inacabado do escritor, o Contra Sainte-Beuve, Proust pretendia fazer uma discussão teórica sobre o método do crítico francês a partir, de um relato ficcional. O livro seria uma conversação com a mãe sobre um artigo do protagonista publicado no Figaro. Essa tendência à ficção e à discussão estética desempenhou um papel decisivo na passagem do projeto Sainte-Beuve à Recherche. Tadié afirma que esse texto seria uma primeira versão da obra literária de Proust, ao passo que Bernard Brun, restringindo seu alcance ao último livro da Recherche, afirma: Mais en remontant dans l'autre sens, il faut bien reconnaître que Le temps retrouvé n'est qu'un dernier état du Contre Sainte-Beuve, projet de critique et d'esthétique littéraires sur lequel Proust a travaillé pendant deux ans au 9 “Sem entrar em uma comparação detalhada dos dois pastiches Goncourt, lembremos que o da Recherche é mais ou menos contemporâneo, pela redação das adições ao primeiro. Encontramos, sobretudo no começo, a imitação muito densa dos mesmos traços formais e temas. Mas, pouco a pouco, essas semelhanças tornam-se mais difusas: o segundo pastiche tem menos pretensões metalingüísticas e cômicas. Em compensação, ele apresenta um grande interesse literário e teórico. Literário porque põe em cena sob um novo aspecto, personagens já bastante conhecidos do romance, integrando-se ao conjunto da obra. Teórico, pois ilustra, por exemplo, a estética dos Goncourt, comparando-a à do Narrador, ou seja, na verdade, à de Proust. Elas se opõem como uma arte das aparências e uma arte das relações profundas. Também este episódio tem seu lugar justificado como contraste na exposição dos princípios que é o Tempo redescoberto”. 18 moins (1908-1909) mais qu'il n'a jamais achevé. Cette filiation problématique entre un essai et un roman explique la persistance, dans les brouillons de la Recherche, de notes de critique et d'esthétique qui poursuivent la réflexion sur Sainte-Beuve dans le même temps que l'écrivain affirme son intention de les intégrer à son roman en chantier. (BRUN, 1981, p.7)10 A indecisão entre os gêneros, ou melhor, a produção concomitante de diferentes gêneros permeia todo o percurso literário de Marcel Proust. Isto não será, no entanto, resolvido na Recherche, mas incorporado a ela, situação que pode ter influenciado seu inacabamento, como veremos posteriormente. Estas duas maneiras de dizer o mundo, pelo comentário ou pela fabulação, caminham juntas em toda a história da carreira literária de Proust. Kasuyoshi Yoshikawa, analisando os manuscritos de Sainte-Beuve, afirma: Proust écrit en effet de deux façons dans les cahiers consacrés au SainteBeuve. On y trouve écrit sous forme classique le chapitre sur la méthode de Sainte-Beuve ainsi que les fragments sur Nerval, sur Flaubert, tandis que les chapitres concernant Balzac et Baudelaire sont entièrement rédigés sous forme d'une conversation avec maman. (199? p.2)11 Essa tendência persiste na construção da Recherche e em uma carta a Louis de Robert, na qual Proust fala de sua obra, classificando-a como um romance por ser “do romance que ela se distancia menos”, ele confessa: “Je suis incapable d´en dire le genre”. (Citado por GENETTE, 1987, p. 31)12. Essa dúvida, no entanto, é altamente cara a Proust, pois o consolava, colocando-o na mesma condição de seus admirados escritores: Nerval e Baudelaire. Para Barthes, essa 10 “Mas, remontando em outro sentido, deve-se reconhecer que o Tempo redescoberto é um último estado do Contra Sainte-Beuve, projeto de crítica e estética literárias no qual Proust trabalhou pelos menos durante dois (1908-1909), mas que nunca terminou. Essa filiação problemática entre um ensaio e um romance explica a persistência, nos rascunhos da Recherche, das notas de crítica e estética que prosseguem a reflexão sobre SainteBeuve ao mesmo tempo em que o escritor afirma sua intenção de integrá-los ao seu romance em construção”. 11 “Proust escreve, na verdade, de duas maneiras nos cadernos destinados a Sainte-Beuve. Encontramos escrito de forma clássica o capítulo sobre o método Sainte-Beuve, bem como os fragmentos sobre Nerval e Flaubert, enquanto os capítulos concernentes a Balzac e Baudelaire são inteiramente redigidos sob a forma de uma conversa com mamãe”. Conferência proferida no Collège de France. 12 “Sou incapaz de dizer o gênero”. 19 travessia proustiana repercute, de forma homóloga, na travessia vivenciada pelo protagonista da Recherche: Cette “traversée de la littérature” (…) si semblable au trajet des initiations, empli de ténèbres et d´illusions, s´est faite au moyen du pastiche (quel meilleur témoignage de fascination et de démystification que le pastiche?), de l´engouement éperdu (Ruskin) et de la contestation (Sainte-Beuve). (1994, p. 1369)13 Contudo, enquanto o herói proustiano experimentará todo um percurso psicológico para se decidir a escrever, Proust lida o tempo todo com a matéria literária propriamente dita, a linguagem. Em busca de uma forma, esta frase poderia resumir o que foi a composição da Recherche, sua escrita incansável, perpétua, interrompida apenas por um fato contingente, a morte do escritor. Mas, embora uma parte da história de sua escrita possa ser caracterizada pelo inacabamento, por reviravoltas e reelaborações incessantes, é seu caráter uno e coeso, sua construção que Proust reforça nas correspondências. Em muitas cartas, datando tanto de 1913, ano da publicação do primeiro romance, como de 1919 e 1920, em um estado mais avançado da obra, o autor busca convencer seus interlocutores de que a Recherche, a despeito do que se dizia nos artigos críticos, não era uma simples coletânea de lembranças, mas uma composição, uma rigorosa construção: “La construction, inflexible, voilà justement ce que j ´aimerais à vous montrer par quelques exemples bien frappants” (Corresp., t. XVIII, p. 547)14. O argumento sistematicamente propagado pelo escritor e velho conhecido da crítica proustiana é a escrita, senão concomitante pelo menos imediatamente sucessiva do primeiro e último volumes de sua obra, chamada, na época, Les intermittences du coeur, ainda com uma divisão bipartida entre Le temps perdu e Le temps retrouvé. 13 “Essa ‘travessia literária’, tão semelhante ao trajeto das iniciações, cheio de trevas e ilusões, fez-se por meio do pastiche (qual melhor testemunho de fascinação e desmistificação que o pastiche?), da paixonite desvairada (Ruskin) e da contestação (Sainte-Beuve)”. 14 “A construção inflexível, eis justamente aquilo que eu gostaria de te mostrar por meio de alguns exemplos bem surpreendentes”. Carta escrita e enviada a Rosny aîné em 23/12/1919. 20 É notável como Proust reproduz em sucessivas cartas enviadas a diferentes destinatários a mesma idéia e quase a mesma fórmula para se referir à composição de sua obra: “(...) le dernier chapitre du dernier volume a été écrit tout de suite après le premier chapitre du premier volume. Tout l´“entre-deux” a été écrit ensuite (...)” (Corresp., t. XVIII, p. 536)15; “(le dernier chapitre du dernier volume, non paru, a été écrit tout de suite après le premier chapitre du premier volume).” (Corresp., t. XVIII, p. 546) 16 ; ou ainda: “N´ayez je vous prie nullement l´idée que ce soit des recueils de souvenirs. Le dernier chapitre du dernier volume, non encore paru, a été écrit avant le premier chapitre du premier volume.” (Corresp., t. XIX, p. 267)17. É curioso observar a partir desses exemplos que há uma variação temporal concernente à escrita desses romances: ficamos em dúvida se o último capítulo do último volume foi escrito antes ou depois do primeiro capítulo do primeiro volume. Contudo, ainda que essa contradição sugira menos uma confusão do autor do que um discurso sobre a realização de seu projeto escritural, é inegável que sua preocupação incidia sobre a validação de sua obra como algo muito bem construído e arquitetado. A própria adoção de palavras como “construction” e “piliers” (construção/pilares) demonstra a pretensão de uma literatura que se quer sólida, constituída, noção que culmina na célebre imagem da realização do livro como a construção de uma catedral: “(...) l´accepter comme une règle, le construire comme une église” [“(...) aceitá-lo como uma norma, construí-lo como uma igreja”] (TR, p. 610; Trad., p. 279). 15 “(...) o último capítulo do último volume foi escrito imediatamente após o primeiro capítulo do primeiro volume. Todo o “entre-dois” foi escrito em seguida”. Carta a Rosny aîné. Este e todos os outros grifos são nossos. 16 “(o último capítulo do último volume, não publicado, foi escrito imediatamente após o primeiro capítulo do primeiro volume”. Carta a Paul Souday. 17 “Peço-te, não tenha, de nenhum modo, a idéia de que sejam coletâneas de lembranças. O último capítulo do último volume, ainda não publicado, foi escrito antes do primeiro capítulo do primeiro volume”. Carta a Alberto Lumbroso. 21 Essa imagem arquitetural do fazer literário remete-nos a uma simetria, a um plano ou a um esboço pré-concebido, o que provavelmente suscitou, juntamente com as cartas vistas acima, a leitura corrente da Recherche como uma unidade: coesa, fechada, circular. A visão de estrutura, de um conjunto muito bem constituído, no qual o primeiro e último romances se complementam e se explicam, perpassa inúmeras análises críticas, como a de Jean Rousset que afirma: De fait, ce roman, qui peut paraître touffu à la première lecture, trahit à la séconde ou à la troisième une structure savante et subtile. Mais il y a plus: c ´est souvent cette structure même qui en révèle ou en précise la signification. La Recherche est de ces oeuvres dont on peut dire que leur contenu est dans leur forme. (1962, p. 137-8)18 Para Compagnon, esta simetria tão perceptível e incontestável entre o “tempo perdido” e o “tempo redescoberto” era tão flexível que “peu à peu n´importe quoi pouvait s´insérer au milieu” (1989, p. 10)19 e em termos de forma, esse equilíbrio propiciava ecos entre frases, fato salientado pelo próprio Proust: “(...) à la première page du premier volume se superpose la dernière phrase du dernier volume” (Corresp., t. XVIII, p. 365)20, ou ainda: “On méconnaît trop en effet que mes livres sont une construction. (...) On ne pourra le nier quand la dernière page du Temps retrouvé (écrite avant le reste du livre) se refermera exactement sur la première de Swann” (Corresp., t. XXI, p. 41)21. Com efeito, fica evidente que o advérbio da primeira frase do Côté de Swann (“Longtemps je me suis couché de bonne heure” ; CS, p. 3) repete-se no último período do último volume, o Temps retrouvé, (“Aussi, si elle m´était laissée assez longtemps pour accomplir mon oeuvre (...)” ; TR, p. 625) e que esse “longtemps” repercute, de forma 18 “De fato, esse romance que pode parecer prolixo em uma primeira leitura, trai em uma segunda ou terceira, uma estrutura sábia e sutil. Mas há algo mais: é, no geral, essa mesma estrutura que revela ou precisa sua significação. A Recherche é uma dessas obras sobre as quais podemos dizer que seu conteúdo está dentro de sua forma”. 19 “pouco a pouco, qualquer coisa poderia se inserir no meio”. 20 “(...) à primeira página do primeiro volume se sobrepõe a última frase do último volume”. Carta a Denys Amiel. 21 “Desconhecem demais, com efeito, que meus livros são uma construção. (...) Não poderão negá-la quando a última página do Tempo redescoberto (escrita antes do resto do livro) fechar-se exatamente sobre a primeira de Swann”. Carta a Benjamin Crémieux. 22 singular, na expressão de encerramento da obra – “dans le Temps”. Para muito além da forma, a noção de tempo esboçada no primeiro romance é finalmente compreendida pelo heróinarrador somente na conclusão do último livro. No início, encontramos um narrador às voltas com seu sono entrecortado que, perpassado por momentos de sonho e vigília, promove uma série de confusões a respeito do tempo e do espaço em que vive. A profusão de anos e lugares pelos quais o sujeito da narrativa passou foi desencadeada tanto pela obscuridade do ambiente como pelo sono que propicia, por seu caráter de desprendimento com a realidade, um contato profundo com a memória. Para o narrador proustiano: Un homme qui dort, tient en cercle autour de lui le fil des heures, l´ordre des années et des mondes. Il les consulte d´instinct en s´éveillant et y lit en une seconde le point de la terre qu´il occupe, le temps qui s´est écoulé jusqu´à son réveil; mais leurs rangs peuvent se mêler, se rompre. (CS, p. 5)22 A consciência é instintiva, e essa ruptura entre presente e passado promove quase que um desconhecimento de si próprio: “et quand je m´éveillais au milieu de la nuit, comme j ´ignorais ou je me trouvais, je ne savais même pas au premier instant qui j´étais” (CS, p. 5)23. A noção de identidade e a memória da dimensão temporal são subitamente apagadas, causando a ruptura da percepção de si mesmo: “j´avais seulement dans sa simplicité première, le sentiment de l´existence comme il peut frémir au fond d´un animal” (CS, p. 5)24. À situação de obscuridade, na qual tudo vacila – “Qui est-il? Il ne le sait plus, et il ne le sait plus, parce qu’il a perdu le moyen de relier le lieu et les moments de son existence antérieur. Sa pensée trébuche entre les temps, entre les lieux” (POULET, 1988, p. 13) –, 22 “Um homem que dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica em um segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação, porém, pode-se confundir e romper”. (Trad., p. 22) 23 “assim, quando acordava no meio da noite, e como ignorasse onde me achava, no primeiro instante nem mesmo sabia quem era”. (Trad., p. 23) 24 “tinha apenas, em sua singeleza primitiva, o sentimento da existência, tal como pode fremir no fundo de um animal”. (Trad., p. 23). 23 sobrepõe-se uma das cenas de maior brilho e poder rememorativo, a da madeleine, que faz desabrochar a cidadezinha de Combray e toda a experiência contida nesta parcela de vida do narrador-herói. De uma perspectiva truncada do passado, da casa da tia Léonie e da cidade de Combray, que não passava de um “pan lumineux, découpé au milieu d´indistinctes ténèbres” (CS, p. 43)25, o narrador resgata uma história de vivências, uma parte significante de seu passado que só pôde aflorar não pelo esforço da inteligência, mas pelo acaso de uma sensação. Esse jogo entre claro-escuro dar-se-á, posteriormente, no último volume da Recherche, no qual uma seqüência imbatível de memórias involuntárias, prefiguradas pela madeleine, colocarão o herói, desiludido com sua vocação, no caminho da arte ou melhor, da compreensão da arte. O episódio do bolinho com o chá, embora possua uma força incontestável para a narrativa, não explica a importância desses momentos privilegiados e mesmo o narrador afirmando “J´avais cessé de me sentir medíocre, contingent, mortel. D´où avait pu venir cette puissante joie?” (CS, p. 44)26, Proust posterga essa descoberta que será revelada somente no final de sua obra. Essa cena inaugural não recupera somente um passado, pois lança claramente a narrativa em um futuro, em um porvir, protelando e prometendo sua explicação: “(quoique je ne susse pas encore et dusse remettre à bien plus tard de découvrir pourquoi ce souvenir me rendait si heureux) (CS, p. 47)”27. O relato de uma espécie de busca anunciada no primeiro volume parece ser, portanto, o fio principal do tecido da Recherche, na qual o narrador, envolto primeiramente por uma obscuridade e uma circularidade alternante de épocas e quartos, percebe o que chama de tempo em estado puro, ou seja, a justaposição de um presente e um passado, ou melhor, de uma sensação que não se restringe a esses momentos, embora tenha sido experimentada em 25 “lanço luminoso, recortado no meio de trevas indistintas”. (Trad., p. 69) “Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria?”. (Trad., p. 71) 27 “(embora ainda não soubesse, e tivesse de deixar para muito mais tarde tal averiguação, por que motivo aquela lembrança me tornava tão feliz)”. (Trad., p. 74) 26 24 ambos. Como define o narrador proustiano: “Rien qu´un moment du passé? Beaucoup plus, peut-être; quelque chose qui, commun à la fois au passé et au présent, est beaucoup plus essentiel qu´eux deux” (TR, p. 450)28. A descoberta abarca a noção de tempo, mostrando que um passado longínquo não está perdido para sempre, e mais do que isso, demonstrando que esse tipo de memória advinda das sensações promove a intersecção entre um piso desigual e Veneza, um tilintar de colher e as árvores vistas na viagem de trem, um guardanapo demasiadamente engomado e Balbec. Essa conjunção entre elementos altamente distintos suscitados pela memória seria, na verdade, um esboço da arte, ou em outros termos, a vida fornecendo a matéria artística e prefigurando aquilo que, formalmente, a arte deveria buscar. Como explica o narrador: Alors ma mémoire affirmait sans doute la différence des sensation; mais elle ne faisait que combiner entre eux des éléments homogènes. Il n´en avait plus été de même dans les trois souvenirs que je venais d´avoir et où, au lieu de me faire une idée plus flatteuse de mon moi, j´avais au contraire presque douté de la réalité actuelle de ce moi. (TR, p. 452)29 Estabelecida a verdadeira importância desses momentos, o narrador discorrerá sobre o real intuito da arte, que só terá relevância se buscar relações entre elementos distintos, condensando-os em uma metáfora, uma imagem: “Une heure n´est pas qu´une heure, c´est un vase rempli de parfums, de sons, de projets et de climats. Ce que nous appelons réalité est un certain rapport entre ces sensations et ces souvenirs qui nous entourent” (TR, p. 468)30, relação única que o escritor deve encadear em sua frase. O narrador é enfático e fortemente prescritivo: On peut faire se succéder indéfiniment dans une description les objets qui figuraient dans le lieu décrit, la vérité ne commencera qu’au moment où l’écrivain prendra deux objets différents, posera leur rapport, analogue dans 28 “Apenas um momento do passado? Muito mais, talvez: alguma coisa que, comum ao passado e ao presente, é mais essencial do que ambos”. (Trad., p. 153) 29 “A memória me afirmava sem dúvida então as diferenças de sensações, mas nada fazia além de combinar entre si elementos homogêneos. Não sucedia o mesmo com as três lembranças que me acabavam de assaltar e nas quais, em vez de colher uma idéia mais lisonjeira de mim mesmo, encontrara, ao contrário, quase a dúvida da realidade atual de meu eu”. (Trad., p. 154) 30 “Uma hora não é apenas uma hora, é um vaso repleto de perfumes, de sons, de projetos e de climas. O que chamamos realidade é uma determinada relação entre sensações e lembranças a nos envolverem” (Trad., p. 167) 25 le monde de l’art à celui qu’est le rapport unique de la loi causale dans le monde de la science, et les enfermera dans les anneaux nécessaires d’un beau style. (...) Le rapport peut être peu intéressant, les objets médiocres, le style mauvais, mais tant qu’il n’y a pas eu cela, il n’y a rien. (TR, p. 468)31 Tudo parece fazer sentido: o tempo fugidio, da alternância dos quartos em meio à escuridão, da existência truncada e restrita ao drama do beijo materno, é finalmente apreendido na figura de Mlle. Saint-Loup e nos velhos presentes na matinée do príncipe de Guermantes. Não se trata mais de um tempo que vacila, escapa e não se fixa, mas de um tempo materializado no corpo dos personagens: “Le temps incolore et insaisissable s´était, pour que pour ainsi dire je puisse le voir et le toucher, matérialisé en elle, il l´avait pétrie comme un chef-d´oeuvre”. (TR, p. 608-9)32, ou ainda, “J´avais le vertige de voir au-dessous de moi, en moi pourtant, comme si j´avais des lieues de hauteur, tant d´années” (TR, p. 624)33 ; e mais uma vez, repetindo esse jogo entre claro-escuro, a Recherche que começa em uma noite indeterminada, termina em uma matinée muito bem definida. “La boucle est bouclée”, diriam os franceses, e assim, por muitos anos, a crítica proustiana leria a Recherche nesta chave, nessa incontestável, desejada e fabricada composição, nesse fechamento da obra sobre si mesma, do “romance do romance”. Contudo, se retomarmos a passagem sobre a literatura e a catedral, encontraremos antes uma noção de inacabamento do que propriamente de equilíbrio e simetria. Et dans ces grands livres-là, il y a des parties qui n´ont eu le temps d´être esquissées, et qui ne seront sans doute jamais finies, à cause de l´ampleur même du plan de l´architecte. Combien de grandes cathédrales restent inachevées! (TR, p. 610)34 31 “Podem-se alinhar indefinidamente, numa narrativa, os objetos pertencentes ao sítio descrito, mas a verdade só surgirá quando o escritor tomar dois objetos diversos, estabelecer a relação entre eles, análoga no mundo da arte à relação única entre causa e efeito no da ciência, e os enfeixar nos indispensáveis anéis de um belo estilo. (...) A relação pode ser pouco interessante, medíocres os objetos, pobre o estilo, mas sem isso nada se faz”. (Trad., p. 167) 32 “O tempo incolor e fugidio se havia, a fim de que eu o pudesse por assim dizer ver e tocar, materializado nela, modelando-a como uma obra prima”. (Trad., p. 278) 33 “Dava-me vertigem ver, abaixo de mim e não obstante em mim, como se eu tivesse léguas de altura, tantos anos”. (Trad., p. 291) 34 “Nos grandes livros dessa natureza, há partes apenas esboçadas, que não poderiam ser terminadas, dada a própria amplidão da planta arquitetônica. Muitas catedrais permanecem inacabadas”. (Trad., p. 279). Preferimos, no entanto, traduzir “planta arquitetônica” por “planta do arquiteto” para manter a relação estabelecida por Proust entre o arquiteto e o escritor. 26 Embora não refutemos a análise que privilegia a composição circular da obra proustiana tomando por base a imagem da catedral, gostaríamos de pontuar, a partir do trecho acima, que consideramos uma espécie de alegoria do próprio processo de composição da Recherche, a importância dada ao inevitável inacabamento advindo de um projeto ambicioso. Gigante e monstruosa como os personagens envelhecidos ao final da Recherche, a obra de Proust pode ser comparada a uma catedral por sua monumentalidade e seu projeto audacioso; no entanto, equipara-se igualmente a ela por seu modo de execução. Como na construção de uma catedral, o escritor precisou de anos para erigir sua obra literária, utilizando materiais provenientes de diferentes épocas escriturais, não escapando, todavia, de um inacabamento que é próprio a essa monumentalidade literária. A crítica, em maior ou menor grau, teve inevitavelmente de lidar com esse aspecto inacabado da Recherche, mesmo mencionando apenas o fato incontestável das publicações póstumas. Como sabemos, Proust morre em novembro de 1922, antes mesmo de corrigir as provas do La prisonnière, com Albertine disparue em estado de datilografia e o Temps retrouvé em manuscrito. No entanto, não nos referimos somente ao inacabamento da obra devido à morte prematura de seu autor, mas ao processo que levou a tal incompletude. Se Proust propalou a composição e o acabamento de sua obra já em 1913, quando apenas Côté de Swann havia sido publicado – “Tout est écrit mais tout est à reprendre” (Corresp., t. XII, p. 367)35 – sabe-se que durante a guerra ele modificará substancialmente seu projeto ao incluir a história de Albertine. É a construção dessa história que buscamos percorrer no primeiro capítulo, analisando seus primórdios e comentando os cadernos utilizados para sua composição, notadamente os cahiers 53 e 55. O intuito da análise é a verificação da importância da construção da história dessa heroína que permitirá mostrar que, longe de ser uma transposição da relação entre Proust e seu secretário, Agostinelli, suas 35 “Tudo está escrito, mas tudo deve ser retomado”. Carta a André Beaunier enviada em 1913. 27 origens já haviam sido delineadas em outro texto proustiano, “La fin de la jalousie”, do livro Les plaisirs et les jours. A história de Albertine permitirá também entender a transformação de parte do projeto Sainte-Beuve, de certo modo autobiográfico, em um projeto de grande envergadura ficcional, no qual a busca por uma verdade ainda se dará, ainda que por meio de um herói-narrador. Se Proust assume o caráter filosófico de sua obra – “c´était justement à la recherche de la Vérité que je partais” (Corresp., t. XIII, p. 99)36 – ele teve de se haver com a composição concreta da Recherche e com outra busca não menos importante, a do herói por sua vocação literária. A história de Albertine modifica boa parte do curso inicial da obra proustiana – “En 1916 le manuscrit pour le futur Guermantes II est achevé, mais tout est déjà transformé depuis deux ans, non seulement par la Guerre et l´interruption de la composition, mais surtout par l ´invention d´Albertine” (BRUN,2006)37 –, mas intensifica essa busca, sendo ela do herói ou de Marcel Proust. Todavia, não foi apenas a partir da história dessa heroína que a obra proustiana viu-se irremediavelmente fadada ao inacabamento, à escrita sem fim, ou, se quisermos, “aux minutieuses peintures”38 às quais o escritor se dedicaria até o final de sua vida. Basta olhar os índices manuscritos e publicados para verificar que o crescimento do texto proustiano se deu ainda em etapas anteriores à invenção da heroína, em 1913-1914. I. Manuscrito de 1912. Dois volumes Les intermittences du coeur Tomo I: Le temps perdu 36 “era justamente em busca da verdade que eu partia”. Carta a Jacques Rivière de 1914. “Em 1916, o manuscrito para o futuro Guermantes II está acabado, mas tudo já está transformado há dois anos, não somente pela Guerra e a interrupção da composição, mas, sobretudo pela invenção de Albertine”. 38 Expressão citada na epígrafe desta introdução e que provém de uma carta enviada a Jacques Rivière em 1920. 37 28 1ª parte: Combray; 2ª parte: Un amour de Swann; 3ª parte: Noms de pays: le nom/Autour de Mme. Swann/ Nom de pays: le pays. Tomo II : Le temps retrouvé. II. Manuscrito de 1913. Edição Grasset. Três volumes À la recherche du temps perdu Tomo I : Du côté de chez Swann (publicado) : Combray/ Un amour de Swann/ Nom de pays : le nom]. Tomo II : Le côté de Guermantes (a ser publicado em 1914): Chez Mme. Swann/ Noms de pays: le pays/Premiers crayons du baron de Charlus et de Robert de Saint-Loup/Noms de personnes : la duchesse de Guermantes/Le salon de Mme. de Villeparisis. Tomo III : Le temps retrouvé : À l´ombre des jeunes filles en fleurs/ La princesse de Guermantes, M. de Charlus et les Verdurin/Mort de ma grand-mère/Les intermittences du coeur/Les ‘Vices et les Vertus’ de Padoue et de Combray/Madame de Cambremer/Mariage de Robert de Saint-Loup/L´adoration perpétuelle. III. Versão de 1918. Gallimard. Cinco volumes Du cote de chez Swann (publicado) À l´ombre des jeunes filles en fleurs (um volume publicado) Le côté de Guermantes (sob impressão) Sodome et Gomorrhe I (anúncio de 1918) Sodome et Gomorrhe II – Le temps retrouvé (anúncio de 1918)39. 39 Para uma comparação mais detalhada dos índices anunciados e dos realmente publicados com os romances, ver GENETTE, Gérard. “Le paratexte proustien”. Cahiers Marcel Proust nº 14, p. 21-24. 29 Como pudemos perceber, de um projeto inicial de dois volumes, Proust anuncia, pela editora Grasset, três volumes que serão, em 1918, transformados em cinco, para, por fim, serem acrescidos mais três romances cujos índices nunca foram anunciados – La prisonnière, La fugitive e Le temps retrouvé – encerrando a obra, deste modo, em sete volumes – Sodoma e Gomorra II juntando-se à sua primeira parte. Essa dilatação da obra proustiana, essa “surnourriture” empregada pelo escritor aos seus textos sempre foi uma das características marcantes da composição da Recherche. A história de Albertine seria, nesses termos, um movimento natural da escritura proustiana e não uma anormalidade ou um desvio do primeiro projeto romanesco, tal como afirmavam diversos críticos salientados por Nathalie Mauriac Dyer: (...) l´épisode d´Albertine – où certains voient aujourd´hui un organe mutilé, d´autres voyaient hier, à cause du mouvement d´écriture inverse (le développement de l´épisode à partir de 1913-1914) une “énorme excroissance” maladive, une “tumeur monstrueuse” sur le corps jusque là “harmonieux” du roman”. (2008)40 A escrita incessante, os retoques e os ajustes infindáveis tanto nos cadernos de rascunhos como nas datilografias e provas, para desespero dos editores perpassaram toda a construção da Recherche, embora em graus diferentes. Com esse tratamento minucioso de seus textos, Proust mergulha em uma escrita sem fim, demonstrando, deste modo, um inacabamento potencial e uma processualidade de sua escrita. Se em 1921, em uma carta a Gaston Gallimard, Proust declara que seus cadernos podem praticamente ser publicados no estado em que se encontram – “Pour les volumes suivants et derniers, il y a peu à faire pour moi, et à la rigueur, après avoir donné à vous ou à Jacques quelques explications, mes cahiers peuvent paraître tels quels, en cas d´événement fâcheux” (Corresp., t. XX, p. 147-8) 41 – em 40 “(...) o episódio de Albertine – no qual alguns vêem hoje um órgão mutilado, outros viam ontem, por causa do movimento inverso (o desenvolvimento do episódio a partir de 1913-1914) uma ‘enorme excrescência’ malsã, um ‘tumor monstruoso’ sobre o corpo até então ‘harmonioso’ do romance”. A autora refere-se, neste artigo, à datilografia de Albertine disparue encontrada por Claude Mauriac em 1986, na qual Proust teria modificado, no manuscrito XV, o local da morte da heroína, eliminando assim grande parte dos textos escritos nos cadernos XII e XIV, e integralmente os do caderno XIII, tema que será tratado no capítulo I. 41 “Pelos volumes seguintes e os últimos, para mim há pouco a fazer, e a rigor, depois de dar algumas explicações a você ou a Jacques, meus cadernos podem ser publicados tais como estão, em caso de 30 1922, ano de seu falecimento, o escritor parece compreender o inacabamento inerente à arquitetônica de seu projeto: Donc je ferai comme si nous devions être chez les libraires le 1er. Mai. Je ne donnerai pas une seconde effort de moins. Mais je reste persuadé que nous paraîtrons seulement le 1er. Mai 1923. Et comme j´ai tant de livres à vous offrir qui si je meurs ne paraîtront jamais (A la Recherche du Temps perdu commence à peine), comme d´autre part en Mai 1923 on aura oublié les personnages qu´en Mai 1922, ce sera désastreux. (Corresp., t. XXI, p. 56)42 A imagem imponente da catedral, cujas características só poderiam sugerir solidez e rigidez desmorona-se para dar lugar a uma metáfora ainda mais condizente com o processo da escrita proustiana, a do flexível, maleável e fragmentado vestido: “car épinglant ici un feuillet supplémentaire, je bâtirais mon livre, je n´ose pas dire ambitieusement comme une cathédrale, mais tout simplement comme une robe” (TR, p. 610)43. É nesta “remendaria”, nesta costura de fragmentos textuais que se dá, concretamente, a obra proustiana, elemento analisado por Barthes, que considera a Recherche como uma “tierce forme” que seria “rhapsodique, c´est-àdire (étymologiquement) cousue” [“rapsódica, ou seja, (etimologicamente) costurada] (BARTHES, 1984, p. 337). O verbo escolhido por Proust para especificar a construção da obra – bâtir – significa tanto construir como alinhavar, correspondendo, portanto, à construção de algo sólido e ao alinhavo de roupas. Se pudéssemos resumir a composição da Recherche em poucas palavras, diríamos que seu projeto e sua concepção são catedralescos, enquanto sua execução assemelha-se à de um alfaiate. Como define Leda Tenorio da Motta: “Escrever é tarefa que se coaduna com as Belas-Artes, com o estilo elevado, mas que não descarta, em sua busca eterna e inquieta, expedientes menores, rudemente artesanais” (2001, p. 302). acontecimento importuno”. 42 “Então farei como se nós devêssemos estar nas livrarias em 1º de Maio. Não darei um segundo a menos de esforço. Mas continuo persuadido de que nós sé seremos lançados em 1º de Maio de 1923. E, como tenho tantos livros a te oferecer que se eu morrer nunca serão publicados (Em Busca do Tempo perdido mal começou), por outro lado, em Maio de 1923 terão esquecido os personagens que em Maio de 1922, isto será desastroso”. 43 “pois, pregando aqui e ali uma folha suplementar, eu construiria meu livro, não ouso dizer ambiciosamente como uma catedral, mas modestamente como um vestido”. (Trad., p. 280) 31 Esses procedimentos artesanais explicam a enorme quantidade de cadernos de rascunhos e manuscritos, bem como o grande número de papéis e “paperoles” colados e montados nesses documentos; mas se há costura, montagem, isto implica, necessariamente, que a obra é feita de fragmentos. A tarefa de coadunar, buscando assim uma unidade para os incontáveis fragmentos dispersos nos cadernos era, para Proust, uma das tarefas mais árduas da escrita de sua obra: “Composer pour moi ce n´est rien. Mais rafistoler, rebouter, cela passe mon courage” (Citado por TADIÉ, 1987, p. CIII)44 e talvez este seja o motivo pelo qual Proust, nos últimos anos de sua vida e com o agravamento da doença, presumisse o improvável acabamento de sua obra: “Un seul mot, parmi ceux que vous m´avez dits, m´a fait de la peine. Pourquoi désespérezvous d´achever votre oeuvre ? Moi, je suis sûr que vous la terminerez”. (Corresp., t. XXI, p. 250)45. São esses dois eixos – o da busca por uma unidade e o da escrita pelo fragmento – que norteiam o presente trabalho. Pretendemos mostrar que, mesmo imergindo em um contexto escritural intenso, Proust não perde de vista seu projeto e procura, com certa obstinação, elementos que promovam a unidade entre as partes de sua obra. Esse tema é desenvolvido no segundo e terceiro capítulos, nos quais estudamos os motivos elaborados pelo escritor – respectivamente o leitmotiv Fortuny e o episódio da “fenêtre éclairée”, ambos pertencentes ao romance La prisonnière – para atingir tal unificação. Utilizamos, para nossa análise, fundamentalmente os manuscritos dedicados à elaboração de tal romance, os cadernos 53 e 5546 e o estudo desses manuscritos levou-nos, 44 “Para mim, compor não é nada. Mas emendar, recolocar, isto ultrapassa minha coragem”. Carta enviada a Gaston Gallimard em 1922. 45 “Só uma palavra, dentre as quais você tinha me dito, causou-me desgosto. Por que você se desespera para terminar sua obra? Estou certo de que você a terminará”. Carta de Jacques Rivière a Proust de 1922. 46 A transcrição integral do caderno 53 é de minha responsabilidade e se encontra no apêndice, no final desta tese. A do caderno 55, cujos fólios analisados neste trabalho constam nos anexos B foi realizada por Shuji 32 inevitavelmente, a certa leitura do modus faciendi do escritor e de certa estética da composição que pôde ser apreendida nesses documentos. Este é o tema do quarto e último capítulo que analisa, a partir das notas e lembretes registrados por Proust, seus procedimentos escriturais, bem como a importância da unidade e do projeto na fabricação textual, incluindo ainda a discussão sobre a construção do “je” proustiano, tema que rendeu muitos debates com relação ao caráter autobiográfico da Recherche. Colocar-se como um leitor de manuscritos, notadamente dos cadernos proustianos, nos quais reinam certa desarrumação e instabilidade escritural, não é tarefa fácil, sendo até certo ponto constrangedor para o crítico da obra de Proust. Em uma carta endereçada a Sydney Schiff em 21 de julho de 1922, Marcel Proust afirma: Or, même si tu ou vous ne m´aviez pas demandé d´attendre avant de vendre, je n´aurais pas encore vendu. Non que je trouve le prix trop faible. Au contraire, si je vends, j´ai l´intention d´abaisser à 5000 pour l´ensemble. Mais ce qui me fait hésiter c´est que les bibliothèques de ce monsieur doivent à sa mort aller à l´État. (Corresp., t. XXI, p. 372)47 A passagem apresentada acima se refere à possível compra por Jacques Doucet das provas corrigidas do romance Sodoma e Gomorra II. Parece-nos flagrante o receio do escritor diante da possibilidade de seus manuscritos pararem em bibliotecas públicas e serem alvo de pesquisas e estudos. As preocupações de Marcel Proust são aclaradas ainda nessa mesma carta, quando o autor confessa: Or la pensée ne m´est pas très agréable que n´importe qui (si on se soucie encore de mes livres) sera admis à compulser mes manuscrits, à les comparer au texte définitif, à en induire des suppositions qui seront toujours fausses Kurokawa e Nathalie Mauriac e cedida gentilmente por esta última. Constam ainda no anexo A, os inventários dos cadernos aqui estudados, feitos pela equipe Proust de Paris. 47 “Ora, mesmo se você ou vocês não tivessem me pedido para esperar antes de vender, ainda não teria vendido. Não que eu ache o preço muito baixo. Pelo contrário, se eu vender, tenho a intenção de baixar para 5000 o conjunto. Mas o que me faz hesitar é que as bibliotecas desse senhor devem, após sua morte, pertencer ao Estado” 33 sur ma manière de travailler, sur l´évolution de ma pensée etc. (Corresp., t. XXI, p. 372-3)48 Embora saibamos que esse “n´importe qui” nos concerne diretamente, o que impressiona neste texto é que Proust praticamente resumiu, com quase meio século de antecedência, a disciplina que nasceria no final dos anos 60 e teria como principal objeto os manuscritos de escritores, a Crítica Genética. Mais espantoso ainda é que, tendo certamente consciência do caráter híbrido, compósito e caótico de seus cadernos, vislumbra com grande perspicácia toda a problemática que seus escritos privados suscitariam nos críticos e leitores desses rascunhos. Resumindo, toda a pesquisa desenvolvida da década de setenta até hoje sobre os manuscritos proustianos incidiu sobre a “evolução de [seu] pensamento”, como a análise de variantes, personagens, nomes etc., e sua “maneira de trabalhar”, seja por fragmento, por éclatement (estouro, dispersão) de seu texto ou pelo gonflement (dilatação) de sua escrita. Contudo, perguntamo-nos se os próprios romances publicados do escritor já não motivariam esse tipo de leitura que permeia tão fortemente a análise de seus cadernos. Ora, um romance que fala sobre o romance, que reflete sobre a maneira pela qual alguém se torna escritor, deixando ao público uma escrita lacunar, fragmentária, onde encontramos uma profusão de repetições de imagens, formas, sonoridades, leitmotiv que aparecem de forma constelar, evidencia, no mínimo, uma construção. Em outras palavras, os textos publicados de Proust trazem, por si só uma forte reverberação da maneira pela qual foram compostos, fazendo com que a presença dos manuscritos não seja algo indispensável para se falar, por exemplo, de escritura ou de processos de criação. 48 “Ora, não me é muito agradável a idéia de que qualquer um (se alguém ainda se preocupar com meus livros) possa examinar meus manuscritos, compará-los ao texto definitivo, tirando suposições que serão sempre falsas sobre minha maneira de trabalhar, sobre a evolução do meu pensamento”. 34 Há diversos estudos que refletem sobre essas questões a partir do romance, mas para ficarmos com alguns exemplos, citamos Philippe Willemart49 que trata da questão da incerteza – um dos elementos constitutivos do processo escritural – a partir de episódios específicos e bem conhecidos como o da Madeleine. Outro caso é o trabalho de dissertação de José Carlos Souza50 que explora a noção de escritura por meio da personagem Albertine e de sua representação múltipla e fugidia no romance, afirmando que ela seria uma espécie de alegoria do processo escritural. Notamos que a preocupação de Marcel Proust com a leitura de seus manuscritos foi, parcialmente, em vão, pois seus romances poderiam provocar reflexões acerca de sua forma de trabalhar. No entanto, frisamos que apenas por um lado ela foi vã, pois sabemos que um manuscrito não se deixa ler como um livro e que eles, inegavelmente, carregam consigo, de maneira mais explícita e visceral, o trabalho de uma vida Mas, dentre as inquietações levantadas pelo escritor, gostaríamos de destacar sua afirmação categórica sobre a falsidade que as análises de seus cadernos acarretariam. Afora o teor radical contido nessa declaração, um pesquisador do manuscrito deve sempre refletir sobre ela. Será que, a partir de um pequeno recorte, de um manuscrito apenas, somos capazes de especular sobre a forma de escrever de um autor ou será que só podemos nos ater a ela quando circunscrita a um objeto de análise, seja ele um manuscrito, uma caderneta, uma página etc.? Obviamente, não pretendemos responder a essa questão de maneira epistemológica, pois seria desprezar as características e importâncias de cada objeto de estudo. A escrita de Proust não será como a de um Zola, ou a de um Flaubert e dentro do corpus proustiano, há 49 Cf. “O conceito de incerteza em Marcel Proust”. In: WILLEMART, Philippe. Crítica Genética e psicanálise. p. 145-154. 50 Cf. SOUZA, José Carlos. Balbertinec: um litoral À l´ombre des jeunes filles en fleurs, 2009. 35 diferenças significativas entre os diversos tipos de cadernos utilizados nas etapas de escritura e os procedimentos escriturais propriamente ditos. Resumidamente, o corpus proustiano atual é composto de 75 cadernos de rascunho, 20 cadernos de mise au net51 e uma série de folhas avulsas contidas em uma caixa cinza. Nela, encontramos tanto papéis que provavelmente caíram dos cadernos, quando Proust os fragilizava arrancando suas folhas, como pedaços de textos e de paperoles52. Há também 18 volumes de datilografias e 14 volumes de provas. Os 62 primeiros cadernos entraram na Biblioteca Nacional da França em 1962, sendo classificados por Florence Callu53. Quando dizemos “primeiros” não nos referimos de forma alguma à ordem cronológica escritural desses cadernos, mas apenas à ordem de entrada nos arquivos da BNF. A própria numeração desses manuscritos é completamente contestável. A título de organização, Callu estipulou cotas a cada documento com base tanto em uma leitura geral dos rascunhos, quanto na ordem de chegada dos mesmos, o que gerou, evidentemente, muitas discrepâncias. Atualmente, fundamentados nas pesquisas genéticas desenvolvidas de modo mais detido, sabemos, por exemplo, que o caderno 58 é anterior ao 5754, ambos dedicados ao Tempo Redescoberto e, para ficarmos no âmbito dos cadernos que serão analisados no presente trabalho, sabemos que o caderno 71 é anterior ao 53 e ao 55, todos dedicados direta ou indiretamente à Prisioneira. Somente vinte e três anos depois, em 1985, os cadernos 63 a 75, que estavam em poder do colecionador Jacques Guérin, entraram para a BNF, completando, deste modo, o 51 Procedimento de passar a limpo. Nome dado pelo narrador proustiano, por intermédio da personagem Françoise, aos pedaços ou fragmentos de papel. No processo escritural de Proust, as “paperoles” são geralmente utilizadas para acrescentar mais texto a uma página que já está repleta de material escrito. São geralmente coladas seja na margem superior, seja na inferior, podendo chegar a até 2 metros. Podem ser encontradas em menor quantidade nos cadernos de rascunhos (brouillons) e massivamente nos cadernos de mise au net. 53 Arquivista da BNF que atribuiu as cotas da Nova Aquisição francesa (Nafr) aos manuscritos proustianos, divididos em: Cadernos 1 a 62 (Nafr: 16641-16702) e cadernos 63 a 75 (Nafr: 18317-18325). 54 Cf. YOSHIKAWA, K. Études sur la genèse de la Prisionnière d´après des brouillons inédits. Em sua tese, a partir de transcrições e análises detalhadas, Yoshikawa estipula algumas datas possíveis para os cadernos e afirma a anterioridade do 58 ao 57, do 71 ao 53 e 55. 52 36 dossiê proustiano do qual temos conhecimento hoje. Apesar de possuírem a mesma designação, os cadernos de rascunho são heterogêneos tanto no seu formato (original ou restaurado), quanto na sua utilização. Para exemplificar a complexidade desses brouillons, há os cadernos de rascunho, de montagem – que agenciam fragmentos de diversos cadernos ou de páginas de um só caderno, possuindo igualmente muitos desenvolvimentos e acréscimos característicos dos rascunhos – e os cadernos de adição – espécie de caderno de bordo que servia para Proust efetuar mudanças prévias enquanto aguardava as provas do romance. Há ainda os cadernos de mise au net, numerados pelo escritor de I a XX, e que vão de Sodoma e Gomorra ao Tempo redescoberto, e apesar de serem designados por esse nome, também estão repletos de acréscimos, desenvolvimentos e paperoles, sendo, contudo mais homogêneos quanto ao uso e mais próximos dos romances publicados. A restauração sistemática que foi feita nos cadernos desde que eles entraram na BNF criou certa desordem: intervenção ou mudança das capas, subversão na ordem dos fólios, o que implica, inevitavelmente, que mesmo quando trabalhamos com o manuscrito original, estamos ainda muito distantes da configuração inicial deixada por Proust. O material é lacunar, não temos dúvidas, mas estas são apenas lacunas deixadas por processos externos ao da composição da obra proustiana, alheias ao próprio escritor. Com relação às folhas avulsas, ou ao chamado “reliquats des manuscrits”, Brun enfantiza: Une belle reliure fabriquée pour les besoins de la cause souligne l´échec de la classification thématique opérée par la BNF: ce ne sont pas des « restes », des déchets et leur exploitation est difficile mais passionante, car loin de former des rédactions rejetées par l´écrivain, ce sont en général des feuilles rédigées dans les cahiers et découpées pour préparer directement les dactylographies. (2008)55 55 “Uma bela encadernação fabricada para as necessidades da causa assinala um fracasso da classificação temática operada pela BNF: não são ‘restos’, dejetos, e sua exploração é difícil, mas apaixonante, pois longe de formar redações rejeitadas pelo escritor, são, em geral, folhas redigidas dentro dos cadernos e cortadas para preparar diretamente as datilografias”. 37 Embora a inoperância da classificação seja flagrante, Marcel Proust legou-nos igualmente enormes lacunas, principalmente por compor de forma não linear. Inúmeros críticos genéticos constataram essa não linearidade da escrita proustiana, e de acordo com Jean Milly: Nous pouvons aujourd´hui nous appuyer sur la meilleure connaissance que nous avons de la genèse. Celle-ci, précisons-le, ne suit pas une progression régulière, mais est faite d´innombrables fragments successifs, fréquemment annulés et repris, ordonnés selon des constructions elles aussi expérimentales et changeantes (1984, p. 190)56 Além desse hiato construído pela falta de continuidade e de linearidade da escrita proustiana, há outro buraco, no nível documental, deixado pela destruição de alguns manuscritos. Conforme Nathalie Mauriac Dyer: “Proust n'a pas caché avoir brûlé certains de ses cahiers, dont les chercheurs peuvent parfois désigner aujourd'hui les places vides”(2006, p. 21)57. Entendemos com maior propriedade as palavras de Proust sobre certo falseamento que a leitura de seus rascunhos provocaria. Consciente de seu material lacunar, híbrido e não linear, o escritor provavelmente entreviu as dificuldades que encontrariam os leitores dos brouillons. Além disso, não seria possível mencionar os textos mentais que não foram registrados, mas que fizeram todo o sentido para o escritor compor sua obra. Proust estava com a razão, pelo menos parcialmente. Em um artigo anterior, cometemos algumas impropriedades ao tentar estabelecer uma lógica da escritura proustiana com base no caderno 53. Felizmente, nossa leitura não foi invalidada pelo contato que tivemos, posteriormente, com outros manuscritos do autor. 56 “Podemos hoje nos apoiar em um melhor conhecimento que temos da gênese. Esta, precisemos, não segue uma progressão regular, mas é feita de inúmeros fragmentos sucessivos, freqüentemente anulados e retomados, ordenados segundo construções igualmente experimentais e moventes”. 57 “Proust não escondeu ter queimado alguns de seus cadernos, cujos lugares vazios os pesquisadores podem às vezes designar atualmente”. 38 O intuito aqui não será de arrolar a argumentação desenvolvida no artigo publicado em 2007, tampouco resumi-lo. Contudo, gostaríamos de nuançar e retificar algumas afirmações categóricas que fizemos decorrentes, no entanto, da dificuldade de ler os rascunhos proustianos: No entanto, na medida em que caminhamos nessa tentativa de decifração do texto, começamos a nos familiarizar com esses rascunhos e a perceber algumas singularidades. Não encontramos, como possivelmente pretendíamos, uma composição cronológica dos episódios que foram publicados no romance. Também não encontramos seqüência alguma, nem com relação à produção dos episódios romanescos, nem com relação a uma seqüência processual nos próprios manuscritos. Em outras palavras, muito raramente podemos constatar uma continuidade do desenvolvimento de um episódio ou de uma descrição nas páginas dos cadernos utilizados como suporte. Proust não costuma dar seqüência aos episódios trabalhados em uma determinada página, o que significa que ao terminarmos de ler um fólio, mesmo que as idéias nele contidas estejam incompletas ou inacabadas, muito provavelmente não encontraremos a continuação do desenvolvimento destas idéias no fólio posterior. O espaço dos cadernos utilizados por Proust é de certa forma subvertido, pois o escritor não registra sua escritura na forma prevista por um pesquisador iniciante e desavisado, ou seja, não utiliza de forma seqüencial a frente e o verso do caderno, procedimento julgado padrão (SILVA, p. 96) O que devemos retificar nessa análise é que obviamente houve e há seqüências cronológicas, contudo, elas não são lineares. O processo existiu, assim como a cronologia, mas não conseguimos estabelecê-los de forma absoluta, pois não são apresentados de maneira linear e porque escapam a qualquer crítico. A aparente falta de seqüência temática entre os episódios é um fato nos cadernos de Proust, no entanto, ela existe e é buscada pelo escritor, como mostraremos no corpo deste trabalho. Acertamos quando dissemos que o espaço dos cadernos é subvertido e foi exatamente essa subversão que provocou certa impropriedade em nossa leitura. Um dos índices que revelam o seguimento do texto de Proust é a numeração feita por ele mesmo. A compostagem realizada pela BNF, ou seja, a numeração fólio a fólio atribuída pelos conservadores, apesar de garantir ordem e nomear a folha para fins analíticos, estabelece forçosamente uma seqüência do texto proustiano que não se dá nesses parâmetros. 39 Outro ponto a ser reavaliado é que nos atemos, como dissemos, a apenas um caderno dentro de um conjunto de 75. Não desejamos com essa colocação dar a entender que uma boa crítica de manuscritos só possa ser feita se analisarmos uma grande quantidade de documentos. Há muitos exemplos que provam o contrário, mas para o caso proustiano, salientamos que a heterogeneidade dos rascunhos e sua característica compósita são fatores incontestáveis e sobremaneira importantes. Notamos, em alguns cadernos, textos mais limpos, com poucas adições que indicam uma cópia de textos anteriormente desenvolvidos e que possuem deste modo, uma seqüência textual mais facilmente detectável. Em outros, encontramos uma excessiva quantidade de rasuras, de movimentos e fragmentos textuais hesitantes, demonstrando estados incompletos de escritura e conseqüentemente, episódios mais isolados. Outros cadernos estão completamente mutilados, o que pode denotar o provável deslocamento de fólios para os cadernos de mise au net, sugerindo que os textos poderiam estar muito próximos dos publicados e, portanto se situariam em um nível de elaboração mais avançada. É desnecessário comentar que esse tipo de caderno contém um grau lacunar muito alto e que seu estudo muitas vezes implica numa busca pelos fólios deslocados para que se tenha uma idéia do documento tal como ele era inicialmente58. Em suma, dizer que os manuscritos proustianos não possuem cronologia e seqüência algumas foi uma afirmação categórica e genérica sobre a forma de compor de Proust, que ignora os diversos outros procedimentos que encontramos nos demais cadernos. Além disso, não podemos menosprezar a duração da escrita proustiana que começou, no caso do Em busca do Tempo perdido, em 1908 e terminou, juntamente com a morte do escritor, em 1922. 58 Apesar das dificuldades de tal tarefa e de sua contestável eficácia e contribuição para os estudos do manuscrito, o projeto de edição dos cadernos de Proust, promovido pela editora belga Brépols e pelas equipes francesa, japonesa e brasileira, tem o objetivo de reconstituir os cadernos mutilados e apresentá-los ao público como eram em seu estado inicial. 40 Nesse intervalo, Proust modificou sua forma de trabalhar e, para mencionarmos apenas uma, os cadernos de mise au net, que demonstram um dos procedimentos mais conhecidos e propalados pela crítica proustiana, o da montagem e da colagem, só começaram a ser usados a partir do romance Sodoma e Gomorra. Após essa breve deambulação pelos cadernos de Proust, gostaríamos de frisar que se nosso trabalho se apóia na leitura e análise de manuscritos para compreender a composição da Recherche, que se dá por fragmento e por uma constante busca por unidade e fechamentos, não nos atemos, no entanto, ao estudo da gênese do texto proustiano. Embora algumas datas sejam importantes para o entendimento da construção dessa obra monumental, é tarefa quase impossível estabelecer sua gênese textual. De fato, esse processo escritural existiu, contudo, por não ter sido linear e não seguir etapas evolutivas – veremos que um caderno não necessariamente leva a outro em termos sucessivos de composição – é muito improvável chegar a alguma cronologia fixa. Utilizamos os manuscritos antes para refletir e indagar sobre a composição e o inacabamento da Recherche, do que para estipular ou contestar datas. Ainda a respeito da leitura dos rascunhos, buscamos explicar, muitas vezes, quais eram os procedimentos de sua utilização, ou seja, como Proust registrava seus textos nos cadernos. Entretanto, não pretendemos com isso tomar a tutela do leitor, explicando-lhe como ler o manuscrito proustiano, mas apenas registrar as descobertas que fizemos ao longo da pesquisa e que tanto nos ajudaram a sair de um estado de incompreensão provocado pelo caos completo, próprio das primeiras incursões nos cadernos de Marcel Proust. Por fim, esperamos que este trabalho consiga somar-se à já tão forte e rica crítica proustiana, podendo acrescentar outras reflexões acerca da obra de Marcel Proust. 41 Capítulo 1 A história de Albertine: o fim da catedral? cela est dû précisément à cette surnourriture que je leur réinfuse en vivant 1.1 Sobre o nascimento de Albertine Embora o primeiro projeto da Recherche já possuísse em seu cerne as histórias que integrariam sua versão publicada, tais como o amor de Swann e a explicação do significado das experiências de memória involuntária, ele se difere fortemente daquilo que posteriormente se tornará a obra proustiana em seu estado derradeiro. Resumindo as etapas elaboradas pelo escritor, a primeira fase de escritura, datada de 1908-1909, estaria completamente voltada ao desenvolvimento do projeto Sainte-Beuve. Para Bernard Brun: Il ne faut pas oublier les importantes traductions de Ruskin, ainsi que les nombreux articles de critique littéraire et d’esthétique, ainsi que les pastiches, qui ont permis à Proust de fixer ses idées et son style. Mais ces matériaux ont été transformés complètement par le projet du Contre SainteBeuve (fin 1908). Un projet contradictoire: une critique de la conversation à travers une discussion avec Maman (Cahiers 3, 2,5 et 1). (BRUN, 2008)59 Esse projeto foi rapidamente transposto para a construção do romance proustiano, inicialmente chamado Les intermittences du coeur. Ainda nas palavras de Bernard Brun: “Le roman est né en 1909, d´une réutilisation des matériaux narratifs constitués par les oeuvres de jeunesse, comme on dit (...): principalement le Jean Santeuil, discontinu, interrompu (deux caractéristiques majeures de l´écriture proustienne)” (2008)60. 59 “Não se deve esquecer as importantes traduções de Ruskin, bem como os numerosos artigos de crítica literária e de estética, assim como os pastiches que permitiram a Proust fixar suas idéias e seu estilo. Mas esses materiais foram completamente transformados pelo projeto do Contra Sainte-Beuve (fim de 1908). Um projeto contraditório: uma crítica da conversação por meio de uma discussão com Mamãe”. 60 “O romance nasceu em 1909 de uma reutilização dos materiais narrativos constituídos pelas obras de juventude (...): principalmente Jean Santeuil, descontínuo, interrompido (duas maiores características da escritura proustiana)”. 42 Possuindo ainda uma divisão bipartida entre “Tempo perdido” e “Tempo redescoberto” como já demonstrado na introdução, esse projeto, desenvolvido entre 1909-1911, demonstra, pelo índice encontrado nos manuscritos de 1912, uma concentração nos temas de Charles Swann, prenunciando parte do que será À l´ombre des jeunes filles: Les intermittences du coeur: Tome I: Le temps perdu (712 feuillets dactylographiés). 1re partie: Combray/ 2e partie: Un amour de Swann/ 3e partie. Noms de pays: le nom; Autour de Mme. Swann; Noms de pays: le pays, etc. Tome II: Le temps retrouvé (en cahiers): “Je donne un titre différent aux deux volumes et ne les ferai paraîtres qu´à dix mois d ´intervalle”. (GENETTE, 1987, p. 21)61 O primeiro volume, Le temps perdu, foi apresentado a diversos editores, tais como Fasquelle, Ollendorf, Gallimard e Grasset, tendo sido finalmente publicado por este último em 1913. O índice que constava no anúncio dos próximos tomos – “Pour paraître en 1914” –, nomeados com o título geral de À la recherche du temps perdu, já continha uma divisão tripartida do romance. Além do primeiro tomo, cuja configuração era idêntica à que lemos hoje – Combray, Un amour de Swann e Nom de pays: le nom – há o anúncio de mais dois volumes, Le côté de Guermantes e Le temps retrouvé, cujos subtítulos das seções eram: “Chez Mme. Swann, Nom de pays: le pays, Premiers crayons du Baron de Charlus et de Robert de Saint-Loup, Noms de personnes: la duchesse de Guermantes, Le salon de Mme. de Villeparisis”62 para o segundo tomo e para o terceiro e último volume: À l´ombre des jeunes filles en fleurs, La princesse de guermantes, M. de Charlus et les Verdurin, Mort de ma grand-mère, Les intermittences du coeur, Les “Vices et les Vertus” de Padoue et Combray, Madame Cambramer, Mariage de Robert de Saint-Loup, L´adoration perpétuelle. (GENETTE, 1987, p. 21-2)63 61 “As intermitências do coração: Tomo I: O tempo perdido (712 folhas datilografadas). 1ª parte: Combray/2ª parte: Um amor de Swann/3ª parte: Nome de terras: o nome; Em torno da sra. Swann; Nomes de terras: a terra, etc. Tomo II: O tempo redescoberto (em cadernos): ‘Eu dou um título diferente aos dois volumes e os farei publicar em apenas dez meses de intervalo”. 62 “Em casa da sra. Swann, Nome de terras: a terra, Primeiros retratos do Barão de Charlus e de Robert de SaintLoup, Nomes de pessoas: a duquesa se Guermantes, O salão da sra. de Villeparisis”. 63 “À sombra das raparigas em flor, A princesa de Guermantes, Sr. de Charlus e os Verdurin, Morte de minha avó, As intermitências do coração, Os ‘Vícios e Virtudes’ de Pádua e Combray, Sra. de Cambremer, Casamento de Robert de Saint-Loup, A adoração perpétua”. 43 Em ambos os casos, não encontramos menção à personagem de Albertine, ausente no projeto. Contudo, ainda em 1913, antes mesmo da publicação de Côté de chez Swann, Proust adiciona uma frase a esse romance que irá antecipar o impacto que a cena vista em Montjouvain entre Mlle. Vinteuil e sua amiga terá na vida do herói. Segundo Yoshikawa: Chose importante au point de vue de l´historique de la Recherche, alors que la première phrase d´anticipation sur le sadisme figurait déjà dans la dactylographie de Swann (1911-1912), la deuxième (‘On verra plus tard [...]’) concernant La prisonnière n´a été introduite qu´au dernier moment avant la publication de Swann, seulement après le mois d´août 1913. (1978, p. 16)64 O crítico refere-se à frase “On verra plus tard que, pour de tout autres raisons, le souvenir de cette impression devait jouer un rôle important dans ma vie” 65 que encerra a cena de Montjouvain e as considerações do narrador-herói a respeito da idéia de sadismo revelada por esse episódio de relação homossexual entre as duas jovens. Empregando o mesmo recurso utilizado repetidamente na Recherche, Proust, em um acréscimo tardio, anuncia os desdobramentos dessa situação em agosto de 1913. Essa data tornou-se o marco da invenção da história de Albertine que como sabemos, irá declarar sua amizade com Mlle. Vinteuil, fazendo com que o protagonista desconfie de sua sexualidade e decida levá-la a Paris para vigiá-la de perto. Essa simples frase prefigura, portanto, toda a essência da história da heroína que será contada nos romances La prisonnière e La fugitive. O advento da heroína foi sistematicamente associado pela crítica proustiana à história vivida por Proust e Agostinelli, rapaz que conheceu em Cabourg e que se tornou seu secretário, indo morar, juntamente com sua mulher, na residência do escritor em Paris. Muitos críticos viram nessa experiência certamente traumática para o escritor – da ida a Paris à fuga de Agostinelli que causaria, meses depois, sua morte em uma queda de avião – o estopim da 64 “Coisa importante do ponto de vista do histórico da Recherche, se a primeira frase de antecipação sobre o sadismo já figurava na datilografia de Swann (1911-1912), a segunda concernente à Prisioneira só foi introduzida no último momento, antes da publicação de Swann, somente após o mês de agosto de 1913”. 65 “Ver-se-á mais tarde como a lembrança dessa impressão, por motivos muito diversos, devia desempenhar importante papel em minha vida”. (CS, p. 157; Trad., p. 204) 44 história de Albertine e o aumento colossal do projeto da Recherche que passou de três a sete volumes. Para mencionarmos apenas alguns exemplos, Jean Milly afirma que: En même temps, il introduit un long épisode amoureux, inspiré, avec masquage et transposition de sexe, par le séjour d´Agostinelli chez lui, sa fuite et sa mort. Pour cela, il développe un personnage secondaire de jeune fille, déjà présent depuis 1913 dans les brouillons, et figurant dans un groupe d´adolescentes rencontrées au bord de la mer. (1984, p.191)66 Fica evidente a leitura do crítico, que vislumbra no esqueleto da história de Albertine, uma transposição da experiência realmente vivida por Proust, e na heroína uma transferência de Agostinelli. Há ainda outros críticos que partilham dessa mesma opinião, como Compagnon: “On sait qu'il fallut la mort d'Alfred Agostinelli, modèle d'Albertine, pour que toute cette partie de la Recherche prenne forme dans le plan qui est le sien après la guerre” (1996, p.85)67 e até mesmo Tadié que, grosso modo, distancia-se da aproximação entre a vida e a obra de Marcel Proust: “Tout à coup, à partir du jour de mai 1913 où Proust loge et prend comme secrétaire Alfred Agostinelli, elles [vida e obra] deviennent perpendiculaires, la vie se met en travers de l´oeuvre” (1987, p. LXXXIII)68. É incontestável a tristeza e desolação que esse episódio causou no escritor – “J´aimais vraiment Alfred. Ce n´est pas assez de dire que je l´aimais, je l´adorais. Et je ne sais pourquoi j´écris cela au passé car je l´aime toujours” (Corresp., t. XIII, p. 311)69 – e não pretendemos desconsiderar o papel que sua vida desempenhou na composição de sua obra, um dos temas que analisaremos no quarto capítulo. Todavia, cremos ser arriscado atribuir apenas a esse 66 “Ao mesmo tempo, ele introduz um longo episódio amoroso inspirado, mascaradamente e com transposição de sexo, na estada de Agostinelli em sua casa, sua fuga e sua morte. Por essa razão, ele desenvolve um personagem de moça secundário, já presente nos rascunhos desde 1913, figurando em um grupo de adolescentes encontradas à beira mar”. 67 “Sabe-se que foi preciso a morte de Alfred Agostinelli, modelo de Albertine, para que toda essa parte da Recherche tomasse forma em seu plano após a guerra”. 68 “De repente, a partir de maio de 1913, quando Proust aloja e contrata como secretário Alfred Agostinelli, elas [vida e obra] tornam-se perpendiculares, a vida se mete de atravessado na obra”. 69 “Amava realmente Alfred. Não é suficiente dizer que o amava, o adorava. E não sei por que escrevo isso no passado, pois ainda o amo”. Carta escrita a Reynaldo Hahn em 1914. 45 episódio vivido, toda a elaboração da história de Albertine. Kazuyoshi Yoshikawa parece ser um dos poucos proustianos a relativizar a força da vida na construção da heroína: La première rencontre avec Agostinelli à Cabourg dans l'été 1907, les retrouvailles à Paris plusieurs années plus tard (en janvier 1913) et l'installation d'Agostinelli comme chauffeur puis comme secrétaire, le deuxième séjour avec lui à Cabourg durant cet été 1913, le brusque retour à Paris, la fuite d'Agostinelli pour la Côte d'Azur en décembre 1913, sa chute de l´avion le 30 mai 1914, tout cela ressemble curieusement à l´histoire d ´Albertine dans le roman. (1976, p. 35)70 Embora o crítico japonês não refute a aproximação feita entre Agostinelli e Albertine e se mostre sensível a esse curioso entrelaçamento, ele percebe que só conseguimos fazer essa leitura ao revés, ou seja, só estabelecemos esses liames após a leitura da obra de Proust. Toda essa experiência vivida pelo escritor acaba sendo impregnada pela história de Albertine e agenciada por elementos próprios à literatura e não à vida. Só podemos recontar a história de Proust e Agostinelli, a qual ignoramos completamente, pelo menos no seu nível psicológico, por meio da história fictícia de Marcel e Albertine, procedimento, no mínimo, anti-proustiano. Preferimos analisar essa expansão do projeto romanesco de Proust a partir de implicações propriamente literárias que o advento da história de Albertine propiciaria ao conjunto da Recherche. Com relação ao tema – o amor, o ciúmes e as suspeitas, o controle da amada, seguido da fuga e da morte da jovem –, já o encontramos, de maneira extremamente condensada, na novela “Fin de la jalousie” publicada em Les plaisirs et le jours. Esse texto, dividido em três partes e escrito muito antes do encontro de Proust e Agostinelli – sua publicação data de 1896 – carrega todo o desenvolvimento que o escritor fará com relação ao amor na Recherche. 70 “O primeiro encontro com Agostinelli em Cabourg, no verão de 1907, os reencontros em Paris vários anos mais tarde (em janeiro de 1913) e a instalação de Agostinelli como motorista, depois como secretário, a segunda estada com ele em Cabourg durante o mesmo verão de 1913, o brusco retorno a Paris, a fuga de Agostinelli para a Côte d´Azur em dezembro de 1913, sua queda de avião em 30 de maio de 1914, tudo isso se assemelha curiosamente à história de Albertine dentro do romance”. 46 O casal Honoré e Françoise, guardadas as devidas proporções, prefigura Marcel e Albertine, notadamente no que tange à peripécia da relação amorosa. No primeiro momento, os personagens da novela possuem um amor aparentemente inabalável, e Honoré, espelhandose em suas relações anteriores, teme que esse amor por Françoise seja tão pouco duradouro quanto os outros. Em um momento de desespero, o personagem masculino exclama: “Mon Dieu! mon Dieu! faites-moi la grâce de l´aimer toujours” (Pl. et J., p. 237)71. Mas, em um segundo momento, a partir de um comentário feito por M. de Buivres a respeito da reputação de Françoise, Honoré passa a desconfiar de sua amada e a desenvolver o sentimento tão caro à obra proustiana, o ciúmes. Essa cena estabelece um paralelo com o episódio da Recherche no qual Cottard, fazendo uma consideração sobre a dança entre Albertine e Andrée, desperta no protagonista os mesmos sentimentos de desconfiança, mas, desta vez sobre a sexualidade da jovem: “(...) Tenez, regardez”, ajouta-il en me montrant Albertine et Andrée qui valsaient lentement, serrées l´une contre l´autre, “j´ai oublié mon lorgnon et je ne vois pas bien, mais elle sont certainement au comble de la jouissance. On ne sait pas assez que c´est surtout par les seins que les femmes l ´éprouvent. Et voyez, les leurs se touchent complètement.” En effet, le contact n´avait pas cessé entre ceux d´Andrée et ceux d´Albertine. (...) Andrée dit à ce moment un mot à Albertine et celle-ci rit du même rire pénétrant et profond que j´avais entendu tout à l´heure. Mais le trouble qu´il m´apporta cette fois ne me fut plus que cruel. (SG, p. 191)72 No texto de Os Prazeres e os dias, a partir dessa soirée em que Honoré ouve um comentário excessivamente maldoso sobre sua amante – “(...) il y avait ce soir quelqu´un qui se l´est payée, je crois que c´est incontestable, c´est ce petit François de Gouvres. (...) Je parie que pas plus tard qu´en ce moment elle fait la noce quelque part” (Pl. et J., p. 239) 73 – uma 71 “Meu Deus! Meu Deus! Conceda-me a graça de amá-la sempre”. “‘(...) Repare’, acrescentou, designando-me Albertine e Andrée, que valsavam lentamente, apertadas uma a outra, ‘eu esqueci meu pincenê e não vejo muito bem, mas elas estão certamente no cúmulo do gozo. Não se sabe bastante que é principalmente pelos seios que as mulheres o experimentam. E veja como os delas se tocam completamente’. Com efeito, não havia cessado o contato entre os seios de Andrée e os de Albertine. (...) Andrée disse naquele momento uma frase a Albertine e esta riu com o mesmo riso penetrante e profundo que eu ouvira ainda há pouco. Mas a perturbação que desta vez me trouxe não me foi mais que cruel”. (Trad., p. 235). 73 “(...) nessa noite, havia alguém que a pagou, creio que é incontestavelmente esse pequeno François de Gouvres. (...) Aposto que neste exato momento, ela faz a festa em algum lugar”. 72 47 revolução opera em sua vida, fazendo-o desejar o fim desse sentimento que só lhe trazia desgosto e sofrimento: (...) il priait Dieu, Dieu à qui, il y a deux mois à peine, il demandait de lui faire grâce d´aimer toujours Françoise, il priait Dieu maintenant avec la même force, toujours avec la force de cet amour qui jadis, sûr de mourir, demandait à vivre, et qui maintenant, effrayé de vivre, implorait de mourir, le priait de lui faire la grâce de ne plus aimer Françoise. (Pl. et J., p. 245)74 Essa temática amplamente desenvolvida na Recherche, a do amor aspirando antes ao seu fim que à sua permanência, será mais detidamente tratada no terceiro capítulo, mas, gostaríamos, por ora, de frisar que já em seus escritos de “juventude”75, Proust elabora um tema que fundamentalmente não mudará e perpassará toda a sua obra futura. Dando prosseguimento à análise da novela, o ciúme desencadeia a perscrutação e a vigilância da amante – “(...) il ne quitta plus Françoise, épiant sa vie, l´accompagnant dans ses visites, la suivant dans ces courses, attendant une heure à la porte des magasins” (Pl. et J., p. 246)76 –, atitude que traz certo apaziguamento ao protagonista, pois Honoré restabelece-se completamente de sua angústia, acreditando ter pleno controle sobre o emprego do tempo de Françoise. A reviravolta acontece quando, em um dia de passeio na Avenida do Bois de Boulogne, Honoré é atropelado por um cavalo irritadiço, acidente que o força a amputar as pernas. Este acidente foi retomado pelo escritor para construir a morte de Albertine em uma queda de cavalo, e embora haja aparentemente uma diferença fulcral entre os dois episódios, pois quem morre na novela é o personagem masculino que padece do ciúme, – modificação perfeitamente explicável, pois na Recherche a morte do herói-narrador implicaria no fim da 74 “(...) pedia a Deus, a quem há dois meses apenas, pedia para conceder- lhe a graça de amar para sempre Françoise, pedia agora a Deus, com a mesma força, sempre a força desse amor que outrora, certo de morrer, pedia para viver e que agora, perplexo de viver, implorava por morrer, pedia a Ele para lhe conceder a graça de não mais amar Françoise”. 75 Utilizamos o termo “obra de juventude” ou “escritos de juventude” por não encontrarmos outro verbete que se adéqüe ao tipo de texto referido, contudo, veremos que essa divisão categórica entre obra “de juventude” e de “maturidade” revela-se imprópria quando se trata dos textos proustianos. 76 “(...) não largou mais Françoise, espiando sua vida, acompanhando-a em suas visitas, seguindo-a em suas compras, esperando uma hora na porta das lojas”. 48 narração – encontramos a mesma noção de término do amor, e por conseqüência do ciúme, atrelada à morte. Assim como o herói da Recherche “cura-se” de seu sentimento após a morte de Albertine, Honoré, no momento em que agoniza, nota que seu amor e seu ciúme se esvaem com ele: “Mais il ne l´aimait pas plus et pas autrement que le médecin, que les vieilles parentes, que les domestiques. Et c´était là la fin de sa jalousie” (Pl. et J., p. 260)77. Observamos que a história de Albertine está totalmente vinculada aos temas desenvolvidos antes e durante a Recherche, e que a origem da heroína e de sua história conturbada com o protagonista aprofunda não somente a relação Swann-Odette, mas retoma as questões amorosas, reforçando as noções da perda e do esquecimento inseridas pela morte da avó. Não é por acaso que a personagem da jovem concorre, nos manuscritos, com a avó do protagonista no que tange essa questão. No caderno 53, no fólio 9vº, Proust registra: “À propos de l´oubli de ma gd mère dont je parlerai là (en réalité c´est la mort d´Albertine qui m ´en donne l´idée mais il vaut mieux je crois mettre pour ma gd mère)”78. Albertine seria assim, um aprofundamento desse esquecimento que se dará diferentemente para a avó. Para a avó, o esquecimento estaria ligado a um subterfúgio do pensamento, incapaz de recuperar um momento real vivido, substituindo-o por imagens sem importância: (Quant à l´oubli de ma grand-mère ou j´avais vécu jusqu´ici, je ne pouvais même pas songer à m´attacher à lui pour en tirer de la vérité ; puisqu´en lui même il n´était rien qu´une négation, l´affaiblissement de la pensée incapable de recréer un moment réel de la vie et obligée de lui substituer des images conventionelles et indifférentes). (SG, p. 156-7)79 77 “Mas ele não a amava mais e de forma diferente que o médico, os velhos parentes, os criados. E era, pois, o fim de seu ciúme”. 78 “A propósito do esquecimento de minha avó da qual eu falarei aqui (na verdade, é a morte de Albertine que me dá a idéia, mas é melhor, creio eu, para minha avó)”. 79 “(Quanto ao esquecimento de minha avó em que eu até então vivera, nem sequer podia pensar em extrair-lhe verdade; pois em si mesmo não passava de uma negação, da debilidade do pensamento, incapaz de recriar um momento real da vida e obrigado a substituí-lo por imagens convencionais e indiferentes)”. (Trad., p. 196) 49 É somente no momento em que se despe no quarto de Balbec que o herói, invadido por uma memória involuntária e tomado por uma súbita tristeza aliada à lembrança da avó, compreende que a havia definitivamente perdido: “je ne faisais que de le découvrir parce que je venais, en la sentant pour la première fois, vivante, véritable, gonflant mon coeur à briser, en la retrouvant enfin, d´apprendre que je l´avais perdue pour toujours” (SG, p. 154-5)80. No caso de Albertine, seu esquecimento é uma etapa do fim da relação amorosa, fases que passam pela dor da perda, pelo desespero, para, finalmente, desembocarem na indiferença e no esquecimento, mesmo que intermitente: Je n´aimais plus Albertine. Tout au plus certains jours, quand il faisait un de ces temps qui en modifiant, en réveillant notre sensibilité, nous remettent en rapport avec le réel, je me sentais cruellement triste en pensant à elle. Je souffrais d´un amour qui n´existait plus. Ainsi les amputés, par certains changements de temps ont mal dans la jambe qu´ils ont perdue. (AD, p. 172)81 Curiosamente, essa imagem do amputado que sofre com a dor de um membro que não existe mais já aparece na novela que viemos analisando até o momento, “La fin de la jalousie”. Alternando entre angústia e apaziguamento, Honoré, mesmo tendo provas da fidelidade de Françoise, é atravessado pela dor intermitente do ciúme, ilustrada pela imagem: “Ainsi que nous tremblons encore à notre réveil au souvenir de l´assassin que nous avons déjà reconnu pour l´illusion d´un revê; ainsi les amputés souffrent toute leur vie dans la jambe qu ´il n´ont plus” (Pl. et J., p. 242)82. 80 “Só agora o descobrira por que, ao senti-la pela primeira vez viva, verdadeira, enchendo meu coração até afogá-lo, reencontrando-a enfim, eu acabava de saber que a tinha perdido para sempre”. (Trad., p. 194) 81 “Não amava mais Albertine. No máximo, em certos dias, quando fazia um desses tempos que modificando, despertando nossa sensibilidade, recoloca-nos em relação com o real, eu me sentia cruelmente triste pensando nela. Sofria de um amor que não mais existia. Da mesma maneira, os amputados, por certas mudanças de tempo, sentem dor na perna que perderam”. Este período não consta na tradução brasileira, provavelmente por que ela se baseou em uma versão não revisada e acrescida da Recherche. Damos, no entanto, a referência das páginas da tradução para eventuais consultas do leitor: (Trad.,164-5). 82 “Da mesma forma que ainda trememos em nosso despertar ao recordar o assassino que já reconhecemos ser a ilusão de um sonho, assim os amputados sofrem a vida toda da perna que não têm mais”. 50 Isso reforça nossa análise de que esse texto precoce foi a base para o desenvolvimento da história de Albertine e dos temas vinculados a ela, demonstrando que não foi somente a situação vivida entre Proust e Agostinelli que originou essa parcela narrativa da Recherche. Outro fator importante é a nota na Caderneta 1, editada por Philip Kolb como Le Carnet de 1908, na qual Proust registra o seguinte projeto de plano: “Dans la 2e partie du roman la jeune fille sera ruinée, je l'entretiendrai sans chercher à la posséder par impuissance du bonheur” (Carnet 1, 1976, fº 3rº) e, no fólio seguinte, acrescenta outra nota análoga: “dans la seconde partie jeune fille ruinée, entretenue sans jouir d´elle (...) par impuissance d´être aimé. Chartres” (fº 3vº)83. Embora Kolb tenha dado a essa primeira caderneta o nome de Le Carnet de 1908, data na qual Proust inicia o projeto Sainte-Beuve que consta massivamente nas notas dessa caderneta, sabe-se que nem todas elas foram escritas na mesma época. Ignoramos, portanto, se essa anotação foi feita em 1908 ou se é posterior a esse ano. O que nos importa é observar que esse plano prefigura, em linhas gerais, a história de Albertine e Marcel, mostrando que Proust já vislumbrava essa narrativa muito antes do aparecimento da Guerra, pois o uso das cadernetas limita-se à primeira fase de escritura do romance (1909-1911). A Guerra foi outro componente que desempenhou um papel considerável na expansão do projeto da Recherche, sendo utilizada como matéria literária, propiciando, deste modo, mudanças expressivas no desenvolvimento dos romances. Em uma carta a Gaston Gallimard, futuro editor da obra, Proust pontua: Mais depuis, les conversations stratégiques qui ont si je me rapelle bien parus dans l´extrait que j´ai donné dans la N.R.F. (je n´en suis pas sûr, en tout cas c´est entre Robert de Saint-Loup et ses amis officiers) (tout cela écrit bien entendu quand je ne me doutais pas qu´il y aurait la guerre, aussi bien que les conversations de Françoise sur la guerre dans le premier volume) m ´ont amené à faire à la fin du livre un raccord, à introduire non pas la guerre 83 “Na 2ª parte do romance, a jovem estará arruinada, eu a sustentarei sem buscar possuí-la por impossibilidade de felicidade” (3rº); “na segunda parte, jovem arruinada, sustentada sem desfrutar dela (...) por impossibilidade de ser amado. Chartres.” (3vº). 51 même mais quelques-uns de ses épisodes, et M. de Charlus trouve d´ailleurs son compte dans ce Paris bigarré de militaires comme une ville de Carpaccio. (Corresp., t. XV, p. 132)84 A Guerra não forneceu somente tempo para o escritor expandir seu projeto, uma vez que não podia publicá-lo durante esse período, mas lhe serviu de matéria literária, levando-o mesmo a reestruturar a obra, coadunando os volumes. A cidade de Combray, situada próxima a Chartres, será deslocada para perto de Reims, ficando, assim, mais próxima da guerra, para posteriormente, mostrá-la devastada pelo bombardeio85. Não esqueçamos ainda a bela metáfora da fabricação do livro comparada à estratégia de guerra traçada por um general: “Un general est comme un écrivain qui veut faire une certaine pièce, un certain livre, et que ce livre lui-même, avec les ressources inattendues qu´il révèle ici, l´impasse qu´il présente là, fait dévier extrêmement du plan préconçu” (TR, p. 341)86. Imagem por meio da qual vislumbramos a construção literária, seu caráter incerto e instável que foi o da própria composição da Recherche, com seu “desvio” considerável engendrado não somente pela história de Albertine, mas pelos episódios trazidos pela guerra. Além disso, devemos destacar que a história da heroína encaixava-se no ciclo Sodoma e Gomorra, e que somente em 1922 Proust decide colocar os títulos La prisonnière e La fugitive: “(...) j´ai repensé à ce que m´a dit Tronche et j´ai pensé que je pourrais peut´être intituler Sodome III la Prisonnière et Sodome IV la Fugitive quitte à ajouter sur le volume (Suite de Sodome et Gomorrhe)”. (Corresp., t. XXI, p. 310-11)87. Com relação a esse ciclo, 84 “Mas desde as conversas estratégicas que foram publicadas, se me lembro bem, em um trecho que dei a N.R.F. [Nouvelle Révue Française] (não estou certo, em todo caso, é entre Robert de Saint-Loup e seus amigos oficiais) (tudo isso naturalmente escrito quando eu não suspeitava que houvesse guerra, bem como as conversas de Françoise sobre a guerra no primeiro volume) levaram-me a fazer um ajustamento no final do livro, a introduzir não a guerra, mas alguns de seus episódios, e o Sr. de Charlus encontra, aliás, seu proveito nessa Paris variegada de militares como uma cidade de Carpaccio”. 85 Dado fornecido por Nathalie Mauriac Dyer em palestra no curso Génétique des texte et des formes ocorrido em Paris, na École Normale Supérieure, no segundo semestre de 2008. 86 “Um general é como um escritor que quer fazer certa peça, certo livro, e esse mesmo livro, com recursos inesperados que revela aqui, o impasse que apresenta ali, faz desviar extremamente do plano pré-concebido”. Esse trecho não consta na tradução brasileira. Trad., p. 60-1. 87 “(...) repensei naquilo que me disse Tronche e pensei que poderia talvez intitular Sodoma III a Prisioneira e Sodoma IV a Fugitiva, com o risco de acrescentar sobre o volume (Sequência de Sodoma e Gomorra)”. Carta a Gaston Gallimard, enviada em 1922. Proust renuncia ao título A fugitiva depois que o escritor indiano Rabindranath Tagore, prêmio Nobel em 1913, publica, em 1921, um romance com o mesmo título, traduzido 52 presente desde o anúncio feito em 1913, o escritor considera-o “uma audaciosa verdade de pintura”, embora menos grave e profundo do que o último volume. Em outra carta a Gallimard, escrita em 1916, o autor, buscando alertá-lo dos riscos que correria ao aceitar publicar seu livro, afirma: Mon livre (plus long que je ne m´en rendais compte moi-même) comporte un volume que d´après le vers de Vigny (La femme aura Gomorrhe et l ´homme aura Sodome) j´intitule Sodome et Gomorrhe. Ce volume n´est certes ni la fin, ni la conclusion du livre, autrement grave et je crois profonde. Mais enfin il a son importance (vous en avez vu l´amorce dans la N.R.F. par le personnage de M. de Charlus). Or, sans aucune intention immorale, ai-je besoin de vous le dire, il est de la plus complète et plus audacieuse vérité de peinture. (Corresp., t. XV, p. 130)88 Essa série, de cunho mais romanesco do que propriamente filosófico, foi uma das partes mais superalimentadas pelo escritor, na qual não apenas a história de Albertine forneceu-lhe o tom, mas também a de Charlus e Morel, este último considerado como um duplo da heroína. Todo esse ciclo que, embora esteja aparentemente restrito apenas ao romance que porta seu nome, estende-se aos últimos volumes da Recherche, no qual o narrador-herói não cessa de fazer descobertas a respeito da sexualidade dos personagens, como Saint-Loup; e Proust, mesmo antevendo os prováveis problemas que acarretariam essa pintura, não abria mão desse projeto, tampouco o mudaria a pedido do editor: “(...) si je me sens plus de devoirs envers vous qu´envers Grasset, je me sens plus (...) de devoirs envers mon oeuvre qu´envers vous” (Corresp., t. XV, p. 131)89. Em suma, se a história de Albertine proporciona certo desvio no tocante ao primeiro projeto da Recherche, é antes pelo acúmulo de texto e escritura incessante, do que pela para o francês somente em 1922. O título Albertine disparue constará nas datilografias que Proust corrigiu pouco antes de falecer. 88 “Meu livro (maior do que eu mesmo supunha) comporta um volume que, segundo o verso de Vigny (A mulher terá Gomorra e o homem terá Sodoma), intitulo Sodoma e Gomorra. Esse volume não é nem o fim, nem a conclusão do livro, diferentemente grave e acredito eu, profunda. Mas, enfim, ele tem sua importância (você viu o trecho na N.R.F. do personagem do Sr. de Charlus). Ora, sem nenhuma intenção imoral, preciso te dizer que se trata da mais completa e mais audaciosa verdade de pintura”. 89 “(...) Se me sinto com mais obrigações com relação a você do que com Grasset, sinto-me com mais obrigações com relação à minha obra do que com você”. 53 invenção da heroína e sua história que, como analisado anteriormente, provém de outros projetos literários, integrando-se ao conjunto da obra proustiana, não sendo, portanto, uma “excroissance”90 literária. 1.2 Os cadernos de Albertine Dando prosseguimento à discussão sobre o nascimento da personagem Albertine, concentremo-nos, neste tópico, no aparecimento de seu nome nos manuscritos, bem como nos cadernos usados para a elaboração dessa história. Segundo Jean Milly: Le nom d´Albertine apparaît pour la première fois dans une note tardive, que l´on situe entre avril et août 1913, du cahier 13 (fº 28rº) : il s´agit d´un plan pour une 2e année à Balbec, au cours de laquelle le héros fait, par l ´intermédiaire d´un peintre, connaissance de jeunes filles et tombe amoureux de l´une d´elles, nommée d´abord Maria, puis, après rature, Albertine. (1984, p. 12)91 Embora o caderno 13 tenha sido em geral usado na composição dos episódios do último volume, como o “L´Adoration perpétuelle” e o “Bal de têtes”, ele possui igualmente as duas estadas em Balbec que, posteriormente, irão se fundir no caderno 4692. Para se ter uma idéia do papel que a história da heroína desempenhará na escrita proustiana, resumimos, pelas palavras de Bernard Brun, os cadernos utilizados nesse processo de elaboração da personagem: Précisons la liste des cahiers pour Albertine, à partir de son invention en 1913, et des travaux de Nathalie Mauriac Dyer: Cahier 71 (“Dux” en 1913), 54 (“Vénusté” en 1914), 46 (deuxième séjour à Balbec), 72, 53, 73, 55 et 56, 74 et 57 (notes). Ces brouillons seront repris dans le manuscrit au net. (2008)93 90 Termo usado por Albert Feuillerat, citado por Nathalie Mauriac Dyer no artigo “Proust Procuste: les fins disjointes d´À la recherche du temps perdu”. 91 “O nome de Albertine aparece pela primeira vez em uma nota tardia que situam entre abril e agosto de 1913, do caderno 13 (fº 28rº): trata-se de um plano para o 2º ano em Balbec, no curso da qual o herói, por intermédio de um pintor, conhece jovens moças e se apaixona por uma delas, nomeada primeiramente Maria, e após rasura, Albertine”. 92 Ainda nessa época, Proust vislumbrava a escrita de três estadas em Balbec, que se fundem, formando as journées que conhecemos atualmente. 93 “Precisemos a lista de cadernos para Albertine a partir de sua invenção em 1913 e dos trabalhos de Nathalie Mauriac Dyer: Caderno 71 (‘Dux’ em 1913), 54 (‘Vénusté’ em 1914), 46 (segunda estada em Balbec), 72, 53, 54 É notável a quantidade de documentos dedicados à construção dessa heroína que certamente expandiu o texto da Recherche, tornando-se um dos personagens essenciais da obra proustiana. O escritor, em uma carta-dedicatória enviada a Sra. Scheikevitch em novembro de 1915, reconhece tal valor: “J´aimerais mieux vous présenter les personnages que vous ne connaissez pas encore, celui surtout qui joue le plus grand rôle et amène la péripétie, Albertine” (Corresp., t. XIV, p.281)94. Discorrendo sucintamente sobre alguns desses documentos, o caderno 71, chamado de “Dux” pelo escritor, contém, em linhas gerais, a narrativa da terceira estada em Balbec e a relação do herói com Albertine. Curiosamente, Proust elabora o desgaste da relação e a provável ruptura do casal, antes mesmo da construção da vida em comum com a jovem em Paris. Conforme Shuji Kurokawa: Sur les folios 31 rº à 32 vº Proust ébauche une scène où Albertine demande pour la première fois au héros de ne plus la voir; le héros feint d'accepter et sous prétexte de régler de menus détails, s'efforce de prolonger leurs relations. Il est significatif que la scène se place au cours du séjour à Balbec. C'est que les relations entre les protagonistes sont déjà très tendues sans atteindre le point de rupture, comme le montre la scène de la querelle avec Albertine, intercalée au beau milieu de la première partie (ffos 16ro à 21rº). (1992, p. 66)95 No fólio 69vº, Proust registra: “Qd elle me quitte la 1re fois (?) la veille au soir, je voulus la garder encore je lui dis cela ne vous ennuie pas de rester près de moi.” (C.71, fº 69vº)96. Esse desenvolvimento que, aos olhos do leitor da Recherche parece precipitado, seria segundo Kurokawa uma transposição fiel da intriga desenvolvida no caderno 64, o “cahier rouge”. Embora não faça parte do conjunto de documentos utilizados para a construção da 73, 55 e 56, 74 e 57 (notas). Esses rascunhos serão retomados nos manuscritos de mise au net”. 94 “Gostaria mais de te apresentar os personagens que você ainda não conhece, sobretudo este que desempenha o maior papel e conduz a peripécia, Albertine”. 95 “Nos fólios 31rº a 32vº, Proust esboça uma cena na qual Albertine pede pela primeira vez ao herói para não vê-la mais; o herói finge aceitar e sob pretexto de resolver pequenos detalhes, esforça-se para prolongar a relação. É significativo que a cena se coloque ao longo da estada em Balbec. É que as relações entre os protagonistas já estão muito tensas, sem atingir o ponto de ruptura, como o mostra a cena da querela com Albertine, intercalada bem ao meio da primeira parte (fos 16rº a 21rº). 96 “Quando ela me deixa a 1ª vez (?) na véspera, à noite, quis ainda mantê-la, digo-lhe, isto não te aborrece de permanecer perto de mim”. Transcrição feita por Shuji Kurokawa. 55 história de Albertine, esse caderno desenvolve, fundamentalmente, as estadas na cidade balneária de Balbec, ainda chamada de “Querqueville”, colocando o protagonista em contato com diversas jovens. Logo no primeiro fólio, temos o seguinte texto: Solange Je revis une fois ou deux Maria seule mais elle était peu aimable. Du reste elle avait à ce moment-là Je ne sentais aucun rapprochement réel possible entre nous et d’ailleurs elle avait sa peau rose très couperosée en ce moment, ce qui la rendait peu désirable. Mais j’espérais par elle connaître ses autres amies. Cela arriva au bout de peu de temps. Une seule me partait dès que j’arrivais c’était Maria mais Soit que soit que elle n’y mettait pas un extrême empressement. Départ d’Alberte (voir plus haut). (C.64, fº 2rº)97 Mesmo substituindo o nome Maria por Albertine no caderno 13, Proust ainda hesita entre eles que ora designam personagens distintos, ora fundem-se em um só. Para Yoshikawa: On sait que l´Albertine de Balbec est née d´une Maria qui jouait dans les brouillons le même rôle que la future Albertine. (...) Mais, ne voir en Albertine qu´une simple substitution au personnage de Maria serait aller en peu trop loin ; car on voit ici une coexistence de ces deux personnages apparemment distincts. (1976, p. 59)98 Isto se torna claro na leitura do fólio 2rº do caderno 64, pois o nome “Maria” reaparece duas vezes, ainda que rasurado. Outro fato importante a ser frisado é a menção do nome “Alberte”, uma espécie de abreviatura de Albertine. Verificamos que muitos críticos vêem em Agostinelli um modelo para a heroína proustiana, todavia, se há um modelo, este seria precisamente literário. O nome “Alberte” é utilizado para designar a protagonista da novela de Barbey d´Aurevilly, “Le rideau cramoisi”, tema que será detalhadamente discutido no terceiro capítulo. Por ora, mencionamos uma das semelhanças entre essas duas personagens, seu 97 “Revi uma ou duas vezes Maria <Solange> sozinha, mas ela era pouco amável. De resto, ela tinha nesse momento Não sentia nenhuma aproximação real possível entre nós e, além disso, ela tinha a pele rosa, muito atacada de roséola nesse momento, o que a deixava pouco desejável. Mas eu esperava, por meio dela, conhecer suas outras amigas. Isto aconteceu ao cabo de pouco tempo. Uma só me partia assim que eu chegava era Maria, mas Seja que seja que ela não dava uma extrema solicitude. Partida de Alberte (ver mais acima)”. Transcrição feita por Françoise Leriche. 98 “Sabemos que a Albertine de Balbec nasceu de uma Maria que desempenhava nos rascunhos o mesmo papel que a futura Albertine. (...) Mas, ver em Albertine apenas uma simples substituição ao personagem de Maria seria ir longe demais, pois vemos aqui uma coexistência dessas duas personagens aparentemente distintas”. 56 caráter viril. Sem adiantar a comparação que será feita posteriormente, evocamos apenas o fólio 89vº do caderno 71, no qual Proust assinala: Même en certaines circonstances, elle montrait une dignité, une noblesse, une franchise d´homme. Et par moments j´en étais même malheureux, ces qualités viriles me semblaient tout d´un coup une argu présomption de plus de son vice sapphique. (C.71, fº 89vº)99 Proust não retomará essa passagem em outros manuscritos aos quais tivemos acesso, e como sabemos, o caráter “sáfico” de Albertine será antes sugerido pelas desconfianças do herói-narrador, do que pelas qualidades da jovem em si, entretanto, esse excerto poderia indicar um sinal de intertextualidade com Barbey d´Aurevilly, escritor que será tema da discussão literária entre Marcel e Albertine em La prisonnière e que aparece como modelo literário no Carnet 1, como veremos posteriormente. Retornando ao caderno 71, a ruptura desenha-se gradativamente, deixando, no entanto, poucas explicações a respeito das suspeitas do herói. Proust inventa, portanto, um elemento decisivo que confirmará as suspeitas e dará outros contornos à história, a amizade entre Albertine e Mlle. Vinteuil. O escritor desenvolve, com isso, boa parte da história de Albertine, passando, primeiro pelo caderno 54, no qual desenvolve a fuga e a morte da heroína – atitude que leva os críticos a fazerem, inevitavelmente, a ligação entre a morte de Albertine e Agostinelli, visto que ele morre em 1914, data da escritura desse rascunho – elaborando, posteriormente, no caderno 46, a segunda estada em Balbec, na qual se passa o célebre episódio da “Danse contre seins” entre Andrée e Albertine. Após esse percurso, Proust começa a desenvolver a vida em comum do protagonista com a jovem em Paris, servindo-se dos cadernos 53, 73 e 55, que comportam 99 “Mesmo em certas circunstâncias, ela mostrava uma dignidade, uma nobreza, uma franqueza de homem. E, em alguns momentos, ficava até mesmo infeliz com isso, suas qualidades viris pareciam-me de repente uma argu presunção a mais de seu vício sáfico”. 57 respectivamente: a vida em comum com Albertine e o ciúmes do herói; a soirée Verdurin e, finalmente, a vida em comum com a jovem, sua fuga e morte. Em meio a essa miríade de documentos – dez cadernos de rascunho mais oito de mise au net (cadernos VIII a XV) – dedicados à história de Albertine, analisamos apenas dois, os cadernos 53 e 55, que embora correspondam a uma pequena parcela da composição da heroína, possuem todos os núcleos correspondentes a sua história. Esses cadernos, juntamente com o 56 e 57, formam um manuscrito mais ou menos contínuo do Sodoma e Gomorra ao Tempo redescoberto, sendo, em certa medida, muito próximos dos textos publicados. Restringimo-nos aqui ao breve resumo dos cadernos 53 e 55, que serão pormenorizados nos próximos capítulos100. No tocante ao caderno 53, ele foi escrito por volta de 1915 e dedicado à elaboração do romance La prisonnière, pois, diferentemente dos documentos que o antecederam, concentra na maior parte de seus fólios a vida em comum do protagonista com a heroína. Seu início é verossimilmente uma continuação de outro caderno, pois dá seqüência a um diálogo entre o herói e Albertine, que revela, neste momento, conhecer Mlle. Vinteuil: “que j´espère retrouver à Amsterdam, dans q.q. mois, en m´embar[quant] près d´ici, eh ! bien, regardez comme c´est extraordinaire, c´est précisé[ment] la fille propre fille de Vinteuil »” (C.53, fº 1rº)101. Neste trecho, que contém ainda um resquício da personagem Maria, a holandesa, Albertine é ligada à Holanda e à cidade de Amsterdã, características que perpassam todo o caderno, sendo posteriormente abandonadas pelo escritor. Embora o início do cahier seja truncado, pois há muitas folhas ausentes, arrancadas e coladas em outros documentos102, percebemos que se trata do término de Sodoma e Gomorra, 100 Para mais detalhes, ver Inventários dos respectivos cadernos feitos pela equipe Proust de Paris e localizados no Anexo A. 101 “que espero reencontrar em Amsterdã, dentro de alguns meses, embarcando próximo daqui, eh! Veja, é extraordinário, é precisamente a filha própria filha de Vinteuil’”. 102 Muitos desses fólios foram encontrados por Nathalie Mauriac Dyer e “recolocados” em seus lugares de origem para a edição do caderno que será feita pela editora belga Brépols e que constará de dois volumes, um contendo a transcrição e outro os fac-símiles. 58 quando o narrador-herói conduz a jovem a Paris (1rº-11vº). Do fólio 12rº em diante, Proust desenvolve os episódios concernentes ao romance La prisonnière, concentrando-se na presença de Albertine na vida do protagonista, nos passeios da jovem, nos devaneios do herói desencadeados pela visão das jovens moças, em seu desejo de ir a Veneza e nos “hieróglifos” da heroína que começam a ser decifrados. Todos esses textos, ainda que pertencentes ao mesmo romance, são compostos de forma fragmentada, ou seja, correspondem a unidades textuais que, nesse estado da construção, possuem pouca articulação entre si. Somente em etapas posteriores, nos cadernos de mise au net, o escritor recolhe alguns desses textos, coordenando-os com textos de outros cadernos. Nos dizeres de Bernard Brun: Un travail constant de relecture et de réécriture simultanées permet à Proust un double mouvement: enrichissement des cahiers (de brouillon ou de manuscrit) par ‘surnourriture’, ‘ajoutage’ des correspondances avec les autres brouillons de la même époque, correspondant au même état du texte, ou avec les volumes en cours de publication. (2008)103 Veremos no terceiro capítulo como esse procedimento de correspondência ocorre entre os documentos, mas, no momento, frisamos que é com esse trabalho simultâneo dos cadernos que Proust constrói a unidade de seus romances, enriquecendo os textos por acréscimos, construindo ecos e repetições que formam verdadeiros fechamentos intermediários. Para analisar o caderno 53, devemos inevitavelmente citar outros documentos que elaboravam a história da heroína, bem como de outros manuscritos que prefiguravam, de uma forma ou de outra, a arquitetônica dessa narrativa. Os cadernos 47, 48 e 50, por exemplo, não eram destinados à construção da narrativa de Albertine, entretanto, continham passagens que seriam incorporadas à história da jovem. Yoshikawa, cuja tese versou sobre essa gênese 103 “Um trabalho constante de releitura e reescritura simultâneas permite a Proust um duplo movimento: enriquecimento dos cadernos (de rascunho ou manuscritos) por ‘superalimentação’, ‘acréscimo’ das correspondências com outros rascunhos da mesma época, referindo-se ao mesmo estado do texto, ou com os volumes em vias de publicação”. Brun faz a distinção entre “brouillon” (rascunho) e “manuscrit”, o primeiro aludindo aos 75 cadernos e o segundo referindo-se propriamente aos manuscritos de mise au net que possuem estados mais contínuos e articulados do romance. 59 afirma: “Quant à la partie qui se situait entre Guermantes et Le temps retrouvé (partie qui concerne justement la genèse de La prisonnière), il disposait de deux cahiers qui se suivent (cahiers 47 et 48), et d´un autre (cahier 50), tous écrits, nous semble-t-il, vers 1910-1911” (1976, p. 20-1)104. Resumidamente, o caderno 47 já possuía o episódio da volta de Brichot e do protagonista da soirée Verdurin, reunião focalizada na figura do barão de Charlus. Esse mesmo manuscrito contém a morte da avó, episódio que continua a ser escrito no caderno 48, que, por sua vez, possui o devaneio sobre Veneza suscitado não pelo vestido de Fortuny, mas pela leitura do jornal que anuncia a ida de Madame Putbus à Veneza. O caderno 50 desenvolve a viagem à Itália, que nesse momento, não se restringe apenas a Veneza, abarcando igualmente Pádua e Milão. Nesse manuscrito, Proust desenvolve a conversa com a camareira de Madame Putbus e o diálogo sobre as experiências amorosas da moça. Há ainda a elaboração das ressurreições da avó, demonstrando que o episódio de Veneza basculava, naquela época, entre as lembranças da avó e a conquista da camareira de Madame Putbus. Percebemos a partir dessas informações que Proust retoma fragmentos desses cadernos para compor a narrativa da história de Albertine, incorporando-a, assim, ao conjunto de textos escritos antes mesmo de sua invenção. Nas palavras de Bernard Brun: Albertine est ainsi redistribuée dans tous les volumes, à partir de la création du personnage : dans À l'ombre des jeunes filles en fleurs (deuxième partie), dans Le Côté de Guermantes, etc. La fin de la rédaction du manuscrit correspond en effet au début du travail de publication du deuxième volume (Jeunes Filles). Il suffisait à Proust de relire et de réadapter chaque volume au grand développement du roman, dans un mouvement de va-et-vient; tout comme il faut que les chercheurs qui étudient brouillons et manuscrits les 104 “Quanto à parte que se situava entre Guermantes e O tempo redescoberto (parte que concerne justamente à gênese da Prisioneira), ele dispunha de dois cadernos que se seguem (cadernos 47 e 48) e de outro (caderno 50), todos escritos, nos parece, por volta de 1910-1911”. 60 lisent, non seulement dans le sens du récit, mais dans le sens de l'histoire du texte. (2008)105 O desenvolvimento da história de Albertine implicou, portanto, em uma reintegração das partes, proporcionando mudanças em todo o conjunto da Recherche. Longe de ser uma personagem restrita aos romances La prisonnière e Albertine disparue, a heroína toma dimensões gigantescas, tanto em sua participação na narrativa como nos cadernos de rascunho. Com relação ao caderno 55, dos fólios 9rº a 46rº, Proust continua a desenvolver a vida comum do herói com a amada, passando a elaborar, do fólio 46rº em diante, uma seção que se tornará Albertine disparue. No que diz respeito ao ano de sua produção, Yoshikawa baseado em uma cartadedicatória enviada à Madame Scheikévitch, data o caderno de 1915, pois Proust utiliza, como texto para a dedicatória, todo um pedaço desenvolvido nos manuscritos. Segundo o crítico japonês: On sait que l´écrivain parle longuement à Mme. Scheikévitch de l´histoire d ´Albertine, surtout de ce qui deviendra La Fugitive, dans une dédicace écrite sur l'exemplaire de Swann, qu'il lui a envoyé en novembre 1915. Le texte de cette dédicace, lorsqu´il raconte le chagrin et l´oubli après la fuite d'Albertine, n´est pas un résumé, ni un plan projeté pour l'avenir, mais en réalité un choix de textes qui correspondent à peu près à treize passages de La fugitive. Et nous avons constaté que cette citation avait été faite, non pas d'après le Manuscrit au net (qui constitue l'état final en ce qui concerne la Fugitive), mais d´après la version des Cahiers 55 et 56. (1976, p. 8-9)106 105 “Albertine é desse modo, redistribuída em todos os volumes, a partir da criação da personagem: em À sombra das raparigas em flor (segunda parte), em O caminho de Guermantes, etc. O fim da redação do manuscrito corresponde, na verdade, ao início do trabalho de publicação do segundo volume (Raparigas em flor). Bastava ao escritor reler e readaptar cada volume ao grande desenvolvimento do romance, em um movimento de vai- evem; tudo o que é necessário para que os pesquisadores que estudam rascunhos e manuscritos também o façam, não somente na direção da narrativa, mas na direção da história do texto”. 106 “Sabemos que o escritor fala longamente à Sra. Scheikévitch da história de Albertine, sobretudo do que se tornará A fugitiva, em uma dedicatória escrita no exemplar de Swann que ele lhe enviou em novembro de 1915. O texto dessa dedicatória, quando ele conta a tristeza e o esquecimento após a fuga de Albertine, não é um resumo, nem um plano projetado para o futuro, mas, na verdade, uma escolha de textos que correspondem a aproximadamente treze passagens da Fugitiva. Constatamos que essa citação foi feita não de acordo com o manuscrito au net (que constitui o estado final no que tange à Fugitiva), mas de acordo com a versão dos cadernos 55 e 56”. 61 Sendo um caderno expressivamente mais volumoso do que o 53, no qual grande parte dos fólios foi recortada e colada nos cadernos de mise au net XI e XII, o que indica uma proximidade maior com os textos publicados. Yoshikawa, embora reconheça a contemporaneidade dos dois documentos, imputa ao caderno 55 uma posteridade com relação ao 53. Como veremos, notadamente no terceiro capítulo, essa noção de anterioridade entre os documentos se mostra complexa e difícil de determinar no caso proustiano. Yoshikawa conseguiu localizar parte desses fólios arrancados e deslocados para outros manuscritos, e Shuji Kurokawa, que realizou a transcrição integral e diplomática desse caderno, deu prosseguimento à tarefa de seu antecessor, encontrando muitos outros fólios. Embora seja um desenvolvimento da história de Albertine, o caderno 55 procura coordenar essa narrativa com o resto da Recherche e muitas de suas passagens serão de fato, utilizadas para o último volume, Le temps retrouvé, como podemos verificar na seguinte citação: “Dans cette conversation qui aura lieu non à Combray mais dans la dernière matinée Guermantes, Gilberte me dira (...)” (C.55, fº 93rº)107. O caderno 55 inicia com o episódio da “janela iluminada” que finaliza o 53, ainda que não seja uma seqüência deste último, e mesmo sendo um caderno de rascunho, onde a construção se dá por unidades textuais, ou fragmentos de textos, Proust já busca, nesse documento, as conexões entre os diferentes episódios. Como vimos, a invenção de Albertine aumenta consideravelmente o número de volumes previstos anteriormente pelo escritor, que confessa na já mencionada carta a Gallimard seu próprio desconhecimento a respeito das proporções que seu romance tomava – “Mon livre (plus long que je ne m´en rendais compte moi-même)”. Albertine expande todo o 107 “Nessa conversação que acontecerá não em Combray, mas na última matinée Guermantes, Gilberte me dirá (...)”. 62 ciclo de Sodoma e Gomorra, fazendo com que Proust se dedique quase integralmente à escrita dos romances A prisioneira e Albertine desaparecida nos últimos anos de sua vida. Sabe-se que meses antes de sua morte, o escritor havia enviado a Gallimard as datilografias relativas à Prisioneira que continham, no entanto, não um acabamento definitivo, mas um excesso de acréscimos e mudanças, próprios à escritura proustiana. Conforme Yoshikawa: La lettre adressée à Gallimard en 1922 confirme qu´à cette époque l'écrivain travaillait en fait à la dactylographie de La Prisonnière. Ces dactylographies ainsi que le manuscrit au net montrent clairement le “gonflement” de ce volume, dû à d´innombrables ajouts apportés surtout dans ses premières parties. (1976, p.16)108 Além disso, em seus dois últimos meses de vida, o escritor voltou-se às modificações feitas em uma das datilografias de Albertine disparue que, em 1986, foi descoberta por Claude Mauriac, causando grande desentendimento entre os críticos proustianos. Sintetizando esse fato, cujas discussões serão retomadas no quarto capítulo, Proust havia deixado duas datilografias de Albertine disparue que continham, na verdade, o mesmo texto registrado duas vezes. Um desses documentos possuía poucas correções da mão de Proust e foi utilizado por seu irmão, Robert Proust, na publicação do romance. A outra cópia, que se mostrou posteriormente ser a original, continha, pelo contrário, inúmeras correções autógrafas, inclusive o nome do romance que conhecemos hoje. Por seu caráter inacabado e confuso, essa datilografia foi rejeitada pelos editores do romance póstumo, tendo sido “engavetada” pelo irmão do escritor. Por essa razão, entendemos porque o livro foi publicado primeiramente sob o título de La fugitive, que havia sido, no entanto, abandonado pelo escritor por motivos já arrolados neste capítulo. A datilografia empregada na edição, não possuía inscrição alguma referente ao título da obra, o 108 “A carta endereçada a Gallimard em 1922, confirma que nessa época o escritor trabalhava de fato na datilografia de A Prisioneira. Essas datilografias, assim como os manuscritos au net mostram claramente o ‘inchamento’ desse volume, devido aos inúmeros acréscimos feitos, sobretudo, nas primeiras partes”. 63 que fez com que os editores, baseados nas cartas enviadas pelo escritor, adotassem a primeira idéia mencionada por ele. Ao longo dos anos, pesquisadores encontraram outros documentos que indicavam a denominação almejada por Proust, permitindo-lhes, deste modo, fazer a mudança de título, que passou para Albertine disparue (La fugitive). Contudo, a datilografia arquivada era desconhecida por todos os pesquisadores dos manuscritos de Proust. Após a morte de Robert Proust, todos os cadernos proustianos que estavam em seu poder passaram para o domínio da única sobrinha do escritor, Suzy Mante-Proust. Em 1986, após sua morte, seu genro, Claude Mauriac, encontrou uma pasta na qual estavam localizados alguns papéis de Marcel Proust e a tal datilografia corrigida. Nela constava a seguinte inscrição: “Ici commence Albertine disparue, suite du roman précédent la Prisonnière” [“Aqui começa Albertine disparue, seqüência do romance precedente, a Prisioneira] (DYER, 2008). Proust modificava o local da morte de Albertine, que ao invés de falecer nos arredores da Touraine, residência de sua tia, Madame Bontemps, lugar para onde a heroína fugira após abandonar o protagonista em Paris, morre próxima à Vivonne, e portanto de Montjouvain, confirmando assim suas relações homossexuais com Mlle. Vinteuil. Com essa modificação, Proust retorna aos cadernos de mise au net e rasura quarenta páginas do caderno XV dedicado ao romance em questão, o que fez com que, indiretamente, ele suprimisse grande parte dos cadernos XII e XIV e a totalidade do XIII. Essa “supressão” causou uma grande desestabilização no conjunto da Recherche, pois os episódios posteriores à morte da heroína relativos à busca por sua verdadeira sexualidade, bem como o episódio de Veneza que ressuscitam Albertine e recolocam as mesmas questões ao narrador-herói, não 64 tinham mais sentido, uma vez que ao morrer em Montjouvain, Proust confirmava a tendências lesbianas da personagem. A descoberta dessa datilografia abalou toda a leitura que se fazia da Recherche até então, e muitos críticos atribuíram essa atitude do escritor à doença e à chegada da morte, como se Proust, em um rompante inconsciente e delirante, destruísse a catedral, o todo harmonioso de sua obra109. Contudo, não devemos esquecer que esse procedimento de mudanças, acréscimos e reviravoltas sempre acompanhou a construção da obra proustiana, que, desde 1908, enquanto ainda era Sainte-Beuve, tornou-se, entre 1909-1911, um esboço romanesco dividido entre Tempo perdido e Tempo redescoberto que se tornaria, em 1913, um enorme projeto romanesco, no qual muitos personagens e histórias surgiriam para dar profundidade à narrativa literária, aos núcleos mundanos e à demonstração estética. Embora essa mudança iniciada pelo autor tenha engendrado certa contradição na Recherche, isto se deve antes ao inacabamento dessas modificações por conta da morte de Proust, do que pela natureza da reelaboração propriamente dita. Segundo Nathalie Mauriac Dyer110, que faz uma interpretação do que poderiam significar essas transformações, Proust, ao fazer sua heroína morrer à beira das águas da Vivonne – sem esquecer que a personagem aparece à beira das águas do mar de Balbec – constrói, com isso, mais uma mentira contada pela jovem. Se no final do romance La prisonnière, Albertine afirma que não conhecia Mlle. Vinteuil e sua amiga, e que mentira para Marcel só para lhe parecer mais interessante – “C´est vrai que je vous ai un peu menti. Mais je me sentais si dédaignée par vous, je vous voyais si enflammé pour la musique de ce Vinteuil que, (...) j´ai crû bêtement me rendre intéressante à 109 110 Em seu texto “Proust: Procuste”, Nathalie Mauriac Dyer elenca uma série de críticos que fazem essa leitura. Em conferência proferida em 09/11/2009 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. 65 vos yeux” (LP, p. 839)111 – ao colocá-la próxima das moças de Montjouvain, o narrador não só confirmaria a homossexualidade da jovem, como frisaria seu caráter mentiroso. Além disso, Proust daria uma reviravolta no personagem de Saint-Loup, que dizendo ter encontrado Albertine em casa de sua tia, revela-se, assim como a jovem, um mentiroso e um traidor. A traição seria, portanto, dupla – da amante e do amigo – e colocaria os dois personagens como os verdadeiros representantes de Gomorra e de Sodoma, fato que será esclarecido neste mesmo volume, quando o narrador-herói descobre a homossexualidade do amigo. Essa análise parece-nos pertinente, embora julguemos que a reflexão feita sobre algo que Proust não realizou seja problemática, pois incorre no risco do crítico escrever aquilo que o autor não terminou. Seja como for, as considerações feitas até o momento revelam que Proust se inquietava por sua obra, notadamente pela história de sua heroína, incessantemente reescrita. Por essa razão, o romance Le temps retrouvé, que Proust assegurava ter escrito juntamente com Côté de Swann, foi o livro menos acabado dos três últimos, mesmo que bem coadunado com o resto da Recherche, pois devido ao crescimento da história de Albertine, sofreu mudanças, tendo ficado em estado de manuscrito. A narrativa de Albertine requereu, deste modo, um grande engajamento do escritor que chega a afirmar, em carta a Gallimard que “le travail de réfection de cette dactylographie où j´ajoute partout et change tout est à peine commencé” (Corresp., t. XXI, p. 310-11)112. Sob esse aspecto da escrita proustiana, Rainer Warning a considera sem fim, como uma “semiose potencialmente infinita”, pois nenhum signo é capaz de fixar seu objeto, visto que novos signos são constantemente produzidos. Essa análise faz com que o crítico diga que: “C'est 111 “É verdade que menti um pouco. Mas eu me sentia tão desdenhada por você, via-o tão entusiasmado pela música desse Vinteuil que (...) pensei tolamente me tornar interessante aos seus olhos”. (Trad., p. 316) 112 “o trabalho de reparação dessa datilografia onde eu acrescento por toda a parte e mudo tudo apenas começou”. 66 ainsi qu'on a pu à bon droit dire qu´Albertine, ‘être de fuite’, était un peu la figure allégorique du texte de Proust lui-même” ( WARNING, 1996, p. 30)113. Se mantivermos essa leitura alegórica e entendermos Albertine não apenas como uma personagem, mas como uma imagem do texto proustiano e sua produção, analisaríamos o episódio das catedrais de sorvete saboreadas pela jovem como uma espécie de derrocada do projeto de Marcel Proust: “(...) je me charge avec mes lèvres de détruire, pilier par pilier, ces églises vénitiennes d´un porphyre qui est de la fraise et de faire tomber sur les fidèles ce que j ´aurais épargné”. (LP, p. 637)114. Embora as análises que vislumbram na Recherche uma espécie de mimese de seu próprio processo de construção sejam interessantes e belas, escaparemos dessa leitura, pois não condiz com a real fabricação da obra proustiana, na qual a história de Albertine está longe de ser uma destruição da catedral romanesca. Preferimos conservar esse trecho no nível literário, entendendo-o como uma prefiguração da visita a Veneza, onde o narrador-herói, após a partida de sua mãe e a constatação de sua solidão nessa cidade que se lhe tornara tão estrangeira e indiferente, vê ruir, ao som de Sole mio, todo seu sonho veneziano; e a consumação das catedrais de sorvete torna-se a própria consumação de Veneza e de todo o devaneio do protagonista: J´étais étreint par l´angoisse que me causait, avec la vue du canal devenu tout petit depuis que l´âme de Venise s´en était échapée, de ce Rialto banal qui n´était plus le Rialto, – par ce chant de désespoir que devenait Sole mio et qui, ainsi clamé devant les palais inconsistants, achevait de les mettre en miette et consommait la ruine de Venise. (AD, p. 233)115 113 “É assim que se pôde, com toda a razão, dizer que Albertine, ‘ser fugaz’, era um pouco a figura alegórica do texto de Proust”. 114 “(...) me encarrego com os meus lábios de destruir, pilastra por pilastra, aquelas igrejas venezianas de um pórfiro que é morando, e de fazer desabar sobre os fiéis o que eu tiver poupado”. (Trad., p. 121) 115 “Oprimia-me, com a vista do canal tornado pequenino depois que a alma de Veneza se lhe escapara, e do Rialto banal que não era mais o Rialto, a angústia causada por esse canto de desespero que se tornara o Sole mio e, que, clamado assim diante dos palácios inconsistentes, acabava de esmigalhá-los, consumando a ruína de Veneza”. (Trad., p. 215) 67 Se a história de Albertine é umas das grandes responsáveis pela expansão da Recherche, seu aparecimento não aconteceu de forma aleatória e desligada do projeto literário do escritor, pois como averiguamos, seu núcleo já existia em outro texto do autor, escrito muitos anos antes. Mesmo tomando proporções enormes, o que fatalmente desencadeou um processo escritural intenso, Proust procurava inserir essa narrativa em todo o conjunto de sua obra, buscando, com isso, a unidade desejada da Recherche, tema que veremos no próximo capítulo. 68 Capítulo 2 A unidade no vestido le ‘leitmotiv’ Fortuny, peu développé, mais capital jouera un rôle tour à tour sensuel, poétique et souloureux 2.1 A Prisioneira e o projeto Sainte-Beuve Vimos, no capítulo anterior, como Proust reaproveitou a novela do Plaisirs et les jours para compor a história de Albertine que, embora seja um dos núcleos narrativos que desencadeou um intenso movimento escritural, ele não foi, de maneira alguma, algo desconectado do conjunto romanesco, que poderia romper sua harmonia. Neste tópico, veremos como Proust transpõe certos elementos do projeto Contra Sainte-Beuve para a história de Albertine, notadamente no livro La prisonnière. Comparando este romance aos demais volumes, a passagem de uma narrativa em grupo para o huis-clos é expressiva. De uma vivência plena de passeios aos arredores de Combray, da viagem a Balbec, bem como a freqüentação dos salões, vemos tudo isso ser substituído por um enclausuramento do protagonista. A estrutura romanesca assemelha-se muito pouco às dos outros livros, aproximandose, contudo, de uma narrativa anterior à Recherche, a do Contre Sainte-Beuve. Em nenhuma outra, encontramos o herói encerrado em seu quarto, esperando por seu artigo no Figaro e tendo uma conversa sobre literatura, seja com a mãe ou com Albertine. Vimos na introdução que esse projeto de um ensaio crítico sobre o método de SainteBeuve foi um dos desencadeadores da Recherche, tendo sido considerado como seu avanttexte. Muitos críticos viram no Temps retrouvé, sobretudo na matinée da princesa de Guermantes, a transposição da conversa literária com a mãe. Nas palavras de Bernard Brun: 69 C'est dans les brouillons du Contre Sainte Beuve inachevé que commence l'histoire du Temps retrouvé. La permanence est troublante et elle a donné lieu à d'étranges polémiques. De l'un à l'autre la technique narrative utilisée, la théorie esthétique qui soutient le récit et le contenu même de celui-ci ne varient guère. La matinée chez la princesse de Guermantes vient simplement remplacer une matinée de conversation avec Maman. (1981, p.9)116 De fato, é incontestável o caráter teórico do último livro do Em busca do tempo perdido, amplamente dedicado aos comentários e demonstrações estéticas, contudo, o romance A prisioneira concentra, mais do que o Tempo redescoberto, a estrutura inicial existente em Sainte-Beuve. Como declara Pierre-Edmond Robert: Que la Recherche du temps perdu ait été écrite contre Sainte-Beuve nous le savions depuis longtemps. Mais plutôt que dans la conclusion du Temps retrouvé, où l'auteur expose son esthétique, c'est dans Prisonnière qu'il faut chercher la méthode critique de Marcel Proust. Car La Prisonnière contient ce qui reste du Contre Sainte-Beuve initial celui que Proust détaillait dans une lettre à Louis d'Albuféra du 5 mai 1908, et qui comprenait entre autres “ un essai sur Sainte-Beuve” et “une étude sur le roman”. On sait bien que des éléments du Contre Sainte-Beuve romanesque ont été utilisés dans La Prisonnière, sept ans plus tard, pour donner un cadre temporel et thématique à l´histoire d'Albertine, en particulier les réveils du narrateur dans sa chambre et l'attente quotidienne du Figaro, dans lequel doit paraître un article de lui. Celui-ci devait alimenter une “conversation avec Maman”, devenue dans La Prisonnière une “conversation avec Albertine”. (1987, p. 20)117 Em termos de discussão literária, existem grandes semelhanças, como aponta Robert entre os dois textos, sendo o motivo da matinée e a espera pelo artigo do Figaro os elementos mais patentes. No entanto, há outros pontos comuns entre a estrutura narrativa de ambos os textos. 116 “É nos rascunhos do inacabado Contra Sainte-Beuve que começa a história do Tempo redescoberto. A permanência é perturbadora e deu lugar a estranhas polêmicas. De um a outro, a técnica narrativa utilizada, a teoria estética que sustenta a história e seu próprio conteúdo não variam. A matinée da princesa de Guermantes vem simplesmente substituir uma matinée de conversa com Mamãe”. 117 “Que o Em busca do tempo perdido tenha sido escrito contra Sainte-Beuve nós sabemos há muito tempo. Mas, mais do que a conclusão do Tempo redescoberto, no qual o autor expõe sua estética, é na Prisioneira que é necessário buscar o método crítico de Marcel Proust. Pois A prisioneira contém aquilo que resta do Contra Sainte-Beuve inicial que Proust detalhou na carta a Louis d´Albufera de 5 de maio de 1908, e que compreendia entre outros ‘um ensaio sobre Sainte-Beuve’ e ‘um estudo sobre o romance’. Bem sabemos que os elementos do Contra Sainte-Beuve romanesco foram utilizados na Prisioneira, sete anos mais tarde, para dar um quadro temporal e temático à história de Albertine, em particular, os despertares do narrador em seu quarto e a espera cotidiana do Figaro, no qual deve ser publicado um artigo seu. Este último devia alimentar uma ‘conversa com Mamãe’, transformada no A prisioneira uma ‘conversação com Albertine’”. 70 Os paralelismos são muitos, mas para citar os mais pertinentes, temos um herói enclausurado, longe da vida mundana, que se dedica à leitura e às reflexões sobre a arte. A mãe, presente no primeiro texto, desaparece de cena, pelo menos fisicamente, sendo, no entanto, substituída por Albertine e Françoise, encarregada de levar-lhe o Figaro. No texto da Recherche há logo no início do romance, uma comparação entre as personagens: avant de me quitter, elle glissait dans ma bouche sa langue, comme un pain quotidien , comme un aliment nourrisant et ayant le caractère presque sacré de toute chair à qui les souffrances que nous avons endurées à cause d´elle ont fini par conférer une sorte de douceur morale, ce que j´évoque aussitôt par comparaison, ce n´est pas la nuit que le capitaine Borodino me permit de passer au quartier, (...) mais celle où mon père envoya maman dormir dans le petit lit à côté du mien. (LP, p. 520)118 Esse estreitamento entre a mãe e Albertine, ou melhor, entre o poder apaziguador que ambas tinham sobre o protagonista, é, desde o início da narrativa, estabelecido. Sabemos que em Contre Sainte-Beuve a figura da mãe, ainda bastante autobiográfica, desempenha um papel fundamental na “narrativa”, termo que colocamos entre aspas, pois mesmo que contenha traços romanescos, o projeto Sainte-Beuve não possui o mesmo caráter fictício do texto da Recherche. Sabemos que a mãe do Contre Sainte-Beuve possui contornos fortemente biográficos, linhas que vão se diluindo conforme Proust se engaja na escrita da Recherche. A mãe, apesar de sua importância passa a não mais concentrar os afetos e as considerações intelectuais tão essenciais para o herói, pois esses elementos são igualmente distribuídos na figura da avó, personagem fictício e o duplo da mãe. Ainda que a mãe presente no ensaio crítico possua essas características autobiográficas, percebemo-na antes como uma fabricação do discurso literário, posto que a situação estabelecida pelo diálogo entre ela e o protagonista é fictícia. Nesse texto crítico, 118 “antes de eu me deitar, me metia na boca a sua língua como um pão cotidiano, como um alimento nutritivo, e com o caráter quase sagrado de toda carne à qual as dores que sofremos por ela acabaram imprimindo uma espécie de doçura moral, o que evoco logo por comparação não é a noite que o capitão de Borodino consentiu que eu passasse no quartel (...), mas aquela em que meu pai mandou mamãe dormir na caminha ao meu lado”. (Trad., p. 10) 71 Proust engendra um diálogo estético com mamãe, pretexto perspicaz para validar suas concepções teórico-estéticas: - Écoute, je voulais te demander un conseil. Assieds-toi. - Attends que je trouve le fauteuil, je te dirai qu´il ne fait pas très clair chez toi. (...) - Enfin, écoute-moi. Le sujet serait : contre la méthode de Sainte-Beuve. - Comment, je croyais que c´était si bien ! Dans l´essai de Taine [et] l´article de Bourget que tu m´as fait lire, ils disent que c´est une méthode si merveilleuse qu´il ne s´est trouvé personne dans le XIXe siècle pour l ´appliquer. - Hélas oui, ils disent cela, mais c´est stupide. (CSB, p. 217-8)119 Nesse pequeno diálogo, pois, não esqueçamos, Sainte-Beuve é um texto inacabado, percebe-se com facilidade a argumentação e as opiniões propriamente proustianas, encobertas, no entanto, pelo diálogo fictício e pela presença da mãe. Em La prisonnière, essa conversa literária torna-se um diálogo estético entre o protagonista e Albertine, tendo como ponto de partida os escritores propriamente ditos. Mas, assim como a mãe, Albertine faz poucas interferências e o que vemos arrolado é outro discurso teórico-estético senão de Proust, da instância narrativa: - Mais est-ce qu´il a jamais assassiné quelqu´un, Dostoïevski? Les romans que je connais de lui pourraient tous s´appeler l´Histoire d´un Crime. C´est une obsession chez lui, ce n´est pas naturel qu´il parle toujours de ça. – Je ne crois pas, ma petite Albertine, je connais mal sa vie. Il est certain que comme tout le monde il a connu le péché, sous une forme ou sous une autre, et probablement sous une forme que les lois interdisent. (...) Je ne suis pas romancier, il est possible que les créateurs soient tentés par certaines formes de vie qu´il n´ont pas personellement éprouvées. (LP, p. 881)120 O diálogo, ainda que não mencione o crítico Sainte-Beuve, resvala na questão de seu método por meio da fala de Albertine que busca compreender, pelo caráter e pela vida de 119 “ – Escuta, queria te pedir um conselho. Sente-se. – Espere eu pegar a poltrona. Eu te diria que não está muito claro no teu quarto(...). – Enfim, ouça-me. O assunto seria: contra o método de Sainte-Beuve. – Mas como, pensava que fosse bom! No ensaio de Taine e no artigo de Bourget que você me fez ler, eles dizem que é um método tão maravilhoso que não se encontra ninguém no século XIX para aplicá-lo. – Infelizmente, sim, disseram isso, mas é estúpido”. 120 “‘Mas Dostoievski um dia assassinou alguém? Os romances dele que conheço poderiam todos se chamar a História de um crime. É uma obsessão nele, não é natural que fale sempre disso’. ‘Não creio, minha Albertine, conheço mal a vida dele. É certo que, como todo mundo, conheceu o pecado, sob este ou aquele aspecto, e provavelmente sob um aspecto que as leis interdizem. (...) Eu não sou romancista; é possível que os criadores sejam tentados por certas formas de vida que não experimentaram pessoalmente”. (Trad., p.353) 72 Dostoiévski um traço marcante de sua obra. A simetria entre os dois textos fica evidente, pois em ambos, o protagonista, fechado no quarto com sua interlocutora, discorre sobre literatura, e a estrutura de diálogo presente nos dois trechos os aproxima de uma cena teatral. Assim como o texto crítico, Proust “recolhe” suas personagens para dentro do aposento, construindo um romance entre quatro paredes. Não é por acaso que ele, em carta a Sra. Scheikévitch vista no capítulo anterior, afirma que Albertine desempenha o maior papel na peripécia da Recherche. A escolha de tal palavra apromixa a narrativa do teatro e assim como no texto de Sainte-Beuve, o romance A prisioneira cita os versos de Racine. No texto de Sainte-Beuve, a mãe, temendo importunar o filhon e despertá-lo de seu sono, cita os versos de Racine: “- Je te dirai que j´avais peur de m´être trompée et que mon loup me dise: C´est vous, Esther, qui sans être attendue? Ou même: Sans mon ordre on porte ici ses pas?// Quel mortel insolent vient chercher les trépas ? (CSB, p. 217)121. Em conformidade com o texto do projeto Sainte-Beuve, o romance da Recherche traz a mesma situação, Albertine citando os versos da mesma peça de Racine, Esther, pois não tinha autorização para entrar no quarto de Marcel sem ser chamada: La défense d´entrer chez moi l´amusait beaucoup. Comme elle avait pris notre habitude familiale des citations et utilisait pour elle celles des pièces qu ´elle avait jouées au couvent et que je lui avais dit aimer, elle me comparait toujours à Assuérus: [Et] la mort est le prix de tout audacieux//Qui sans être appelé se présente à mes yeux. (LP, p. 528)122 Não há dúvidas de que Proust retomou a narrativa do ensaio crítico para construir parte da história de Albertine, o que revela a importância do advento dessa heroína. A história de Albertine propiciou ao escritor uma retomada de seus antigos textos, apontando para um 121 “Te digo que tive medo de me enganar e que meu lobo dissesse: É você, Esther, que sem ser chamada? Ou mesmo: “Sem meu consentimento por aqui dão passos?//Que mortal insolente veio buscar aborrecimentos?”. 122 Divertia-se muito com a proibição de entrar no meu quarto antes que eu chamasse. Como tomara o nosso hábito familiar das citações e utilizava para isso as das peças que representara no convento e que eu lhe dissera apreciar, comparava-me sempre a Assuero: E do infeliz que ousar vir à sua presença//Sem um chamado seu é a morte a recompensa”. (Trad., p.17) 73 dos procedimentos escriturais de Marcel Proust, a “reciclagem” e o reaproveitamento de seus escritos. Embora nossa análise seja possível de ser realizada pelo simples cotejamento dos textos publicados, movimento que viemos fazendo até o momento, há singularidades nos manuscritos que nos ajudam a reforçar nossa hipótese. No fólio 44rº do caderno 53, encontramos o seguinte desenvolvimento: D’ailleurs Andrée m’exaspère. Elle a été assomante tantôt. Je ne veux plus sortir avec elle. Quand vous pouvez sortir nous sortirons ensemble. Quand vous ne pouvez pas si votre mère veut de moi, ou quand ma tante viendra à Paris si elle veut sortir avec moi, j’irai avec l’une ou avec l’autre. Mais je ne sors plus avec Andrée. Vous pouvez le dire <annoncer> aux gens qui croient <vous ont dit> que je suis revenue à Paris pour elle. (C.53, fº 44rº)123 Nessa passagem, é dada voz a Albertine. Temos a seguinte situação: o herói, para investigar o passado da heroína, inventa o episódio das cartas anônimas. Ele blefa e pretende, por meio dessas cartas inexistentes, descobrir se Albertine teve ou tem alguma relação amorosa com Andrée, escolhida por ele como uma espécie de vigia de Albertine em seus passeios e por causa de quem a heroína teria decidido ir a Paris. Marcel, declarando a Albertine que as cartas anônimas revelam sua relação com Andrée, faz a jovem se revoltar e decidir a não sair mais com a amiga. Albertine anuncia, por fim, que só sairá com Marcel, com a mãe deste, ou com sua tia, se esta for a Paris. Essa passagem é quase a mesma publicada no romance, sendo a fase em que Albertine começa a se privar dos passeios e passa quase todo tempo cativa na casa do herói. Contudo, a presença da mãe no manuscrito, ausente fisicamente no romance publicado, aparece diversas vezes neste caderno, ilustrando, com isso, possíveis resquícios do projeto Sainte-Beuve. 123 “Além disso, Andrée me exaspera. Ela foi maçante há pouco. Não quero mais sair com ela. Quando você puder sair, sairemos juntos. Quando você não puder, se sua mãe quiser minha companhia, ou quando minha tia vier a Paris, se ela quiser sair comigo, irei com uma ou com a outra. Mas não saio mais com Andrée. Você pode dizer <anunciar> para as pessoas que acreditam <te disseram> que vim a Paris por ela”. 74 Mas, se Proust vislumbra na construção da história de heroína a retomada de antigos projetos, eles não eram suficientes para integrá-la ao corpo narrativo da Recherche. O escritor buscava algum elemento que unisse essa personagem ao restante de sua obra, para poder desenvolver o ciclo de Sodoma e Gomorra, romance ao qual se dedicaria até o final de sua vida124. 2.2 O leitmotiv Fortuny Em 1916, Proust enviou uma série de cartas a Maria de Madrazzo pedindo-lhe informações mais precisas sobre os vestidos criados por seu parente, o pintor e criador de moda espanhol, Mariano Fortuny y Madrazo: Savez-vous du moins si jamais Fortuny dans ses robes de chambre a pris pour motif de ces oiseaux accouplés, buvant par exemple dans un vase, qui sont si fréquents à St. Marc, dans les chapiteaux Byzantins. Et savez-vous aussi s´il y a à Venise des tableaux (je voudrais quelques titres) où il y des manteaux, des robes, dont Fortuny se serait (ou aurait pu) s´inspirer. Je rechercherais la reproduction du tableau et je verrais s´il peut moi m ´inspirer. (Corresp., t. XV, p. 49)125 Essa carta condensa as idéias que perpassavam o escritor na busca por uma unidade na construção da Recherche. Curiosamente, Proust utiliza praticamente a mesma imagem dos pássaros em seu romance: “(...) et comme le proclament, buvant aux urnes de marbre et de jaspe des chapiteaux byzantins, les oiseaux qui signifient à la fois la mort et la résurrection”126. Essa imagem, usada para caracterizar os vestidos de Fortuny que o herói daria a Albertine, condensa o anúncio da morte e a ressurreição da jovem desencadeada pela visão que o protagonista terá de alguns quadros no batistério de São Marcos, em Veneza. Proust 124 A prisioneira e Albertine disparue faziam parte do ciclo de Sodoma e Gomorra. “Você sabe pelo menos se Fortuny algum dia usou como motivo para seus penhoares esses pássaros acoplados, bebendo, por exemplo, em um vaso, que são tão freqüentes em São Marcos, nos capitéis Bizantinos. E você sabe também se há em Veneza quadros (gostaria de alguns títulos) onde há sobretudos, vestidos e nos quais Fortuny se inspirou (ou teria se inspirado). Eu procuraria a reprodução do quadro para ver se ele pode inspirar-me”. 126 “e como o proclamam, bebendo nas urnas de mármore e de jaspe dos capitéis bizantinos, os pássaros, que significam ao mesmo tempo a morte e a ressurreição”. (Trad., p. 344) 125 75 procurava elementos para construir a cena da “ressurreição”, baseando-se em dados concretos sobre a pintura, procedimento raro na construção proustiana com pouquíssimas exceções em suas correspondências. É no quadro de Carpaccio – Patriarche di Grado – que Proust se inspira para descrever o sobretudo de Albertine: Or c´était dans ce tableau de Carpaccio que le fils génial de Venise l´avait pris, c´est des épaules de son compagnon de la Calza qu´il avait détaché pour le jeter sur celles des tant de Parisiennes qui certes ignoraient, comme je l ´avais fait jusqu´ici que le modèle en existait dans un groupe de seigneurs, au premier plan du Patriarche di Grado, dans une salle de l´Académie de Venise. (AD, p. 226)127 O casaco de Albertine, desenhado por Fortuny e inspirado nas pinturas de Carpaccio era, de fato, um modelo de vestimenta masculino, nada mais sugestivo para caracterizar a jovem, mas além desse dado nada aleatório para a construção do romance, Proust entreveu no vestido o motivo, a unidade que faltava para conectar sua heroína a toda a trama romanesca e a diversos personagens. Em outra carta a mesma destinatária, Proust registra: “Donc à moins d´un remaniement (possible d´ailleurs, si je le juge nécessaire) à son sujet, le ‘leitmotiv’ Fortuny, peu développé, mais capital jouera son rôle tour à tour sensuel, poétique et douloureux”(Corresp., p. 57)128. Proust, intitulando ele mesmo o vestido como um “leitmotiv” confirma na carta seu desenvolvimento ainda parco, considerando-o, contudo, um elemento essencial para a narrativa. Segundo Jean Milly: Ce récit, qui a eu un moment la forme d´un morceau continu dans les ébauches de la Recherche, est ensuite découpé et intégré par le moyen d 127 “Ora, era nesse quadro de Carpaccio que o filho genial de Veneza o tinha tomado, são os ombros de seu companheiro da Calza que ele havia destacado psrs jogá-lo sobre os ombros de tantas Parisienses que certamente ignoravam, como eu até aqui, que o modelo existiu em um grupo de senhores, no primeiro plano do Patriarca de Grado, em uma sala da Academia de Veneza”. 128 “Portanto, ao menos que haja um remanejamento (possível, inclusive, se eu julgar necessário) desse assunto, o ‘leitmotiv’ Fortuny, pouco desenvlovido, mas capital, desempenhara um papel alternadamente sensual, poético e doloroso”. 76 ´additions multiples au texte déjà existant. C´est ainsi qu´il apparaît de façon complètement éclatée, dans le roman définitif (1983, p. 49)129. Não encontramos esses esboços do desenvolvimento do motivo, apenas poucas referências a toilette feminina. No caderno 53, Proust desenvolve, em um fólio não compostado pela BNF (entre 22vº e 22bis), a sensualidade da jovem já despida, usando apenas um penhoar de crepe chinês: “Elle s´était deshabillé, Elle portait quelqu’un de ces jolis peignoirs en crêpe de chine dont j’avais demandé la description à Madame de Guermantes” (C.53, fº 22vº-22bis)130. Já nessa passagem, Proust vislumbra, por meio da vestimenta, um vínculo entre Albertine e a aristocracia, uma vez que a duquesa de Guermantes sugere tais vestidos, mostrando a ascensão social da jovem, muito diversa da moça pobre conhecida em Balbec. Todavia, ao o que tudo indica, Proust ainda não havia descoberto o vestido de Fortuny, que por sere inspirado na pintura, permitiria não somente a ascensão social da moça e sua voluptuosidade, mas evocaria a cidade de Veneza, suscitando o desejo de viagem no protagonista e seu aborrecimento com a presença da jovem que impede a realização desses séjours venezianos. Ainda na correspondência citada acima, Proust fornece detalhes sobre a importância desse motivo, em uma verdadeira exposição da construção de seu romance: Dans le début de mon deuxième volume, un grand artiste à nom fictif qui symbolise le grand peintre dans mon ouvrage (...) dit devant Albertine (que je ne sais pas encore être un jour ma fiancée adorée) que à ce qu´on prétend un artiste a découvert le secret des vielles éttofes vénitiennes etc. C´est Fortuny. (p.57)131 129 “Essa narrativa que teve, em um momento, a forma de um pedaço contínuo nos rascunhos da Recherche, foi em seguida cortado e integrado por adições múltiplas ao texto já existente. Foi assim que ele apareceu de maneira dispersa no romance definitivo”. 130 “Ela se despiu, Ela vestia alguns desses bonitos penhoares em crepe da China, cuja descrição eu havia pedido a Madame de Guermantes”. 131 “No início de meu segundo volume, um grande artista de nome fictício que simboliza o grande pintor da minha obra (...) diz diante de Albertine (que eu não sabia ainda que se tornaria um dia minha adorada noiva) que esse que chamamos de artista descobriu o segredo dos velhos panos venizianos etc. É Fortuny.” 77 Esse plano estabelece um vínculo entre a personagem feminina e o pintor – assim como Gilberte e Bergotte – conectando ainda a cidade de Balbec a Veneza, que reaparecerão juntas no final do Temps retrouvé, por meio da memória involuntária. Continuando sua descrição, Proust afirma: Quand Albertine plus tard (troisième volume) est fiancée avec moi, elle me parle des robes de Fortuny (que je nomme à partir de ce moment chaque fois) et je luis fais la surprise de lui en donner. La description très brève, de ces robes, illustre nos scènes d´amour (et c´est pour cela que je préfère des robes de chambre (...)). (p.57)132 O vestido é, sem dúvida, um dos componentes que erotizam a jovem, mas que será igualmente usado para mantê-la cativa, reforçando a frágil relação entre os personagens que se sustenta, neste momento da narrativa, por presentes: “Je savais bien qu´elle ne pouvait me quitter sans me prevenir; d´ailleurs elle ne pouvait ni le désirer (c´était dans huit jours qu´elle devait essayer les nouvelles robes de Fortuny)” (LP, p. 900)133. Com efeito, no caderno 55 no qual já há a menção ao vestido Fortuny, o desenvolvimento do motivo ocorre de maneira breve, evocando apenas a atmosfera veneziana sucitada pelas cores da vestimenta: “Mais tout d´un coup le décor changea <encore réveillé quelques jours auparavant par la robe bleue et or de Fortuny>” (C.55, fº 43rº)134. Dentro da narrativa, há igualmente pouquíssimas descrições desse motivo fundamentalmente definido pelas cores “azul e ouro”, operando não como uma paramentação, mas como uma unidade romanesca. O escritor termina sua carta dizendo: Le roman suit son cours, elle me quitte, elle meurt. (...) je vais à Venise mais dans le tableaux de xxx (disons Carpaccio), je retrouve telle robe que je lui ai donnée. Autrefois cette robe m´évoquait Venise et me donnait envie de 132 “Quando Albertine mais tarde (terceiro volume) for minha noiva me falará sobre os vestidos de Fortuny (que nomeio a partir desse momento a cada vez) e eu lhe faço uma surpresa dando-lhe um. A descrição muito breve desses vestidos ilustra nossas cenas de amor (e é por isso que prefiro penhoares)”. 133 “Eu sabia que ela não podia deixar-me sem me prevenir, aliás não podia nem desejá-lo (daí oito dias iria experimentar novos vestidos de Fortuny)”. (Trad., p.371) 134 “Mas de repente o cenário mudou <ainda despertado alguns dias antes pelo vestido azul e ouro de Fortuny>”. 78 quitter Albertine, maintenant le Carpaccio où je la vois m´évoque Albertine et me rend Venise douloureux. (p. 57)135 Essa explicação minuciosa da descoberta da unidade pelo vestido demonstra uma vontade imensa de composição, de uma unidade “vital” porque apreendida a posteriori, no jogo de escritura. Notamos que, se esse motivo da toilette feminina havia sido construído de forma contínua, como afirma Milly, foi percebendo a dimensão do verdadeiro papel que o vestido de Fortuny desempenhava que Proust dispersou o episódio, em uma escrita constelar, como veremos no próximo capítulo. 135 “O romance segue seu curso, ela me deixa e morre. (...) vou a Veneza, mas no quadro de xxx (digamos Carpaccio), eu reencontro tal vestido que lhe havia dado. Antigamente, esse vestido evocava para mim Veneza e me dava vontade de deixar Albertine, agora o Carpaccio no qual a vejo, evoca para mim Albertine, deixando Veneza dolorosa”. 79 Capítulo 3 “La fenêtre éclairée” e a escritura constelar En brisant tous les petits bonheurs qui nous cachaient notre grande misère, en faisant de notre coeur un nu préau mélancolique, ils nous ont permis de le comtempler enfin et de le juger 3.1 Outro motivo Neste capítulo analisaremos uma das cenas de maior dramaticidade no romance A prisioneira: o episódio da janela iluminada. Partiremos do texto publicado para posteriormente confrontá-lo com todas as versões às quais tivemos acesso, inclusive os cadernos 53 e 55 já vistos anteriormente, nos quais este trecho narrativo foi elaborado. No episódio em questão, ao retornar da soirée Verdurin em companhia de Brichot, o protagonista da calçada vê a luz do quarto de Albertine acesa, imagem que se torna desencadeadora de uma série de reflexões. O momento é tenso e paradoxal, pois ao mesmo tempo em que aparentemente conquista certo controle sobre a amada, o herói priva-se de elementos essenciais para a atividade literária, como a liberdade de pensamento, a imaginação e a solidão. Nous étions arrivés devant ma porte. Je descendis de voiture pour donner au cocher l'adresse de Brichot. Du trottoir je voyais la fenêtre de la chambre d'Albertine, cette fenêtre autrefois toujours noire le soir quand elle n'habitait pas la maison, que la lumière électrique de l'intérieur, segmentée par les pleins des volets, striait de haut en bas de barres d'or parallèles. Ce grimoire magique, autant il était clair pour moi et dessinait devant mon esprit des images précises, toutes proches, et en possession desquelles j'allais entrer tout à l'heure, était invisible pour Brichot resté dans la voiture, presque aveugle, et eût d'ailleurs, été incompréhensible pour lui, puisque autant que les amis qui venaient me voir avant le dîner quand Albertine était rentrée de promenade, le professeur ignorait qu'une jeune fille, toute à moi, m'attendait dans une chambre voisine de la mienne. La voiture partit. Je restai un instant seul sur le trottoir. Certes, ces lumineuses rayures que j'apercevais d'en bas et qui à un autre eussent semblé toutes superficielles, je leur donnais une consistance, une plénitude, une solidité extrêmes, à cause de toute la 80 signification que je mettais derrière elles, en un trésor si l'on veut, un trésor insoupçonné des autres, que j'avais caché là et dont émanaient ces rayons horizontaux, mais un trésor en échange duquel j'avais aliéné ma liberté, la solitude, la pensée. Si Albertine n'avait pas été là-haut, et même si je n'avais voulu qu'avoir du plaisir, j´aurais été le demander à des femmes inconnues, dont j´eusse essayé de pénétrer la vie, à Venise peut-être, à tout le moins dans quelque coin du Paris nocturne. Mais maintenant, ce qu'il me fallait faire quand venait l'heure des caresses, ce n'était pas partir en voyage, ce n'était même plus sortir, c'était rentrer. Et rentrer non pas pour au moins se trouver seul et, après avoir quitté les autres qui vous fournissaient du dehors l'aliment de votre pensée, se trouver au moins forcé de le chercher en soimême, mais au contraire moins seul que quand j´étais chez les Verdurin, reçu que j'allais être par la personne en qui j'abdiquais, je remettais le plus complètement la mienne, sans que j'eusse un instant le loisir de penser à moi, et même la peine, puisqu'elle serait auprès de moi, de penser à elle. De sorte qu'en levant une derrière fois mes yeux du dehors vers la fenêtre de la chambre dans laquelle je serais tout à l'heure, il me sembla voir le lumineux grillage qui allait se refermer sur moi et dont j'avais forgé moi-même, pour une servitude éternelle, les inflexibles barreaux d'or.(LP, p.833-4)136 Esse episódio extremamente condensado evidencia a passagem temporal que opera tanto na narrativa como no protagonista. Para nos atermos primeiramente aos elementos particulares do romance A Prisioneira, fiquemos no âmbito do herói. A cena revela uma tensão, ou se quisermos um paradoxo que definirá a relação amorosa de Marcel e Albertine que desde o início do romance, o narrador nos apresenta como 136 “Tínhamos chegado à porta de minha casa. Desci do carro e fui dar ao cocheiro o endereço de Brichot. Da calçada eu via a janela do quarto de Albertine, aquela janela, antes sempre escura à noite, quando ela não morava ali, e que a luz elétrica do interior, segmentada pelas reixas das venezianas, estriava agora de alto a baixo de barras de ouro paralelas. Esse signo mágico, desenhando no meu espírito calmo imagens precisas, próximas, na posse das quais eu ia entrar dentro em pouco, era tão claro para mim quanto era invisível para Brichot, que ficara quase cego, no carro, e quanto aliás seria incompreensível para ele mesmo se pudesse ver porquanto, como os amigos que me vinham visitar antes do jantar quando Albertine já estava em casa de volta do seu passeio, o professor ignorava que uma moça inteiramente minha me estivesse esperando num quarto pegado ao meu. O carro partiu. Fiquei um momento sozinho na calçada. Certo aquelas riscas luminosas que eu avistava de baixo e que a outro haviam de parecer de todo superficiais, dava-lhes eu uma consistência, uma plenitude, uma solidez extremas, por causa de toda a significação que eu punha atrás delas, num tesouro insuspeitado pelos outros, escondido ali por mim, e donde emanavam aqueles raios horizontais, tesouro se quiserem, mas tesouro em troca do qual eu alienara a liberdade, a solidão, o pensamento. Se Albertine não estivesse lá em cima, e mesmo se eu procurasse apenas o prazer, teria ido pedi-lo a mulheres desconhecidas, cuja vida tentaria penetrar, em Veneza talvez, ou pelo menos em qualquer canto de Paris noturno. Mas agora que eu tinha que fazer quando chegava para mim a hora das carícias não era partir em viagem, não era nem mesmo sair, era voltar para casa. E voltar não para ficar só, e, depois ter deixado a companhia dos outros, que forneciam de fora o alimento do espírito, me ver pelo menos forçado a procurá-lo em mim mesmo, mas, ao contrário, menos só do que quando estava em casa dos Verdurin, recebido que ia ser pela pessoa em quem eu abdicava o mais completamente possível a minha, sem que eu tivesse um instante o lazer de pensar em mim, nem mesmo o trabalho, pois ela estaria a meu lado, de pensar nela. De maneira que, levantando mais uma vez os olhos para a janela do quarto onde eu estaria dentro de poucos instantes, pareceu-me ver as grades luminosas que iam fechar-se atrás de mim e cujas hásteas de ouro eu mesmo forjara para uma eterna servidão”. (Trad., p. 308-9) 81 um vínculo que, notadamente aos olhos do herói, será baseado, em ciúmes, sofrimento e tédio. D´Albertine, en revanche, je n´avais plus rien à apprendre. Chaque jour, elle me semblait moins jolie. Seul le désir qu´elle excitait chez les autres, quand l ´apprenant je recommençais à souffrir et voulais la leur disputer, la hissait à mes yeux sur un haut pavois. Elle était capable de me causer de la souffrance, nullement de la joie. Par la souffrance seule, subsistait mon ennuyeux attachement. (LP, p.537-8)137 O desejo de possuir Albertine esteve sempre aliado à vontade de separá-la do mundo gomorreano e das possíveis relações mantidas com as moças de Montjouvain. Uma vez Albertine cativa, pois para surpresa do narrador-herói ela aceita a proposta de morar junto dele em Paris, o que era anteriormente mistério e desconhecido, torna-se habitual e familiar. O convívio diário estilhaça a imagem que Marcel tinha de Albertine quando a conheceu na cidade balneária de Balbec – “(...) l´oiseau que j´avais vu un soir marcher à pas comptés sur la digue, (...) avait perdu toutes ses couleurs”138 (LP, p. 678) – e a presença cotidiana da jovem, mesmo trazendo certo apaziguamento ao ciúme do protagonista, torna-se enfadonha. À imagem do pássaro colorido, sobrepõe-se a da “grise prisonnière” [“desbotada prisioneira”]139 (LP, p. 679; Trad., p. 160). No excerto da janela iluminada, percebemos claramente o peso negativo que o narrador dá à companhia constante de Albertine: “ (...) sans que j'eusse un instant le loisir de penser à moi, et même la peine, puisqu'elle serait auprès de moi, de penser à elle” [ (...) sem que eu tivesse um instante o lazer de pensar em mim, nem mesmo o trabalho de pensar nela, pois ela estaria a meu lado.]. E se havia satisfação em saber que todos ignoravam essa moça, inteiramente dele, aguardando-o num quarto contíguo ao seu, o narrador é fortemente irônico ao mencionar que 137 “De Albertine, em compensação, nada me restava por descobrir. Cada dia me parecia menos bonita. Só o desejo que ela excitava nos outros, quando, sabendo-o, eu recomeçava a sofrer e queria disputar-lha, elevava-a aos meus olhos num alto pavês. Ela era capaz de ma causar sofrimento, mas de nenhum modo alegria. Só pelo sofrimento subsistia o meu aborrecido apego”. (Trad., p.26) 138 “(...) o pássaro que eu vira andar pausadamente no cais, (...) perdera todas as suas cores” (Trad., p.160). 139 Podemos traduzir a expressão igualmente por “cinzenta prisioneira”. 82 estava mais sozinho no salão dos Verdurin, sugerindo que a mundanidade proporciona momentos de solidão e reflexão inatingíveis na relação amorosa. Sobre este aspecto da mundanidade em Proust, trazemos à baila a leitura deleuziana, que afirma os signos mundanos ali existentes como vazios, pois substituem uma ação ou um pensamento, e não são indícios de coisa alguma. Não há, assim, nada a decifrar por detrás dos signos emitidos pelos personagens de salão, pois estes não possuem significação transcendental. Le signe mondain apparaît comme ayant remplacé une action ou une pensée. Il tient lieu d´action et de pensée. C´est donc un signe qui ne renvoie pas à quelque chose d´autre, signification transcendante ou contenu idéal, mais qui a usurpé la valeur supposé de son sens. (1964, p. 12)140 Nada de cômico é dito nos Verdurin, mas o doutor Cottard faz sinal de que disse algo engraçado e, em contrapartida, Mme. Verdurin faz sinal de que ri, signos tão bem apreendidos por M. Verdurin, que procura uma careta apropriada para não ficar em posição inferior141. Contudo, se em termos de ação e simbologia a mundanidade é vazia, não se deve menosprezar o valor desse mundo na narrativa. Não devemos esquecer que se a experiência da soirée Verdurin é marcada pela cena desoladora da humilhação do barão de Charlus arquitetada pelos Verdurin, ela também é definida pela audição do septuor de Vinteuil, altamente reveladora para o herói. Outros episódios de grande envergadura para a narrativa da Recherche, como a audição da sonata por Swann e as experiências privilegiadas do narrador no Temps Retrouvé, passam-se igualmente em salões, demonstrando que a divisão radical que o narrador proustiano faz entre o eu social e o eu profundo só poderia existir nessa construção sistemática de episódios mundanos e muitas vezes comezinhos. 140 “O signo mundano aparece como substituto de uma ação ou um pensamento. Ele detém lugar de ação e de pensamento. É, pois, um signo que não remete a nenhuma outra coisa, significação transcendental ou conteúdo ideal, mas que usurpou o valor suposto de seu sentido”. 141 Cf. DELEUZE. Proust et les signes, p. 13. 83 Ainda segundo Deleuze, “L´apprentissage serait imparfait, et même impossible, s´il ne passait par eux” (1964, p.13)142, pois a vacuidade de tais signos demonstra, de certa maneira, um formalismo, uma ritualística de salão sem a qual o eu profundo não se forjaria. Por isso, de nossa parte, cremos serem essenciais para a narrativa os inúmeros personagens e episódios de salão, pois sem eles as experiências privilegiadas não teriam grande relevância. Não há como frisar a importância e a intermitência desses momentos se não houver um contínuo, um pano de fundo desses salões como contraponto. Em suma, não haveria tempo, ou ao menos passagem do tempo, pois é na frequentação constante desse mundo que percebemos o crescimento da compreensão do herói, que passa a ler e a interpretar esses signos mundanos ao mesmo tempo em que trava um contato substancial com a arte. Essa dualidade entre mundanidade e momentos privilegiados existe na obra proustiana, ainda que de modo irresoluto, desde Jean Santeuil. Blanchot, analisando essa obra inacabada, afirma que Proust teria como projeto inicial a concepção de uma arte pura que se concentrasse somente nos instantes privilegiados e evitasse o mero discurso romanesco. Il semble que Proust conçoit alors un art plus pur, concentré sur les seuls instants, sans remplissage, sans appel aux souvenirs volontaires, ni aux vérités d´ordre général formées ou raissaisies par l´intelligence, auxquelles plus tard il croira avoir fait une large place dans son oeuvre: en somme, un récit “pur” qui serait fait de ces seuls points d´où il prend origine, comme un ciel où, en dehors des étoiles, il n´y aurait que le vide143. (1959, p.30) Esses momentos, contudo, por virem inteiramente desconectados do restante da narrativa, formavam não um movimento, mas um retrato, ou se quisermos, imagens fixas que não permitiam, obviamente, a mobilidade temporal, culminante na reflexão feita pelo narrador no último romance da Recherche. Ao perceber as semelhanças entre a sensação 142 “A aprendizagem seria imperfeita, e mesmo impossível, se não passasse por eles”. “Parece que Proust concebe então uma arte mais pura, concentrada sobre instantes únicos, sem complementação, sem apelo às lembranças voluntárias, nem às verdades de ordem geral, formadas ou compreendidas pela inteligência, às quais mais tarde ele acreditará ter dado um grande espaço em sua obra: em suma, uma narrativa ‘pura’ que seria feita desses pontos únicos dos quais ela se origina, como um céu onde, afora as estrelas, só haverá o vazio”. 143 84 presente (desnível do piso no pátio dos Guermantes) e a passada (o mesmo desnível nos azulejos do batistério de São Marcos, em Veneza), o narrador compreende, consequentemente, que por mais fugaz que seja essa experiência, por instantes, somos seres fora do tempo. Esta abolição temporal só pode ser expressa se estivermos completamente mergulhados em uma temporalidade narrativa muito densa. Neste caso, na do universo dos salões, pois como afirmamos, a intermitência dos momentos privilegiados só será detectada dentro de uma continuidade espessa, ou como afirma Blanchot “(...) c´est par la continuité la plus dense et la plus substantielle que l´oeuvre réussit à représenter ce qu´il y a de plus discontinu, l´intermittence de ces instants de lumière d´où lui vient la possibilité d ´écrire”144 (1959, p. 33). Retomando igualmente a noção de signos amorosos, se Deleuze os considera mentirosos – “Les signes amoureux (...) ce sont des signes mensongers qui ne peuvent s ´adresser à nous qu´en cachant ce qu´ils expriment”145 –, nesse estado da narrativa podemos afirmar que o amor esteriliza a imaginação. No universo proustiano, amar uma mulher e não possuí-la permite a composição de um mundo imaginário e fictício em torno dela. É cercá-la de histórias, de nomes, de espaços desconhecidos, como no caso do amor do protagonista por Gilberte, pela duquesa de Guermantes, por Albertine. Amar seria, portanto, projetar-se em um objeto que por si não tem tanta importância. Depuis que j´ai vu Albertine, j´avais fait chaque jours à son sujet des milliers de réflexions, j´avais poursuivi, avec ce que j´appelais elle, tout un entretien intérieur où je la faisais questionner, répondre, penser, agir, et dans la série indéfinie d´Albertines imaginées qui se succédaient en moi heure par heure, l´Albertine réelle (...) ne figurait qu´en tête, comme la « créatrice » d´un rôle (...). Cette Albertine-là n´était guère qu´une silhouette, tout ce qui s´y était superposé était de mon cru (...).(OJFF, p. 213-4)146 144 “(...) é pela continuidade mais densa e mais substancial que a obra consegue representar aquilo que é mais descontínuo, a intermitência desses instantes de luz dos quais provem a possibilidade de escrever”. 145 “Os signos amorosos (...) são signos mentirosos que só podem se dirigir a nós escondendo o que exprimem”. 146 “Desde que vira Albertine, fazia todos os dias mil reflexões a seu respeito, mantinha com o que eu chamava Albertine todo um colóquio interior, em que lhe inspirava perguntas e respostas, pensamentos e ações e, na série 85 No amor, portanto, essas contribuições originárias do amante, que se sobrepõem ao objeto desejado, muitas vezes “l´emportent – à ne se placer même qu´au point de vue de la quantité – sur ceux qui nous viennent de l´être aimé” (OJFF, p. 214)147. No entanto, possuir a mulher amada é, ao mesmo tempo, realizar um desejo, cessar a angústia, e ver desmoronar diante de si todo esse universo construído para ela, que consiste em ver ruir o próprio sentimento amoroso. Si je n´aimais pas Albertine (ce dont je n´étais pas sûr), cette place qu´elle tenait auprès de moi n´avait rien d´extraordinaire : nous ne vivons qu´avec ce que nous n´aimons pas, que nous n´avons fait vivre avec nous que pour tuer l´insupportable amour (...). (LP, p. 605)148 Nas palavras de Nicolas Grimaldi, “Como só podemos amar aquilo cuja ausência obseda e devasta a nossa vida, sua presença, pelo contrário, ao mesmo em tempo que tranqüiliza, destrói, contudo, nosso amor” (1994, p. 24). Retornando a Albertine e ao episódio analisado neste capítulo, a presença da jovem é sem dúvida castradora dos pensamentos do protagonista, mas não sem contradições, pois ela é igualmente tida como valorosa, rica, comparada a um tesouro em troca do qual o herói alienou sua liberdade, sua solidão, seu pensamento e que possui um significado para ele. É a essa presença, metaforizada pela janela iluminada e que para os outros não passa de um dado desinteressante, que o herói imputa um valor, uma consistência e uma plenitude que remetem a toda a história de amor, desejo e conquista da mulher amada. O narrador justapõe dois tempos, um passado feliz que se reporta à Albertine marinha, ao amor juvenil nascido em Balbec e à dor suscitada pela desconfiança concernente à sexualidade da personagem feminina, elementos que valorizam o objeto amado; e o presente que se refere a uma indefinida de Albertines imaginadas que se sucediam em meu espírito de hora a hora, a Albertine de verdade, (...)só figurava à frente como a criadora de um papel (...). Essa Albertine quase se reduzia a uma silhueta; tudo o que se lhe sobrepunha era de minha invenção (...)”. (Trad., p. 512). 147 “(...) suplantam – ainda que apenas do ponto de vista da quantidade – aquelas que nos vêm da criatura amada”. (Trad., p.513) 148 “Se eu não amasse Albertine (do que não estava certo), o lugar que ela ocupava junto a mim não teria nada de extraordinário: é que não vivemos senão com o que não amamos, com o que fizemos viver conosco senão para matar o insuportável amor (...)”. (Trad., p.89-90) 86 Albertine cativa, domesticada, a um amor espicaçado pelo cotidiano que torna a companhia da amada já quase insuportável. “Je sentais que ma vie avec Albertine n´était, pour une part, quand je n´étais pas jaloux, qu´ennui, pour l´autre part, quand j´étais jaloux, que souffrance” (LP, p. 895)149. Prazer e tédio tensionam-se, compondo o paradoxo deste episódio: há o momento das carícias, mas ele é um empecilho para o desconhecido, para o desfrute de outras mulheres; há satisfação na certeza da presença de uma jovem há alguns passos de seu quarto, mas há enfado em privar-se de solidão. Desta maneira, notamos que é por meio das imagens que metaforizam a janela iluminada que Proust potencializa essa relação ambígua na qual os sintagmas “barres d´or parallèles” [barras de ouro paralelas], “lumineux grillage” [grades luminosas] e “les inflexibles barreaux d´or” [hásteas de ouro]150 ao mesmo tempo em que expõem o elemento direto da representação – a janela – evocam de forma contundente a noção de prisão que reverbera no episódio. Vale lembrar que a palavra “barreaux”, por exemplo, pode ser aplicada tanto para designar os componentes de uma janela como de uma prisão e mesmo que a tradução tenha escolhido a palavra “hásteas”, poder-se-ia adotar o termo “grade”, que detém a imagem da janela e da prisão construída por Proust. Evidentemente, nosso intuito não é criticar a tradução brasileira, apenas frisar que a escolha das palavras por Proust não foi aleatória, o que torna o termo “hásteas” incapaz de condensar e remeter à idéia associada de janela e prisão, algo que se deve sobretudo ao fato de que o léxico português para esse campo semântico é mais restrito do que o francês, e não propriamente a uma imperícia. 149 “Sentia que minha vida com Albertine não era, de minha parte, quando eu não tinha ciúmes, senão aborrecimento, e por outro lado, quando os tinha, senão sofrimento”. (Trad., p. 367) 150 Retomamos aqui a tradução brasileira. 87 Se em francês, as palavras barres, grillage e barreaux são completamente aplicáveis tanto para à janela, quanto para à prisão, em português, grillage e barreaux possuem o mesmo sentido – grade – causando, portanto, uma repetição que os tradutores preferiram, com acerto, evitar. Ademais, a supressão do adjetivo “inflexibles” na tradução rompe igualmente com a imagem elaborada por Proust, que nesse momento da narrativa, produz metáforas que repercutem não somente a relação paradoxal do protagonista e sua amada, mas o título do romance, daí a importância de tal cena, desse “coup de théâtre” dado pelo escritor. Sendo assim, a janela, caracterizada como cela, torna-se instrumento de tortura e de sofrimento, forjados pelo próprio personagem principal que, mesmo estando fora, percebe sua condição de cativo e de “servidão eterna”. O elemento ouro, por sua vez retoma a cor dourada da luz emanada do quarto de Albertine (metonímia de sua presença) e o tesouro, a riqueza escondida e insuspeita de todos, que consiste na posse da mulher amada. É nessa composição ou justaposição de termos semanticamente antagônicos e altamente sugestivos que Proust realiza a tensão existente no episódio, recuperando e intensificando o título do romance e preparando seu desfecho com a fuga da jovem, pois instaura uma relação que posteriormente saberemos ser insuportável para ambos. Mais si je raisonnais au contraire d´après l´autre hypothèse, celle qui s ´appuyait non sur les paroles d´Albertine, mais sur des silences, des regards, des rougeurs, des bouderies (...) alors je me disais que cette vie lui était insupportable (...). (LP, p. 894)151 Mas se até aqui analisamos a importância que esse episódio terá na vida do herói e no romance A Prisioneira, verificaremos doravante, seu valor e sua repercussão na Recherche. O leitor da obra proustiana lembrar-se-á de outra janela, cuja cena é igualmente teatral, referente aos personagens Swann e Odette. Por um erro de percepção, Swann engana-se de 151 “Mas quando eu raciocinava, ao contrário, de acordo com a outra hipótese, a que se apoiava não nas palavras de Albertine, mas em silêncios, olhares, rubores, amuos (...) então eu concluía que aquela vida lhe era insuportável (...)”. (Trad., p.366) 88 janela e acredita que Odette está em companhia de outro, fato reforçado pelas duas sombras que o personagem vê passar diante da veneziana iluminada. O coup de théâtre está prestes a ocorrer, com Swann a ponto de flagrar Odette e seu suposto amante. Porém, logo descobrimos que o enciumado confundira as janelas, surpreendendo assim dois velhos senhores que conversavam no interior do aposento. Desfecho cômico e risível, muito distinto do episódio descrito em La Prisonnière. Não é raro encontrarmos ao longo da Recherche repetições de temas e situações, e poderíamos dizer que isto garante não somente uma unidade entre os diferentes romances, mas também constrói uma memória no leitor. Por isso, cremos ser necessária a recuperação e a análise desse primeiro episódio elaborado em Côté de chez Swann, pois somente assim compreenderemos o efeito que tal repetição proporciona à narrativa. Resumindo a cena, após uma forte tempestade, Swann chega à casa de Odette tarde da noite, e ela, cansada e indisposta por causa do temporal, passa apenas meia hora com seu amante e se recusa a “faire catleya” 152. Ele parte conformado, mas chegando ao seu apartamento, é tomado pelo ciúme e pelas suspeitas com relação ao emprego que Odette fazia de seu tempo. Percebe então que aquela indisposição poderia ser um pretexto para mandá-lo embora e receber, quiçá, outro amante. Ele decide voltar à rua da amada para espioná-la e ter a prova de sua traição. (...) il descendit de voiture, tout était désert et noir dans ce quartier, il n´eut que quelques pas à faire à pied et déboucha presque devant chez elle. Parmi l ´obscurité de toutes les fenêtres éteintes depuis longtemps dans la rue, il en vit une seule d´où débordait – entre les voltes qui en pressaient la pulpe mystérieuse et dorée – la lumière qui remplissait la chambre et qui, tant d ´autres soirs, du plus loin qu´il l´apercevait en arrivant dans la rue, le réjouissait et lui annonçait: “elle est là qui t´attend” et qui maintenant, le torturait en lui disant: “elle est là avec celui qu´elle attendait”. (CS, p. 268)153 152 Expressão usada pelo casal Swann e Odette para referir-se à relação sexual. “(...) apeou do carro, o quarteirão estava deserto e às escuras, bastou-lhe andar alguns passos e foi dar quase diante da casa de Odette. Em meio à obscuridade de todas as janelas de há muito apagadas na rua, viu uma única de onde extravasava – entre os postigos que lhe premiam a polpa misteriosa e dourada – a luz que enchia o quarto e que, em tantas outras noites, por mais longe que a visse ao entrar na rua, logo o alegrava, anunciandolhe: ‘Ela está aqui a esperar-te’ e que agora o torturava, dizendo-lhe: ‘Ela está aqui, com aquele a quem 153 89 É interessante notar que Proust recupera dessa cena alguns componentes que integrarão o episódio da Prisioneira visto anteriormente. A frase “il descendit de voiture” do Côté de chez Swann ecoa fortemente na frase “je descendis de voiture” do La prisonnière e a composição entre a rua e a janela iluminada que se destaca de um cenário obscuro é igualmente recuperada. A cor dourada, bem como o elemento ouro são utilizados em ambos os trechos “Certes, il souffrait de voir cette lumière dans l´atmosphère d´or de laquelle se mouvait derrière le châssis le couple invisible et détesté, d´entendre ce murmure qui révélait la présence de celui qui était venu après son départ” (CS, p. 268-9) 154, significando igualmente a luz e a presença de pessoas – Albertine no La prisonnière, Odette e seu suposto amante em Côté de chez Swann – cenário misterioso para Swann, mas familiar para o herói. Notamos que a visão da janela iluminada é um instrumento de tortura para os personagens masculinos, sofrimento desencadeado pelo ciúme e pela tentativa de posse do ser amado. Et pourtant il était content d´être venu: le tourment qui l´avait forcé de sortir de chez lui avait perdu de son acuité en perdant de son vague, maintenant que l´autre vie d´Odette, dont il avait eu, à ce moment-là, le brusque et impuissant soupçon, il la tenait là, éclairée en plein par la lampe, prisonnière sans le savoir dans cette chambre où, quand il le voudrait, il entrerait la surprendre et la capturer (...)155. (CS, p.269) Porém, apesar do sofrimento desencadeado primeiramente pela suspeita, e posteriormente pela descoberta que julgava fazer, Swann contenta-se com elas. Satisfaz-lhe a possibilidade de surpreender Odette e confirmar suas desconfianças, em um desejo frenético esperava’. (Trad., p.335) 154 “Sofria ao ver aquela luz, em cuja atmosfera de ouro se movia, por trás dos postigos, o par invisível e detestado; sofria ao ouvir aquele murmúrio que revelava a presença do homem que chegara após sua partida”. (Trad., p. 335) 155 “E no entanto estava contente de ter vindo: a tortura que o tinha forçado a sair de casa perdera em acuidade o que ganhara em precisão, agora que a outra vida de Odette, de que tivera naquele momento súbita e impotente suspeita, ele a tinha ali, alumiada em cheio pela lâmpada, aprisionada sem saber naquele quarto, onde entraria quando quisesse para a surpreender e capturar(...)”. (Trad., p. 335-6) 90 de conhecer a verdade. Este episódio é, assim como o do La prisonnière, portador de um paradoxo, ou seja, do sofrimento e da alegria sentidos simultaneamente por Swann e pelo protagonista. É curioso verificar que tanto Odette como Albertine estão, em seus respectivos momentos da narrativa, sob o julgo de seus amantes, e o adjetivo “prisioneira” cabe igualmente a Odette e à jovem em flor. Se uma tem consciência de sua condição, a outra é prisioneira sem o saber. Essa superioridade masculina revela-se, posteriormente, muito frágil e enganosa, pois não os poupará de dissabores e tristezas: como vimos, o herói possui clareza de sua situação de prisioneiro e Swann, mesmo apaziguado pela confusão que cometera, sofre ao recordar essa aventura156. Swann percebe-se suscetível a todos os signos, gestos e sorrisos emitidos por Odette e busca, sem sucesso, compreendê-los e lhes dar sentido. No entanto, o desejo de verdade instiga-lhe a curiosidade, e mesmo sabendo que declararia indiretamente seu excesso de amor e de ciúme, não hesita em satisfazer sua vontade imediata e resolve bater nos postigos, como sempre o fizera para alertar Odette de sua chegada. Il savait que la réalité de circonstances qu´il eût donné sa vie pour restituer exactement, était lisible derrière cette fenêtre striée de lumière, comme sous la couverture enluminée d´or d´un de ces manuscrits précieux à la richesse artistique elle-même desquels le savant qui les consulte ne peut rester indifférent. Il éprouvait une volupté à connaître la vérité qui le passionnait dans cet exemplaire unique, éphémère et précieux, d´une matière translucide, si chaude et si belle. Et puis l´avantage qu´il se sentait – qu´il avait tant besoin de sentir – sur eux, était peut-être moins de savoir, que de pouvoir leur montrer qu´il savait. Il se haussa sur la pointe des pieds. Il frappa. (...) Il regarda. Devant lui, deux vieux messieurs étaient à la fenêtre, l ´un tenant une lampe, et alors, il vit la chambre, une chambre inconnue 157. 156 “Mais, par moments, un mouvement de sa pensée venait en rencontrer le souvenir qu´elle n´avait pas aperçu, le heurtait, l´enfonçait plus avant, et Swann avait ressenti une douleur brusque et profonde”. [“Mas por vezes uma volta de seu pensamento ia, sem o perceber, ao encontro daquela recordação, batia-lhe, aprofundava-a mais, e Swann sentia uma dor brusca e intensa”]. (CS, p.271; Trad., p. 338) 157 “Sabia que a realidade das circunstâncias, que ele daria a vida para reconstituir exatamente, achava-se ali legível por trás daquela janela estriada de luz, como sob a capa, iluminada a ouro, de um desses preciosos manuscritos, a cuja riqueza artística não pode ficar indiferente o erudito que os consulta. Sentia uma grande volúpia em conhecer a verdade que o apaixonava naquele exemplar único, efêmero e precioso, de um translúcido material, tão cálido e belo. E depois a vantagem que sentia – que tinha tanta necessidade de sentir – sobre eles não consistia tanto em saber, mas em poder mostrar-lhes que sabia. Ergueu-se nas pontas dos pés. Bateu. (...) 91 (CS, p.270-1) É notável como Proust recupera imagens desse episódio para compor o do La prisonnière. Há semelhanças incontestáveis entre “la fenêtre striée de lumière” [“a janela estriada pela luz”] do Côté de chez Swann e “ la lumière (...) qui striait de haut en bas de barres d´or parallèles” [“a luz (...) que estriava, de alto a baixo barras de ouro paralelas”] de La prisonnière. Além disso, a menção ao “precioso manuscrito”, cuja capa é iluminada a ouro, alude ao “grimoire magique” do herói, traduzido como “signo mágico”, mas podendo ser traduzido igualmente por “livro de magia”. Se em Côté de chez Swann, a janela iluminada é comparada a um manuscrito precioso e Swann ao erudito ansioso por decifrar, ler esse exemplar único, para o personagem principal, o “livro de magia” lhe era tão claro quanto invisível a Brichot e a todos os amigos que ignoravam a presença de Albertine: “Ce grimoire magique, tant il était clair pour moi (...) était invisible pour Brichot resté dans la voiture, presque aveugle.” [“Esse signo mágico (...) era tão claro para mim quanto era invisível para Brichot, que ficara quase cego, no carro”] (LP, p. 833; Trad., p. 308). Podemos dizer que enquanto Swann está em vias de “ler esse manuscrito único”, o narrador-herói nesse nível da narrativa já leu seu “livro de magia”, já sabe o que lhe espera. Esse jogo entre saber e não saber torna os episódios ainda mais interessantes, pois é nele que os personagens se satisfazem e se sentem superiores. Swann realiza-se antes pelo fato de mostrar que sabe do que pela descoberta em si. Sente-se superior a Odette e a seu hipotético amante, pois eles ignoravam sua artimanha, seu conhecimento e sua presença, enquanto Marcel satisfaz-se em saber que todos desconheciam a presença de Albertine. Depois de traçados os paralelos entre os episódios, parece-nos evidente que Proust retomou a cena da janela desenvolvida no Côté de Swann para compor a da Prisonnière, Olhou. Diante dele, à janela, achavam-se dois senhores idosos, um dos quais segurava um lampião, e então viu o quarto, um quarto desconhecido”. (Trad., p.337) 92 embora não tenhamos encontrado nenhuma referência a esse respeito nas versões manuscritas utilizadas para a elaboração do episódio do La prisonnière, como veremos posteriormente. Esse diálogo entre cenas muito semelhantes instaura uma unidade na narrativa da Recherche, promovendo uma identidade entre Swann e o herói e colocando o protagonista na linhagem de ciumentos descritos na obra. Além disso, permite fixar um dos temas mais basilares da obra de Proust, problemática que ultrapassa os limites da Recherche o do amor, ou em outros termos, o do ciúme, do amor como sofrimento158. É a partir de casos particulares que o narrador proustiano chega às leis universais do que seria o sentimento amoroso entre homens e mulheres. Tanto o amor de Swann, quanto o de Marcel se estabelecem a partir de uma falta, de uma angústia pela ausência ou inacessibilidade da mulher amada. O amor de Swann não teria começado no instante em que ele não encontrara Odette em casa dos Verdurin? O interesse do herói por Albertine não se iniciou muito mais pelo desejo em adentrar em um mundo desconhecido, inatingível, do que pelas qualidades da jovem? Segundo o narrador proustiano “Tout un processus d´angoisses se développe et suffit pour fixer notre amour sur elle, qui en est l´objet à peine connu de nous. L´amour devient immense, nous ne songeons pas combien la femme réelle y tient peu de place”. (OJFF, p. 213)159. Tudo é invenção, projeção de um estado de alma que, curiosamente, é desencadeado pela angústia. (...) puisque ce n´est pas notre goût délibéré, mais le hasard d´une minute d ´angoisse, minute indéfiniment prolongée par notre faiblesse de caractère, laquelle refait chaque soir des expériences et s´abaisse à des calmants, qui a choisi pour nous. (LP, p. 602)160 158 Como veremos mais adiante, Proust já desenvolve o tema do ciumento e do sofrimento amoroso em seus textos anteriores, como Les plaisirs et les jours, com a novela “La fin de la jalousie” e em seu romance inacabado Jean Santeuil. 159 “Desenvolve-se todo um processo de angústias, o que basta para sujeitar o nosso amor a essa mulher, objeto que mal conhecemos, desse amor. A paixão chega a tornar-se imensa, e ocorre-nos reconhecer que lugar diminuto ocupa dentro dela a mulher real”. (Trad., p. 512) 160 “(...) pois não é o nosso gosto deliberado, mas o acaso de um minuto de angústia, minuto indefinidamente prolongado pela nossa fraqueza de caráter, a qual refaz todas as noites as experiências e se degrada até os 93 A inquietação é nutrida pelo anseio de integrar esse universo desconhecido do qual a mulher amada faz parte, mundo imaginado e desejado por aquele que ama. Uma vez conquistada a mulher, esse tormento intensifica-se pelo ciúme, pois o amante apercebe-se de que essa “terra” é impenetrável: “Par instants, dans les yeux d´Albertine, dans la brusque inflammation de son teint, je sentais comme un éclair de chaleur passer furtivement dans des régions plus inaccessibles pour moi que le ciel (...)”. (LP, p. 887)161. Por esse motivo, a relação amorosa traz sempre muito sofrimento e desgosto àquele que ama. A pretensão é de entender, por exemplo, o que significa o enrubescimento de Albertine, ou este ou aquele sorriso de Odette: tarefa impossível, que nada explica e só aumenta o campo das possíveis causas. Aquele mistério que outrora desencadeara o amor é agora fonte de desespero, “(...) cette beauté qu´en pensant aux années successives où j´avais connu Albertine, (...) cette beauté prenait pour moi quelque chose de déchirant” (LP, p.888)162. Como afirma Franklin Leopoldo e Silva: O amor realizado é, paradoxalmente, ocasião para uma das mais altas manifestações da dor, somente inferior à dor da perda e da morte. A realização do amor é aquele estágio em que, possuindo o ser amado, sendo senhor de seus atos, tendo-o como prisioneiro, ao mesmo tempo não o temos, porque não podemos penetrar na sua alma, não podemos pôr a nu a faculdade de elaboração de signos, e isto é só o que nos daria completo domínio sobre ele. (1972, p. 201) Por isso, no universo proustiano, o sentimento amoroso almeja antes o esquecimento e a interrupção do sofrimento do que a duração da relação: “E não será, com efeito, um dos paradoxos do amor em Proust o aspirar ele bem menos à eternidade do que ao esquecimento, e bem menos ao fervor ou ao frenesi do que a placidez e a indiferença?” (GRIMALDI, 1994, p. 6). calmantes, quem escolhe por nós”. (Trad., p.87) 161 “Por vezes, nos olhos de Albertine, no súbito afogueamento das suas faces, eu sentia como um relâmpago de calor passar furtivamente em regiões mais inacessíveis para mim do que o céu (...)”. (Trad., p. 360) 162 “(...) aquela beleza que, ao pensar nos anos sucessivos que eu conhecera Albertine, (...) aquela beleza assumia para mim não sei quê de pungente”. (Trad., p. 360) 94 Nesse sistema o amante, após cessar a dor e, por conseqüência, o amor, compreende o quão ínfimo era o objeto de seu sentimento, que lhe causou tantos dissabores. Swann desabafa “Dire que j´ai gaché des années de ma vie, que j´ai voulu mourir, que j´ai eu mon plus grand amour, pour une femme qui ne me plaisait pas, qui n´était pas mon genre” (CS, p. 375)163. E o narrador-herói, por meio da constatação do desaparecimento da dor que trazia certo apaziguamento para suas angústias, declara: “je sentais le néant qu´elle [Albertine] était pour moi, que je devais être pour elle” (LP, p. 538)164. Essa lucidez dos personagens com relação ao amor agrava suas condições, pois embora compreendam que tudo não passou de uma cristalização165 do objeto amado e de um conhecimento de si mesmo (pois apenas se projetaram nesses seres), não são capazes de desvencilhar-se do inferno que criaram. Por todas as razões consideradas até aqui, podemos afirmar que o episódio da janela iluminada ultrapassa sua condição de evento narrativo para atingir o de motivo literário, ou por que não, de leitmotiv, análogo ao vestido de Fortuny, analisado no capítulo anterior. Afinal, esses episódios de diálogo intenso estabelecem um elo entre personagens e uma unidade na exposição filosófica do amor, do sofrimento e do ciúme, construindo, assim, mais uma das unidades da Recherche. O amor de Swann especializa-se no do protagonista para mostrar que, mesmo possuindo e controlando o ser amado, nunca o teremos por completo, e os tormentos causados por essa posse não são de somenos. 3.2 A “fenêtre éclairée” em Jean Santeuil É importante desdobrar o destaque anterior de que dentro do projeto escritural de 163 “E dizer que eu estraguei anos inteiros de minha vida, que desejei a morte, que tive o meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não era meu tipo”. (Trad., p. 455) 164 “eu sentia o nada que ela [Albertine] era para mim, e que eu devia ser para ela”. (Trad., p.26) 165 Termo cunhado por Stendhal para caracterizar a ilusão que construímos em torno de quem amamos e que será comentado mais adiante. 95 Proust a cena da “fenêtre éclairée” do Côté de Swann já havia sido elaborada muito antes do início da composição da Recherche. É no romance inacabado Jean Santeuil, cujos manuscritos foram primeiramente estudados e editados por Bernard de Fallois, e posteriormente revistos e corrigidos por Pierre Clarac e Yves Sandre, que encontramos, na nona parte, em um capítulo intitulado “De l ´amour”, o episódio da “fenêtre éclairée” e o gérmen de toda a teoria do amor e do ciúme que será desenvolvida na Recherche. Se podemos atribuir, por exemplo, a cristalização do objeto amado e as questões amorosas que operam na Recherche a um possível diálogo com Stendhal, essa correspondência fica-nos evidente nesse capítulo de Jean Santeuil pelo uso que Proust faz do título da obra stendhaliana. Além disso, o texto começa citando explicitamente parte da concepção amorosa de Stendhal. Stendhal qui est si matérialiste, pour qui les choses en dehors de nos dispositions, même de nos dispositions physiques, semblent avoir une importance réelle pour nous (...) a toujours mis au-dessus de tout l´amour, qui pour lui semble faire un avec la vie intérieure. Ce qui fait qu´on aime la solitude, qu´on y a mille pensées, que la nature nous devient compréhensible et éloquante, pour lui c´est l´amour. Il semble n´avoir connu la poésie que sous la forme de l´amour. (JS, p. 121)166 Neste excerto, o narrador de Jean Santeuil declara que Stendhal, sendo ele materialista, considera importantes as coisas que estão fora de nossa vida interior, em compensação, ele atribui a origem do amor a essa vida, o que, em outros termos, significa que o sentimento amoroso parte somente daquilo que está contido em nossa alma, não de um objeto exterior, no caso o ser amado. Vimos no tópico anterior que Proust elabora uma filosofia do amor baseada na angústia e no sofrimento. O amor só nasceria de uma falta, de uma ausência ou da 166 “Stendhal que é tão materialista, para quem as coisas fora de nossas disposições, mesmo de nossas disposições físicas, parecem ter uma importância real para nós (...) sempre colocou acima de tudo o amor, que para ele parece fazer um uno com a vida interior. O que faz com que amemos a solidão, com que tenhamos aí mil pensamentos, que a natureza se torne compreensível e eloquente para nós, para ele é o amor. Parece que ele só conheceu a poesia sob a forma do amor”. 96 impossibilidade de possuir o objeto amado. São esses estados de alma que selecionam o ser amado a despeito de suas qualidades, que passam a uma condição menor. Parece-nos que as concepções de Stendhal e Proust convergem, apesar de algumas diferenças essenciais. Para Stendhal, não é a angústia a desencadeadora do sentimento amoroso, mas a esperança: “Il suffit d´un très petit degré d´espérance pour causer la naissance de l´amour”167 (1927, p.38). Contudo, elementos como o ciúme, a cristalização e a idealização da mulher amada são pontos comuns entre os escritores. Em seu tratado categorizador dos gêneros amorosos intitulado De l´amour, Stendhal expõe, por uma bela imagem, o fenômeno da cristalização: Aux mines de sel de Salzbourg, on jette, dans les profondeurs abandonnées de la mine, un rameau d´arbre effeuillé par l´hiver; deux ou trois mois après on le retire couvert de cristallisations brillantes: les plus petites branches, celles qui ne sont pas plus grosses que la patte d´un mésange, sont garnies d ´une infinité de diamants, mobiles et éblouissants ; on ne peut plus reconnaître le rameau primitif. (1927, p.33)168 Esse raminho tão fino como a pata de um passarinho, que ao cabo de alguns meses se vê adornado por cristais de sal, não corresponderia, na obra proustiana, à beleza tão sem importância de Odette ou à fina silhueta de Albertine na praia de Balbec? Mesmo quando foram apresentados, a beleza de Odette de Crécy não era somente indiferente, mas não despertava desejo algum em Swann: (...) quand un jour au théâtre il fut présenté à Odette de Crécy, (...) elle était apparue à Swann non pas certes sans beauté, mais d´un genre de beauté qui lui était indifférente, qui ne lui inspirait aucun désir, lui causait même une sorte de répulsion physique. (CS, p. 192-3)169 Mesmo com as constantes visitas de Odette, Swann não cessava de sentir certa 167 “Basta um pequeníssimo grau de esperança para causar o nascimento do amor”. “Nas minas de sal de Salzburg, jogamos nas profundezas abandonadas da mina, um raminho de árvore desfolhado pelo inverno; dois ou três meses depois, o retiramos coberto de cristalizações brilhantes: os menores galhos, aqueles que não são mais grossos do que a pata de um canário-da-terra, ficam cheios de uma infinidade de diamantes, móveis e ofuscantes; não se pode mais reconhecer o raminho primitivo”. 169 “(...) quando um dia no teatro foi apresentado a Odette de Crécy (...) ela se afigurara a Swann não por certo sem beleza, mas de um gênero de beleza que lhe era indiferente, que não lhe inspirava nenhum desejo, que até lhe causava uma espécie de repulsa física”. (Trad., p.247) 168 97 decepção ao ver aquele rosto excessivamente expressivo e fanado, apesar de sua juventude: “et sans doute chacune d´elle [as visitas] renouvelait pour lui la déception qu´il éprouvait à se retrouver devant ce visage” (CS, p. 194)170. Contudo, esse gênero de beleza que era tão desinteressante a Swann é elevado ao estatuto artístico quando ele compara Odette a um personagem de Botticelli pintado em um afresco da Capela Sistina. A primeira Odette, aquele “raminho primitivo” foi cristalizado e adornado não pelos sais das minas de Salzburg, mas pela pintura italiana. Após essa associação entre a mulher real e a pintura, o corpo de Odette, que nunca havia inspirado nada em Swann, torna-se o original carnal de Zéphora, a filha de Jéthro. E é somente a partir desse momento que Swann encontra uma justificativa para as inúmeras horas passadas ao seu lado. Seus defeitos primevos são, finalmente, suplantados pelas qualidades e importância da pintura, fazendo com que Swann renove sua forma de olhar aquele rosto outrora desagradável: Il n´estima plus le visage d´Odette selon la plus ou moins bonne qualité de ses joues et d´après la douceur purement carnée qu´il supposait devoir leur trouver en les touchant avec ses lèvres si jamais il osait l´embrasser, mais comme um écheveau de lignes subtiles et belles que ses regards dévidèrent, poursuivant la courbe de leur enroulement, rejoignant la cadence de la nuque à l´effusion des cheveux et à la flexion des paupières, comme en un portrait d´elle en lequel son type devenait intelligible et clair. (CS, p. 220)171 Segundo Stendhal, o próprio da cristalização “c´est l´opération de l´esprit, qui tire de tout ce qui se présente la découverte que l´objet aimé a de nouvelles perfections” (1927, p. 33)172. Mas essa descoberta nada mais é do que a coleção de prazeres, de desejos e satisfações que o amante formará com relação à amada. Assim, Stendhal afirma que “la cristallisation formée dans la tête de chaque homme doit porter la couleur des plaisirs de cet homme” (1927, 170 “e sem dúvida cada visita renovava para ele a sua decepção ante aquele rosto”. (Trad., p. 248) “Não mais apreciou o rosto de Odette segundo a melhor ou pior qualidade de suas faces ou a suavidade puramente carnal que lhes supunha encontrar ao contato dos lábios, se jamais ousasse beijá-la, mas sim como uma meada de linhas sutis e belas que seus olhares dobavam, seguindo a curva de seu enrolamento, ligando a cadência da nuca à efusão dos cabelos e à flexão das pálpebras, como num retrato dela em que seu tipo se tornava inteligível e claro”. (Trad., p. 279) 172 “é a operação do espírito que tira de tudo o que se lhe apresenta a descoberta de que o objeto amado possui novas perfeições”. 171 98 p.63)173. Nada mais corroborativo com relação ao amor na obra proustiana, quando o narrador afirma que “(...) étant amoureux d´une femme nous projetons simplement en elle un état de notre âme ; que par conséquent l´important n´est pas la valeur de la femme mais la profondeur de l´état” (OJFF, p. 189)174. A cor dos prazeres e das satisfações de Swann está fortemente aliada ao seu apego e adoração pela arte, enquanto para o herói da Recherche, o mistério das moças em flor está altamente ligado à paisagem marinha. Mais quand, même ne le sachant pas, je pensais à elles, plus inconsciemment encore, elles, c´était pour moi les ondulations montueuses et bleues de la mer, le profil d´un défilé devant la mer. C´était la mer que j´espérais retrouver, si j´allais dans quelques villes où elles seraient. L´amour le plus exclusif pour une personne est toujours l´amour d´autre chose. (OJFF, p. 189)175 A partir dessas considerações feitas a respeito da cristalização stendhaliana e por que não dizer igualmente proustianas, pôde-se verificar a expressiva estreiteza entre os pontos de vista de ambos os escritores. Mas aquilo que notamos disperso na Recherche, ou seja, a filosofia amorosa que surge entremeada por episódios romanescos, encontramo-lo de maneira profundamente condensada nesse capítulo de Jean Santeuil. Proust busca o entrelaçamento desse desenvolvimento das leis do amor com o episódio fictício que será contado, o amor de Jean pela Mme. S.. Esse evento narrativo ficará, no entanto, restrito a esse primeiro capítulo da nona parte e não terá conexão com as outras seções. Poderíamos dizer que essa é uma das principais características desse romance inacabado e uma das primordiais diferenças com a Recherche. Como viemos analisando até este momento, escrever a Recherche era de certa forma, 173 “a cristalização formada na cabeça de cada homem deve conter a cor dos prazeres desse homem” (o grifo é do autor). 174 “(...)ao nos enamorarmos de uma mulher, projetamos simplesmente nela um estado de nossa alma; que por conseguinte o importante não é o valor da mulher, mas a profundeza do estado”. (Trad., p.485) 175 “Mas quando pensava nelas, embora sem o saber, sucedia que, ainda mais inconscientemente, elas eram para mim aquelas ondulações monstruosas e azuis do mar, o perfil de um desfiladeiro diante do mar. Era o mar que eu esperava encontrar, se fosse a alguma cidade onde estivessem. O amor mais exclusivo por uma pessoa é sempre o amor por outra coisa”. (Trad., p.485) 99 elaborar repetições e leitmotiv que garantissem uma unidade entre os vários fragmentos desenvolvidos nos manuscritos. Uma das possíveis causas do abandono do romance Jean Santeuil poderia ser essa falta de vínculo profundo entre os episódios. De caráter fortemente autobiográfico, Jean Santeuil inaugura o gênero romance na carreira literária de Proust, mas ainda proporciona questões e dúvidas no jovem escritor. Em uma carta a Marie Nordlinger, prima inglesa de seu amigo Reynaldo Hahn, Proust menciona: Je travaille depuis très longtemps à un ouvrage de très longue haleine, mais sans rien achever. Et il y a des moments où je me demande si je ne ressemble pas au mari de Dorothée Brook dans Middlemarch et si je n'amasse pas des ruines. Depuis une quinzaine de jours je m'occupe à un petit travail absolument différent de ce que je fais généralement, à propos de Ruskin et de certaines cathédrales. (Corresp., t. II, p. 377)176 O abandono do romance e o mergulho nas traduções das obras de Ruskin, desvio considerável das atividades literárias, durou seis anos até Proust dedicar-se finalmente à Recherche. O inacabamento de Jean Santeuil, ou pior, a consciência de sua provável irrealização, de seu previsto fracasso foi uma das preocupações de Proust que, em determinados momentos, indagava-se sobre sua condição de romancista. Logo na introdução do romance em questão177, Proust escreve: “Puis-je appeler ce livre un roman? C´est moins peut-être et bien plus, l´essence même de ma vie recueillie sans y rien mêler, dans ces heures de déchirure où elle découle. Ce livre n´a jamais été fait, il a été récolté” (JS, p.31)178. Essa “colheita” irá justapor um grande número de episódios distintos, escritos tanto em folhas avulsas, quanto em páginas de caderno, que ficariam por montar. Como 176 “Eu trabalho há muito tempo numa obra de grande fôlego, mas sem acabar nada. Há momentos em que me pergunto se eu não pareço com o marido de Dorothée Brook em Middlemarch e se eu não estou juntando ruínas”. Proust se compara ao personagem M. Brooke, do romance Middlemarch de George Eliot, que trabalha toda a sua vida em uma obra insignificante e absurda. 177 Essa introdução, assim como as divisões dos capítulos e alguns títulos das seções foram estabelecidos pelos editores. Os episódios, apesar de possuírem forte tendência de romance de formação, não foram escritos e organizados cronologicamente por Proust. 178 “Poderia eu nomear esse livro romance? É menos talvez e muito mais, a essência mesmo de minha vida recolhida sem nada misturar, nessas horas fendidas de onde ela vaza. Esse livro nunca foi escrito, foi colhido”. 100 mencionamos, esse seria um dos malogros do primeiro projeto de romance proustiano, algo notado por Jean-Yves Tadié e já mencionado na introdução deste trabalho: On note qu'il s'agit toujours de scènes autobiographiques, non encore soumises au point de vue des personnages, à l'intrigue, à l'imaginaire d'une fiction. C'est l'une des raisons d'un grand abandon, celui de cette masse de pages: raconter sa vie, ses impressions, Proust, entre vingt-cinq et trente ans, le pouvait; non leur donner une structure d'ensemble, un principe organisateur. (TADIÉ, 1987, p. XIX)179 Porém, mesmo contendo uma profusão de episódios autobiográficos, é incontestável seu aspecto romanesco. Ainda segundo Tadié. Ce roman marque à la fois une étape importante de la carrière littéraire de son auteur, et un échec aux conséquences durables. L´étape, c´est le passage de la forme brève, portraits, caractères à la manière de La Bruyère, poèmes en prose, nouvelles, au genre romanesque, à un manuscrit de longueur considérable: sept cent quatre-vingts pages imprimées. (1987, p. XVI)180 A entrada no universo romanesco trazia, porém, outro problema para o escritor “Proust est en effet à la croisée de deux voies, de deux genres, tiraillé entre deux ‘côtés’, dont il ne sait pas encore qu´ils peuvent se rejoindre (…): le côté de l´Essai (de la critique) et le côté du Roman” (BARTHES, 1984, p. 334)181. Essa indecisão de gêneros é finalmente aceita pelo escritor, que na Recherche utiliza sem nenhuma restrição esses dois modos de dizer o mundo: o comentário e a fabulação. Contudo, em todo o processo escritural de Proust esses dois tipos de expressão concorreram e se imiscuíram. Jean Santeuil não foge a essa regra, especialmente o episódio tratado neste tópico, no qual iniciando sua argumentação por Stendhal, Proust procura inserir momentos romanescos no claro intuito de ilustrar essa filosofia amorosa. 179 “Notamos que se trata sempre de cenas autobiográficas, não submetidas ainda ao ponto de vista dos personagens, à intriga, ao imaginário de uma ficção. É uma das razões de um grande abandono, o dessa massa de páginas: contar sua vida, suas impressões, Proust, entre vinte e cinco e trinta anos, poderia; mas não lhe dar uma estrutura de conjunto, um princípio organizador”. 180 “Este romance marca, simultaneamente, uma etapa importante da carreira literária de seu autor e um fracasso com conseqüências duráveis. A etapa é a passagem da forma breve – retratos, caracteres à maneira de La Bruyère, poemas em prosa, novelas – ao gênero romanesco, a um manuscrito de tamanho considerável: 784 páginas impressas”. 181 “Proust está, com efeito, no cruzamento de duas vias, de dois gêneros, balançando entre dois ‘lados’, ignorando ainda que eles poderiam se juntar (...): o lado do Ensaio (da crítica) e o lado do Romance”. 101 Há passagens em que o narrador parece mencionar leis ou máximas do sentimento amoroso para confirmar que ele não passa de uma projeção de nós mesmos: “Un individu, si remarquable fût-il – et dans l´amour il n´a généralement rien de remarquable – n´a aucun droit à limiter ainsi notre vie intérieure” (JS, p. 121) 182 ou ainda “Il n´y a aucun rapport réel et profond entre tel profil, momentanément charmant pour nous, et notre vie intérieure” (JS, p. 121-2)183. Todo esse texto é construído, de maneira sistemática, por explicações ou comentários concernentes ao amor, entremeado, no entanto, pela possível paixão de Jean por Mme. S. O protagonista está incerto sobre seus sentimentos, assim como, muitas vezes, o herói da Recherche coloca em questão seu afeto por Albertine: Et comme tout en nous a été adulteré par la vie, sensibilité, sincérité, mémoire même, et jusqu´au sentiment bien net de notre personnalité et de la réalité de nos sentiments, nous ne savons même plus parfois si nous sommes amoureux ou non. (JS, p. 125)184 O personagem de Jean assemelha-se bastante ao protagonista da Recherche, sobretudo por sua origem não aristocrática e pelas experiências privilegiadas que experimenta. Contudo, muitas de suas características aproximam-no de Swann, especialmente por sua mobilidade social – a freqüentação de diversos tipos de salões – e pela relação que estabelecerá com Mme. S.. Isso fica ainda mais evidente nos episódios romanescos urdidos por Proust e que foram integralmente reaproveitados para compor a história do casal Swann e Odette. Em meio a um texto de conteúdo altamente teórico, Proust elabora apenas dois eventos narrativos, sendo um deles o da janela iluminada. A relação de Jean com Mme. S, no entanto, é menos complexa do que a de Swann e Odette. Mme. S é uma jovem viúva de 182 “Um indivíduo, por mais notável que seja – e no amor não há geralmente nada de notável – não tem nenhum direito de limitar assim nossa vida interior”. 183 “Não há nenhuma relação real e profunda entre tal perfil, momentaneamente encantador para nós, e nossa vida interior”. 184 “E como tudo em nós foi adulterado pela vida, sensibilidade, sinceridade, a própria memória e até o sentimento bem claro de nossa personalidade e da realidade de nossos sentimentos, nós às vezes não sabemos nem se estamos apaixonados ou não”. 102 reputação exemplar que Jean não possuía fisicamente. Il s´était bientôt rendu compte qu´il ne pourrait coucher avec cette jeune veuve indépendante (elle le recevait tous les soirs de diz heures à deux heures du matin ; il ne la désirait d´ailleurs que très peu) mais honnête, qu´il ne pourrait même l´embrasser. (JS, p. 123)185 A admiração de Jean pela moça, as atenções que ela lhe dispensava e certa intimidade estabelecida entre os dois são os elementos que caracterizam o amor, quase platônico e sem interesse físico de Jean. A simples desconfiança de que Mme. S sentia por ele o mesmo que ele sentia por ela era o suficiente para promover o amor do protagonista, para “entretenir en lui cet amour dénué en quelque sorte de l´objet de l´amour qui régnait en lui, comme bien des passions que nous n´éprouvons plus qu´en idée, par la connaissance que nous avons prise de l ´impossibilité de leur réalisation” (JS, p. 123)186. Embora Stendhal defina o ato de amar como “(...) avoir du plaisir à voir, à toucher, sentir par tous les sens, et d´aussi près que possible, un objet aimable et qui nous aime” (1927, p.32)187, Proust, mesmo dialogando intensamente com De l´amour, demonstra que, em amor, não é necessária reciprocidade, tampouco esperança em possuir o ser amado. Jean goza muito mais de seu sentimento do que das qualidades de Mme. S: “Mais cette absence d´espérance précise dans la personne retournant ses pensées sur la satisfaction qu´il y a à aimer, il jouissait plus de son amour que de son amante” (JS, p. 123)188. É por meio dessa sensação amorosa que Jean sentia um prazer mais vivo do que aquele experimentado até então na mundanidade, e por essa razão, lembrava de Stendhal e da importância que ele dava ao amor: “(...) par là lui rappelaient Stendhal, lui faisant considérer l 185 “Ele logo tinha se dado conta que não poderia dormir com essa jovem viúva independente (ela o recebia todas as noites de dez horas a duas horas da manhã; aliás, ele a desejava muito pouco) mas honesta, que ele não poderia até mesmo beijá-la”. 186 “manter esse amor de certa forma desprovido do objeto do amor que reinava nele, como muitas paixões que não experimentamos mais do que em idéia, pelo conhecimento que temos da impossibilidade de sua realização”. 187 “(...) ter prazer em ver, tocar, sentir por todos os sentidos, e o mais próximo possível, um objeto amável e que nos ame”. 188 “Mas essa ausência de esperança característica à pessoa que volta seus pensamentos à satisfação que existe em amar, ele gozava mais de seu amor do que de sua amante”. 103 ´amour comme une façon infiniment plus agréable de goûter la vie et de trouver du charme à la solitude” (JS, p. 123-4)189. Entrementes, mesmo não possuindo Mme. S. e travando com ela somente uma forte amizade, Jean não escapa dos momentos de dúvida. No dia seguinte a uma soirée em que Mme. S ficou até tarde da noite em companhia dele, ela, excessivamente cansada, pediu-lhe para partir à meia-noite. “Il lui dit au revoir, non sans avoir regardé dans l´autre chambre, et partit” (JS, p. 129)190. Essa desconfiança repentina não possui, no entanto, razões de ser dentro da narrativa. Não há nada no texto que indique um passado misterioso de Mme. S, nem nada que revele o caráter ciumento de Jean. Muito diferente de Swann e do protagonista da Recherche, Jean “ne cherchait pas à se demander ce qu´elle avait été avant lui, ce qu´elle serait après” (JS, p. 126)191. No entanto, após deixar a casa de Mme. S, “Rentré chez lui il eut envie de ressortir, il prit un fiacre qu´il lâcha non loin de chez elle et entra dans la rue. Et tout de suite il aperçut entre les volets fermés des deux petites fenêtres la lumière dorée qui emplissait la chambre” (JS, p. 129)192. Sem um motivo aparente para justificar a atitude do personagem, o que proporciona ao texto certa incoerência, Proust começa a elaborar o episódio da janela iluminada que será integralmente retomado em Côté de Swann. Constatamos com isso que Jean é o primeiro germe, o primeiro esboço do ciumento, ainda muito inconsistente. Seu amor é platônico, embora agradável, e raríssimos são seus momentos de sofrimento e angústia, que aparecem 189 “(...) por aí lhe lembravam Stendhal, fazendo-lhe considerar o amor como uma forma infinitamente mais agradável de experimentar a vida e de encontrar charme na solidão”. 190 “Ele lhe disse até logo, não sem olhar dentro do outro quarto e partiu”. 191 “não procurava se perguntar o que ela tinha sido antes dele e o que seria depois”. 192 “Entrando em casa, teve vontade de sair, tomou um fiacre que largou não longe da casa dela e entrou na rua. E em seguida, percebeu entre as venezianas fechadas das duas pequenas janelas, a luz dourada que preenchia o quarto”. 104 em uma intensidade muito inferior ao dos experimentados pelos personagens da Recherche. Porém, mesmo gozando de certo prazer por seu sentimento amoroso, Jean possui instantes de dúvida e desconfiança, o que o situa na estirpe de ciumentos. Maintenant, depuis plus de deux heures qu´il avait quittée, c´était la preuve détestable qu´elle avait avec elle ce quelqu´un pour qui elle l´avait fait partir. Il aurait bien voulu savoir qui c´était. Sans faire un bruit il se baissa, colla ses yeux contre l´auvent pour voir par la fente, mais les volets obliques ne laissaient rien voir. (...) Il entendait le bruit d´une conversation. (...) Sans doute il souffrait, il détestait cette lumière qu´il voyait et où se mouvait le couple ennemi (...). Mais du moins il venait de remporter sur eux comme une sorte d´avantage, il les tenait là et s´il frappait pour se faire ouvrir la fenêtre, ce serait tout de meme lui qui serait en ce moment-là le vainqueur (...). (JS, p. 129-130)193 Os mesmos componentes de sofrimento – a percepção da luz dourada, a sombra de dois corpos se movendo e o barulho de uma conversa – e de satisfação – a certeza de que surpreenderá os faltosos e a superioridade que sente em relação a eles – vistos em Swann já foram elaborados nesse episódio de Jean Santeuil. A ânsia em mostrar sua esperteza suplanta, como em Côté de chez Swann, a vergonha de bater na janela e mostrar-se ciumento: “Il était un peu honteux de frapper, de montrer qu´il était revenu, mais d´un autre côté il ne pouvait pas résister au désir qu´ils sachent qu´il était là, qu´il avait tout su” (JS, p. 130)194. Jean sente o mesmo prazer que sentirá posteriormente Swann descobrindo a verdade, mostrando que tomava conhecimento de tudo: “Il éprouvait une sorte de plaisir à sentir ces faits qu´il allait toucher et qui se manifestaient à lui derrière ces volets éclairés” (JS, p.130)195. Son coeur battait, il frappa. Il entendit venir à la fenêtre, commencer à ouvrir et alors, satisfait qu´elle sût qu´il n´avait pas été trompé, qu´elle était prise, 193 “Agora, depois de mais de duas horas que ele a tinha deixado era a prova detestável que ela tinha consigo alguém por quem ela o tinha feito partir. Ele gostaria muito de saber quem era. Sem fazer um barulho, ele se abaixou, colou seus olhos contra o alpendre para ver pela fenda, mas os postigos oblíquos nada deixavam entrever. (...) Ele ouvia o barulho de uma conversa. (...) Sem dúvida sofria, detestava essa luz que via e onde se movia o casal inimigo (...). Mas ao menos, acabava de obter sobre eles uma espécie de vantagem, ele os detinha ali, e se batesse para abrirem a janela, ainda assim seria ele, naquele momento, o vencedor”. 194 “Estava um pouco envergonhado de bater, de mostrar que voltara, mas por outro lado não podia resistir ao desejo de que soubessem que estava ali e sabia de tudo”. 195 “Experimentava uma espécie de prazer em sentir esses fatos com os quais entraria em contato e que se lhe manifestavam por detrás dos postigos iluminados”. 105 pour n´avoir pas l´air d´y tenir, avant même qu´elle eût ouvert, il dit : «Ne vous dérangez pas, n´ouvrez pas, je voulais seulement voir, étant repassé par ici et ayant vu la lumière, si vous n´étiez pas souffrante ». Le volet s´ouvrit tout à fait, un vieux monsieur parut et un autre qui était auprès de lui. Un instant il resta déconcerté. (...) Il comprit – et du reste la chambre inconnue par les volets maintenant ouverts s´offrait à ses yeux – qu´il s´était trompé de fenêtre, que la fenêtre éclairée n´était pas celle de son amie (...). (JS, p. 131-2)196 Fica evidente a similitude existente entre os episódios de Jean Santeuil e Côté de Swann, embora as diversas imagens construídas para a janela na Recherche não apareçam em sua totalidade nesse romance inacabado do escritor. Notamos uma ausência do confronto de imagens e metáforas que correspondam à janela – como as relacionadas ao ouro, ao tesouro, à janela como manuscrito precioso –, muito menos à prisão. Obviamente, ela é, assim como na Recherche, elemento de tortura e sofrimento, mas sua descrição é muito sumária, quase inexistente. Apesar das diferenças, é incontestável que esse episódio serviu de base para a elaboração da cena do Côté de Swann, juntamente com dois outros, desenvolvidos no manuscrito de Jean Santeuil. Após a cena da janela, há, em uma mesma seqüência cronológica presente em Côté de Swann, o episódio da visita vespertina de Jean a Mme. S, que não abre a porta e alega posteriormente, que dormia, e o da tentativa de leitura de uma carta que a jovem viúva escrevera a outro homem, e cuja postagem havia incumbido a Jean. Esses mesmos eventos ocorrem com Swann e Odette, nessa mesma ordem, embora a relação dos personagens da Recherche seja mais complexa e se estendam a outro relacionamento, o do herói com Albertine. 196 “Seu coração disparava, ele bateu. Ouviu alguém chegar à janela, começar a abrir, e então, satisfeito que ela soubesse que não havia sido enganado, que fora descoberta, de parecer que não se importava, antes mesmo que ela abrisse, ele disse: ‘Não se incomode, não abra, eu queria apenas ver, tendo passado novamente por aqui e visto a luz, se você não estava indisposta’. O postigo se abriu por inteiro, um velho senhor apareceu e outro que estava ao lado dele. Por um instante permaneceu desconcertado (...) Ele compreendeu – e de resto, o quarto desconhecido pelos postigos agora abertos se oferecia a seus olhos – que se enganara de janela, que a janela iluminada não era a de sua amiga”. 106 Proust, fortemente impregnado pelo tratado de Stendhal, acaba por elaborar um texto de caráter fortemente moralista, deixando pouco espaço para a invenção romanesca. A relativa falta de coerência desse episódio pode ter sido causada pela tentativa de seguir o pensamento stendhaliano, conjugando-o à narrativa de experiências que, de fato, levavam para outros caminhos da teoria amorosa. Em todo caso, não há como não salientar as semelhanças entre o pensamento de Stendhal e a filosofia do amor desenvolvida por Proust, sobretudo na Recherche. E o seguinte trecho stendhaliano certamemnte caberia como alusão à própria história de Swann e Odette, “Un homme rencontre une femme et est choqué de sa laideur ; bientôt, si elle n´a pas de prétentions, sa physionomie lui fait oublier les défauts de ses traits, il la trouve aimable et conçoit qu´on puisse l´aimer”197 (1927, p.). A ausência de metáforas mais elaboradas em Jean Santeil também revela, de certa maneira, um interesse maior pelo conteúdo de máximas e aforismos do que propriamente pelo enredo ficcional. Ao escrever a Recherche, pelo contrário, Proust lança mão de muito conteúdo romanesco e procedimentos literários, e seu narrador declara a importância da construção de metáforas quando afirma que On peut faire succéder indéfiniment dans une description les objets qui figuraient dans le lieu décrit, la vérité ne commencera qu’au moment où l’écrivain prendra deux objets différents, posera leur rapport, analogue dans le monde de l’art à celui qu’est le rapport unique de la loi causale dans le monde de la science, et les enfermera dans les anneaux nécessaires d’un beau style. (...) Le rapport peut être peu intéressant, les objets médiocres, le style mauvais, mais tant qu’il n’y a pas eu cela, il n’y a rien. (TR, p. 468)198 O episódio da “fenêtre éclairée”, bem como toda a seção intitulada “De l´amour” em Jean Santeuil demonstra pouca densidade psicológica dos personagens, deixa fios soltos, sem 197 “Um homem encontra uma mulher e fica chocado com sua feiúra; mas logo, se ela não tem pretensões, sua fisionomia o faz esquecer os defeitos de seus traços, ele a acha amável e concebe que é possível amá-la”. 198 “Podem-se alinhar indefinidamente, numa narrativa, os objetos pertencentes ao sítio descrito, mas a verdade só surgirá quando o escritor tomar dois objetos diversos, estabelecer a relação entre eles, análoga no mundo da arte à relação única entre causa e efeito no da ciência, e os enfeixar nos indispensáveis anéis de um belo estilo. (...) A relação pode ser pouco interessante, medíocres os objetos, pobre o estilo, mas sem isso nada se faz”. (Trad., p. 167). 107 articulações, o que, segundo Mireille Lipiansky, torna Proust “plus moraliste que romancier: ses personnages, aussi bien Jean que ses amoureuses, manquent d´épaisseur et de vie” (1974, p.172)199, o que, de forma alguma, retira da cena da janela iluminada 200 sua condição de leitmotiv dos ciumentos. Outro fator relevante é que, embora o tema do amor, do ciúme e do sofrimento tenham sido constantes em toda a carreira literária de Proust – como visto no primeiro capítulo, já em Les plaisirs et les jours, a novela “Fin de la jalousie” introduz as agruras das relações amorosas – a recuperação não somente de um tema, mas de uma cena, demonstra que Proust, assim que alcança uma imagem satisfatória, nunca mais a abandona. Isto pode ser comprovado pela transposição que fará da cena da “fenêtre éclairée” em Jean Santeuil para Um amor de Swann, e dos elementos desta última para A Prisioneira. Isto indica que dificilmente poderemos fazer a clássica divisão literária de “obras de juventude” e “obras de maturidade” ao falarmos dos manuscritos proustianos, embora não busquemos negar as diferenças existentes entre as fases de escritura. Mas, no universo escritural de Proust, esses limites se confundem, invadem-se, tal como o quadro do porto de Carquethuit, pintado por Elstir, que “avait su habituer les yeux à ne pas reconnaître de frontière fixe, de démarcation absolue, entre la terre et l´océan” (OJFF, p. 192-3)201. 3.3 A janela de Barbey d´Aurevilly Analisamos até o momento o episódio da janela iluminada de Albertine no romance A prisioneira e detectamos semelhanças com outro episódio da Recherche, situado em “Un amour de Swann”. Após o cotejamento das duas cenas, percebemos que Proust construiu uma 199 “mais moralista que romancista: seus personagens, tanto Jean como suas namoradas, carecem de espessura e de vida”. 200 Juntamente com o episódio da visita vespertina e com o das cartas, que serão apenas retomados em CS. 201 “soubera habituar os olhos a não reconheceram fronteira fixa, demarcação absoluta, entre a terra e o oceano”. (Trad., p. 488-9) 108 unidade entre elas, ligando os dois romances, os personagens, e estabelecendo, com isso, uma espécie de filosofia do amor. A partir dessas leituras, afirmamos que esse episódio seria não apenas uma cena, mas um motivo, um leitmotiv para os ciumentos e para a relação amorosa. Estudamos os primórdios dessa cena de Côté de Swann, elaborada no romance inacabado Jean Santeuil. Seu uso para demonstrar o ciúme de Jean em um capítulo cujo foco era a discussão do amor por meio do tratado de Stendhal, reforça nossa hipótese da cena como um motivo ou uma abertura da história dos enciumados. Essa abertura posteriormente retornaria um pouco variada, como no processo musical, para ilustrar o amor do protagonista por Albertine. O que estava concentrado em um capítulo em Jean Santeuil, dispersou-se na Recherche em uma clara tentativa de estabelecimento de um vínculo entre as partes. Notamos que, se Proust não consegue articular os diversos temas e fragmentos contidos em Jean Santeuil, possível motivo para o abandono do projeto, ele busca fazê-lo na escritura da Recherche, feita igualmente de fragmentos, alinhavados, porém, por leitmotivs como o vestido de Fortuny, ou a janela iluminada. Importa-nos agora refletir sobre os elementos trabalhados por Proust na composição da janela iluminada em La prisonnière, bem como sua Albertine, que nos permitam diferenciá-los das construções anteriores que lhe serviram como fundação. Em um artigo intitulado “‘Les inflexibles barreaux d´or’: d´Alberte à Albertine”, Marie Miguet-Ollagnier, analisando as versões manuscritas da construção desse episódio, atribui sua realização à leitura que Proust fez da novela “Le rideau cramoisi”, do livro Diaboliques de Barbey d ´Aurevilly. Partindo dos rascunhos editados pela Pléiade, Ollagnier estabelece uma comparação entre as versões, que desembocará na análise das variantes e invariantes na construção do 109 episódio. Não temos o intuito de recuperar a totalidade da leitura feita pela autora, sobretudo porque ela utiliza manuscritos editados que, como se sabe, não incorporam a integralidade do rascunho, como, por exemplo, as rasuras, as adições interlineares etc. De todo modo, a reflexão feita a partir das invariantes parece-nos interessante. Conforme Ollagnier: (...) le plus intéressant est de dégager des brouillons des invariants qu´on retrouve aussi dans la dernière version. La scène se déroule à Paris, la nuit, ce qui détache l´unique fenêtre éclairée du quartier, celle derrière laquelle veille Albertine. Plus caractéristique, Proust tient toujours à ce que la fenêtre éclairée ait deux spectateurs : l´un, le héros, la contemple d´en bas, dans la rue, l´autre, Brichot, passe devant elle sans comprendre ce qu´elle représente pour son compagnon. (1994, p. 19)202 Partindo dessa análise, a autora propõe uma leitura intertextual entre esse episódio do La prisonnière e a novela citada anteriormente, “Le rideau cramoisi” de Barbey d´Aurevilly. Segundo Ollagnier, a cena da Recherche teria uma analogia impressionante com a narrativa de Barbey, o qual é assunto da conversação literária entre Marcel e Albertine. Um dos fortes componentes para a comparação é a caracterização das personagens femininas. Em Barbey, a heroína da história chama-se igualmente Albertine. Mlle. Albertine (c´était le nom de cette archiduchesse d´altitude, tombée du ciel chez ces bourgeois comme si le ciel avait voulu se moquer d´eux), Mlle. Albertine, que ses parents appelaient Alberte pour s´épargner la longueur du nom, mais qui allait parfaitement mieux à sa figure. (AUREVILLY, p. 30-1)203 Ollagnier destaca que muitos críticos proustianos já haviam sugerido que o nome de Albertine poderia ter vindo da heroína aurevilliana. Além disso, frisa que “Les deux jeunes sont des êtres de fuite, elles font l´objet de suppositions de la part de leurs amants qui n 202 “(...) o mais interessante é extrair dos rascunhos as invariantes que encontramos também na última versão. A cena se passa em Paris, à noite, o que destaca a única janela iluminada do quarteirão, aquela por trás da qual Albertine está acordada. Mais característico, Proust faz questão sempre de que a janela iluminada tenha dois espectadores: um, o herói, a contempla de baixo, na rua, o outro, Brichot, passa diante dela sem compreender o que ela representa para seu companheiro”. (o grifo é da autora) 203 “Mademoiselle Albertine (era o nome dessa arquiduquesa de altitude, caída do céu na casa desses burgueses, como se o céu tivesse quisto escarnecer-lhes), Mlle. Albertine, que seus pais chamavam de Alberte para se poupar do comprimento do nome, mas que caía perfeitamente melhor à sua figura”. 110 ´arrivent pas à percer leur mystère” (1994, p. 20)204. Com efeito, a caracterização de Alberte indica seu lado ousado, misterioso, dissimulado, pois ao mesmo tempo em que simula indiferença com relação à presença de Brassard, protagonista da história, recorre a um subterfúgio para pegar-lhe a mão sorrateiramente: Un soir, il y avait à peu près un mois que Mlle. Alberte était revenue à la maison, et nous nous mettions à table pour souper. Je l´avais à côté de moi, et je faisais si peu d´attention à elle que je n´avais pas encore pris garde à ce détail de tous les jours qui aurait dû me frapper : qu´elle fût à table auprès de moi au lieu d´être entre sa mère et son père, quand, au moment où je dépliais ma serviette sur mes genoux... non, jamais je ne pourrai vous donner l´idée de cette sensation et de cet étonnement ! Je sentis une main qui prenait hardiment la mienne par-dessous la table. (AUREVILLY, p.32)205 Essa atitude audaciosa dá início à relação entre Brassard e Alberte que atravessava o quarto dos pais quase todas as noites, no escuro e a tateio, para encontrar-se com seu amante no cômodo que este alugara na residência. A história, contada pelo próprio protagonista ao narrador da novela, foi desencadeada pela visão que ambos têm de uma janela iluminada, em meio a uma intensa escuridão. Viajando em uma diligência cujas rodas, desgastadas pela longa viagem, obrigaram a carruagem a parar, o narrador, em companhia do capitão Brassard, avista, no escuro da noite, uma única janela iluminada, cuja luz era “tamisée par un double rideau cramoisi dont elle traversait mystérieusement l´épaisseur”. (p. 18)206. Brassard reconhece a janela como sendo a de seu antigo quarto onde, trinta anos antes, possuía a jovem Alberte. Em seu relato conta que, em uma dessas noites em que mantinha relações com a moça, 204 “As duas jovens moças são seres de fuga, elas são o objeto das suposições por parte de seus amantes que não conseguem desvendar seus mistérios”. 205 “Uma noite, havia aproximadamente um mês que Mlle. Alberte tinha voltado a casa, nós sentamos à mesa para jantar. Eu a tinha ao meu lado e dava tão pouca atenção a ela, que não havia ainda percebido este detalhe de todos os dias que deveria ter me surpreendido: que ela estava à mesa, perto de mim, ao invés de estar entre sua mãe e seu pai, quando, no momento em que eu desdobrava meu guardanapo sobre meus joelhos... não, jamais eu poderia te dar a idéia dessa sensação e desse espanto! Eu senti uma mão que pegava ardilosamente a minha por debaixo da mesa”. 206 “tamisada por uma dupla cortina carmesim, pela qual ela atravessava misteriosamente a espessura”. 111 ela morrera repentinamente, deixando de respirar, sem nenhuma causa aparente. Desesperado com essa morte súbita e misteriosa, igualmente inquieto pela reação dos pais de Alberte e pela reputação da moça, Brassard dirige-se ao quartel para pedir ajuda ao coronel de sua divisão. Este, por sua vez, manda-lhe a outro agrupamento militar e promete resolver o assunto. Longe de tudo, Brassard não pôde saber qual foi o resultado desse caso, e tendo o coronel morrido antes que lhe contasse o que se passara, ele ignora, até o presente da narrativa, o que de fato acontecera naquela noite. A novela termina com uma aparição misteriosa, uma sombra por detrás das cortinas carmesins: “ – Tenez! – me dit-il, – voyez au rideau! L´ombre svelte d´une taille de femme venait d´y passer en s´y dessinant! – L´ombre d´Alberte ! – fit le capitaine. – Le hasard est par trop moqueur ce soir, ajouta-il avec amertume” (p. 57)207. O cenário da janela iluminada, visto por dois espectadores numa paisagem noturna, faz com que Ollagnier aproxime o texto proustiano do de Barbey. Além disso, a autora observa que o uso insólito do fiacre por Proust no episódio da Prisioneira repercute, de fato, a diligência utilizada por Barbey. Nessa altura do romance proustiano, há uma sensível passagem do tempo que opera pela introdução de técnicas modernas tais como a eletricidade, o telefone, o automóvel, o avião. Contudo, Proust substitui o táxi pelo fiacre, o que, segundo Ollagnier “pourrait être un signe d´allégeance à Barbey” (1994, p.21)208. Essa leitura parece-nos plausível, mas, não podemos esquecer que o fiacre pode igualmente ser um sinal de repetição do próprio texto proustiano. Swann também toma um fiacre quando parte para a casa de Odette: “(...) il ressortit, il prit un fiacre et se fit arrêter tout près de chez elle” [“(...) tornou a sair, tomou um fiacre e parou perto da casa de Odette”] (CS, p. 268; Trad., p. 335). E como vimos, há uma intensa conexão entre esses episódios 207 “– Veja! – ele me disse – veja na cortina! A sombra esbelta do tamanho de uma mulher acabava de passar, desenhando-se nela! – A sombra de Alberte! – disse o capitão. – O acaso está por demais zombeteiro esta noite, acrescentou ele com amargura”. 208 “poderia ser um sinal de fidelidade a Barbey”. 112 proustianos. Aliás, Ollagnier não ignora esse dado e aventa a hipótese de Proust já ter utilizado a novela de Barbey para compor a cena em “Um amor de Swann”, no entanto, ela não menciona a elaboração dessa cena em Jean Santeuil, o que fragiliza seu argumento. Todavia, sua leitura concernente às heroínas é sobremaneira pertinente. A Albertine de Proust é, sem dúvida, um ser cambiante e desconcertante, que acumula, sucessivamente, uma série de atitudes que, se postas lado a lado, contradizem-se. Indiferente de início, com relação ao herói, ela lhe entrega, de súbito, um bilhete com uma declaração de amor, mas recusa o beijo de Marcel. Posteriormente, em uma visita ao protagonista em Paris, permite o beijo negado até então, e mais adiante aceita morar junto dele, sem estabelecer, no entanto, nenhum tipo de união oficial. A dúvida a respeito de suas preferências sexuais reforça ainda mais seu caráter fugidio. A caracterização de Alberte também é baseada em dúvidas e mistérios. A jovem, que retorna à casa dos pais, mostra-se impassível a esse hóspede que era Brassard, como se ele não existisse: “(...) l´air qu´elle avait, et qui était singulier dans une jeune fille aussi jeune qu ´elle, car c´était une espèce d´air impassible, très difficile à caractériser” (AUREVILLY, p. 30)209. Essa sugestiva indiferença é repentinamente subvertida pela atitude que a moça tem no jantar ao pegar a mão do jovem militar e pela presteza e dissimulação com que guarda dentro de seu corpete, sem os pais perceberem, um bilhete que Brassard lhe entrega na noite seguinte. Posteriormente, Alberte retoma o seu lado frio e impassível, desconsiderando a presença do protagonista. Quando Brassard não mais compreendia o que ocorrera, ela entra em seu quarto, no meio da noite e dá início à relação voluptuosa e carnal com o rapaz. Surpreendentemente, Alberte possui características viris e andróginas, sendo descrita 209 “(...) o ar que ela tinha, e que era singular em uma moça tão jovem como ela, pois era uma espécie de ar impassível, muito difícil de caracterizar”. 113 como uma “grande personne” [“pessoa grande”, p. 29], cuja mão era “un peu grande, et forte comme celle d´un jeune garçon” [um pouco grande e forte como as de um rapaz, p. 32], tendo “sous sa peau fine presque autant de muscles que moi” [“sob sua fina pele quase tantos músculos quanto eu”, p. 38]. Essa androginia, por mais que não indique, em Barbey, dúvidas em relação à sexualidade de Alberte, pode ter sido um elemento sugestivo para Proust construir sua ambígua heroína. Como visto no primeiro capítulo, Proust, no caderno 64, registra o nome “Alberte” para designar sua heroína, e no caderno 71, dedicado à história da jovem, ele atribui características viris a sua personagem. Segundo Ollagnier, “(...) c´est la main de l´héroïne, cette main forte d´un personnage androgyne qui prend possession d´un homme faible, Brassard. L´Albertine de Proust a pour sa part un cou puissant” (1994, p. 20)210. No entanto, gostaríamos de nuançar esse paralelo que a autora estabelece entre as personagens femininas. Alberte é, sem dúvida, forte, audaciosa e corajosa e supera, de longe, o medo, a timidez e a incapacidade do personagem masculino. Albertine, por seu turno, pode, muitas vezes, sobressair ao herói da Recherche e possuir, em alguns momentos, atitudes viris, porém não se pode esquecer que sua força não é corporal, sendo sua existência comparada, enquanto dorme, a uma planta. Étendue de la tête aux pieds sur mon lit, dans une attitude d´un naturel qu´on n´aurait pu inventer, je lui trouvais l´air d´une longue tige en fleur qu´on aurait disposée là ; et c´était ainsi en effet: le pouvoir de rêver que je n´avais qu´en son absence, je le retrouvais à ces instants auprès d´elle, comme si en dormant elle était devenue une plante. (LP, p. 578)211 Se o herói aurevilliano atraiu-se pelas qualidades físicas, morais e reais de Alberte, a 210 “(...) é a mão da heroína, essa mão forte de um personagem andrógino que toma posse de um homem fraco, Brassard. A Albertine de Proust tem, por seu lado, um pescoço poderoso”. 211 “Estendida a fio comprido em minha cama, numa atitude de uma naturalidade que não se teria podido inventar, dava-me a impressão de uma longa haste em flor que houvessem colocado ali, e o era efetivamente: o poder de cismar, que eu só tinha na ausência dela, encontrava-o naqueles instantes a seu lado, como se dormindo ela se tivesse convertido numa planta”. (Trad., p. 62-3) 114 força e a importância de Albertine parte, com efeito, da imaginação do protagonista, que lhe imputa características. Em alguns momentos, pode ser forte, mas em outros, variando segundo o pensamento de seu amante, possui a fragilidade de um vegetal. A personagem de Barbey é claramente definida, apesar de suas contradições; de Albertine, não podemos dizer o mesmo, pois ela é um acúmulo constante de percepções do narrador proustiano, sendo essa uma das grandes diferenças entre Proust e seu modelo aurevilliano. Não pretendemos obviamente estender uma leitura comparatista e cotejar com detalhes os textos dos dois escritores, tampouco rebater eventuais lacunas existentes na análise feita por Ollagnier baseando-nos nas versões manuscritas às quais tivemos acesso. Como veremos de modo mais detalhado no próximo tópico, os rascunhos proustianos dão-nos pouquíssimas pistas sobre a forma como foi empreendida a escrita desse episódio. Posto isso, cabe-nos destacar apenas um aspecto que demonstrou ser de importância capital para a escrita proustiana: o do modelo literário. No Carnet 1, utilizado quase massivamente para anotações concernentes ao projeto Sainte-Beuve, encontramos algumas notas acerca de Barbey e sua obra. Essa caderneta, oferecida a Proust por Mme. Strauss em fevereiro de 1908, juntamente com outras quatro, é considerada como “le journal de bord du Contre Sainte-Beuve: 1e lecteur peut y suivre la gestation des projets proustiens de cette période” (QUARANTA, 1998, p. 9)212. Por se tratar de anotações fragmentárias, sua compreensão muitas vezes não se dá de forma muito precisa. Porém, isso não inviabiliza seu entendimento, pois muitas dessas notas deixam implícitos os contextos aos quais estão ligadas. No caso das anotações sobre Barbey, Proust escreve, no fólio 35 vº: “Par là je veux peut´être plus Barbey que Flaubert” (Carnet 1, 212 “diário de bordo do Contra Sainte-Beuve: o leitor pode seguir nele a gestação dos projetos proustianos desse período”. 115 p. 95)213. Esse trecho refere-se a toda uma concepção romanesca que é própria de Aurevilly. Como cita Proust: Belles formes ds un beau cadre, les bergers dans la lande. Couleur locale, tous les usages, les objets notamment à l´enterrement faisant une trame ancienne et locale à cette histoire, sentiment à comparer à celui de l´histoire orale indiqué dans la préface, draps, pièces de monnaie blancs p. 264 etc. (Carnet 1, 1976, p. 94)214 Essa nota, como bem salienta Philip Kolb, - responsável pela edição da caderneta – inicia uma série de referências a obras de Barbey, sobretudo a Ensorcelée. Proust percebe nesses textos um desenvolvimento da cor local, de um sentimento de ancianidade que não estão presentes, por exemplo, em Un coeur simple de Flaubert, daí sua preferência pelo modelo aurevilliano. Segundo Kolb, em sua introdução à edição do Carnet 1, o fato de “querer” mais Barbey do que Flaubert indicaria que Proust estava à procura de um modelo para seu romance. Em outra nota, no fólio 43 vº, Proust registra “Notes sur Barbey écrites dans les Diaboliques” [“Notas sobre Barbey escritas em Diabólicas”, p. 106], o que demonstra que Proust leu e anotou o exemplar desse romance, infelizmente perdido. Não há, pois, como recuperar o que Proust provavelmente usou do romance de Barbey para escrever a Recherche, mas se ele percebe o escritor como um possível modelo para sua escritura romanesca, podemos então reconhecer-lhe outro papel essencial. Em uma nota no fólio 44 rº, em uma seção intitulada “Barbey d´Aurevilly, Proust desenvolve uma série de reflexões teóricas sobre o escritor. Nesse trecho do Carnet 1, Proust assinala: Ce qui est intéressant chez lui c´est que les choses matérielles y sont aimés pour q.q. chose d´autre qui y est caché, les paroles de Me Tennenbourg ou du Chevalier des Touches contiennent l´Histoire, comme les vieux usages (Ensorcelée), les mots. Mais cette matière symbolique c´est surtout la physiologie, le visage d´Aimée de Spens, de l´Ensorcelée, la main du Rideau Cramoisi : De même le monde c´est le vieux prestige de l 213 “Por aí eu quero talvez mais Barbey do que Flaubert”. “Belas formas num belo quadro, os pastores na lande. Cor local, todos os usos, os objetos, notadamente no enterro fazendo uma trama antiga e local a essa história, sentimento de comparar àquele da história oral indicado no prefácio, lençóis, moedas brancos p. 264 etc”. 214 116 ´aristocratie sous les corps des nobles (la Clotte, c´est tous les roturiers, voir les bourgeois anciens domestiques du Dessous de cartes) et l´Angleterre cachée et parfumant Qd il a dit joli comme un village d´Écosse il a rapproché ce qui est uni dans tous ses livres. (Carnet 1, 1976, p. 106-7)215 Encontramos nessa anotação estético-crítica três temas que serão caros a Proust e que aparecerão de um modo ou de outro, na Recherche. Primeiramente, esse amor pelas coisas materiais revelaria, de fato, o amor de outra coisa. Nada mais interessante para o narrador proustiano, do que a tentativa de descobrir esse material oculto e travestido dos personagens. As sessões masoquistas de Charlus, por exemplo, escondem, na verdade, seu ideal viril, sua paixão pelas histórias de tortura da Idade Média: (...) au fond de tou cela il y avait chez M. de Charlus tout son revê de virilité, attesté au besoin par des actes brutaux, et toute l´enluminure intérieure, invisible pour nous, mais dont il projetait ainsi quelques reflets, de croix de justice, de tortures féodales, qui décorait son imagination moyenageuse. (TR, p. 419)216 Segundo Philippe Willemart, sofrer esse flagelo é uma forma de imitar, no corpo, as cenas que definem uma época e que o faziam compartilhar o sofrimento dos supliciados da Idade Média, é “a comunhão com os ancestrais que ele busca” (2000, p. 131). Outro tema citado na nota é a importância que Barbey dá às antigas práticas e às palavras antigas. Proust, por sua vez, recupera a forma provincial atávica de falar para caracterizar Françoise e até mesmo a duquesa de Guermantes. O velho prestígio da aristocracia talhado no corpo dos personagens é um campo fértil para o narrador compreender os gestos, o menear de cabeça, os olhares, tudo aquilo que determina um atavismo, uma herança e um ritual. 215 “O que é interessante nele é que as coisas materiais são amadas por alguma outra coisa que está escondida, as palavras de Mme. Tennebourg ou do Cavaleiro des Touches contêm a História, como os velhos usos (Enfeitiçada), as palavras. Mas essa maneira simbólica é sobretudo a fisiologia, o rosto de Aimée de Spens, da Enfeitiçada, a mão do Rideau Cramoisi: Da mesma forma o mundo é o velho prestígio da aristocracia sob os corpos dos nobres (a Clotte é todos os plebeus, ver os burgueses antigos domésticos do Dessous de cartes) e a Inglaterra escondida e perfumando Quando diz bonito como uma aldeia da Escócia ele aproximou o que está unido em todos os seus livros”. 216 “(...) havia, intato, seu sonho de virilidade atestada, se necessário, por atos brutais, havia, invisíveis para nós, perceptíveis, porém, por alguns reflexos, as iluminuras interiores, com cenas e acessórios de suplícios, que lhe decoravam a imaginação medieval”. (Trad., p. 124) 117 Até este momento, vimos que Barbey possui uma função de modelo literário para a obra proustiana. Entretanto, uma passagem contida nessa nota chamou-nos sobremaneira a atenção. Ao registrar: “Qd il a dit joli comme un village d´Écosse il a rapproché ce qui est uni dans tous ses livres”, Proust destaca o elemento que dá unidade a todas as obras de Barbey d ´Aurevilly. Curiosamente, essa nota aparecerá no romance La prisonnière quando da discussão sobre arte entre o herói e Albertine. Nessa passagem do romance, compreendemos melhor não somente a nota do Carnet 1, mas a importância que Barbey tem para Proust. Et repensant à la monotonie des oeuvres de Vinteuil, j´expliquais à Albertine que les grands littérateurs n´ont jamais fait qu´une seule oeuvre, ou plutôt réfracté à travers des milieux divers une même beauté qu´ils apportent au monde. (...) Ces phrases types que vous commencez à reconnaître comme moi, ma petite Albertine, les mêmes dans la sonate, dans le septuor, dans les autres oeuvres, ce serait par exemple, si vous voulez, chez Barbey d ´Aurevilliy une réalité cachée révélée par une trace matérielle, la rougeur physiologique de l´Ensorcelée, d´Aimée de Spens, de la Clotte, la main du Rideau cramoisi, les vieux usages, les vieilles coutumes, les vieux mots, les métiers anciens et singuliers derrière lesquels il y a le Passé, l´histoire orale faite par les pâtres au miroir, les nobles cités normandes parfumées d ´Angleterre et jolies comme un village d´Écosse (...). (LP, p. 877-8)217 Para Proust, a genialidade de uma obra artística reside nessa repetição de elementos, que faz com que o autor, mesmo tendo escrito diversos romances, realize uma obra única, introduzindo no mundo essa beleza singular trazida por seus livros. Em Barbey, esses elementos são a cor vermelha, a ancianidade dos antigos costumes, das velhas palavras, as cidades normandas tomadas de Inglaterra, a fisiologia dos personagens etc. Esses componentes promovem unidade, correspondência entre as obras, e compreendemos que, para Proust, o que há de mais modelar em Barbey é a unidade que perpassa suas obras. 217 “E tornando a pensar na monotonia das obras de Vinteuil, eu explicava a Albertine que os grandes literatos jamais escreveram senão uma obra única, ou por outra, nunca fizeram senão refratar através de meios diversos uma mesma beleza que trazem ao mundo. (...) Essas frases-tipos, que vocês começa a reconhecer como eu, minha Albertine, e são as mesmas na sonata, no septeto, nas outras obras, seriam, por exemplo, em Barbey d ´Aurevilly, uma realidade oculta que é revelada por um indício material, o rubor fisiológico da Enfeitiçada, de Aimée de Spens, da Clotte, a mão de Rideau cramoisi, os velhos usos, os velhos costumes, as velhas palavras, os ofícios antigos e singulares atrás dos quais está o Passado, a história oral feita pelos pastores do lugar, as nobres cidades normandas cheirando à Inglaterra e bonitas como uma aldeia as Escócia (...)”. (Trad., p. 350) 118 Se em 1908, iniciando o projeto Sainte-Beuve que desembocaria na Recherche, Proust buscava modelos para sua literatura, ele já tinha, entretanto, passado pela experiência mal sucedida de Jean Santeuil, o que torna a busca por unidade, muito provavelmente, a maior inquietação do escritor a partir de então. 3.4 As versões Como já acenado, e a fim de arrematarmos o capítulo, analisaremos neste tópico as versões manuscritas do episódio da “fenêtre éclairée”, localizadas nos cahiers 53 e 55, das quais Yoshikawa faz uma importante recordação. Quant ao cahier 53, son antériorité par rapport au cahier 55 nous paraît évidente. Il existe quelques passages qui figurent dans les deux cahiers, et en comparant ces deux versions différentes, on est convaincu que la plus développée, autrement dit la plus proche du texte final est celle du cahier 55. (1976, p. 1-2)218 Mesmo notando que essa divisão não é estanque e que muitas vezes nos parece complexo determinar qual versão foi elaborada primeiro, no tocante ao episódio que aqui nos importa, o crítico japonês afirma que a composição desse motivo teria a seguinte ordem: Les cahiers 53 et 55 nous fournissent au moins six rédactions successives de ce motif, dont la chronologie nous paraît avoir dû être la suivante : 1º Cahier 53, fos 52rº - 53rº; 2º Ibid., fº 56 rº; 3º Cahier 55, fos 9rº, 12rº - 13rº; 4º Cahier 53, fos 56 rº mg – 55vº: ‘Page Hurlus’; 5º Cahier 55, fos 11vº - 12vº; 6º Ibid., fos 10vº - 11rº” (1976, p.142-3)219 Mesmo discordando levemente dessa cronologia pelas razões que serão expostas mais adiante, adotaremos essa ordem para analisar cada versão do motivo. Iniciando com o caderno 53, a primeira escrita foi elaborada nos fólios 52r° e 53rº. Nestes rascunhos encontramos o seguinte texto. 218 “Quanto ao caderno 53, sua anterioridade com relação ao caderno 55 nos parece evidente. Existem algumas passagens que figuram nos dois cadernos, e comparando as duas versões diferentes, estamos convencidos de que a mais desenvolvida, ou seja, a mais próxima ao texto final é a do caderno 55”. 219 “Os cadernos 53 e 55 nos fornecem aos menos seis redações sucessivas desse motivo, cuja cronologia nos parece ter sido a seguinte: 1º Cahier 53, fos 52rº - 53rº; 2º Ibid., fº 56 rº; 3º Cahier 55, fos 9rº, 12rº - 13rº; 4º Cahier 53, fos 56 rº mg – 55vº: ‘Page Hurlus’; 5º Cahier 55, fos 11vº - 12vº; 6º Ibid., fos 10vº - 11rº”. 119 Nous étions arrivés devant ma porte. Vous ne Il n´est pas tard vous ne voulez pas me conduire jusque dans ma lointaine Odéonie me dit Brichot. Je me disais que si j´y étais allé j´aurais pu rester à mi chemin et entrer chez la maquerelle dont m´avait parlé St Loup et chez qui à défaut du voyage à Venise j´aurais pu au moins connaître ici soit la femme de chambre de Me Putbus, soit Mll la jeune fille de famille. Mais devant la fenêtre de la chambre de´Albertine dans notre appartement sombre, la fenêtre de la chambre d´Albertine laissait passer à travers ses volets une lumière qui signifiait qu´elle m´attendais peignant. Il fallait rentrer, et je dis Adieu à Brichot avec un mouvement de regret, un élan du désir en pensant aux caresses que j´étais sûr de trouver, et (52rº)// pourtant un regret comme si j´avais refermé moimême sur moi la porte de ma douce mais ennuyeuse prison. (53rº)220 Logo na primeira versão constatamos o estabelecimento do paradoxo com relação ao sentimento do protagonista que aparecerá na versão publicada. Notamos, neste desenvolvimento, que existe uma obrigação de entrar (“Il fallait rentrer”) e isso provoca um lamento no protagonista, pois não pode continuar sua noite e conhecer outras mulheres. No entanto, essa queixa vem acompanhada de um desejo, pois ao entrar, o herói compartilharia com a amada suas inúmeras carícias. A frase “comme si j´avais refermé moi-même la porte de ma douce mais ennuyeuse prison” já aponta uma questão que será reiteradamente desenvolvida em outros fólios de modo mais explícito: se há uma prisão, ela foi forjada pelo próprio narrador, ele mesmo prisioneiro de seu ciúme. A prisão, caracterizada como doce e entediante é o ponto culminante dessa relação paradoxal estabelecida entre o protagonista e Albertine. O herói não quer abandonar a jovem, pois ainda sente ciúmes. No entanto, sua presença o impede de conhecer outras moças, de viajar, de trabalhar e de ficar só. Nesse 220 “Chegáramos diante minha porta. Você n Não é tarde, você não quer me conduzir até minha longe Odéonie, disse-me Brichot. Eu me dizia que se eu tivesse ido lá, eu teria podido ficar no meu do caminho e entrar na cafetina da qual ma havia falado St. Loup e onde, na falta da viagem a Veneza, eu poderia conhecer seja a arrumadeira de Me. Putbus, seja Mlle a jovem de família. Mas diante da janela do quarto de Albertine em nosso apartamento escuro, a janela do quarto de Albertine deixava passar através dos postigos uma luz que significava que ela me esperava penteando. Era necessário entrar, e eu disse Adeus a Brichot com um movimento de pesar, um ímpeto de desejo pensando nas carícias que eu estava seguro de encontrar e, no entanto um pesar como se eu tivesse fechado eu próprio, sobre mim, a porta da minha doce, mas entediante prisão”. 120 primeiro esboço, constatamos uma condensação de todos os temas concernentes a este episódio e sua situação limite. Contudo, percebemos que neste momento de composição há pouquíssimas imagens referentes à janela, pois a palavra “prisão” é literalmente escrita e não sugerida, como nas versões posteriores e no texto publicado. Retornando à análise, o mesmo episódio é desenvolvido no fólio 56rº do mesmo caderno 53, em uma página chamada Hurlus. Proust costuma nomear suas páginas a título de localização e identificação com outros esboços. Neste fólio, encontramos o seguinte desenvolvimento. lumière de la Je rentrai. D´en bas je vis la fenêtre d´Albertine éclairée qui m´attendait (le dire mieux). Mais j´avais depuis quelques temps si peu de plaisir avec elle qu´elle fit l´effet de la fenêtre d´une prison, ce bonheur perpétuel situé hors que j´avais cette présence d´Albertine qui remplissait ma vie n´y mettait plus de j joie. En apercevant cette fenêtre je pensais à cet autre être qui m´empêchait d´être seul, qui me faisait déjà mener d´avance si jeune une vie de famille et, je n´eus qu´un désir ce fut de m´en délivrer. Et quand je refermai la porte cochère ce fut comme si je refermais la porte ma de une prison. (56rº)221 Partindo da contradição estabelecida no fólio 52rº, Proust tenta enfatizar nesta passagem o lado negativo da relação do herói com Albertine. Vemos uma grande sequência rasurada que procura dar conta desse sentimento de tédio e falta de prazer que a presença da personagem feminina impunha. Essa presença preenchia sua vida (“remplissait ma vie”), mas não trazia mais alegria. Vemos o germe da questão do hábito, que ao mesmo tempo em que tranquiliza, aborrece por sua falta do novo. A janela remete imediatamente ao ser que o 221 “Eu entrei. De baixo eu vi a <luz da> janela de Albertine iluminada que me esperava (dizê-lo melhor). Mas eu tinha fazia algum tempo tão pouco prazer com ela que ela teve o efeito da janela de uma prisão, essa <perpétua> felicidade situada fora que eu tinha essa presença de Albertine que preenchia minha vida não lhe dava mais alegria. Percebendo essa janela eu pensava neste outro ser que me impedia de ficar só, que me fazia levar antecipadamente tão jovem uma vida de família e eu tive somente um desejo que foi o de me livrar. E quando fechei o portão foi como se tivesse fechado a porta de uma <minha> prisão”. 121 “impedia” de ficar só, que o fazia “levar ainda jovem uma vida familiar”. Não há mais, como verificamos no fólio 52rº, um anseio (“élan du désir”) pelas carícias, pelo contrário, o desejo agora é de se livrar dessa condição (“je n´eus qu´un désir ce fut de m´en délivrer”). A palavra “prisão” permanece, mas sem os adjetivos que a qualificavam anteriormente. A companhia de Albertine é fortemente negativa. Após a escrita dessas duas versões, Proust continuará a desenvolvê-las no caderno 55. Sintetizando, Proust utilizou sete fólios, além dos já usados no caderno 53, para construir esse motivo. Como mencionamos, a ordem dessa composição no caderno 55 é: 9rº, 12rº, 13r°, 11vº, 12vº, 10vº e 11rº. Mesmo com esta flagrante falta de linearidade, há uma lógica composicional na maneira como Proust usava o caderno e que foi possível de ser apreendida a partir da leitura de vários outros manuscritos. As frentes dos fólios formam entre si a primeira campanha de escritura dos episódios. Os versos são escritos em etapas posteriores e estabelecem, na maioria dos casos, tanto uma sequência, quanto uma unidade de leitura com a frente que o ladeia. Grosso modo, para compreendermos a composição escritural em um caderno de Proust, o vai e vem da leitura é incessante, pois podemos ler, primeiramente, o conjunto formado pelas frentes, voltar e ler suas modificações nas margens e nos versos paralelos a elas, para em seguida ler o texto formado pelos versos. Entretanto, no caso do caderno 55, constatamos que Proust não desenvolve a elaboração do motivo dessa maneira, o que demonstra a particularidade de cada documento e a dificuldade de apreender seu conteúdo em uma primeira leitura. Retomando a análise, temos o seguinte desenvolvimento no fólio 9rº. Brichot me demanda où j’allais, je lui dis répondis : « chez moi. » « Cela c’est bien me dit-il de finir sagement votre soirée dès cette heure ci. » Il ignorait que pour moi, elle allait seulement commencer qui en avais seulement un peu retardé le moment en allant chez les Verdurin, elle allait 122 seulement commencer, et qu’une jeune fille, prête à m’offrir son corps, m’attendait un corps auquel que même loin d’elle tous mes sens ne cessaient d’envelopper, m’attendait patiemment, à la lumière de la lampe dans cette chamb cet appartement que le vieux professeur s’imaginait vide et que remplissaient pour moi, inconnues insoupçonnées de lui chaudes et brillantes comme les ondes de clarté de la chambre d’Albertine, les insou les promesses d’un plaisir que j’étais pressé d’ aller goûter. Conversation avec Brichot. (9rº)222 Neste fólio, temos o resgate da carga positiva da relação amorosa de Marcel e Albertine. Semelhante ao que foi elaborado no fº 52rº do caderno 53, o texto apresenta o herói ansioso por experimentar os prazeres que o aguardavam dentro do apartamento (“les promesses d´un plaisir que j´étais pressé d´aller goûter”). O diálogo rápido com Brichot e suas palavras professorais estabelece certa comicidade, pois se o professor parabenizava o protagonista por terminar cedo sua noite (“Cela c´est bien me dit-il de finir sagement votre soirée dès cette heure ci”), o narrador, em contrapartida, alega que ela só estava começando. Albertine, assim como nos fólios do caderno 53, é descrita de forma passiva, esperando pacientemente, mas no fº 9rº, vemo-la erotizada, pronta para oferecer seu corpo (“et qu´une jeune fille, prête à m´offrir un corps”). O sintagma “ondas de claridades quentes e brilhantes” alude ao erotismo da situação e à presença de Albertine. Pela primeira vez, Proust inicia a construção de imagens que metaforizam a luz e metonimizam a presença de Albertine. Já nos fºs 12rº e 13rº, ocorre o inverso: Com Je n’avais que de l’ennui de rentrer car je n’avais plus de jalousie à l’endroit d’une rencontre possible de’Albertine avec Mlle Vinteuil. Alber Mlle Vinteuil n’était pas venue à Paris. Albertine devait le savoir par Me Verdurin. Et si au contraire elle le savait Me Verdurin l’avait trompée en lui disant le contraire, en tous cas elle n’avait pas hésité à me sacrifier sa s Mlle Vinteuil, ce qui prouvait que je resterais maître d’elle comme je voulais. Aussi la vue du rectangle de 222 “Brichot me perguntou aonde eu ia, eu lhe respondi: ‘para minha casa’. ‘Isso é bom, me disse ele, de terminar sabiamente sua noite neste horário’. Ele ignorava que para mim, ela ia apenas começar, que havia apenas postergado um pouco o momento, indo à casa dos Verdurin, ela ia apenas começar, e que uma jovem, prestes a me oferecer seu corpo, me esperava um corpo ao qual que mesmo longe dela todos meus sentidos não cessavam de envolver, esperava-me pacientemente sob a luz da lâmpada dentro desse quarto desse apartamento o qual o velho professor imaginava vazio e que preenchia para mim, desconhecidas, insuspeitas dele quentes e brilhantes como as ondas de claridade do quarto de Albertine, as promessas de um prazer as quais eu estava apressado em experimentar. Conversação com Brichot”. 123 la lumière que sa fenêtre d’Albertine faisait sur l’avenue me (12rº)// causa-t-il un sentiment de plénitude, de douceur et d’ennui. Je sentais que dans la demeure où je rentrais, où j’étais obligé de rentrer comme un mari, (13rº)223 A situação é de completo aborrecimento (“Je n´avais que de l´ennui de rentrer car je n ´avais plus de jalousie à l´endroit d´une rencontre possible d´Albertine avec Mlle Vinteuil”), e o texto, bastante incompleto e hesitante, concentra o ciúme do herói na figura de Mademoiselle Vinteuil. Contudo, existe a certeza de que Albertine a sacrificaria em prol do protagonista, que se torna, neste momento, seu mestre (“... ce qui prouvait que je resterais maître d´elle comme je voulais”). A janela não é mais descrita de forma voluptuosa, sendo substituída pela imagem fria e geométrica do “retângulo de luz”, minimizando o caráter erótico e o deleite das carícias. A escrita segue no fº 13rº, onde encontramos a mesma sensação de tédio descrita anteriormente. Essa janela causava ao protagonista um sentimento de “plénitude, de douceur et d´ennui. Je sentais que dans la demeure ou je rentrais, ou j´étais obligé de rentrer comme un mari”. O texto é interrompido neste ponto, seguido de um grande espaço em branco. Após essa lacuna, há um diálogo, inteiramente barrado que desenvolve a comédia da ruptura entre Marcel e Albertine, mas fica evidente a escrita hesitante e entrecortada do fólio. É curioso notar que a plenitude e a doçura nesse trecho não estão associadas aos prazeres ou às carícias, mas à certeza de que o protagonista era o mestre da situação. Outro elemento importante a ser observado é que Proust retoma o mesmo movimento escritural que iniciou no caderno 53. Existe entre os dois cadernos, notadamente nos primeiros fólios utilizados para compor o episódio, a mesma simetria entre episódios mais positivos (52rº e 223 “Como Eu só tinha tédio em entrar, pois eu não tinha mais ciúme a respeito de um possível encontro de Albertine com Mlle. Vinteuil. Alber Mlle. Vinteuil não tinha vindo a Paris. Albertine devia saber por Me. Verdurin. E se ao contrário, ela o sabia Me. Verdurin a tivesse enganado, dizendo-lhe o contrário, em todo caso ela não teria hesitado em me sacrificar sua Mlle. Vinteuil, o que provava que eu quedaria seu mestre como eu queria. Por isso a vista do retângulo de luz que sua <a> janela de Albertine fazia sobre a avenida me causava um sentimento de plenitude, de doçura e de tédio. Eu sentia que na residência onde eu entraria, onde eu era obrigado a entrar como um marido,”. 124 9rº) e altamente negativos (56rº, 12rº e 13rº). É como se Proust construísse as duas sensações separadamente para fundi-las depois. O que nos impressiona é que, mesmo tendo desenvolvido o episódio no caderno 53, isto não garante uma “evolução” da escrita. Se Yoshikawa encontrou no caderno 55 episódios muito mais desenvolvidos do que no 53, isto, em nossa opinião não acontece de forma tão explícita e nem com todos os esboços. Os fólios 9rº, 12rº e 13rº revelam uma escrita bastante hesitante, claudicante e incompleta, e nos perguntamos se esses fólios, dada a brevidade e vacilação do texto, não teriam sido escritos antes do caderno 53, visto que não retomam, tampouco completam os textos elaborados neste documento. Poderíamos entender a ausência da palavra “prisão” nesses fólios como um indício de que Proust ainda não havia desenvolvido a noção de catividade do protagonista – que se julga mestre da situação –, o que nos levaria a crer que esses esboços do caderno 55 são anteriores aos do 53. Contudo, pode-se pensar essa ausência como um sinal do apagamento de um termo sobremaneira explícito e direto, evidenciando, com isso, uma busca pelo desenvolvimento de imagens que conotem a prisão e não a denotem. Neste caso, os rascunhos do caderno 55 seriam posteriores aos do 53. Talvez um exame mais detido dos textos comprovasse essa hipótese, embora saibamos a pouca probabilidade de conseguirmos estabelecer cronologias definitivas, pois Proust não datava seus rascunhos. Contudo, o que há de essencial na formulação dessas hipóteses não é a tentativa de instaurar uma gênese textual, mas perceber que o caderno 53 não é uma etapa escritural que desembocará, de uma vez por todas, no caderno 55. Em um lembrete situado na margem superior esquerda do fólio 11vº do caderno 55, Proust escreve: “et voir aussi dans le petit mince cahier bleu au recto et verso appelés Page 125 Hurlus et qui sont supprimée si j´ai bien mis ici tout ce qu´il y a dans cette Page Hurlus”224. Proust diferenciava seus cadernos, que possuíam, muitas vezes, as mesmas configurações, por características como cor da capa, contracapa, nome da filigrana etc. O caderno 53 era o caderno azul e o que depreendemos a partir dessa nota é que o escritor não abandonava os manuscritos antecedentes. Pelo contrário, ele ia e voltava a esses documentos, como em uma tentativa de relacionar uns aos outros. Esse movimento revela que muito provavelmente não havia caderno central, e que o escritor trabalhava concomitantemente com vários manuscritos, hipótese lançada no primeiro capítulo. E se os rascunhos precedentes colaboram na realização dos que os sucedem, esses documentos tardios também intervêm nos primeiros cadernos. O fato de voltar ao caderno 53 para escrever a margem do fólio 56rº e o 55vº após ter supostamente escrito as versões contidas nos fólios 9rº, 12rº e 13rº, revela que Proust trabalhava com mais de um caderno por vez e tirava dessa relação entre os textos formas que melhor expressassem o conteúdo trabalhado. Baseados na hipótese cronológica de Yoshikawa, podemos afirmar que os cadernos 53 e 55 alimentam-se reciprocamente, o que mais uma vez evidencia a não linearidade do processo escritural proustiano e comprova o diálogo entre os cadernos. Seguindo a ordem de análise do motivo, recuperamos neste momento a margem do fólio 56r° e o verso do 55vº do caderno 53. D´en bas je voyais au second étage la fenêtre celui de notre à la fenêtre d´ Albertine dont la lumière passait sous irradiation les rideaux ; émmanariche 224 “e ver também no pequeno caderno azul, na frente e no verso chamados Página Hurlus que foram suprimidos se eu coloquei aqui tudo o que há nessa Página Hurlus”. 126 tion de la présence qui mettait d tant de plénitude dans mon appartement, devenue familiale et domestique, apaisante qui mettait irradiation calme rayon de la présence, devenue riche familiale et domestique. Elle J´avais une sorte Je rentr d´une froide attente froide, d´une présence devenue familiale riche et domestique. Mais elle mais n´étais plus et qui n´était plus mystérieuse que pour les autres. J Si je me réjouissais de penser que Brichot ne savait pas pourquoi je le quittais, c´était par un retour égoïste sur moi-même, et comme si mon corps ne fût trouvé doublé, accru d´un autre corps invisible aux autres. Mais je sentais avec tristesse que maintenant le plai Puis la pensée des caresses qui m´attendaient réveillaient mon désir + (Margem, 56rº)225 Os textos das margens, assim como os dos versos dos fólios são em geral escritos a posteriori e servem como uma espécie de acréscimo e ajuste dos escritos na parte principal da página. Observamos que na margem do fólio 56rº, que tinha como eixo principal o aborrecimento completo com relação a Albertine, Proust retoma e justapõe o paradoxo. Albertine é descrita como uma irradiação, uma emanação que dá plenitude à vida do herói, contudo, essa presença rica, tranquilizadora (“apaisante”) tornou-se familiar, doméstica, 225 “De baixo eu via no segundo andar a janela, <esse de nosso> a janela de Albertine cuja luz passava sob as cortinas, emanação <irradiação> da <rica> presença que punha tanta plenitude no meu apartamento, tornada familiar, <apaziguante> e doméstica, que colocava irradiação <calmo raio> da <rica> presença, tornada familiar e doméstica. Ela Eu tinha uma espécie Eu entre de uma fria espera fria, de uma <rica> presença tornada familiar e doméstica. Mas ela não era mais, <mas> que só era mais misteriosa para os outros. Se eu me regozijava em pensar que Brichot não sabia por que eu o deixava, era por uma volta egoísta sobre mim mesmo, e como se meu corpo tivesse sido duplicado, acrescido de outro corpo invisível aos outros. Mas eu sentia com tristeza que agora o prazer Depois, o pensamento das carícias que me esperavam despertavam meu desejo+”. 127 sem mistérios. Essa passagem é massivamente rasurada, e Proust constrói, pela primeira vez, a bela imagem de um corpo duplo, dilatado, acrescido ao herói, que é o da jovem. Este corpo é invisível aos outros e, por um instante, o narrador reconhece que se possuía alguma alegria em saber que Brichot, assim como os outros, ignoravam essa realidade, isto não passava de uma falsa vitória. Mas, por fim, Proust retoma a idéia do desejo despertado pela lembrança das carícias certas que o aguardavam. Observemos ainda a palavra “rideaux”, que poderia indicar um diálogo com o episódio descrito na novela Rideaux cramoisi e que não será utilizada, pois a imagem da luz estriada pelos postigos da janela que remeterão, posteriormente, às grades de uma prisão, não poderia ser construída juntamente com uma cortina. É igualmente interessante notar que Proust começa a elaborar, de maneira mais sistemática, imagens que metaforizam e metonimizam a presença de Albertine, e que ainda não haviam sido elaboradas nos fólios anteriores. A pequena cruz que vemos no final da margem, denominada de “signe de renvoi” pelos críticos de manuscritos, indica que o texto continua em outro local, neste caso no fólio 55vº. Este procedimento ocorre especialmente pela falta de espaço no caderno, o que explica o porquê das folhas em branco deixadas pelo escritor e a falta de linearidade na construção textual que mencionamos anteriormente. Não era raro Proust deixar folhas em branco, pois estava certo de que em algum momento da escrita elas seriam preenchidas nas etapas de releitura, com acréscimos e ajustes textuais. Isto ocorre com os versos e com as margens, ambos sendo espaços reservados para as etapas posteriores de escritura. No trecho em questão, isto ocorre com a página paralela ao fólio 56rº, a página Hurlus. Possuindo esse mesmo nome, o fólio 55v° desenvolve, da metade da folha para baixo, essa problemática do duplo. A metade superior, deixada em branco pelo escritor, muito provavelmente serviria para outros ajustes e reformulações. 128 Page Hurlus + mais j’avais quelque tristesse à penser que maintenant désormais le plaisir physique n’était plus pour moi l’appat qui m’aiderait à pénêtrer dans des pays et dans des vies inconnues. Il Pour moi le trouver il ne me fallait plus Il n’était pas dans un double sa dans les rues ne chassait* pas hors Et par une sorte de symbole car Albertine par une n’était pas seulement chez moi, elle était en moi, elle était devenue un complément, un double, une annexe de moi-même, le plaisir n’était plus maintenant pour moi au dehors dans l’inconnu de la rue, des ce que je faisais ce n’était routes, des pays, pour le trouver il ne me fallait plus partir en voyage ou en c’était pas comme j’avais rêvé partir en voyage, ou simplement sortir c’était rentrer. (55vº)226 O prazer físico não era mais o atrativo que permitiria a entrada do protagonista em outros países, em outras vidas desconhecidas. Albertine não era apenas uma presença, ela estava nele como um complemento, um duplo, e por este motivo, o prazer não poderia mais ser vivenciado fora, nas ruas, nas estradas, nos países, no que ele esperava encontrar nas viagens ou nos passeios. Essa noção, embora não tenha aparecido no texto publicado do La prisonnière, confirma, de certa forma, a concepção do amor como um conhecimento de si mesmo, visto que ele não passa de uma projeção de um estado de alma do amante, como verificamos anteriormente. Esse trecho foi, na verdade, aproveitado para o romance Albertine disparue, quando o narrador-herói reflete sobre a jovem após a sua morte. Esse prazer do autoconhecimento estava em sua casa, e para apreciá-lo o herói deveria adentrá-la, constatação muito diversa do narrador-herói no texto publicado, que percebe que a presença da jovem é castradora de seus pensamentos. Notamos que essa página encerra o episódio da janela iluminada no caderno 53, retomando o paradoxo desde o início esboçado no fólio 52rº. 226 “Página Hurlus: + mas eu sentia uma tristeza em pensar que agora doravante o prazer físico não era mais, para mim, a isca que me ajudaria a penetrar nas terras e nas vidas desconhecidas. Ele Para eu encontrá-lo não me era mais necessário Ela não estava nas ruas não caçava*fora E por uma <por uma> < num duplo sua> espécie de símbolo, pois Albertine não estava somente em minha casa, ela estava em mim, ela tinha se tornado um complemento, um duplo, um anexo de mim mesmo, o prazer não era mais agora para mim lá fora, no desconhecido da rua, das estradas, das regiões, para encontrá-lo <o que eu fazia> não me era mais necessário partir em viagem ou não era como eu havia sonhado partir em viagem ou simplesmente sair, era entrar”. 129 Proust, pouco a pouco, justapõe palavras e frases antagônicas para dar conta dessa ligação complexa e conflituosa entre Marcel e Albertine, em um aprofundamento exemplar da relação conturbada de Swann e Odette. Ele escolhe palavras como “irradiação” e “emanação”, que metaforizam tanto a presença de Albertine, quanto a luz que passa através das venezianas da janela. Mas, apesar de trazer plenitude, esta presença é igualmente familiar e doméstica, desprovida de mistério. Parece-nos que a busca por uma forma, por imagens que melhor sugiram esse paradoxo, está na base das diversas reescrituras deste episódio. Isto fica patente, sobretudo nas notas e lembretes que Proust registrou tanto nas margens, quanto no corpo do texto. Na margem do fólio 52rº temos “tout cela et tout ce qui précède est à réecrire beaucoup mieux”227. No fólio 56rº, encontramos inscrito, logo após a primeira frase, o seguinte lembrete: “le dire mieux” [“dizê-lo melhor”]. Essa tentativa de compor uma forma que expresse de maneira adequada o paradoxo da relação amorosa continua sendo a tônica da escrita desse mesmo episódio no caderno 55 dos fólios 11vº-12vº, 10vº-11vº. Retomando a análise das redações pertencentes ao caderno 55, encontramos uma margem esquerda no fº 13rº que começa a vislumbrar a fusão entre os elementos positivos e negativos da relação amorosa. A próxima etapa de escritura dar-se-á no fólio 11vº do cahier 55. Neste esboço, já encontramos o amalgamento entre as sensações de desejo e tédio. Brichot me demanda quelle adresse je il devait donner au cocher et je lui dis la mienne. Il me « Ça c’est très bien dit-il. » Pas plus que les amis qui venaient me voir et que je faisais passer dans le couloir sans qu’ils rencontrassent Albertine, il ne soupçonnait pas qu’en rentrant j’allais trouver justement commencer ma soirée, que le temps que j’avais passé chez les Verdurin n’avait été pour moi qu’un court intervalle pendant lequel m’attendait paisiblement dans sa chambre celle que j’avais hâte de retrouver. Et pourtant nouveaux j’étais ennuyé de rentrer, je pensais à tous les plaisirs inconnus dont à la recherche desquels j’aurais pu aller si je m’ étais promené seul, si j’avais été dans la maison que 227 “Tudo isso e tudo que antecede é para ser reescrito muito melhor”. 130 m’avait indiqué Robert. Avec L’espoir La pénétration d’une vie inconnue, l’espoir de me faire aimer d’un être qui ne me connaissait pas, tout cela n’existait plus avec Albien connu bertine. C’était là même plaisir sensuel, familial et même, domestique, goûté cet après midi que je revenais chercher auprès d’elle auprès d’elle, dans cet appartement où sa soigneusement cachée à Brichot présence, ignorée de Brichot mettait comme une plénitude une tré richesse insoupçonné, (11vº)228 O prazer era bem conhecido, sem mistérios, ainda que sensual. As palavras anteriormente rasuradas no fólio 56rº como “familiar”, “doméstica”, retornam, o que demonstra que no processo de criação de Proust, aquilo que é barrado, riscado, como se tivesse sido refutado, pode ser reutilizado, denotando antes uma reserva do que uma recusa. Soma-se ainda o início do desenvolvimento da imagem do tesouro, que corresponde, neste estado da escrita, ao termo “richesse” [riqueza]. Como já mencionado, o fº 11vº contém um lembrete referente ao caderno 53. Porém, há outra nota que frisa a importância da releitura dessa página para ver se o escritor “não esqueceu nada”: “Voir dans ce verso et le suivant qui ne comptent plus s´il n´y a rien que j´aie oublié de mettre dans le verso et le recto précédent”229. Esta nota, elaborada evidentemente após a escrita do texto central indica que os versos 11vº e 12vº não serão usados como versões definitivas, contudo, a volta a eles revela uma dificuldade imensa em renunciar ao que já foi escrito. 228 “Brichot me perguntou qual endereço eu ele devia dar ao cocheiro e eu lhe disse o meu. Ele me ‘Isso é muito bom, disse ele’. Não mais que os amigos que vinham me ver e que eu fazia passar no corredor sem que eles encontrassem Albertine, ele não suspeitava que, entrando, eu iria encontrar justamente começar minha noite, que o tempo que eu havia passado na casa dos Verdurin havia sido para mim apenas um curto intervalo durante o qual, me esperando pacificamente dentro de seu quarto aquela que eu tinha ânsia de encontrar. E, no entanto, eu estava aborrecido de entrar, eu pensava em todos os prazeres desconhecidos <novos> cuja em busca dos quais eu poderia ter ido se eu tivesse passeado sozinho, se eu tivesse ido à casa que me havia indicado Robert. Com A esperança A penetração de uma vida desconhecida, a esperança de me fazer amar por um ser que não me conhecia, tudo isso não existia mais com Albertine. Era o mesmo prazer <bem conhecido>, sensual, familiar e doméstico, provado nesta tarde <mesmo> que eu voltava a buscar perto dela perto dela, nesse apartamento onde sua presença, ignorada por Brichot <cuidadosamente escondida de Brichot> impunha-se como uma plenitude, uma riqueza insuspeita,” 229 “Ver neste verso e no seguinte, que não contam mais, se não há nada que eu tenha esquecido de colocar no verso e na frente precedente”. 131 Proust, ao que parece, opera primeiramente por acúmulo e dispersão – o mesmo episódio será elaborado em vários fólios, cujos acréscimos irão modificar sua sintaxe – e posteriormente por condensação. Ele volta a todos os fólios, ou até mesmo a cadernos anteriores, para se certificar de que não deixou passar nada. A cada fólio há sempre pedaços, fragmentos textuais, que serão recuperados e postos em um mesmo texto, quando Proust for condensar sua escrita. O fólio 12vº, por exemplo, concentra quase todos os temas desenvolvidos separadamente até então. C’était chez les Verdurin que j’étais seul, un moment privé de cette riche Albertine qui était devenu le complément de mon organisme et hors de laquelle je ne m’aventurais qu’un moment, pressé d’aller me rejoindre et m’unir à elle. D’ La voiture s’ était arrêtée devant ma porte. D’en bas je voyais le grand carré de lumière qui faisait à travers les volets la lumière de la fenêtre d’Albertine, comme les rayons de ce si soigneusement caché à Brichot, à Robert, insoupçonné de tous trésor qui m’attenda insoupçonné des autres qui m’attendait, que j’étais si pressé de retrouver mais en échange duquel il que j’étais si pressé de retrouver, mais en échange duquel me semblait que j’avais vendu la liberté j’avais vendu la liberté de ma vie et la possibilité d’être seul ! (12vº)230 Temos a imagem do corpo duplo, da falta de solidão imposta pela presença da jovem e da obrigação de entrar e abdicar do desconhecido. Finalmente, a imagem do tesouro se concretiza e é em troca dele que o herói renuncia a sua liberdade. Através da janela, o narrador pode ver os raios desse tesouro insuspeito e escondido dos outros, “à travers les volets la lumière de la fenêtre d´Albertine, comme les rayons de ce trésor si soigneusement 230 “Era na casa dos Verdurin que eu estava só, um momento privado desse/a <Albertine> que tinha se tornado o rico complemento de meu organismo e fora da qual eu me aventurava somente um momento, apressado de ir me juntar e me unir a ela. O carro parou diante da porta. De baixo eu via o grande quadrado de luz que fazia através dos postigos a luz da janela de Albertine, como os raios desse tesouro que me esperava insuspeita dos outros <tão cuidadosamente escondida de Brichot, de Robert, insuspeita de todos>, que me esperava, quem eu estava tão apressado em encontrar, mas em troca do qual eu havia vendido a liberdade <que eu estava apressado em encontrar>, <mas em troca do qual me parecia que havia vendido a liberdade> de minha vida e a possibilidade de ficar sozinho!” 132 caché à Brichot, à Robert, insoupçonné de tous”. A proximidade com o texto publicado é forte e já encontramos quase todos os seus temas esboçados neste fólio. As duas últimas versões dedicadas à elaboração do episódio da “fenêtre éclairée”, os fólios 10vº e 11rº, são consideradas por Proust como definitivas. Em uma nota na margem superior do fº 10vº, o escritor registra: “Sur ce verso et ce recto/Ceci est le morceau définitif (quoique la forme soit à changer) qui annule les pages suivantes”231. Nous étions arrivés devant ma porte. Ce fut Je descendis de voiture et donnai au cocher l’adresse de Brichot. D’en bas je voyais le à travers les volets les rayons de la lampe de d’Albertine. Pour d’autres ils n’eussent peut’être été qu’ une lumière superficielle, mais moi sous leur éclat, je savais toute la plénitude de vie qui m’attendait paisiblement là haut en laquelle et où mon corps et ma pensée allaient se perdre, se confondre ennui, sans se reposer Ce n’était pourtant pas sans regret que je voyais m’attendre, me rappeler ces reflets dorés du ces rayons m’attirer, me* me dire qu’on m’attendait (dire aussi aussi cela mieux) Ces reflets du trésor, insoupçonné de Brichot, ,orgueil secret de ma vie, qui rempl qu’il était des amis qui venaient me voir et que je reconduisais dans le couloir sans qu’e ils rien trahit la présence d’Albertine, mais en échange duquel il me semblait que j’avais vendu la liberté, la pensée, la solitude. Si Albertine pour n’avait pas été là haut, pour avoir un plaisir sensuel, pour ce que j’aurais fait c’eût été sinon prendre un train, tout au moins faire dans le Paris nocturne de ces promenades qui sont presque un voyage, aller dans cette maison q dont m’avait parlé Robert et qui comme un (10vº)232 Encontramos uma proximidade formal entre esse rascunho e o texto publicado, no entanto, não há ainda nesse esboço as imagens que metaforizam a janela e a prisão. Outro fato 231 “Sobre este verso e essa frente/ Este é o pedaço definitivo (embora a forma deva ser mudada) que anula as páginas seguintes”. 232 “Nós havíamos chegado diante de minha porta. Foi Eu desci do carro e dei ao cocheiro o endereço de Brichot. De baixo eu via através dos postigos os raios da lâmpada de Albertine. Para outros eles teriam sido somente talvez uma luz superficial, mas eu, sob seu brilho, sabia toda a plenitude de vida que me esperava pacificamente lá no alto e onde <na qual> meu corpo e meu pensamento iam se perder, se confundir se repousar Não era entretanto sem tédio, <sem> pesar que eu via esses raios me atrair <me esperar, me lembrar esses reflexos dourados do> me dizer que me esperavam (dizer isso melhor) Esses reflexos do tesouro <tão tão> insuspeito de Brichot, <orgulho segredo de minha vida>, que preench que havia amigos que vinham me ver e que eu reconduzia no corredor sem que eles nada traísse a presença de Albertine, mas em troca do qual me parecia que eu havia vendido a liberdade, o pensamento, a solidão. Se Albertine não estivesse lá em cima, para <para> ter um prazer sensual, para o que eu teria feito seria, senão tomar um trem, ao menos fazer na Paris noturna esses passeios que são quase uma viagem, ir nessa casa da qual me havia falado Robert e que como um”. 133 curioso, que verificamos em uma nota na margem superior do fólio, é a possível utilização que Proust dará aos seus textos. O escritor registra: “Pour le morceau ci dessous il vaudrait mieux insister sur l´ennui et laisser la douceur, la richesse de sensations por quand elle est morte”233. Na nota acima, encontramos o tom do episódio que, com efeito, no texto publicado, não acentuará essa doçura, essa profusão de sensações, algo ainda muito presente nas versões manuscritas, como os fólios 10vº e 11rº. Entretanto, esse lembrete revela-nos outro uso para esse texto sistematicamente trabalhado que será retomado, em sua essência, quando Albertine estiver morta. Proust estabelece, dessa forma, pares antagônicos que se resumiriam em: a posse da amada e o sentimento de aborrecimento; a perda definitiva da jovem e o prazer de viver ao seu lado. Percebemos assim que Proust retoma trechos rasurados e modifica passagens consideradas “definitivas”, o que revela uma propensão ao perpétuo refazer, ao inacabamento. A imagem da prisão construída no caderno 53 é abandonada no 55. A noção de tesouro é mantida nos fólios 10vº e 11rº, contudo, ele acrescenta o elemento da perda da liberdade, do pensamento e da solidão decorrentes dessa troca “mais en échange duquel il me semblait que j´avais vendu la liberté, la pensée, la solitude”. Se compararmos com o texto publicado, essas versões diferem, fundamentalmente, no que concerne às imagens construídas para a janela, destacadamente mais sugestivas do que as dos rascunhos. Palavras como “desejo” e “tédio”, signos explícitos do paradoxo da relação amorosa são suprimidas, muito provavelmente por explicitarem demasiadamente o episódio e suas imagens. Nessa comparação entre os rascunhos e o texto publicado, julgamos que o mais 233 “Para o trecho abaixo, seria melhor insistir sobre o tédio e deixar a doçura, a riqueza das sensações para quando ela morrer”. 134 importante é a forma pela qual a noção de encarceramento se dissemina em diversos outros signos que enfatizam sua idéia, tornando o episódio ainda mais paradoxal e complexo. A palavra “prisão”, como vimos, já havia sido abandonada nas redações do caderno 55, contudo, sua imagem pairava em quase todos os textos. No romance, Proust utiliza uma profusão de signos que retomam essa invenção, como nos casos dos sintagmas “barreaux d ´or”, “grillage lumineux”, “inflexibles barreaux d´or”, mas também no caso de sintagmas e frases que indicam uma submissão do herói, como “servitude éternelle” e “et dessinait devant mon esprit des images précises, toutes proches, et en possession desquelles j'allais entrer tout à l'heure”. Embora condensado, o texto publicado resguarda procedimentos de sua escritura. Assim como há uma explosão desse episódio em onze fólios manuscritos, a noção de prisão se desdobra e se constela em diversos outros sintagmas. Com relação à sua escrita, na crítica proustiana fala-se muito desse “éclatement”, dessa explosão de formas e temas que se espalham, contudo preferimos utilizar outra imagem que acreditamos condizer ainda mais com o procedimento escritural de Marcel Proust. Uma explosão implica uma destruição, e como notamos, isto não ocorre necessariamente no caso proustiano. Adotamos, portanto a concepção de uma escrita constelar que se abre, dispersando seus fragmentos, unindo, desta maneira, diversos núcleos narrativos. Se pensarmos no episódio da janela iluminada, ele servirá de motivo para constelações distintas: Jean e Mme. S, Swann e Odette, Marcel e Albertine. A forma como Proust compôs os episódios do vestido de Fortuny possui igualmente essa característica constelar, que teve de se espalhar para poder construir unidade. A análise desses episódios mostrou que, embora Proust considere determinadas versões como definitivas, ele sempre as modifica. Fica-nos, assim, evidente que entre os fólios 10vº e 11rº e o texto publicado houve ainda muitas outras etapas de escritura às quais 135 não tivemos acesso, pois o termo “definitivo”, no caso proustiano, é algo completamente frágil e movediço. Especialmente o romance A prisioneira que, como se sabe, foi publicado juntamente com os dois últimos volumes da Recherche, após a morte de Proust. O que lemos hoje muito provavelmente teria sofrido alterações se o escritor não tivesse morrido, pois Proust alterava seus textos até a etapa de impressão, como indica Francine Goujon: Dans la pratique de Proust, les épreuves sont encore un lieu d'écriture et de création. Leur relecture est productrice. Alors que l'usage qu'on en fait habituellement vise à conduire du manuscrit au livre sans remettre en cause l'intégrité du premier ni la fragile perfection matérielle du second, Proust se donne le droit d'y inscrire du nouveau. (1997, p. 79)234 Isto não apenas demonstra uma fragilidade da noção de definitivo, de acabado, mas ao mesmo tempo suscita a hipótese de que esse episódio poderia ter sido publicado de forma diferente se Proust tivesse revisto as datilografias, ou tivesse tido tempo de levar o romance à etapa das provas. Só tivemos acesso aos cadernos de rascunho e não pudemos acompanhar o movimento escritural do romance em questão nos cadernos de mise au net, mas o estudo das diferentes etapas de escritura não garante ao crítico uma exaustividade. Se Proust, em pouco mais de 10 anos, foi capaz de produzir em torno de 8.000 páginas, uma vida não é suficiente para um crítico recuperar esse processo, nem mesmo em equipe. Isto comprova o quanto estamos, na condição de leitores de manuscritos, afastados desse processo e o quanto nosso discurso será sempre lacunar. Como salienta Bernard Brun: “La lacune est du côté de la critique plutôt que de l'écrivain” [A lacuna está mais do lado da crítica do que do escritor ] (2003, p. 106). 234 “Na prática de Proust, as provas são ainda um lugar de escritura e de criação. Sua releitura é produtiva. Ainda que o uso que se faz habitualmente vise a conduzir do manuscrito ao livro, sem pôr em questão a integridade do primeiro e a frágil perfeição material do segundo, Proust dava-se o direito de reescrever nessas provas”. 136 Capítulo 4 As notas e a estética da composição Ne mêlons pas la vie (et les sympathies déférentes qui y naissent) avec la littérature. 4.1 Lembrar e buscar novas formas Estudamos, até o presente momento, o desenvolvimento dos textos romanescos, dos motivos, e a busca proustiana por unidade em seus rascunhos. No entanto, é bom observar que os cahiers não são compostos exclusivamente por esboços literários. As notas, que aparecem, tanto na parte superior do fólio, como nas margens à esquerda (podendo vir integradas ao corpo do texto literário), formam um conjunto muito importante para a compreensão do modus operandi da escrita e do projeto literário proustianos. Assim como o texto dos rascunhos, as notas são compósitas e podem funcionar como simples lembretes ou como uma espécie de comentário do escritor com relação ao seu próprio projeto, conforme observado por Anne Herschberg Pierrot. Chez Proust, les notes ont un statut à la fois annexe et fondamental. On peut distinguer d'abord les notations de carnet, comme celles du Carnet 1 (1908-1912). Ce carnet composite, qui accompagne la genèse saccadée du Contre Sainte-Beuve, et les débuts de la Recherche, comprend à la fois des indices biographiques (adresses, par exemple), la trace de projets, de réflexions critiques et esthétiques, des listes de noms, et des esquisses de rédaction. La note n'y a pas de finalité documentaire, elle tient plutôt d'un tracé mémoriel: réserve de noms, de notations. À côté de cela, une seconde série de notes, plus tardive, au statut plus uniformément métadiscursif, apparaît en cours de rédaction de la Recherche, comme celles du Cahier 57 pour Le Temps retrouvé. Rédigées entre 1913 et 1916/17, elles commentent et complètent l'état du texte écrit en 1911. (1994, p. 62)235 235 “Em Proust, as notas possuem um estatuto ao mesmo tempo anexo e fundamental. Podemos distinguir primeiramente as notações da caderneta, como as da Caderneta 1 (1908-1912). Esta caderneta compósita, que acompanha a gênese irregular do Contre Sainte-Beuve e os inícios da Recherche, compreende ao mesmo tempo indícios biográficos (endereços, por exemplo), a pista de projetos, de reflexões críticas e estéticas, listas de nomes e esboços de redação. A nota aí não tem finalidade documental, assemelha-se mais a um vestígio memorial: reserva de nomes, de notações. Lado a lado com ela, uma segunda série de notas, mais tardias, com um estatuto mais uniformemente metadiscursivo, aparece ao longo da redação da Recherche, como as do 137 A autora faz uma leve distinção entre “notação” e “anotação”, que seria, respectivamente, o ato de notar, de pontuar algo por uma escrita breve ou por sistemas de símbolos, e o ato de anotar, de fazer curtos comentários sobre o texto, produzindo notas de caráter metadiscursivo. Entretanto, Pierrot afirma que, em se tratando de manuscritos, há uma “difficulté de maintenir la distinction entre notation, et annotation, langue et métalangue” (1994, p.62)236. Obviamente, há diferenças entre um lembrete e um comentário, mas no caso proustiano, todos estão a serviço de uma escrita e de uma composição literárias. Analisando primeiramente as notas que servem de lembrete, algumas delas alertam para o não esquecimento de textos que já foram elaborados em outras etapas, bem como em outros cadernos. No fólio 10vº do caderno 55 visto no capítulo anterior, encontramos a seguinte nota: Ceci est le morceau définitif (quoique la forme soit à changer) Ma qui annule les pages suivantes (mais non pas q.q. pages avant quand Brichot me demande l ´adresse). Mais regarder dans les pages suivantes où je disais moins bien la même chose si je n´ai rien oublié237. Verificamos que as notas, assim como o texto, partilham, senão do mesmo estatuto, do mesmo grau de importância na escrita, pois elas também são rasuradas e sofrem acréscimos, como observamos no exemplo acima, manifestando o prazer que Proust tinha pelo comentário, ainda que breve e restrito ao lembrete. Neste pequeno trecho, percebemos que ao nomear o fólio como definitivo, Proust tenta garantir o acabamento de um episódio reescrito inúmeras vezes. Contudo, ele frisa entre parênteses, como em uma espécie de comentário dentro do comentário, que a forma ainda será trabalhada, revelando uma propensão ao inacabamento e ao refazer incessante. Caderno 57 do Tempo redescoberto. Redigidas entre 1913 e 1916/17, elas comentam e completam o estado do texto escrito em 1911”. 236 “dificuldade de manter a distinção entre notação e anotação, língua e metalíngua”. 237 “Este é o pedaço definitivo (embora a forma deva mudar) Ma que anula as páginas seguintes (mas não algumas páginas antes, quando Brichot me pede o endereço). Mas olhar nessas páginas seguintes onde eu dizia menos bem a mesma coisa se eu não esqueci nada”. A diferença de tamanho do corpo das letras denota acréscimo. 138 Reforçamos o que foi mencionado no terceiro capítulo, que o definitivo ainda é passível de mudança e o suprimido ainda serve de matéria literária. No fólio 11vº do caderno 55, Proust registra: Voir dans ce verso et le suivant qui ne comptent plus s´il n´y a rien que j´aie oublié de mettre dans le verso et le recto précédent// et voir aussi dans le mince cahier bleu au recto et verso appelés page Hurlus et qui sont supprimées si j´ai bien mis ici tout ce qu´il y a dans cette Page Hurlus.238 Essas notas, que funcionam como verdadeiras advertências para uma boa construção, revelam o hábito proustiano de releitura dos documentos e da escritura de textos a partir de trechos já elaborados. Mesmo suprimidos, esses fólios podem conter idéias, palavras ou frases que já tenham expressado, de alguma forma, o texto a ser elaborado em uma etapa mais atual de escrita. Como vimos no capítulo anterior, essa volta aos textos “suprimidos” pode demonstrar uma grande dificuldade do escritor de renunciar ao que já havia realizado, ainda que “menos bem”. Todavia, esse procedimento não só evidencia uma escrita fragmentada, dispersa e não linear que opera nos cadernos, mas indica uma tentativa de amalgamar essas partes, pois se Proust escreve por fragmentos, ele não perde de vista a unidade de seus romances e de sua obra. Sob esse aspecto, não é raro encontrarmos notas que fazem menção a outros rascunhos, e vimos que no fólio 11vº, Proust retoma o caderno 53, apelidado de “caderno azul”, para compor o episódio da “fenêtre éclairée”. Ainda no caderno 55, Proust refere-se a outros documentos que devem ser consultados para a elaboração de episódios: “Je savais que je ne savais pas regarder (voir dans Babouche), pas écouter, qu´il fallait les choses ne fussent permis d´abord par l´imagination (...)” (C. 55, fº 62vº)239. Este caderno intitulado “Babouche” 238 “Ver neste verso e no seguinte, que não contam mais, se não há nada que eu tenha esquecido de colocar no verso e na frente precedentes//e ver também no fino caderno azul, na frente e no verso chamados de página Hurlus e que foram suprimidos, se coloquei aqui tudo o que há nesta página Hurlus”. 239 “Eu sabia que eu não sabia olhar (ver no Babouche) nem escutar, que era necessário que as coisas fossem permitidas primeiramente pela imaginação”. 139 corresponde ao caderno 74, listado, segundo Bernard Brun240, como um dos documentos utilizados para a composição da história de Albertine. Algo que podemos encontrar ainda em uma nota que faz referência a outro caderno destinado à história dessa heroína: “Capital Il faudra que je dise en pendant de ce que j´ai dit (indiqué en marge du cahier Vénusté sur le gd rôle joué par Albertine dans ma vie) (...)”. (C. 55, fº 91vº)241; e uma vez mais, em um fólio em que Proust elabora o diálogo do herói com Gilberte a respeito de Albertine, no qual a menção ao caderno “Vénusté” (ou cahier 54) tem por objetivo a recuperação da importância da jovem na vida do protagonista, que no momento atual da construção narrativa, conta sua relação com a moça em uma posição já distante do conflito242. Esse hibridismo e fragmentação da escrita proustiana ocorrem não somente entre diferentes rascunhos, mas também entre textos de um mesmo caderno, pois se o escritor menciona outros manuscritos em uma clara busca por conexão, ele registra, da mesma forma, observações concernentes ao desenvolvimento de passagens contidas em um mesmo documento, a fim de articulá-las. Em uma nota no fólio 13vº, Proust escreve: “Ceci vient tout de suite après la fenêtre éclairée. C´est par là que commence tout ce qui est se passe dans la maison” (C.55, fº 13vº)243. Percebemos que essa anotação não é apenas um lembrete, mas a delimitação de um episódio que deve vir imediatamente após o da “janela iluminada”, isto é, a cena da “comédia da ruptura” entre o protagonista e Albertine. 240 Cf. Capítulo I. “Capital É necessário que eu diga em contrapartida ao que eu disse (indicado na margem no início do caderno Vénusté sobre o grande papel que tinha Albertine em minha vida) (...)”. 242 “(...) je l´avais raconté du dedans, maintenant à distance je l´apercevais du dehors”. [“(...) eu a contava de dentro, agora à distância, eu a percebia de fora”] (C.55, fº 91vº). 243 “Isso vem logo em seguida após à janela iluminada. É por aqui que começa tudo o que é se passa dentro da casa”. 241 140 A falta de linearidade dos rascunhos, ou melhor, da elaboração literária nos cadernos, faz com que Proust se preocupe em destacar a seqüência à qual pertencem certos trechos. A observação “Ce morceau ne vient pas ici, après douleur + mais après douleur + vient le morceau qui commence au verso suivante, continue au verso d´après et finit ici” (C.55, fº 47vº)244 ilustra claramente o objetivo de tal anotação: evitar confusão e localizar o início e o fim do texto. Se seguimos as indicações de Proust, descobrimos que o texto em questão, que trata da dor sentida pelo herói com a fuga de Albertine, começou a ser construído no fólio 48vº, seguiu em 49vº e terminou em 47vº, em um exemplo flagrante da utilização não linear dos cadernos. Esse procedimento de desenvolver o texto por retrocesso, no sentido contrário ao fim do manuscrito, não é raro e poderíamos até afirmar que se dá de forma sistemática em Proust, seja por falta de folhas, já preenchidas em etapas anteriores, seja pelo conteúdo, pois como se sabe, os versos se relacionam com as frentes que os ladeiam. De maneira geral, Proust realiza esse procedimento sem necessariamente fazer notas, contudo, quando os textos são numerosos e se assemelham, o escritor delineia seus limites por meio de breves comentários, como verificamos na nota do fólio 90vº: “Ce verso finit au bas de ce verso, ce qu´il y a au verso suivant ne s´y rattache pas” (C.55, fº 90vº)245. Recorrendo a mais exemplos desse tipo, encontramos notas como: Suivre 2 versos avant: J´avais cent fois pensé (ne pas confondre qu´à 1 verso avant il y a aussi J´avais cent fois mais c´est parce que je redis 2 fois cette formule. C´est 1 verso avant qui vient d´abord, puis ce verso-ci, puis 2 versos avant). (C.55, fº 49vº)246 Trata-se do mesmo caso dos versos vistos acima, mas em outra perspectiva. Escrevendo no verso do fólio 49vº, Proust reforça que a seqüência do episódio se dará dois 244 “Esse trecho não vem aqui, após dor +, mas após dor + vem o pedaço que começa no verso seguinte, continua no verso subseqüente e termina aqui”. 245 “Este verso termina embaixo deste verso, o que há no verso seguinte não se liga a ele”. 246 “Seguir 2 versos antes: Eu tinha pensado cem vezes (não confundir que em 1 verso antes, também há Eu tinha pensado cem vezes, mas é porque eu redisse 2 vezes essa fórmula. É 1 verso antes que vem primeiro, depois este verso, depois 2 versos antes)”. 141 versos antes, ou seja, no fólio 47vº, na passagem “J´avais cent fois pensé”. Contudo, ressalva que essa frase também foi escrita no verso imediatamente anterior, o 48vº, frisando, por fim, que a ordem textual será 48vº-49º-47vº. Proust utilizou duas notas para se referir a um mesmo caso, o que demonstra que, no processo incessante e caótico da escritura, as notas estabelecem os limites, servindo de guia para o escritor que tenta compreender e comentar seu próprio processo de escrita. É essencial salientar que as notas são massivamente utilizadas nos cadernos de rascunhos quando os textos ainda estão em nascimento ou em fase de desenvolvimento. Nos cadernos de mise au net, as anotações se rarefazem, pois os textos mais pertinentes ao escritor já foram escolhidos, sendo essa etapa voltada sobretudo para os ajustes, os acréscimos e as articulações dos fragmentos, o que explica o uso regular da colagem e da montagem. Retomando o caráter dessas notas, elas possuem outro papel relevante na composição proustiana, que é o de salientar a importância dos episódios ou do desenvolvimento posterior a ser feito. As palavras “capital”, “capitalissime” e suas variantes, bem como a frase “Nota Bene” ou simplesmente N.B. são utilizadas repetidamente, como podemos averiguar nos exemplos a seguir: “Capital Certes Albertine ne m´avait jamais dit qu´elle crut que je fusse épris d´elle” (C.55, fº 16rº); “Ce qui est en marge est Capitalissime, surtout l´enclave du milieu” (C.55, fº 16vº); “Capitalissime Ajouter encore au verso en face tout à la fin de l ´ajoutage mince” (C.55, fº 24rº); “Capitalissimus pour ajouter au verso précédent, sans doute après les baisers qu´elle avait reçus” (C.55, fº 38vº), “N.B. Dire quand elle est partie que je me décide brusquement à tout ce devant quoi j´avais hésité jusque là (...)” (C.55, fº 51vº)247. 247 “Capital Certamente, Albertine nunca havia me dito que ela acreditava que eu fosse apaixonado por ela”; “O que está na margem é capitalíssimo, sobretudo no enclave do meio”; “Capitalíssimo Adicionar ainda no verso em frente no finalzinho do acréscimo fino”; “Capitalissimus para acrescentar ao verso precedente, talvez depois dos beijos que ela havia recebido”; “N.B. Dizer quando ela partiu que eu me decido bruscamente por tudo aquilo diante do qual eu havia hesitado até ali”. 142 A partir desses exemplos, reparamos que, em sua maioria, as notas atentam para a questão da articulação dos textos ou da posição a ser ocupada por eles, que de modo geral pertencem a etapas posteriores de escrita, sendo considerados como acréscimos àqueles elaborados anteriormente. Sendo assim, as notas reforçam o lado essencial dessas passagens, pontuando as mudanças e os novos rumos da história que não poderão ser esquecidos pelo escritor, como constatamos na enfática nota “Toujours KKKKapitalissime” (C.55, fº 93rº)248. Todavia, elas não possuem somente a finalidade de lembrar, mas são, muitas vezes, verdadeiras reflexões e direções estéticas tomadas por Proust com relação ao seu trabalho: Nota Bene Ce qui est en bas de la marge après le mot alinéa, devra être très court, très détaché et finira le chapitre, ou le volume si le chapitre finit le volume. (C.53, fº 6rº)249 Afora o caráter indeciso da nota, que evidencia as dúvidas de Proust a respeito do término do volume Sodome et Gomorrhe, observamos que o escritor não só comenta, como também indica a forma como deve burilar o texto. Esse gênero de notas, chamadas “notes de régie” fornecem pistas sobre o projeto escritural proustiano, permeado de hesitações e reviravoltas. Essa nota, localizada na margem esquerda do fólio 6rº do cahier 53, refere-se ao texto que elabora a decisão inusitada de Albertine de partir para Paris junto do protagonista. Albertine qui le matin même av avait l´air de tenir tellement à rester à Balbec, voulait maintenant que nous partions tout de suite. Je ne m´ expliquai pas pourquoi. Mais nous nous étions au 15 Septembre. Ma mère ne fit pas d´objections 248 “Sempre KKKKapitalíssimo”. “Nota Bene O que está embaixo da margem, após a palavra alínea, deverá ser muito curto, bem desligado e terminará o capítulo ou o volume, se o capítulo terminar o volume”. 249 143 au départ et le surlendemain nous étions à Paris. (C.53, fº 6rº)250 Não nos espanta o comentário de Proust que prima, neste momento, por um episódio mais curto, pois compreendemos que, na narrativa, essa atitude de Albertine configura mais uma das reviravoltas, dos rebondissements próprios aos personagens da Recherche, ou seja, fatos que não devem ser destrinchados, mas apenas evocados para surpreender o leitor, explicando, em boa medida, a preocupação do escritor com a condensação do texto. No fólio 45rº do caderno 55, encontramos: “Plutôt reserrer et mettre ici ce qui est trois ou 4 pages plus loin combien la souffrance est le meilleur psychologue” (C. 55, fº 45rº)251e percebemos o momento em que Proust visualiza a articulação de duas passagens já escritas no mesmo caderno – a da notícia da fuga de Albertine, bastante desenvolvida neste fólio, e a do sofrimento como o melhor dos psicólogos252 – o que levará, logo no início de Albertine disparue, à impactante frase: “‘Mademoiselle Albertine est partie’! Comme la souffrance va plus loin en psychologie que la psychologie!”253 (AD, p. 03). Em outros momentos, Proust escreve verdadeiros monólogos a propósito de suas frases e descrições: “Si je ne laisse pas les développements ci dessus mettre ailleurs cette phrase excellente un nom qui met dans la bouche de ... cette phrase” (C.55, fº 67rº)254. Essa frase “excelente” havia sido escrita e sublinhada por Proust no mesmo fólio, e era destinada a Swann – “un nom qui met dans la bouche de Swann cette phrase : ‘Mais c´est un grand 250 “Albertine, que de manhã mesmo parecia fazer tanta questão de ficar em Balbec, queria agora que nós partíssemos imediatamente. Eu não encontrava o porquê. Mas nós nós estávamos em 15 de Setembro. Minha mãe não fez objeções à partida e, dois dias depois, estávamos em Paris”. 251 “De preferência estreitar e colocar aqui o que está três ou 4 páginas adiante, como o sofrimento é o melhor psicólogo”. 252 Passagem desenvolvida no fólio 47rº do caderno 55, onde Proust registra: “ (...) combien la souffrance est meilleure psychologue va plus loin en psychologie que le meilleur psychologue” [ (...) como o sofrimento é melhor psicólogo vai mais longe em psicologia do que o melhor psicólogo”]. 253 “A Srta. Albertine foi-se embora! Como, em psicologia, o sofrimento vai mais longe do que a psicologia!” (Trad., p. 9). 254 “Se eu não deixar esses desenvolvimentos acima, colocar alhures essa frase excelente um nome que põe na boca de... essa frase”. 144 écrivain, Stevenson (...)”255. Contudo, prevendo as possíveis mudanças que sofreriam os rascunhos, Proust enxerga na frase uma espécie de fórmula a ser aplicada em qualquer outra ocasião e a reserva para o futuro da obra. Encontramos outro exemplo de nota estético-reflexiva no fólio 75rº do cahier 55, onde Proust registra: (N.B.) Peut’être cette description doit continuer je ferai bien de voir, en tous cas pendant que j’y pense je profite du morceau de placer le morceau si important sur la Normandie, quitte à mettre entre bien des choses, et que je pourrai morceau sur la Normandie que je pourrai peut’être amener tout autrement que par la nourriture. Mais dans le cas où j’enchaîne, il Et Sur le plaisir Comme je faut au lieu d’un point une virgule après ruban d’or. (C.55, fº 75rº)256 Descrevendo os hábitos normandos, Proust envereda pelo caminho dos pratos típicos dessa região, refletindo sobre a possibilidade de estender essa representação e assim evocar a Normandia exclusivamente por esse viés. Percebemos o número significativo de rasuras na nota, como se Proust continuasse a elaboração da descrição literária que fazia anteriormente. Curiosamente, os dois últimos exemplos de notas vistos acima surgem integrados ao corpo do texto e não mais destacados em margens ou cabeçalhos, sugerindo que neste tipo de comentário estético o texto pode muito bem incorporar seu comentário, sua glosa. Nada mais semelhante, no manuscrito, ao que se passa em toda a Recherche. Contudo, esses enunciados nem sempre revelam uma satisfação do autor com seus escritos. Na nota do fólio 58vº, destacamos o seguinte descontentamento: Je ne sais si je dis plus haut que en effet que son départ a refait pour 255 “um nome que põe na boca de Swann essa frase: Mas é um grande escritor, Stevenson (...)”. Esta frase foi utilizada no último volume da Recherche. 256 “(N.B.) Talvez essa descrição deva continuar, eu faria bem de analisar, em todo caso, enquanto eu penso nisso, eu aproveito o pedaço para colocar o pedaço tão importante sobre a Normandia, com o risco de colocá-lo entre muitas coisas, e que eu poderia pedaço sobre a Normandia que eu poderia talvez trazer inteiramente diferente pela alimentação. Mas no caso onde eu encadeio, é E Sobre o prazer Como eu necessário au invés de um ponto, uma vírgula após a fita de ouro”. 145 moi ce qu’elle était pour moi à Balbec mais bien le redire en effet. La suppression de l’habitude me força brusquemant à penser à ce qu’elle était à me rappeler l’heure de vie interne* (c’est horrible mais le dire bien ces heures si rares où la vie ne compte plus pour moi). (C.55, fº 58vº)257 A frase “hora de vida interna” não agrada a Proust, e se ele a mantém por se aproximar do que pretendia dizer, é bem provável que a modifique futuramente, afinal, as notas de teor formal servem para ressaltar a beleza de trechos, insistir no aprofundamento de passagens e buscar formas mais adequadas de expressão, como evidencia a passagem “il faudra autant que possible ne pas souligner les adjectifs étranges et souligner les mines drôlettes, le beau” (C.55, fº 74vº)258. Não é à toa que grande parte das notas registra a preocupação em reformular os rascunhos elaborados, como podemos observar em diversas passagens: “Tout cela et tout ce qui précède est à réecrire beaucoup mieux” (C.53, fº 52rº); “Je rentrai. D´en bas je vis la lumière de la fenêtre d´Albertine éclairée qui m´attendait (le dire mieux)” (C.53, fº 56rº) ; “(...) tel plaisir que je ne savais pas, dont sa présence chez moi la privait, et qu´elle avait envie d´aller rejoindre (dire cela mieux)” (C.55, fº 24rº) ; “mettre en meilleure forme” (C.55, fº 38rº) ; “dire mieux (ce dire mieux peut´être dit plusieurs fois dans ce qui précède)” (C.55, fº 48rº)259, entre outras. Se todos os exemplos elencados até o momento funcionaram direta ou indiretamente como lembretes para o escritor, é incontestável que eles não cumprem um papel puramente memorativo, mas operam como verdadeiros parâmetros e diretrizes escriturais. Assim sendo, encontramos muitos outros grupos de anotações que incidem diretamente sobre a questão composicional, como veremos no tópico seguinte. 257 “ Não sei se disse mais acima que de fato que sua partida refez para mim o que ela era para mim em Balbec, mas redizê-lo de fato. A supressão do hábito me forçou bruscamente a pensar no que ela era a me lembrar a hora de vida interna* (é horrível, mas dizê-lo bem essas horas tão raras onde a vida não conta mais para mim)”. 258 “Será melhor, tanto quanto possível, não sublinhar os adjetivos estranhos e sublinhar as caras engraçadinhas, o belo”. Trecho referente à descrição da região normanda. 259 “Tudo isso e tudo o que precede é para ser reescrito muito melhor”; “Entrei. Debaixo, vi a luz da janela de Albertine iluminada que me esperava (dizê-lo melhor); “(...) tal prazer que eu não conhecia, do qual sua presença em minha casa a privava e ao qual ela tinha vontade de se juntar (dizer melhor isto)”; “pôr em melhor forma”; “dizer melhor (esse dizer melhor talvez dito várias vezes no que está antes)”. 146 4.2 Os textos moventes e o não-lugar Como vimos, a nota nos manuscritos proustianos não é mera prática de notação, mas “un commentaire perpétuel des apparences, une continuelle mise en rapport de l´oeuvre avec elle-même” (PIERROT, 1994, p. 69)260. Sob esse aspecto, há notas muito relevantes que sobre a construção literária proustiana, nas quais se percebe de que maneira a escritura estava embebida em seu projeto e de como ela, por sua vez, o conduzia. No fólio 10vº dedicado ao episódio da “janela iluminada” visto no capítulo anterior, Proust delimita o uso do texto dos rascunhos pela seguinte menção: “Pour le morceau ci dessous il vaudrait mieux insister sur l´ennui et laisser la douceur; la richesse de sensations pour quand elle est morte” (C.55, fº 10vº)261. Proust prospecta sua obra, agudizando tanto o efeito do episódio atual, como o do que viria posteriormente. Como visto no capítulo anterior, o tédio se intensifica na proximidade do ser amado, enquanto a doçura exacerba-se quando já o perdemos de vez. Essa passagem indica que sua elaboração não estava restrita ou fixa a apenas um romance ou episódio, pois poderia ser utilizada em outros momentos da narrativa, demonstrando certa mobilidade dos textos. Em outro trecho, Proust registra. Ceci qui est Kapitalissime pourrait être mis avant ou après pastiche de Goncourt mais mieux dans la dernière partie quand je conçois l’œuvre d’art. Je l’ écris comme pour la Dernière partie. Si mis après Goncourt il faut enlever la 1er phrase. (C.55, fº 81vº)262 260 “um comentário perpétuo das aparências, uma contínua relação da obra consigo mesma”. “Para este pedaço abaixo valeria mais insistir sobre o tédio e deixar a doçura, a riqueza de sensações para quando ela estiver morta”. 262 “Isso é Kapitalíssimo poderia ser colocado antes ou depois do pastiche de Goncourt, mas melhor na última parte quando eu concebo a obra de arte. Escrevo-o como que para a Última parte. Se colocado depois de Goncourt, deve-se tirar a primeira frase”. 261 147 Elaborando o episódio para um fim específico, Proust vislumbra novos encaixes possíveis para esse texto, o que demonstra que mesmo havendo um projeto, a escrita não está completamente submissa a ele, a essa “arquitetura” da obra. A percepção dessa mobilidade, dessa flexibilidade dos episódios e das frases acaba por suscitar a própria anotação que assinala, de maneira pontual, o momento em que o escritor se vê diante de caminhos possíveis. O prazer da anotação subjaz nessa infinita possibilidade de conduzir a escrita e de compor a obra. Ou, como afirma Pierrot : “Le plaisir de la note, on le sent bien, est dans cette liberté du texte qui s'écrit momentanément et pose les possibles d'un texte à venir” (1994, p. 72)263. Em outros exemplos, percebemos essa mutabilidade dos textos no que diz respeito às personagens. Construindo um episódio sobre Albertine e sobre a dor causada pela escrita de uma carta à jovem, Proust ressalva: “Cette partie-ci peut´être à supprimer et mettre à Gilberte” (C.XII, fº 53rº)264, e em outra passagem, no caderno 53, o escritor pontua: “À propos de l ´oubli de ma gd mère dont je parlerai là (en réalité c´est la mort d´Albertine qui m´en donne l ´idée mais il vaut mieux je crois mettre pour ma gd mère)” (C.53, fº 9vº)265, compreendemos claramente que a elaboração de textos destinados a certos personagens evoca muitos outros que passarão a ser o foco da atenção do autor. É curioso observar que no último exemplo dado, Proust faz questão de sinalizar que o episódio sobre o esquecimento da avó foi suscitado, na verdade, pela morte de Albertine, que ainda não existia em texto, mas em projeto. A nota carrega, portanto, a surpresa pela descoberta desse paralelo. E se na Recherche existe uma diferença tênue entre os personagens que se permutam, causando um efeito de espanto no leitor, isto não é menos inesperado para o 263 “O prazer da nota, sentimo-lo bem, está nessa liberdade do texto que se escreve momentaneamente e coloca os possíveis de um texto porvir”. 264 “essa parte aqui a ser, talvez, suprimida e colocada para Gilberte”. O fólio 53rº, pertencente ao caderno 55, foi localizado por Kurokawa recortado e colado no caderno de mise au net XII. 265 “A propósito do esquecimento de minha avó, da qual falarei aqui (na verdade, é a morte de Albertine que me dá a idéia, mas é melhor, creio eu, para minha avó)”. 148 escritor; e sendo essa estreiteza entre os personagens considerada como mais uma perspicácia da composição proustiana, verificamos que nem sempre ela se dá de forma completamente consciente. A construção maleável dos textos leva o escritor tanto a prospectar episódios ainda não escritos, quanto a retroceder aos já elaborados para lhes acrescentar passagens. Isso fica nítido no fólio 22vº, cujo texto se restringe, basicamente, a uma grande nota sobre as palavras ditas por Albertine e que evocam o ciúme do protagonista. No final da passagem, Proust acentua: “(peut´être mettre cela dans le cahier mince bleu qd j´entendai le calorifère, ou s´il fait de la brume, ou si c´est dimanche) plutôt le calorifère et le dimanche sera pour après sa mort” (C.55, fº 22vº)266. Em outra ocasião, Proust visualiza uma situação a ser elaborada no caderno 53, ou em outro ainda não definido: “À un moment Albert de ce cahier ou d´un autre Albertine me demandera si je tiens à ce qu´elle porte toujours cette coiffure” (C.53, fº 32vº)267. Retrocedendo ou avançando, é incontestável que esses textos possuem um caráter menos rígido e determinado dentro da construção da Recherche, podendo ser usados para muitas situações, mas há ainda textos que não possuem sequer uma localização definida. Em inúmeras passagens, o escritor anota: “Dire quelque part là” (C.55, fº 52vº); “Q.q. part là” (C. 55, fº 77vº); “Q.q. part capital dans ce cahier” (C.53, fº 10vº) ; “À un moment quelconque de ce cahier, ou avant, ou pour autre chose (mais mieux pour cela)” (C.53, fº 13vº) ; “Il faudra à un de ces moments met[tre] que je pense à autre chose et que tou[t] un coup je souffre” (C. XII, fº 63vº) ; “Mettre q.q. part ici ou dans le verso recto en face ou dans le recto suivant, ou ailleurs”(C.55, fº 93vº )268 etc. 266 “(talvez colocar isso no caderno fino azul quando eu escutei o calorífero, ou quando estava nublado, ou quando era domingo) o calorífero e o domingo de preferência será para depois de sua morte”. 267 “Em um momento Albert desse caderno ou de outro Albertine me perguntará se eu faço questão de que ela use sempre esse penteado”. 268 “Dizer em algum lugar”; “Em algum lugar aqui”; “Em algum lugar capital desse caderno”; “Em um momento qualquer desse caderno, ou antes, ou por outra coisa (mas melhor para isso)”; “Será necessário em algum momento colocar que eu penso em outra coisa e que de repente eu sofro”; “Colocar em algum lugar aqui ou no verso folha em frente ou na frente seguinte, ou em outro lugar”. 149 A indefinição e o não-lugar dos textos são flagrantes nestes trechos e é essa indeterminação que promove igualmente a escrita das notas. Nas palavras de Pierrot: La note indique un lieu qui est un non-lieu, celui de l'utopie. Non que Proust n'envisage de finir. Mais l'œuvre n'est pas encore fixée. Sa publication est encore un horizon mouvant, et l'écriture de la note vaut aussi pour ellemême, pour le plaisir de dire, de ne pas oublier de dire: c'est un fragment de texte en vacance, qui n'a encore de lieu nulle part, même s'il mobilise une mémoire du tout ». (1994, p.75)269 A Recherche ainda é um canteiro de obras, e seus rascunhos não poderiam deixar de conter tudo aquilo que caracteriza o ateliê, o laboratório, a fábrica da escritura, ou seja, o caráter inacabado, movediço e incerto dos textos. Não nos surpreendemos, portanto, quando encontramos simultaneamente nos manuscritos o anúncio do projeto e sua suspensão. Chaînon important À un des moments ou je dis que je veux lui proposer le mariage, ou ne pas lui proposer, enfin je veux dire à un des moments où je retarde l´idée d´ une séparation. (C.55, fº 21vº)270 E outros trechos indicam possibilidades ainda incertas quanto à escrita ou elaboração de situações: “Cette phrase (apposition au mot chagrin serait mieux ailleurs si ailleurs j´ai l ´occasion de la mettre, si ailleurs je dis alors ramassant* mon chagrin (le chagrin qui n´est nullement etc)” (C.55, fº 50vº)271, ou ainda “Si je laisse cette annexe là il faudra un bon alinéa avant” (C.XII, p. 98rº)272. Esse universo hipotético do “se” aponta para a grande instabilidade da escrita literária, dos cadernos de rascunho e, por que não dizermos, do projeto literário proustiano. Conforme Marine Garibal: “Composer ne saurait, dans ces conditions, se réduire à l'observation d'un plan préconçu. La composition n'est jamais un fait acquis chez Proust, elle se 269 “A nota indica um lugar que é um não-lugar, o da utopia. Não que Proust não vislumbre terminar. Mas a obra ainda não está fixada. Sua publicação é ainda um horizonte movente, e a escrita da nota vale também por ela mesma, pelo prazer de dizer, de não se esquecer de dizer: é um fragmento de texto em vacância, que ainda não possui lugar, mesmo que mobilize uma memória do todo”. 270 “Elo importante Em um dos momentos em que digo que quero lhe propor casamento, ou não lhe propor, enfim, quero dizer em um dos momentos em que adio a idéia de uma separação”. 271 “Esta frase (aposição à palavra desgosto seria melhor alhures, se alhures eu tiver a ocasião de a colocar, se alhures eu disser então colhendo* meu desgosto (desgosto que não existe mais etc.)”. 272 “Se eu deixar este anexo aqui, será necessária uma boa alínea antes”. 150 conquiert” (1992, p.91)273 ou nas palavras de Philippe Willemart: “A escrita literária se constitui no decorrer das idas e vindas da mente do escritor ao manuscrito, por sua mão” (2005, p. 68). Todos estes exemplos poderiam nos levar a crer que o escritor não tinha um controle total sobre sua obra e que seu projeto literário, tantas vezes comparado por ele mesmo a uma catedral, não estava plenamente consolidado. Contudo, devemos nuançar essa hipótese, pois se os manuscritos nos revelam uma instabilidade própria à escrita, não devemos supor que o escritor deixava-se guiar completamente pele escritura e que não tinha uma dimensão global do projeto da Recherche. Em uma carta escrita a Paul Souday analisada na introdução deste trabalho, Proust declara que sua obra foi minuciosamente construída e, assim, não era preciso a morte de seu autor para que a Recherche ficasse pronta: Je veux tout de même, au moment où la fatigue m´arrête, vous donner l ´assurance qu´il n´y a pas besoin de ma mort, comme voulait bien le dire un critique, pour que je cesse d´écrire: A la Recherche du temps perdu. Cet ouvrage (dont le titre mal choisi trompe un peu) est si méticuleusement ‘composé’ (je pourrais vous en donner de bien nombreuses preuves), que le dernier chapitre du dernier volume a été écrit tout de suite après le premier chapitre du premier volume. Tout l´‘entre-deux’ a été écrit ensuite, mais il y a longtemps. La guerre m´a empêché d´avoir des épreuves ; la maladie m ´empêche, maintenant de les corriger. Sans cela, il y a beau temps que la critique n´aurait plus à s´occuper de moi. (Corresp., t. XVIII, p. 536)274 Com o fim da Primeira Grande Guerra, Proust buscava consolidar-se no meio literário e, por essa razão, o número de correspondências endereçadas a homens de letras e editores, em 1919 foi bastante expressivo. Em outra carta, desta vez enviada a Rosny aîné, Proust volta a insistir sobre a questão da composição. 273 “Compor não seria, nestas condições, reduzir-se à observação de um plano preconcebido. A composição não é nunca um fato adquirido em Proust, ela se conquista”. 274 “Gostaria mesmo assim, no momento em que o cansaço me pára, de dar-te a garantia de que não é necessária minha morte, como bem gostaria de dizer um crítico, para que eu cesse de escrever: Em busca do tempo perdido. Esta obra (cujo título mal escolhido engana um pouco) é tão meticulosamente ‘composta’ (eu poderia dar-te inúmeras provas) que o último capítulo do último volume foi escrito logo em seguida ao primeiro capítulo do primeiro volume. Todo o ‘entre - dois’ foi escrito em seguida, mas há muito tempo. A guerra me impediu de fazer as provas; a doença me impede, agora de corrigi-las. Sem isso, há muito tempo que a crítica não teria mais de se ocupar de mim”. 151 Car je veux que tout paraisse ensemble pour qu´on comprenne la composition à laquelle j´ai tout sacrifié et qu´on méconnaît tellement qu´on croit que c´est un recueil de souvenirs fortuits! La construction, inflexible, voilà justement ce que j´aimerais à vous montrer par quelques exemples bien frappants. (Corresp., t. XVIII, p. 547)275 Obviamente, espantamo-nos com essas afirmações, ditas ainda em 1919, sugerindo que tudo já estava escrito e construído, pois, como sabemos, em 1922, ano de sua morte, Proust não havia conseguido finalizar o La prisonnière, não tendo revisto suas provas, tampouco havia terminado Albertine disparue, ainda em datilografia, e o Temps retrouvé, em estado de manuscrito. Segundo Nathalie Mauriac Dyer : “Il faut de toute évidence attribuer à la stratégie littéraire la part de l´exagération. Proust cherche à affirmer une méthode de rédaction, à confirmer contre les critiques une forte volonté de composition” (DYER, 2001)276. Todavia, reduzir essa “vontade de composição” a uma estratégia literária que visava apenas à publicação, é no mínimo atribuir má fé ao escritor e ignorar que, já em 1913, Proust mencionava tal complexidade de composição, bem como o término da escrita da Recherche: “(…) au point de vue de la composition, elle est si complexe qu'elle n'apparaît que tardivement quand tous les ‘thèmes’ ont commencé à se combiner” (Corresp., t. XII, p. 92)277. Ou ainda em outra carta: “Quant à ce livre-ci, c'est au contraire un tout très composé, quoique d'une composition si complexe que je crains que personne ne le perçoive et qu'il apparaisse comme une suite de digressions. C'est tout le contraire.” (t. XII, p. 82) 278. Algo que se confirma uma vez mais na conhecida carta a Jacques Rivière, em que Proust declara com satisfação: “Enfin je trouve un lecteur qui devine que mon livre est un ouvrage dogmatique et 275 “Pois quero que tudo apareça junto para que compreendam a composição pela qual eu sacrifiquei tudo e que é de tal forma desconhecida que se acredita ser uma coletânea de lembranças fortuitas! A construção, inflexível, eis justamente o que eu gostaria de te mostrar por alguns exemplos bem surpreendentes”. 276 “É necessário, com toda evidência, atribuir à estratégia literária a porção de exagero. Proust procura afirmar um método de redação e confirmar contra os críticos uma forte vontade de composição”. 277 “(...) do ponto de vista da composição, ela é tão complexa que só aparece tardiamente, quando todos os ‘temas’ começaram a se combinar”. Carta a René Blum de 1913. 278 “Quanto a este livro, é, ao contrário, um todo muito composto, embora de uma composição tão complexa, que eu temo que ninguém a perceba e que pareça uma seqüência de digressões. É exatamente o contrário”. Carta a René Blum de 1913. 152 une construction !” (t. XIII, p. 99)279, e ainda em outra correspondência a André Beaunier, onde diz: “Tout est écrit mais tout est à reprendre” (t. XII, p. 367)280. É claro que nem tudo estava escrito: a história de Albertine só foi iniciada durante a guerra. Mas tudo deveria ser retomado, retrabalhado, assim como viemos notando na análise detida dos manuscritos. A mudança, os acréscimos, os ajustes sempre fizeram parte do processo escritural proustiano, o que não necessariamente implica uma falta de composição. Compreendemos a afirmação de Nathalie Mauriac a respeito da construção literária de Marcel Proust, sobretudo após a autora ter encontrado a datilografia de Albertine disparue rejeitada pelos primeiros editores. Embora o documento portasse correções feitas pela mão do escritor, essas mudanças promoviam certa reviravolta na história de Albertine e, conseqüentemente, propiciavam grandes contradições no conjunto da Recherche, fato muito mal recebido pelos críticos proustianos. Mauriac, buscando sustentar a validade de sua hostilizada descoberta, acaba diminuindo a força dada à composição para acentuar o caráter movediço e inacabado da escrita proustiana. E, defendendo-se, seleciona, em meio à crítica vigente, elementos dos estudos que viam a Recherche como um todo orgânico, harmônico e acabado, qualidades que a datilografia encontrada teria feito cair por terra. Em suas palavras: La résurgence de la dactylographie originale a constitué, semble-t-il, un événement traumatique, une sorte d´attentat à ce qui est conçu comme une entité physique et vivante – organisme et corps. Qu´on en juge par ces formules: dactylographie tronquée, version amputée, mise en pièces, longue partie excisée, version sauvagement racourcie. Le geste d´écriture est comparé à un acte violent, agressif, mutilant, opéré sur un corps vivant. (2001)281 279 “Enfim, encontro um leitor que adivinha que minha obra é dogmática e uma construção”. Carta escrita em 1913. 280 “Tudo está escrito, mas tudo é para retomar”. Carta escrita em 1913. 281 “O surgimento da datilografia original constituiu, parece, um evento traumático, uma espécie de atentado àquilo que é concebido como uma entidade física e viva – organismo e corpo. Julgue-se por essas fórmulas: ‘datilografia truncada’, ‘versão amputada’, ‘em pedaços’, ‘grande parte extirpada’, ‘versão encurtada de modo selvagem’. O gesto de escritura é comparado a um ato violento, agressivo, mutilador, operado sobre um corpo vivo”. Os grifos são da autora. 153 Não pretendemos reacender a discussão iniciada no final da década de 1980 e que perpassou quase toda a década de 1990, apenas pontuar, à luz desse afastamento histórico, as impropriedades cometidas por ambos os lados da crítica. Não há como ignorar o aspecto inacabado e lacunar da Recherche, embora vislumbremos, em sua leitura, sua composição e arquitetura indiscutíveis. Além disso, sabemos que a publicação póstuma dos três últimos volumes se deu a partir de documentos manuscritos sobre os quais Proust, se não tivesse falecido, teria, provavelmente, se debruçado ainda durante anos. E o que lemos hoje concernente aos últimos romances é fruto de um arranjo literário feito pelos editores e por Robert Proust. Contudo, não nos parece que salientar apenas o aspecto inacabado da obra proustiana, na tentativa de diminuir o da composição, seja uma saída interessante à leitura tradicional, pois se Nathalie Mauriac traz uma análise pertinente ao frisar essa riqueza de mudanças e esse constante devir dos rascunhos de Proust que ela nomeia “espace d´effervescence”, ela peca quando radicaliza e afirma que: À la recherche du temps perdu n´a jamais existé en tant qu´oeuvre achevée, oeuvre complète, oeuvre bouclée préalablement à la restauration éditoriale dont elle a fait l´objet de manière posthume. Restauration qui s´est toujours avancée masquée, à laquelle le temps a conféré, par une lente cristallisation, une très forte solidité dans la représentation collective, et qui jouit aujourd ´hui de toute la patine de l´authenticité. Sans elle, À la recherche du temps perdu ne serait peut-être pas devenu le monument que l´on sait (...). (2001)282 De fato, a Recherche não pode ser considerada uma obra acabada, visto que Proust faleceu antes de seu término, que as edições, como apontou Mauriac, foram “restauradas” a partir de manuscritos e que as escolhas foram feitas não pelo escritor, mas por terceiros. Entretanto, não há como negar que a obra possui um fechamento e que os romances se correspondem, dialogam e levam a algum lugar. Isso se deve à construção, à composição 282 “Em busca do tempo perdido jamais existiu como obra acabada, obra completa, obra esta fechada previamente à restauração editorial da qual foi objeto de maneira póstuma. Restauração esta que sempre avançou disfarçadamente, à qual o tempo conferiu, por uma lenta cristalização, uma fortíssima solidez na representação coletiva, e que goza hoje de toda a pátina de autenticidade. Sem ela, Em busca do tempo perdido não teria talvez se tornado o monumento que conhecemos”. Os grifos são da autora. 154 “dogmática” e “inflexível” da Recherche. Ademais, afirmar que essa restauração velada que se pretende autêntica seja, provavelmente, o motivo pelo qual a obra proustiana tenha se consolidado, é atribuir aos editores uma genialidade que não lhes pertence. A restauração é incontestável, mas se deu a partir de textos que Proust elaborou, mesmo que rasurados, e se a escolha para a edição não foi feita pelo autor, não podemos dizer o mesmo da escrita. O ataque feito por Nathalie Mauriac a essa visão acabada e harmônica que se tem da Recherche respinga, involuntariamente talvez, na própria composição do escritor. É perfeitamente plausível que nas correspondências de 1919, em que Proust reforçava a construção de sua obra, haja realmente uma estratégia literária de publicação. No entanto, não compreendemos por que a autora simplesmente não mencionou as correspondências de 1913, nas quais Proust tocou nas mesmas questões. Supomos que o erro esteja na confusão que se faz entre composição e escrita, elementos completamente interligados, mas que são de certa forma, independentes. Quando Proust qualifica sua composição de “inflexível”, ele não estaria necessariamente se referindo a uma escrita submissa a um plano pré-concebido, mas a componentes, temas e questões que desde o início de sua carreira literária ele almejava tratar. De Jean Santeuil, passando por Contre Sainte-Beuve e pelas traduções de Ruskin, Proust sempre vislumbrou uma discussão teórica sobre a arte e a literatura que, com efeito, concretizou-se na Recherche, pelos inúmeros comentários do narrador ou na conversa do herói com Albertine. O tema do escritor perpassou igualmente todas as etapas de escritura para desembocar, posteriormente, na busca por tornar-se escritor, presente na Recherche. Essas, assim como muitas outras, seriam as invariantes que Proust jamais abandonou e das quais nunca abriria mão, e que formam um todo coeso, uma arquitetura, um projeto literário que tinha um ponto de partida e de chegada muito bem definidos para ele. 155 Todavia, essa composição não advém apenas de um plano concebido a priori, pois não devemos ignorar igualmente as palavras do narrador proustiano quando menciona os grandes romances do século XIX: (...) je songeais combien tout de même ces oeuvres participent à ce caractère d´être – bien que merveilleusement – toujours incomplètes, qui est le caractère de toutes les grandes oeuvres du XIXe siècle ; du XIXe siècle dont les plus grands écrivains ont manqué leurs livres, mais, se regardant travailler comme s´ils étaient à la fois l´ouvrier et le juge, ont tiré de cette auto-contemplation une beauté nouvelle, extérieure et supérieure à l´oeuvre, lui imposant rétroactivement une unité, une grandeur qu´elle n´a pas. (LP, p. 666)283 Estas considerações sobre a literatura produzida no século XIX são pertinentes para compreender não somente Balzac, Victor Hugo ou Michelet, mas a própria Recherche que, embora possua indubitavelmente características modernas, liga-se à tradição literária tendo igualmente como modelo de unidade romanesca os grandes escritores do século XIX francês. Em um artigo, Jacques Rivière chega a equiparar Proust aos clássicos franceses, notadamente com relação à psicologia aguçada e ao conhecimento extremo que o escritor tem de si mesmo: “C´est la grande tradition classique qu´il renoue ainsi. Racine fait-il autre chose que d´aller chercher autrui en lui-même?”284 (1985, p.65) ; leitura que parece ter agradado muito a Proust que comentou, “Et quand j´arrive à penser non plus même à mon livre, mais à un article de vous [,] je ne peux considérer cet article que sous l´aspect de l´éternel, je souffrirais mille morts si vous y changiez un mot (...)” (Corresp., t.XIX, p.99)285. 283 “(...) considerava eu quanto, em todo caso, essas obras participam do caráter de ser – ainda que maravilhosamente – sempre incompletas, caráter que é o de todas as grandes obras do século XIX, cujos escritores mais eminentes deixaram nos seus livros a marca de sua personalidade, mas, observando-se a si próprios ao trabalhar, como se fossem ao mesmo tempo o operário e o juiz, extraíram dessa autocontemplação uma beleza nova, exterior e superior à obra, impondo-lhe retroativamente uma unidade, uma grandeza que ela não tem”. (Trad., p. 148) 284 “É a grande tradição clássica que ele restabelece aqui. Racine faz outra coisa senão ir buscar outro nele mesmo?”. 285 “E quando chego a pensar não mais em meu livro, mas em um artigo seu, só posso considerar este artigo sob o aspecto do eterno, eu sofreria mil mortes se você trocasse em uma palavra (...)”. Carta escrita a Jacque Rivière em 1920. 156 Retornando ao narrador proustiano, ele continua suas reflexões acerca de Wagner, compositor que sem saber ou sem uma intenção prévia, compôs uma Tetralogia, uma descoberta que deve ter-lhe feito provar: (...) un peu de la même ivresse que Balzac quand celui-ci, jetant sur ses ouvrages le regard à la fois d´un étranger et d´un père, trouvant à celui-ci la pureté de Raphaël, à cet autre la simplicité de l´Évangile, s´avisa brusquement en projetant sur eux une illumination rétrospective qu´ils seraient plus beau réunis en un cycle où les mêmes personnages reviendraient et ajouta à son oeuvre, en ce raccord, un coup de pinceau, le dernier et le plus sublime. Unité ultérieure, non factice. (...) Non factice, peut-être même plus réelle d´être ultérieure, d´être née d´un moment d ´enthousiasme où elle est découverte entre deux morceaux qui n´ont plus qu ´à se rejoindre, unité qui s´ignorait, donc vitale et non logique, qui n´a pas proscrit la variété, refroidi l´exécution. (LP, p.666-7)286 São flagrantes as semelhanças existentes entre essa passagem e os manuscritos proustianos vistos neste trabalho, pois constatamos, a partir das notas, que Proust também faz descobertas concernentes à unidade, seja de personagens, de passagens etc. Unidade igualmente não factícia, feita a priori, mas ulterior, não lógica e, portanto, vital. A composição inflexível de Proust estaria não apenas ligada às invariantes das quais falamos, mas a essa busca por uma unidade posterior, que se dá na releitura e reescritura dos rascunhos, provando, mais uma vez, que a Recherche é uma construção. Conforme Rivière, no artigo “Proust et la tradition classique” citado acima: “C´est un rongeur: il fera beaucoup de débris, avant que l´on puisse comprendre que ça n´en est pas, que ce sont les matériaux d ´une vaste et magnifique construction” (1985, p. 64)287. Mas se a Recherche é uma obra “dogmática”, profundamente ligada aos modelos literários de unidade do século XIX, sua escrita é moderna, pois compósita e fragmentada. 286 “(...) um pouco do mesmo transporte que sentiu Balzac quando, lançando aos seus romances o olhar a um tempo de estranho e pai e achando num a pureza de Rafael, noutro a simplicidade do Evangelho, considerou subitamente, ao projetar sobre eles uma iluminação retrospectiva, que ficariam mais belos reunidos num ciclo em que as mesmas personagens reaparecessem e acrescentou à sua obra, nesse trabalho de coordenação, uma pincelada, a última e mais sublime. Unidade ulterior e não factícia (...). Não ficaria, talvez, até mais real por ser ulterior, por ter nascido de um momento de entusiasmo em que é descoberta entre pedaços a que só falta uniremse. Unidade que se ignorava a si mesma, logo vital e não lógica, que não proscreveu a variedade nem arrefeceu a execução”. (Trad., p. 149) 287 “É um roedor: ele fará muitos escombros, antes que possamos compreender que não é isso, que são materiais de uma vasta e magnífica construção”. 157 Quando mencionamos a escrita, referimo-nos igualmente ao modo de execução da obra, que, indiscutivelmente, está longe de seguir os mesmos parâmetros do século XIX. Basta lembrar de Flaubert, cujos planos, roteiros e pesquisas antecedem a escritura dos romances, ou se quisermos, pensemos em outro caso curioso, os manuscritos de Zola, que se restringem, fundamentalmente, a pesquisas, planos e roteiros; ou seja, diferentemente de Flaubert e de Proust, que reescreviam incessantemente os episódios, Zola não se dedicava à escrita dos rascunhos, não tendo deixado nenhum brouillon288. Enquanto alguns geneticistas afirmam que Zola se dedicava muito pouco à etapa dos rascunhos, tendo, muito provavelmente, se desfeito deles, muitos outros chegam a dizer que o autor de Germinal sequer passava por ela. Em Proust, não há planos, e os que existem, reduzem-se a pequenas notas registradas nas cadernetas. Daí a grande dificuldade para estabelecer o ponto de partida da obra proustiana, identificar o primeiro caderno utilizado na escrita da Recherche, pois possivelmente não houve primeiro, mas primeiros cadernos. Em suma, a Recherche é inteiramente composta pela escritura de episódios, ato que começa nos cadernos de rascunhos e perpassa todas as outras etapas, de mise au net, à datilografia e às provas. Nas palavras de Almuth Grésillon. Les scripteurs se rangent tous plus ou moins dans l'une de ces deux catégories, ils se situent toujours, au moins tendanciellement, soit dans le processuel et l'improvisation, soit dans le programmatique et la rationalisation, même s'il existe bien entendu de nombreux degrés intermédiaires entre le comportement où l'on s'abandonne au flux d'écriture et celui où l'on développe systématiquement un programme. (1996, p. 100)289 Grosso modo, Flaubert e Zola seriam escritores programáticos, enquanto Proust seria um escritor processual, embora ele e Flaubert se aproximem fortemente pela importância dada 288 Estas reflexões foram desenvolvidas por Daniel Ferrer e apresentadas no curso Génétique des texte et de formes na École Normale Supérieure de Paris em 2008/2009. 289 “Os scriptors classificam-se todos, mais ou menos, dentro dessas duas categorias, eles se situam sempre, ao menos tendencialmente, seja no processual e na improvisação, seja no programático e na racionalização, mesmo que haja vários graus intermediários entre o comportamento daquele que se abandona ao fluxo da escritura e aquele que desenvolve sistematicamente um programa”. 158 à escritura em seus processos de composição290. Em uma escrita puramente processual, é comum, portanto, encontrarmos grande desorganização cronológica, abandonos de passagens, retomadas, hesitações e incertezas. Todos os exemplos analisados neste tópico poderiam sugerir uma escritura a esmo e uma obra que se constitui no momento de sua execução. Entretanto, se nos deparamos com diversas passagens em que Proust não sabe onde colocar seus textos e como ligá-los, igualmente existem muitas outras que indicam uma certeza e um domínio da composição. Para ilustrar alguns desses casos, damos os seguintes exemplos: “pour Vinteuil à mettre dans ce développement (je ne dis pas à cette page-ci mais faute de place, je le mets là, c´est pour ces pages-ci)” (C.55, fº 30rº), ou ainda “Ajouter à ce que je dis des oeuvres diverses et pareilles de Vinteuil (pareilles les 2 motifs questionnateurs et virginal de la Sonate, du Quintette de Franck, différents préludes fugue et variations)” (C.55, fº 32vº)291. Constatamos, assim, que contrariamente ao que se passava com as notas estudadas anteriormente, Proust já havia dado um destino certo às passagens que elaborava, e mesmo quando o escritor registra “mettre cela en son temps” (C.XII, fº 53rº) ou “Mettre ou je le jugerai opportun” (C.55, fº 83vº)292, podemos nos questionar se essas referências que nos parecem vagas, seriam suficientemente claras para seu autor. Em outras notas, Proust é ainda mais nítido com relação ao destino dos episódios: “Il faudra en son temps mettre la phrase sur les bleuets non dans les promenades avec Me de Villeparisis mais dans la promenade en Auto allant de q´Albertine” (C.55, fº 42vº)293, ou no trecho em que escreve: “Capital Dans cette conversation qui aura sans doute lieu non à 290 A propósito da relação de Flaubert com a escritura, ver GALÍNDEZ-JORGE, Verónica. Fogos de artifício: Flaubert e a escritura. 291 “para Vinteuil, colocar nesse desenvolvimento (eu não digo nesta página, mas por falta de espaço, ponho aqui, é para essas páginas aqui)”; “Acrescentar ao que eu digo das diversas e parecidas obras de Vinteuil (parecidos os 2 motivos questionadores e virginal da Sonata, do Quinteto de Franck, diferentes prelúdios fugas e variações)”. 292 “Colocar isto no seu tempo”; “Colocar onde eu julgar oportuno”. 293 “Será necessário em seu tempo colocar a frase sobre as centáureas não no passeio com Mme. de Villeparisis, mas no passeio de Automóvel indo de q Albertine”. 159 Combray mais dans la dernière matinée Guermantes, Gilberte me dira” (C.55, fº 93rº)294. Percebemos que o escritor projeta os episódios para outros momentos, o que sugere, em maior ou menor grau, uma visão do conjunto da obra. Assim sendo, quando estudamos os rascunhos proustianos, entramos em contato com um universo instável, incerto e até certo ponto caótico, mas que revela, no intenso trabalho dos episódios e das invariantes, um desejo por uma construção, uma composição, uma unidade e, por essa razão, não é contraditório perceber nos cadernos de Proust essa vontade de composição construída por esse “espaço de efervescência” que é sua escrita. Por fim, gostaríamos de evocar uma passagem de um artigo de Philippe Willemart sobre a escrita literária que, a nosso ver, sintetiza o que encontramos nos rascunhos de Marcel Proust. Segundo o crítico: Não se trata de intencionalidade ou de realidade subjetiva, mas de um escritor – preso nas malhas da escritura e do vir-a-ser – que, a cada conclusão da rasura passa o bastão, como numa corrida, para a instância do autor e descobre-se não uma intenção primeira, mas o porta-voz de um desejo desconhecido e de uma comunidade que até pode ser universal. Por outro lado, cada conclusão e ratificação de uma frase, de um parágrafo ou de um capítulo pelo autor, supõem o contato com “o texto móvel”, que pode sempre questionar o que foi feito. (WILLEMART, 2005, p. 80)295 O paralelo entre escritor e autor no excerto acima não se aproximaria da metáfora proustiana do autor que contempla seu trabalho e que seria, ao mesmo tempo, operário e juiz de sua obra? 294 “Capital Nessa conversação que se passará talvez não em Combray, mas na última matinée Guermantes, Gilberte me dirá”. 295 O conceito de “texto móvel” desenvolvido por Willemart se propõe a substituir a noção romântica de “musa”, utilizando, para tanto, um viés psicanalítico. O “texto móvel” submeteria o escritor à atividade de escrita, conduzindo-o e obrigando-o a “dar mil voltas e bifurcações”. Ainda segundo o crítico, “(...) o ‘texto móvel’ força o escritor a descobrir, aos poucos, o caminho da escritura e a administrar o pedaço de Real envolvido no ‘texto móvel’”. (p. 70). Cf. WILLEMART, Philippe “Como se constitui a escritura literária?”. 160 4.3 A questão do “je” Estudando o conjunto de notas nos cadernos de rascunho, deparamo-nos com um tipo de anotação que ressuscita um dos temas mais intrigantes da obra proustiana e de sua escritura: a questão do “je”. Obviamente, em notas dedicadas à estética e à realização da obra, não poderia deixar de existir o “je”, marca do escritor, como vemos em alguns exemplos já evocados: “(...) à mettre dans ce développement (je ne dis pas à cette page-ci mais faute de place je le mets là (...))” (C.55, fº 30rº); “Cette phrase (...) mieux ailleurs si ailleurs j´ai l ´occasion de la mettre, si ailleurs je dis alors (...)” (C.55, fº 50vº); “Peut´être tout de suite Avant Goncourt quand j´ouvre le volume” (C.55, fº 62vº); “Si je ne laisse pas les développements ci dessus mettre ailleurs cette phrase excellente” (C.55, fº 67rº); “Je l´écris comme pour la Dernière partie”. (C.55, fº 81rº); “Mettre où je jugerai opportun” ou ainda, no mesmo fólio “Quand Albertine est morte (je choisirai le moment sans interrompre un développement)” (C.55, fº 83vº)296, etc. Em todos esses exemplos, o escritor se coloca como o realizador das tarefas, o operador da escritura, e embora o uso da primeira pessoa seja comum nesses casos, nos manuscritos proustianos o “je” do escritor nem sempre se manifesta quando se refere a atividades e remanejamentos próprios à escrita da obra literária. Como vimos, Proust costumava utilizar muitos infinitivos para registrar as mudanças que deveria fazer, como “mettre quelque part”, “mettre en son temps”, “le dire mieux” etc. Mas há outro “je” que provoca estranhamento no leitor do manuscrito e que se encontra nas notas dos cadernos: “Pour mettre un peu plus loin quand notre vie avec Albertine 296 “(...) colocar neste desenvolvimento (eu não digo nesta página aqui, mas por falta de espaço, eu o coloco aqui (...))”; “Essa frase (...) é melhor alhures, se alhures eu tiver a ocasião de colocá-la, se alhures eu disser então (...)”; “talvez logo em seguida Antes de Goncourt quando eu abro o volume”; “Se eu não deixar os desenvolvimentos acima, colocar alhures essa frase excelente”; “Eu o escrevo como que para a Última parte”; “Colocar onde eu julgar oportuno”; “Quando Albertine estiver morta (eu escolherei o momento, sem interromper um desenvolvimento)”. 161 à la maison commence” (C.53, fº 8vº)297; “Quand je dis que ma mère est obligée d´aller à Combray” (C.53, fº 12vº)298 ; “Mettre (capitalissime je me à l´endroit où cela pourra se placer dans notre vie, qd bien avant la soirée Verdurin)” (C.53, fº 18vº)299. O uso da primeira pessoa alterna-se entre o “je” do escritor, daquele que constrói e, portanto, tem a autoridade sobre as mudanças e notas, e o “je” do herói, acompanhado do emprego de pronomes possessivos como “ma mère” e “notre vie” que demonstram essa intersecção. Há outros exemplos em que o “je” de Marcel Proust embaralha-se diretamente ao do protagonista: “(...) je dirais (capital) qd je dis qu´alors je ne souffre plus” (C.53, fº 13vº)300, “Quand je suis jaloux dire” (C.53, fº 32rº)301; “Pour ajouter à ces lieux, à ces années, où elle avaient vécu qui me troublent” (C.55, fº 38rº)302; “Je ne sais si je dis plus haut que en effet que son départ a refait pour moi ce qu´elle était pour moi à Balbec” (C.55, fº 58vº)303; “Quand je suis à Combray” (C.55, fº 91rº)304. Percebemos, em quase todos os casos, um “je” híbrido que se refere tanto a Proust – àquele que elabora, constrói, disse ou ainda irá dizer – quanto ao herói da Recherche – o único “je” cujos anos vividos por Albertine agitam, para quem a jovem foi alguma coisa ou que já não sofre mais. Esse emaranhamento patente entre escritor e personagem faz ressurgir, inevitavelmente, uma das discussões mais espinhosas sobre a Recherche e seu autor, a de que a obra proustiana é uma coletânea de lembranças, uma autobiografia. Evidentemente, não procuramos reacender essa questão, pois ela seria um retrocesso para a crítica proustiana, uma vez que já sabemos, a partir de diversos estudos, que a 297 “Para colocar um pouco mais longe quando nossa vida com Albertine começa em casa”. Todos os grifos das passagens são nossos. 298 “Quando eu digo que minha mãe é obrigada a ir a Combray”. 299 “Pôr (capitalíssimo eu me no lugar onde isso poderá ser colocado em nossa vida, qd bem antes da soirée Verdurin”. 300 “Eu diria (capital) quando eu digo que então eu não sofro mais”. 301 “Quando eu estiver com ciúme dizer”. 302 “Acrescentar a esses lugares, a esses anos onde ela havia vivido e que me perturbam”. 303 “Não sei se disse mais acima que de fato que sua partida refez para mim o que ela era para mim em Balbec”. 304 “Quando eu estiver em Combray”. 162 Recherche não é uma autobiografia e que entre Proust e o narrador existem diferenças expressivas. Para citar alguns casos, Gérard Genette afirma que a obra proustiana é uma resposta exemplar ao que o crítico chamou de “questão da escritura” ou em outros termos, as dificuldades ou até mesmo a impossibilidade de escrever uma obra de ficção. E considera que: “ce qu´est à coup sûr la Recherche du temps perdu, quand bien même on la considérerait (ce qu´elle n´est évidemment pas) comme une pure autobiographie” (GENETTE, 1980, p. 7)305, ao passo que Tadié sustenta que “(...) une fois le livre publié, et jusqu´à nos jours, des lecteurs, des critiques trompés par la présence d´un récit à la première personne y ont vu un écrit intime, une autobiographie, aux mieux un roman personnel” (TADIÉ, 1971, p. 17)306 e persevera, mais adiante, declarando que “Cette première personne, si claire, si simple, a une histoire trouble, complexe; loin d´être donnée, elle a été conquise avec acharnement à la fois sur l´intimité, prête à se confesser et sur l´impersonnalité du monde où s´écrivent les romans” (p.19)307. Poderíamos recorrer ao próprio Proust quando afirma, em uma carta a Henri de Régnier escrita em 1920 que: Comme les auteurs les plus flattés ne sont jamais contents complètement de leur portrait, laissez-moi vous dire (ce qui n´enlève rien à ma gratitude infinie) que je ne suis pas d´accord avec vous quand vous voyez des Mémoires, des Souvenirs, dans une oeuvre construite où le mot fin a été inscrit au terme du dernier volume (non paru encore) avant que fussent écrits ceux qu´on vient de publier. Le “je” est une pure formule, le phénomène de mémoire qui déclenche l´ouvrage est un moyen voulu, comme si vous voulez la grive entendue à Montboissier qui ramène Chateaubriand à Combourg. (Corresp., t. XIX, p. 630-1)308 305 “é o que, seguramente, é a Em busca do tempo perdido, mesmo quando a considerariam (o que ela, evidentemente não é) como uma pura autobiografia”. 306 “(...) uma vez o livro publicado, e até nossos dias, leitores, críticos enganados pela presença de uma narrativa em primeira pessoa, viram nele um escrito íntimo, uma autobiografia, ou melhor, um romance pessoal”. 307 “Essa primeira pessoa, tão clara, tão simples, tem uma história turva, complexa; longe de ser dada, ela foi conquistada com obstinação, ao mesmo tempo, pela intimidade prestes a se confessar e pela impessoalidade do mundo no qual se escrevem os romances”. 308 “Como os autores mais lisonjeados nunca estão completamente contentes com seu retrato, deixe-me dizer-lhe (o que não diminui em nada minha gratidão infinita) que não estou de acordo com você quando você vê Memórias, Lembranças, numa obra construída, onde a palavra fim foi inscrita ao término do último volume 163 Insistindo na construção de seus livros, Proust revela que a primeira pessoa faz parte dessa composição e não se pode atribuir à Recherche – uma obra cujo fim foi elaborado antes mesmo dos volumes que formam o “entre-deux” – um caráter memorialista, pois a própria memória involuntária é pretendida e igualmente construída, servindo apenas como desencadeador da história. Algo que também aparece em Roland Barthes: Les deux discours, celui du narrateur et celui de Marcel Proust, sont homologues, mais non point analogues. Le narrateur va écrire, et ce futur le maintient dans un ordre de l´existence, non de la parole; il est aux prises avec une psychologie, non avec une technique. Marcel Proust, au contraire, écrit, il lutte avec les catégories du langage, non avec celles du comportement. (1994, p. 1370)309 Nosso objetivo, portanto, não é discutir, a partir dos exemplos vistos nos manuscritos, se a Recherche é ou não um romance pessoal, pois assim como os críticos citados, não a vemos como tal, mas refletir a respeito dessa construção do “je” proustiano, que como bem salientou Tadié, foi algo conquistado pelo escritor. Para tanto, devemos fazer uma breve deambulação histórica pela carreira literária de Proust, a fim de observar em qual momento ele começa a empregar a primeira pessoa e em que medida ela estava mais ou menos ligada à sua vida. Em Les plaisirs et les jours, as principais novelas como “La mort de Baldassare Silvande, vicomte de Sylvanie”, “Violante ou la mondanité”, “Mélancolique villégiature de Mme. de Breyves” e “La fin de la jalousie” foram escritas em terceira pessoa. Se atentarmos para algumas passagens, notaremos que Proust recorre ao procedimento clássico da narrativa realista, incorporando um narrador que não se mistura aos personagens. Selecionamos os seguintes incipit, respeitando a ordem das novelas mencionadas acima: (ainda não publicado) antes que fossem escritos aqueles que acabam de ser publicados. O ‘eu’ é uma mera fórmula, o fenômeno da memória que desencadeia a obra é um meio tencionado, como, se você quiser, o tordo ouvido em Montboissier que leva Chateaubriand a Combourg”. 309 “Os dois discursos, o do narrador e o de Marcel Proust são homólogos, mas não análogos. O narrador vai escrever e esse futuro mantém-se dentro de uma ordem da existência, não da palavra, ele está ligado a uma psicologia, não a uma técnica. Marcel Proust, ao contrário, escreve, ele luta com as categorias da linguagem, não com as do comportamento”. Os grifos são do autor. 164 L´espoir de recevoir un cheval et le souvenir qu´il avait treize ans firent briller, à travers les larmes, les yeux d´Alexis. Mais il n´était pas consolé puisqu´il fallait aller voir son oncle Baldassare Silvande, vicomte de Sylvanie. (Pl. et J., p. 17)310 Em “Violante ou la mondanité”, temos: “La vicomtesse de Styrie était généreuse et tendre et toute pénétrée d´une grâce qui charmait. L´esprit du vicomte son mari était extrêmement vif, et les traits de sa figure d´une régularité admirable” (p.47) 311. E em “Mélancolique villégiature”, encontramos a seguinte abertura: “Françoise de Breyves hésita longtemps, ce soir-là, pour savoir si elle irait à la soirée de la princesse Élisabeth d´A..., à l ´Opéra, ou à la comédie des Livray”312 (p. 107). Ou ainda, em “La fin de la jalousie”, lemos: “Elle voulut fermer la porte de sa chambre sur Honoré, mais il lui dit encore : ‘Cou!’ et elle tendit aussitôt son cou avec une docilité, un empressement exagérés qui le firent éclater de rire” (p.233)313. Como podemos observar, as novelas iniciam-se, em maior ou menor grau, com uma narrativa similar ao romance realista, não possuindo nenhuma delas o teor misterioso e obscuro da célebre frase da Recherche “Longtemps, je me suis couché de bonne heure”. Excetuando-se alguns escritos que se assemelham a contos e a poemas em prosa, em que a primeira pessoa aparece, aproximando-se, no entanto, de um eu-lírico impessoal, a novela “La confession d´une jeune fille” é a única narrada por um “je” feminino: “Enfin la délivrance approche. Certainement j´ai été maladroite, j´ai mal tiré, j´ai failli me manquer” (p. 137)314. No entanto, conforme Tadié. 310 “A esperança de ganhar um cavalo e a lembrança de que ela tinha treze anos fizeram brilhar, através das lágrimas, os olhos de Alexis. Mas ele não estava consolado, pois era necessário ir ver seu tio Baldassare Silvande, visconde de Sylvanie”. 311 “A viscondessa de Styrie era generosa e terna e inteiramente penetrada por uma graça que encantava. O espírito do visconde seu marido era extremamente vivo, e os traços de seu rosto eram de uma regularidade admirável”. 312 “Francçoise de Breyves hesitou durante muito tempo, naquela noite, para saber se iria à soirée da princesa Elisabeth de A..., à Ópera, ou à comédia dos Livray”. 313 “Ela quis fechar a porta de seu quarto sobre Honoré, mas ele lhe disse ainda: ‘Pescoço!’ e ela estendeu imediatamente seu pescoço com uma docilidade, uma solicitude exageradas que o fizeram morrer de rir”. O texto inicia-se por um diálogo entre Mme. Seaune e Honoré. 314 “Enfim, a libertação se aproxima. Certamente eu fui desajeitada, eu atirei mal, eu quase me perdi”. 165 La Confession d´une jeune fille, qui traduit certaines obsessions profondes de l´auteur et annonce quelques thèmes importants de la Recherche, montre, à travers la transposition des sexes, le je d´un personnage beaucoup plus proche du il de Jean Santeuil que du je de l´oeuvre future. (1971, p. 19)315 Esses temas que Tadié mencionou são, notadamente, a relação visceral entre a heroína e sua mãe, seu caráter sensível e doentio, próximos ao do herói da Recherche e o conhecido “beijo de boa noite” que a mãe lhe dispensava nos dois dias em que passava com a filha: Ses venues si courtes étaient la chose la plus douce et la plus cruelle. Pendant ces deux jours elle me prodiguait des tendresses dont habituellement, pour m´endurcir et calmer ma sensibilité maladive, elle était très avare. Les deux soirs qu´elle passait aux Oublis, elle venait me dire bonsoir dans mon lit, ancienne habitude qu´elle avait perdue, parce qu j´y trouvais trop de plaisir et trop de peine. (Pl. et J., p. 138)316 Outros assuntos presentes na novela, e que serão recuperados na Recherche, são: a falta de vontade da protagonista que inquietava sua mãe: “Ce qui désolait ma mère, c´était mon manque de volonté” [“o que desolava minha mãe era minha falta de vontade”] (p. 143), bem como a mundanidade e o esnobismo que cessam os prazeres da solidão e diminuem assim o alcance real da arte: “Jamais, tout occupée au désir d´être admirée dans une loge élégante, je n´ai senti moins profondément la musique. J´écoutais et je n´entendais rien” (p. 145)317. Para Tadié, essas questões obsedantes para Proust são de cunho mais biográfico do que propriamente ficcionais, daí a aproximação que o crítico faz com Jean Santeuil. Esse romance inacabado, iniciado quando Proust ainda elaborava Les plaisirs et les jours, foi igualmente escrito em terceira pessoa, seguindo a prática dos escritos que o antecederam. Sendo esse o primeiro projeto propriamente romanesco do escritor, Proust, “par cette médiation, veut créer un héros distinct de lui et qui pourtant l´exprime; l´exprime trop, 315 “A confissão de uma jovem, que traduz certas obsessões profundas do autor e anuncia alguns temas importantes da Recherche, mostra, através da transposição dos sexos, o eu de um personagem muito mais próximo do ele de Jean Santeuil do que do eu da obra futura”. Os grifos são do autor. 316 “Suas vindas tão curtas eram a coisa mais doce e mais cruel. Durante esses dois dias, ela me prodigalizava ternuras das quais, habitualmente, para me endurecer e acalmar minha sensibilidade doentia, ela era muito avara. Nos dois dias que passava nos Oublis, ela vinha me dizer boa noite em minha cama, antigo hábito que perdera, pois eu encontrava nele demasiado prazer e excessiva pena”. 317 “Nunca senti menos profundamente a música, inteiramente ocupada que estava pelo desejo de ser admirada num camarote elegante. Eu escutava e não ouvia nada”. 166 car ‘Jean Santeuil apparaît bien plus naïvement autobiographique qu´à la Recherche’” (TADIÉ, 1971, p. 19)318. Muitos são os críticos que vislumbraram em Jean Santeuil inúmeras passagens que foram colhidas a partir de episódios da vida de Proust, elemento salientado por ele no pequeno prefácio a esse livro, visto no terceiro capítulo. Nas palavras de Jean Milly: En ce qui concerne le je du narrateur, on a constaté que le contenu de Jean Santeuil, malgré l´emploi de la troisième personne, était plus proche de l ´expérience vécue par Proust que la Recherche sur plusieurs points : Proust y évoque des vacances enfantines dans un lieu appelé tantôt Eteuilles (nom fictif), tantôt Illiers (nom réel); des séjours en Bretagne, près du Lac de Genève, en Hollande, qui disparaîtront dans la Recherche; des souvenirs de sa vie au lycée et de ses rapports avec ses professeurs; une de plus grande participation aux événements de l´Affaire Dreyfus. (1987, p. 7)319 O uso da terceira pessoa não evitou o viés biográfico da obra, e talvez esse seja, como já dito anteriormente, um dos motivos do inacabamento do romance, pela inarticulação na sucessão de acontecimentos e episódios, desligados uns dos outros, sem uma consciência central que participasse, compreendesse e julgasse esses momentos. Na verdade, pensamos que o problema não está propriamente no uso das experiências vividas pelo escritor, uma vez que, mesmo para a Recherche, Proust confessa utilizar episódios de sua vida para compor seu protagonista320, mas na falta de uma instância narrativa profunda, que Proust finalmente conquistará na Recherche. Mas, antes da Recherche, há ainda outro projeto literário no qual Proust construiu um “je” narrativo distante, entretanto, de traços biográficos: o Contre Sainte-Beuve. Segundo 318 “por essa mediação, quer criar um herói distinto dele e que, no entanto, o exprime; o exprime demasiadamente, pois ‘Jean Santeuil aparece bem mais ingenuamente autobiográfico do que a Recherche”. Tadié cita o texto de André Maurois no prefácio à edição de Jean Santeuil, edição utilizada na presente tese. 319 “No que concerne ao eu do narrador, constatou-se que o conteúdo de Jean Santeuil, apesar do emprego da terceira pessoa, era mais próximo da experiência vivida por Proust do que a Recherche sob vários aspectos: Proust evoca as férias infantis num lugar chamado tanto Eteuilles (nome fictício), quanto Illiers (nome real); os dias na Bretanha, próximo ao Lago de Genebra, na Holanda, que desaparecerão na Recherche; lembranças de sua vida no colégio e as relações com seus professores; uma maior participação nos eventos do Caso Dreyfus”. 320 “Il est vrai que par excès de fatigue, pour des détails purement matériels, je me dispense d´inventer pour mon héros et prends des traits vrais de moi (...)” [É verdade que, por excesso de cansaço, para detalhes puramente materiais, eu me dispenso de inventar para meu herói e tomo traços verdadeiros de mim mesmo (...)”.] (Corresp., t. XIX, p. 580). Carta endereçada a Jacques Boulenger, em novembro de 1920. 167 Tadié: “Ce qui caractérise le passage de Jean Santeuil au Contre Sainte-Beuve, et du Contre Sainte-Beuve à la Recherche, c´est l´élimination des traits autobiographiques importants et l ´accumulation de traits inventés” (1971, p. 23-4)321. Para elaborar um ensaio a respeito do método de Sainte-Beuve, Proust constrói todo um aparato ficcional a fim de engajar um “eu”, uma instância profundamente narrativa, para provar, por meio de experiências involuntárias, que o verdadeiro “eu” estaria no passado, nessa matéria tão necessária à literatura e que só o acaso e as sensações poderiam recuperar, uma vez que a inteligência só nos dá o passado como sucessão, e não como essência. Chaque jour j´attache moins de prix à l´intelligence. Chaque jour je me rends mieux compte que ce n´est qu´en dehors d´elle que l´écrivain peut ressaisir quelque chose de nos impressions passées, c´est-à-dire atteindre quelque chose de lui-même et la seule matière de l´art. Ce que l´intelligence nous rend sous le nom de passé n´est pas lui. (CSB, p. 211)322 Proust condensa, neste curto projeto de prefácio, basicamente todas as experiências privilegiadas da Recherche tais como a madeleine, aparecendo aqui como uma torrada, que recuperará a casa de campo onde esse narrador passava férias, os pisos desiguais de um pátio qualquer remetendo ao batistério de São Marcos, em Veneza, e o barulho da pequena colher que evoca, assim como na Recherche, o som produzido pelo martelo contra as rodas do trem. Esses momentos estão claramente atrelados à ilustração, ou melhor, funcionam como exemplos da ineficácia da inteligência que, por sua vez, retorna à questão para esclarecer quais serão os reais problemas do método empregado por Sainte-Beuve. Para o narrador: La méthode de Sainte-Beuve n´est peut-être pas au premier abord [un] objet si important. Mais peut-être sera-t-on amené, au cours de ces pages, à voir qu´elle touche à de très important problème intellectuels, peut-être au plus grand de tous pour un artiste, à cette infériorité de l´intelligence dont je parlais en commençant. Et cette infériorité de l´intelligence, c´est tout de même à l´intelligence qu´il faut demander de l´établir. (...) Bien que chaque jour j´attache moins de prix à la critique et même, s´il faut le dire, à l ´intelligence, car de plus en plus je la crois impuissante à cette recréation de 321 “O que caracteriza a passagem de Jean Santeuil ao Contra Sainte-Beuve, e do Contra Sainte-Beuve à Recherche é a eliminação de traços autobiográficos importantes e a acumulação de traços inventados”. 322 “Cada dia eu atribuo menos valor à inteligência. Cada dia eu me dou mais conta de que é somente fora dela que o escritor pode retomar algo de nossas impressões passadas, ou seja, alcançar algo dele mesmo e a única matéria da arte. O que a inteligência nos fornece sob o nome de passado não é ele”. 168 la réalité qui est tout l´art, c´est à l´intelligence que je me fie aujourd´hui pour écrire un essai tout critique. (CSB, p. 216)323 Essa oscilação entre ficção e crítica, problema que nunca será resolvido, mas incorporado por Proust em sua obra, revela a alternância entre o “je” do escritor, aquele que critica e comenta, e o “je” de um narrador que inventa, fabula e constrói uma ficção. Proust elabora um diálogo fictício entre o narrador e sua “maman” para, finalmente, discutir sobre o método do crítico francês, promovendo, com isso, a entrada definitiva desse “je” na fabulação: ...Maman me quitte, mais je repense à mon article et tout d´un coup j´ai l ´idée d´un prochain Contre Sainte-Beuve. Dernièrement, je l´ai relu, j´ai pris contre mon habitude des quantités de petites notes que j´ai là dans un tiroir, et j´ai des choses importantes à dire là-dessus. Je commence à bâtir l´article dans ma tête. (...) Je voudrais bien demander à maman ce qu´elle en pense. J ´appelle, aucun bruit ne répond. (CSB, p. 217)324 É a partir do Contre Sainte-Beuve que Proust estabelece uma instância narrativa que, embora diga “eu”, não se refere diretamente ao escritor e às suas experiências. Para Tadié: “Le ton est trouvé, et c´est lui qui s´épanouit dans le projet sur Sainte-Beuve: Proust préfère à la formule de l´essai celle de la conversation avec sa mère” (1971, p. 21) 325, e embora Proust insira um diálogo com essa mãe, “le caractère autobiographique de cette conversation est tout à fait illusoire, puisque Mme. Proust est morte depuis trois ans: c´est dans un récit imaginaire que le narrateur fait sa véritable apparition” (TADIÉ, 1971, p. 21)326. 323 “O método de Sainte-Beuve talvez não seja, à primeira vista, [um] objeto tão importante. Mas talvez, sejamos levados, ao longo dessas páginas, a ver que ele toca em problemas intelectuais muito importantes, talvez no maior de todos para um artista, nessa inferioridade da inteligência da qual eu falava no começo. E essa inferioridade da inteligência é, apesar de tudo, à inteligência que devemos pedir para estabelecer. (...) Mesmo que a cada dia eu atribua menos valor à crítica e mesmo, se for necessário dizer, à inteligência, pois cada vez mais eu a acredito impotente nessa recriação da realidade que é toda arte, é na inteligência que me fio hoje para escrever um ensaio inteiramente crítico”. 324 “... Mamãe me deixa, mas volto a pensar em meu artigo e de repente, tenho a idéia de um próximo Contra Sainte-Beuve. Ultimamente, eu o reli, contra meu hábito, tomei quantidades de pequenas notas que tenho lá, numa gaveta, e tenho coisas importantes a dizer a respeito. Eu começo a construir o artigo em minha cabeça. (...) Gostaria muito de perguntar a mamãe o que ela pensa. Eu chamo, nenhum barulho responde”. 325 “O tom é encontrado e é ele que desabrocha no projeto sobre Sainte-Beuve: Proust prefere à fórmula do ensaio aquela da conversação com sua mãe”. 326 “o caráter autobiográfico dessa conversação é completamente ilusório, pois Madame Proust morrera havia três anos: é numa narrativa imaginária que o narrador faz sua verdadeira aparição”. 169 Percebemos, portanto, que o “je” proustiano está diretamente unido à narrativa fictícia, à invenção, mas embora a Recherche seja o lugar privilegiado dessa criação e construção, a primeira pessoa não se deu de forma completamente espontânea. Há alguns trechos nos manuscritos, notadamente nos dedicados aos primeiros volumes, em que a passagem do “il” ao “je” é flagrante, como podemos observar no caderno 26: Swann Et j’ai bien reconstitué d’après les récits de mon cousin, le charme de la qu’avait la vie m pour Swann sa vie mondaine pendant les longues amour périodes où il y incorporait un sentiment. C’est un plaisir de voir le jour tomber la nuit venir mais de se dire que la vie qui semble finir se* ressusciter* plus au salon resplendissante aux lumières, et que’ dans le dans le salon où dîner vers lequel on se croira* fêter, désiré, fêté, applaudi par tous, une pers femme sera là, p même à qui on dira bonjour plus distraitement qu’aux autres, mais faite en une matière qui est la délice de et notre cœur, celle pour, pareille aux autres en apparence, mais d’une matière qui est tout le désir de notre cœur (...). (C.26, fº 26rº)327 No trecho acima, temos o desenvolvimento da vida mundana e amorosa de Swann, que, já neste fólio, transforma-se em “on” (“on se croira désiré, fêté, applaudi”/ “à qui on dira bonjour”) para posteriormente permutar-se em “nous” (“qui est tout le désir de notre coeur”). Essa tendência em pluralizar o sujeito não é rara em Proust e aparece de modo geral, quando o escritor constrói leis universais dos afetos humanos, neste caso, o sentimento amoroso. 327 “Swann// E eu reconstitui de acordo com as histórias de meu primo, o charme da que tinha a vida m para Swann sua vida mundana durante os longos períodos em que ele incorporava um sentimento <amor>. É um prazer ver o dia cair, a noite chegar e de se dizer que a vida parece acabar ressuscitar* mais resplandecente às luzes, e que dentro <no salão> jantar em direção ao qual <onde> se acreditará* festejar, desejado, festejado, aplaudido por todos, uma pesso mulher estará ali, a quem diremos bom dia mais distraidamente que às outras, mas feita de uma matéria que é a delícia de nosso coração, parecida com as outras em aparentemente, mas de uma matéria que é todo o desejo de nosso coração”. A transcrição do caderno 26 foi realizada por H. Yuzawa. 170 Em outro fólio, ainda se referindo a um terceiro, há um “il” que alude a Swann, mas que, no entanto, não porta mais seu prenome. A partir de então, Proust desenvolve uma passagem sobre as jovens que nos remete, sem dúvida alguma, às raparigas em flor de Balbec. La société des jeunes filles a cela de charmant Il est ch délicieux de vivre au milieu Sans doute elles n’avaient pas gardé le charme mystérieux qui les lui avait fait imaginer si particulières. Entre lui et chacune d’elles des rapports humains (...). (C.26, fº 28rº)328 Essas moças que encantavam esse “il”, surpreendendo-o com suas características cambiantes, possuem o mesmo mistério das jovens de Balbec quando o protagonista ainda as conhecia bem pouco. Proust continua o texto reforçando esse dado, colocando-as sempre em relação com esse “il” que faz descobertas. La fille du grand seigneur breton n’ était plus différente des autres jeunes filles, la golfeuse é tait intellectuelle et sensible, il y avait une douce soumission dans celle qui lui avait paru rebelle et inassimilable, celle qui semblait bête et fourbe avait des mots charma exquis et [ill.]répondait avec à ses procédés délicatesse et droiture. [ill.] Pour elles comme pour toutes choses, la vie Il était arrivé d’elles comme de ces mythologies qui de loin paraissent si mystérieuses et qui sont au fond anthropomor phiques et où on retrouve les hommes et les femmes que nous connaissons. Mais malgré cela il y a dans la société j’étais heureux d’avoir de pouvoir les avoir, les retenir, les grouper autour de moi. (C.26, fº 28rº)329 Sem nenhuma indicação prévia, Proust muda de registro, passando da terceira para a primeira pessoa, tendo por intermédio apenas a frase anterior em que os pronomes “on” e “nous” surgem (“où on retrouve les hommes et les femmes que nous connaissons”) naquele 328 “A sociedade das jovens tem isso de encantador É delicioso viver no meio Talvez elas não tivessem guardado o charme misterioso que lhe havia feito imaginá-las tão particulares. Entre ele e cada uma delas, relações humanas (...)”. 329 “A filha do grande senhor bretão não era mais diferente do que as outras moças, a golfista era intelectual e sensível, havia uma doce submissão naquela que lhe parecera rebelde e inassimilável, aquela que parecia tola e falsa tinha palavras charm delicadas e [ill.] respondia < a seus comportamentos> com delicadeza e retidão. [ill.] Para ela como para todas as coisas, a vida Sucedeu-lhes como dessas mitologias que, de longe, parecem tão misteriosas e que são, no fundo, antropomórficas e onde encontramos os homens e as mulheres que nós conhecemos. Mas apesar disso havia na sociedade eu estava feliz de ter de poder tê-las, conservá-las, agrupá-las ao redor de mim”. 171 mesmo contexto de universalidade mencionado acima. Não se trata apenas de uma ligação, de um parentesco entre o narrador-herói e Swann, como assinalado por Jean Rousset – “Le personnage de Swann a des rapports intimes avec le héros, il est à la fois son père spirituel et son frère aîné. (...) Il est davantage encore son frère, son double (...)” (1962, p. 146)330 –, mas de um problema de perspectiva, de instância narrativa, de uma alternância entre contar por meio de um “ele” ou de um “eu”. Percebemos com isso que o “je” não foi um recurso narrativo que surgiu naturalmente na escrita proustiana, mas algo que despontou ao longo dos vários anos da carreira literária do escritor e se consolidou, curiosamente, no distanciamento entre literatura e biografia. De acordo com Tadié. Cette évolution qui mène au narrateur tel qu´il figure dans A la recherche du temps perdu montre bien que, pour Proust, écrire à la première personne n ´était pas simple; cette difficulté, il ne l´aurait pas rencontrée s´il avait voulu écrire son autobiographie; mais le je dont il découvre l´emploi n´est plus celui de la confidence, c´est un je qui est aussi un il; passé par le purgatoire de la troisième personne, il rompt avec le moi de Proust pour devenir personnage. (1971, p. 21-2)331 Com o início da Recherche, Proust começa a se desvencilhar de episódios e características pessoais que armavam a narrativa em Jean Santeuil, tais como as viagens, as aulas de filosofia, a relação com os pais, que foram inteiramente modificados ou simplesmente eliminados da Recherche. No tocante ao prenome do escritor, outro possível indício de um relato autobiográfico que aparece no romance La prisonnière, Jean Milly salienta que “l´étude des brouillons et 330 “O personagem de Swann tem relações íntimas com o herói, ele é, ao mesmo tempo, seu pai espiritual e seu irmão mais velho. (...) Ele é mais ainda seu irmão, seu duplo (...)”. 331 “Essa evolução que desemboca no narrador tal ele figura no Em busca do tempo perdido mostra bem que, para Proust, escrever em primeira pessoa não era simples; essa dificuldade, ele não teria encontrado se quisesse escrever sua autobiografia; mas o eu cujo emprego ele descobre não é o da confidência, é um eu que é também um ele; passado pelo purgatório da terceira pessoa, ele rompe com o eu de Proust para se tornar personagem”. 172 épreuves nous montre qu´il était plus fréquemment employé dans ces ébauches, et que progressivement Proust l´a supprimé presque partout” (1987, p.7)332. A partir do conjunto de reflexões desenvolvidas até o momento, pensamos que esse “je” que surge nas notas, embaralhando as instâncias autorais e narrativas, consiste na expressão máxima do narrador proustiano, construindo-se, implicando-se na história a todo o momento, e tornando-se, ao final do volume, escritor. Embora seja o operador, o autor dos rascunhos, Proust reserva os cadernos exclusivamente para a construção literária, afastando peremptoriamente sua vida de sua obra, como pertinentemente ressalva Tadié. Les carnets et cahiers d´esquisses ne doivent pas porter à confusion: l´on y chercherait vainement la moindre notation datée, le moindre commentaire sur une rencontre ou une journée achevée ; rien n´y reflète la vie. L´auteur qui note au jour le jour “est perdu”. (1971, p. 17)333 Nada mais apropriado e justo para falar dos cadernos, bem como das cadernetas, do que tais considerações de Tadié, pois como vimos Proust muitas vezes se apaga como “operário” da escrita ao despersonalizar as ações concernentes a ele, colocando-as no infinitivo: “mettre cela en son temps”, “le dire mieux”, “Pour ajouter” etc; e quando encontramos vestígios desse “je” autoral, ele geralmente vem imbricado ao “je” narrativo. Para relembrar alguns desses casos, bastam-nos estes exemplos “Je pense que j´ai dû marquer ailleurs (sans cela marquer ici) que cela ajoute au caractère familial de mes relations avec Albertine” (C.55, fº 18vº)334; “Qd je dis que je l´ai domestiquée dire” (C.55, fº 26rº)335; “N.B. Dire quand elle est partie que je me décide brusquement à tout ce devant quoi j´avais 332 “o estudo dos rascunhos e das provas nos mostra que ele era freqüentemente empregado nesses esboços e que, progressivamente, Proust o suprimiu quase por toda parte”. 333 “As cadernetas e os cadernos de esboços não devem trazer confusão: procurar-se-ia em vão a menor notação datada, o menor comentário sobre um encontro ou uma jornada acabada; nada ali reflete a vida. O autor que anota dia-a-dia ‘está perdido’”. 334 “Penso que devo ter marcado em outro lugar (sem isso marcar aqui) que isso acrescenta ao caráter doméstico das minhas relações com Albertine”. 335 “Quando eu digo que a domestiquei dizer”. 173 hésité jusque là, l´épouser et la commande immédiate d´un yacht et d´une Rolls” (C.55, fº 51vº)336 etc. Mesmo não se tratando de um escrito pessoal e autobiográfico, é incontestável que Proust tensiona entre a vida e a literatura, nada mais surpreendente para um autor, que já em Contre Sainte-Beuve, afirma, em trecho já visto anteriormente, que a verdadeira matéria artística consiste nas nossas impressões passadas: “ (...) que l´écrivain peut ressaisir quelque chose de nos impressions passées, c´est-à-dire atteindre quelque chose de lui-même et la seule matière de l´art” (CSB, p. 211). De qualquer forma, não podemos esquecer que todo seu projeto embasa-se na crítica à leitura feita por Sainte-Beuve, que só consegue perceber a obra a partir do escritor; e que já em Jean Santeuil, Proust anuncia a diferença existente entre autor e obra: “(...) et que nous comprendrions quels sont les rapports secrets, les métamorphoses nécessaires qui existent entre la vie d´un écrivain et son oeuvre, entre la réalité et l´art” (JS, t.I, p. 54)337. Se Proust promove essa imbricação entre vida e literatura ao dar ao herói da Recherche seu prenome, ele não o faz sem ressalvas. Elle retrouvait la parole, elle disait: “Mon” ou “Mon chéri”, suivis l´un ou l ´autre de mon nom de baptême, ce qui, en donnant au narrateur le même prénom qu´à l´auteur de ce livre, eût fait: “Mon Marcel”, “Mon chéri Marcel”. (LP, p. 583)338 O uso do condicional modaliza, restringindo assim a certeza de que o nome do narrador seria realmente o mesmo do autor do livro. Além disso, segundo o volume da Pléiade, nas notas preparadas por Pierre-Edmond Robert, o prenome do escritor teria sido massivamente usado nos cadernos 2 e 5, dedicados ao projeto Sainte-Beuve, no qual o herói 336 “N.B. Dizer quando ela partir que eu me decido bruscamente por tudo isso, diante do qual eu havia hesitado até ali, casar com ela e o pedido imediato de um iate e de um Rolls”. 337 “(...) e que nós compreenderíamos quais são as relações secretas, as metamorfoses necessárias que existem entre a vida de um escritor e sua obra, entre a realidade e a arte”. 338 “Logo que recuperava a palavra, dizia: “Meu” ou “Meu querido”, seguidos um ou outro do meu nome de batismo, o que, atribuindo ao narrador o mesmo nome que ao autor deste livro, daria: “Meu Marcel”, “Meu querido Marcel”. (Trad., p. 67) 174 chamava-se Marcel, e que, como Proust, tinha um irmão chamado Robert. Tudo isso foi apagado da Recherche e a retomada do prenome não seria, portanto, um vestígio desses estados primitivos do romance, pois sua adição foi tardia, dando-se nos cadernos de mise au net, assim como na datilografia, em que Proust acresce a frase “en donnant au narrateur le même prénom qu´à l´auteur de ce livre”. Para Edmond Robert, “On voit bien que cette démarche, chez Proust, est tout le contraire d´une supression de l´autobiographie, mais plutôt le désir de souligner à la fois la proximité et l´éloignement de l´auteur du roman par rapport à son narrateur” (LP, p. 1718) 339. Essa aproximação é, como vemos, muito bem construída, arquitetada e deliberada, aparecendo igualmente em outros momentos da Recherche. Para nos atermos a alguns exemplos, há a referência aos trabalhos feitos a partir da obra de Ruskin: “(...) je montais me préparer dans ma chambre pour sortir avec ma mère, et, pour prendre des cahiers ou je prendrais des notes relatives à un travail que je faisais sur Ruskin” (AD, p. 224)340; où “(il faisait allusion à une traduction de Sésame et les lys de Ruskin que j´avais envoyé à M. de Charlus)” (TR, p. 411)341. Há ainda uma alusão aos escritos colegiais do narrador, remetendo ao livro Les plaisirs et les jours de Proust: “J´avais eu de la facilité, jeune, et Bergotte avait trouvé mes pages de collégien ‘parfaites’” (TR, p.618)342. No entanto, se há semelhanças voluntárias entre Proust e seu herói-narrador, há igualmente diferenças que os separam fortemente. Quando o narrador diz a Albertine: “Je ne suis pas romancier” [“Eu não sou romancista”] (LP, p. 881; Trad., p. 353), Proust pontua o distanciamento existente entre ele, escritor, e um aspirante a 339 “Vemos que essa iniciativa, em Proust, é completamente contrária à supressão da autobiografia, sendo, de preferência, o desejo de sublinhar ao mesmo tempo a proximidade e o distanciamento do autor do romance com relação a seu narrador”. 340 “(...) eu subia ao quarto para me preparar e sair em companhia de mamãe.” (Trad., p.211). A tradução não contém a frase sobre Ruskin, o que não configura propriamente uma omissão, mas, talvez, uma limitação devida à edição utilizada para a tradução. Traduzimos a seguir o trecho ausente: “e para pegar cadernos onde eu tomaria notas relativas a um trabalho que eu fazia sobre Ruskin”. 341 “(aludia à tradução de Sesame and lilies, de Ruskin, que eu mandara ao sr. de Charlus)”. (Trad., p. 118) 342 “Jovem, denotara alguns dons, e Bergotte achara ‘perfeitas’ as minhas composições de colegial”. (Trad., 286) 175 artista, cuja história é de uma vocação e para quem a literatura não havia desempenhado o menor papel: “Ainsi toute ma vie jusqu´à ce jour aurait pu et n´aurait pas pu être résumée sous ce titre: Une vocation. Elle ne l´aurait pas pu en ce sens que la littérature n´avait joué aucun rôle dans ma vie” (TR, p. 478)343 : nada mais diverso do que a experiência proustiana, essencialmente literária. Mesmo nas correspondências, nas quais Proust utiliza sistematicamente o “je” como se estivesse realmente implicado na narrativa e esta o representasse – “En tout cas n´enlevez pas tout à fait au début le Professeur que je rencontre en cherchant un fiacre et chez qui je mène ma grand-mère”(Corresp., t. XIX, p. 658)344 – ele reforça a todo momento a distância entre ele e seu herói, sobretudo quando houve confusão por parte do interlocutor. Em uma carta endereçada a Jacques Boulenger, Proust delimita muito claramente seu herói, tratando-o em terceira pessoa: Dans Guermantes II, quand Mme. de Guermantes n´est plus aimée par mon héros (qui a aussi bien aimé Albertine petite bourgeoise et l´aimera mille fois plus), elle ne cesse d´inviter le dit héros, qu´elle dédaignait seulement parce qu´elle s´en sentait aimée. (Corresp., t.XIX, p. 580)345 E em uma carta a Paul Souday, Proust protesta : “Comment, sachant probablement que j´ai toute ma vie connu des duchesses de Guermantes, n´avez-vous pas compris l´effort qu´il m´avait fallu faire pour me mettre à la place de quelqu´un qui n´en connaîtrait pas et souhaiterait d´en connaître ?” (Corresp., t.XIX, p. 574)346. 343 “Assim minha existência até este dia poderia e não poderia resumir-se neste título: uma vocação. Não poderia porque a literatura não desempenhara nela o menor papel”. (Trad., p. 175). 344 “Em todo caso, não tire, no começo, o Professor que eu encontro procurando um fiacre e à casa de quem levo minha avó”. Há muitos outros exemplos em que Proust utiliza o “je” referente à sua pessoa, implicando-se na obra. 345 “Em Guermantes II, quando Senhora de Guermantes não é mais amada pelo meu herói (que também amou Albertine, pequena burguesa, e a amará mil vezes mais), ela não cessa de convidar o dito herói, que ela desprezava somente porque se sentia amada”. 346 “Como, sabendo provavelmente que durante toda a minha vida eu conheci duquesas de Guermantes, você não compreendeu o esforço que me foi necessário para colocar-me no lugar de alguém que não as conheceria e desejaria conhecê-las?”. 176 Como viemos constatando, esse “je” faz parte de toda a construção que é a Recherche, sendo, portanto, um artifício do discurso literário, não um dado biográfico. Mais uma vez com Tadié: Le je permet alors de concilier dans l´oeuvre l´avenir et le passé, de vivre les événements comme futurs et présents, mais de les raconter comme passés. Le je du narrateur et le moi du héros ne coïncident qu´à un seul instant: au “dernier chapitre”, la matinée Guermantes du Temps retrouvé, lorsque le héros découvre son esthétique; mais parce que ce “chapitre” a été écrit en premier, en même temps que les premières pages de Combray. (1971, p. 32)347 Sendo o narrador um artifício literário, finalmente delineado pelo escritor e que durante muito tempo oscilou entre primeira e terceira pessoas, Proust poderia aproximá-lo de si quando julgasse oportuno. Todavia, devemos ter claro que todas essas aproximações também fazem parte desse processo engenhoso que é a composição da obra proustiana e das polêmicas possivelmente voluntárias suscitadas por essa ligação348. Por fim, com relação às notas vistas neste tópico, por que não pensarmos que, em vez de se tratar do “je” biográfico, do empréstimo da vida pela literatura, trata-se, na verdade, da obra invadindo a vida, apagando assim os traços do escritor que, neste momento percebe que “a verdadeira vida é a literatura”? 347 “O eu permite, então, conciliar na obra o futuro e o passado, viver os acontecimentos como futuros e presentes, mas contá-los como passados. O eu do narrador e o eu do herói coincidem em apenas um instante: no ‘último capítulo’, a matinée Guermantes do Tempo redescoberto, quando o herói descobre sua estética, mas também porque esse ‘capítulo’ foi escrito primeiro, ao mesmo tempo em que as páginas de Combray”. 348 É curioso o fato de que Proust, em inúmeras correspondências, a maioria delas datada de 1920, perpetua o diálogo a respeito dessas semelhanças entre narrador e autor, tão comentadas pelos críticos da época. Além disso, é sintomático o acréscimo do nome “Marcel” nos esboços da Prisioneira, posteriores à datação das correspondências, o que sugere, no mínimo, que Proust gostaria de alimentar essa polêmica. 177 Considerações finais Traiter vingt fois, avec des lumières diverses, le même thème, ayant la sensation de faire quelque chose de profond, subtil, de puissant, d´écrasant, d´original, de saisissant,comme les cinquantes cathédrale ou les quarante nénuphars de Monet. Em uma carta de 1908 a Louis d´Albufera (Corresp., t.VIII), Proust alega ter: um estudo sobre a nobreza, um romance parisiense, um ensaio sobre Sainte-Beuve e Flaubert, um ensaio sobre as mulheres, um ensaio sobre a pederastia, um estudo sobre os vitrais, um estudo sobre as pedras tombais e um estudo sobre o romance. A partir daí, compreendemos melhor porque a Recherche é sobremaneira híbrida e compósita, e o porquê do autor reconhecer que “c´est encore du roman que cela s´écarte le moins” (citado por GENETTE, 1987, p. 29)349. Toda essa miríade de estudos e ensaios será de uma forma ou de outra, incorporada ao romance proustiano, cujo projeto, por englobar gêneros tão distintos e por sua monumentalidade, só poderia ser comparado a uma catedral. Constatamos, ao longo da tese, que Proust não abandona seus estudos e escritos, mas os “recicla”, transpondo-os para seu romance, como vimos no caso da novela “La fin de la jalousie” de Les plaisirs et les jours, da qual Proust extrai grande parte da matéria literária para a construção da história de Albertine. Percebemos ainda que o projeto Sainte-Beuve foi reaproveitado na história de Albertine, notadamente na construção do La prisonnière, e transfigurado de uma “conversation avec maman” para uma conversa literária com a heroína. 349 “é ainda do romance que isto se distancia menos”. Carta a René Blum de 1913. 178 O espaço recluso do quarto de Contra Sainte-Beuve poderia explicar tanto o enclausuramento do herói da Recherche nesse romance, como a passagem da narrativa em grupo e dos espaços abertos – a experiência de Balbec e a freqüentação dos salões – para o huis-clos e o face a face com a amada. A estrutura de matinées criada no caderno 3 de Sainte-Beuve e modificada ao longo de muitos outros documentos foi inteiramente usada na construção do romance A prisioneira, formando, juntamente com o Côté de Swann uma arquitetura, ou se quisermos, uma unidade que viria a ser mais um traço marcante da Recherche. Embora a história da heroína proustiana não existisse na primeira fase do projeto romanesco, o plano ou o estudo sobre a homossexualidade desde cedo estiveram presentes. Assim, Albertine, longe de ser uma “excroissance”, um desvio da construção romanesca, não só retomou antigos projetos do escritor, como se coadunou com o resto da narrativa. Foi com a descoberta do leitmotiv Fortuny que Proust agenciou as inúmeras histórias, conectando, desta forma, sua heroína com o restante das personagens. Em termos de composição, foi por meio desse vestido que o escritor encontrou a unidade que faltava para integrar sua Albertine a todo o conjunto da Recherche, vinculando-a à pintura por intermédio do artista Elstir, à cidade de Balbec, a Paris e ao núcleo aristocrata – a toilette da duquesa de Guermantes e os conselhos do barão de Charlus com relação às vestimentas da jovem. O vestido engendrou ainda o desejo do protagonista pela viagem a Veneza, sempre presente na composição da Recherche, mas evocada inicialmente por questões mundanas e sensuais: a leitura do jornal no qual era anunciada a ida de Mme. Putbus e sua camareira à cidade italiana. Quanto à peripécia narrativa, a “robe de Fortuny” agudiza o tédio do protagonista, pois se suscita seu interesse pela viagem à cidade de Vittore Carpaccio, sua realização é bloqueada 179 pela presença da jovem moça. Esse vestido, cujos motivos são inspirados na pintura de Carpaccio no batistério de São Marcos – “car tout doit revenir, comme il est écrit aux voûtes de Saint-Marc, et comme le proclament, buvant aux urnes de marbre et de jaspe des chapiteaux byzantins, les oiseaux qui signifient à la fois la mort et la résurrection” (LP, p. 871)350 – anuncia a morte da heroína, bem como sua “ressurreição” produzida pela visão que o protagonista terá do sobretudo da jovem em um dos quadros da capela: Sur le dos d´un des compagnons de la Calza, reconnaissable aux broderies d ´or et de perles qui inscrivent sur leur manche ou leur collet l´emblème de la jouyeuse confrérie à laquelle ils s´étaient affiliés, je venais de reconnaître le manteau qu´Albertine avait pour venir avec moi en voiture découverte à Versailles. (AD, p. 226)351 Albertine estava, portanto, definitivamente atada à tessitura do texto proustiano, no qual passou a construir uma unidade. Entretanto, o leitmotiv Fortuny não é o único elemento na Recherche que estabelece conexões entre partes da narrativa. Constatamos, por meio da análise do episódio da “janela iluminada” que Proust urdiu mais uma unidade entre os personagens Swann e o herói, produzindo, com isso, outro motivo, o tema dos ciumentos. Ainda que as versões manuscritas não façam menção à utilização do texto do romance Côté de Swann na elaboração do episódio da janela de Albertine contido no La prisonnière, observamos que os dois momentos narrativos são manifestamente correspondentes. As imagens que caracterizam a janela de Odette retornam, ecoando fortemente na janela de Albertine, como uma frase musical. Verificamos também que essa imagem da “fenêtre éclairée” já havia sido elaborada no romance inacabado Jean Santeuil, no qual Proust busca fazer considerações acerca do amor a partir da discussão do texto De l´amour de Stendhal. Embora esse episódio tenha 350 “pois tudo tem que voltar, como está escrito nas abóbadas de São Marcos, e como o proclamam, bebendo nas urnas de mármore e de jaspe dos capitéis bizantinos, os pássaros, que significam ao mesmo tempo a morte e a ressurreição”. (Trad., p. 344) 351 “Sobre as costas de um dos companheiros da Calza, reconhecido pelos bordados de ouro e pérolas que inscrevem sobre sua manga ou gola o emblema da alegre confraria à qual tinham se filiado, acabava de reconhecer o sobretudo que Albertine usava para ir comigo a Versalhes em carro aberto”. Esse trecho não consta na tradução brasileira. 180 incontestavelmente servido de base para a elaboração de Swann, há grandes diferenças entre eles, notadamente com relação às imagens. Longe de ser um exercício poético, o episódio de Jean Santeuil sequer contém imagens relativas à janela, contrariamente aos episódios da Recherche que se concentram fundamentalmente nessa construção imagética, como notamos nas versões manuscritas, nas quais Proust abandona o termo “prisão”, altamente explícito, buscando com isso imagens que sugerissem o contexto de tédio e servidão do protagonista. Sob esse aspecto, o texto de Jean Santeuil estaria, de fato, voltado às questões teóricas e filosóficas, conquanto possua muitos episódios de cunho ficcional que seriam reaproveitados na Recherche, tais como: a “janela iluminada”, o episódio da visita vespertina e o das cartas, transpostos para a narrativa de Swann, as constantes visitas aos salões, os episódios de memória involuntária, o episódio da “bille d´agate” dada por Marie Kossichef nos Champs-Élysées utilizado para Gilberte etc. Mas, como constatamos, o ciúme de Jean se dá de maneira aleatória, sem nenhum vínculo com o resto da narrativa que, inclusive, é feita a partir de curtos fragmentos justapostos. O episódio não explica o nascimento dessa angústia, tampouco aprofunda os sofrimentos de Jean, ficando deste modo sem articulação com o resto do texto. Poderíamos, portanto pensar que entre Jean Santeuil e a Recherche há, no mínimo, duas diferenças expressivas que provavelmente foram determinantes para o fracasso do primeiro e a realização do segundo: o aprofundamento psicológico e a articulação. Com relação ao primeiro elemento, Guilherme Ignácio da Silva (2000) definiu com perspicácia o que foi a transição de Jean Santeuil para a Recherche: a passagem de cenas harmoniosas e idílicas para um narrador que aprofunda, problematiza as situações, buscando compreender as cenas que descreve movimento igualmente perceptível nos manuscritos 181 utilizados na elaboração da Recherche. Estudando o caderno 28, Guilherme Silva notou que “Os textos de ‘idílios de lembranças e imaginação’ só atravessariam as fronteiras (manuscritoobra publicada) se trouxessem problematizações” (p. 34). Na leitura que fizemos de alguns fólios do caderno 53, nos quais averiguamos a presença da mãe do herói, inteiramente condescendente com a relação não oficial entre seu filho e Albertine, atribuímos a essa presença um resquício do projeto Sainte-Beuve, no qual a mãe desempenhava um papel essencial para o desenvolvimento da conversa estética. Vimos que pouco a pouco a personagem materna, bastante biográfica no início da escrita proustiana, esfacela-se, dividindo sua importância com a avó e sendo, no romance La prisonnière, substituída por Albertine e Françoise, encarregada de levar o Figaro ao protagonista. Podemos, assim, repensar esse apagamento da presença da mãe na obra publicada como sendo mais uma estratégia de problematização e aprofundamento psicológico buscados por Proust. A ausência materna permite a associação de Albertine com a mãe do herói, recurso pouco provável se esta estivesse em cena. Guardadas as devidas diferenças entre essas personagens, Proust constituiu por esse recurso um traço de seu protagonista, colocando-o na estirpe dos sensíveis e doentios, algo que será destacado tanto com a mãe, em Combray, como com Albertine em Paris. O aprofundamento psicológico é, de fato, um dos componentes diferenciais entre Jean Santeuil e a Recherche e sua elaboração permitiu tanto as conexões entre os personagens, como a exposição de leis universais do amor a partir de casos particulares malogrados: Swann e Odette, Saint-Loup e Rachel, Charlus e Morel, Marcel e Albertine etc. Como vimos, esse caráter psicológico de sua obra foi destacado por Jacques Rivière em um artigo em que comparava Proust aos escritores clássicos como Racine. Essa comparação foi bem aceita pelo autor que, em uma carta, ratificou essa leitura: “J´ajoute au 182 post-scriptum à ma lettre pour vous remercier et vous assurer au sujet du côté ‘psychologique de mon oeuvre’” (Corresp., t. XIX, p. 348)352. A propósito do segundo elemento diferencial entre os textos de Jean Santeuil e a Recherche, a articulação, Proust constrói como observamos, uma série de motivos e episódios que percorrem a Recherche, fazendo verdadeiras conexões e fechamentos, traçando, com isso, a unidade desejada. Para ligar um texto tão heterogêneo como o da Recherche, seria necessário costurar suas partes não somente por meio de leitmotivs, mas de repetições imagéticas, lexicais e sintáticas. Rastreamos esse procedimento pela análise que fizemos da “janela iluminada” e pelo estudo do leitmotiv Fortuny, e embora tenhamos utilizado apenas dois exemplos dessa busca pela unidade e coesão, a Recherche transborda de ilustrações dessa natureza. Como por exemplos, em dois episódios do mesmo volume do Côté de chez Swann: “Un plaisir délicieux m´envahit, isolé, sans la notion de sa cause. Il m´avait aussitôt rendu les vicissitudes de la vie indifférentes, ses désatres inoffensifs, sa brièveté illusoire (...) J´avais cessé de me sentir médiocre, contingent, mortel” (CS, p. 44)353. O célebre episódio da madeleine vivenciado pelo narrador-herói, estabelece um paralelo com o da audição da Sonata de Vinteuil por Swann: Même cet amour pour une phrase musicale sembla un instant devoir amorcer chez Swann la possibilité d´une sorte de rajeunissement. Depuis si longtemps il avait renoncé à appliquer sa vie à un but idéal et la bornait à la poursuite de satisfactions quotidiennes, qu´il croyait (...) que cela ne changerait plus jusqu´à sa mort. (CS, p. 208)354 352 “Acrescento no post-scriptum a minha carta para agradecer-te e assegurar-te com relação ao lado ‘psicológico de minha obra’”. Carta escrita em 1920. 353 “Invadira-me um prazer, isolado, sem noção de sua causa. Esse praser logo me tornara indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos seus desastres, ilusória sua brevidade (...). Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal”. (Trad., p. 71) 354 “Também esse amor por uma frase musical pareceu um instante que devia trazer a Swann alguma possibilidade de renovação. Fazia tempo que desistira de dedicar sua visa a um fim ideal, limitando-a às satisfações cotidianas, que chegou a crer (...) que aquilo não mudaria até a morte”. (Trad., p. 263-4) 183 A madeleine e a sonata operam nos personagens uma desestabilização dessa realidade homogênea e sem interesse, fazendo-os despertar, pela memória, para um real impensado e misterioso. Esses paralelismos e por que não dizer, repetições, acontecem também entre volumes diferentes. As semelhanças imagéticas e lexicais entre o episódio em que o herói contempla no alto do hotel de Guermantes o bairro parisiense é transposta, de forma flagrante para a cena em que o protagonista, em Veneza, admira suas ruas: Ce n´est pas à Venise seulement qu´on a de ces points de vue sur plusieurs maisons à la fois qui ont tenté les peintres, mais à Paris tout aussi bien. Je ne dis pas Venise au hasard. C´est à ses quartiers pauvres que font penser certains quartiers pauvres de Paris, le matin, avec leurs hautes chéminées évasées auxquelles le soleil donne les roses plus vifs, les rouges les plus clairs ; c´est tout un jardin qui fleurit au-dessus des maisons, et qui fleurit en nuances si variées qu´on dirait, planté sur la ville, le jardin d´un amateur des tulipes de Delft ou de Haarlem. D´ailleurs l´extrême proximité des maisons aux fenêtres opposées sur une même cour y fait chaque croisée le cadre où une cuisinière rêvasse en regardant à terre, où plus loin une jeune fille se laisse peigner les cheveux par une vieille à figure, à peine distincte dans l ´ombre, de sorcière ; ainsi chaque cour fait pour le voisin de la maison, en supprimant le bruit par son intervalle, en laissant voir les gestes silencieux dans un rectangle placé sous verre par la clôture des fenêtres, une exposition de cent tableaux hollandais juxtaposés. (CG, p. 860)355 Proust constrói a imagem das chaminés alargadas que, sob a luz solar remetem às tulipas e aos jardins pintados nos quadros holandeses. A cidade de Veneza é evocada por conter elementos que a aproximam das cidades holandesas, como os canais, a estreiteza das ruas etc., colocando o terceiro elemento de comparação, Paris, que promove a mesma vista veneziana, evocando os quadros de Vermeer e de Pieter Hoogh. Contudo, esse episódio, ao 355 “Não é só em Veneza que se tem dessas perspectivas de várias casas ao mesmo tempo que tentaram os pintores, mas em Paris também. Não digo Veneza ao acaso. É em seus bairros pobres que fazem pensar os bairros pobres de Paris, pela manhã, com as suas altas chaminés dilatadas, às quais dá o sol os rosas mais vivos, os rubros mais claros; é todo um jardim que floresce acima das casas e que floresce em matizes tão variados que se diria, plantado sobre a cidade, o jardim de um amador de tulipas de Delft ou de Haarlem. Por outro lado, a extrema proximidade das casas de janelas opostas que dão para um mesmo pátio faz ali, de cada quadrado de janela, a moldura em que uma cozinheira cisma, olhando para o chão, em que, mais além, uma rapariga se deixa pentear por uma velha, com cara – mal distinta na penumbra – de feiticeira; assim, cada pátio constitui para o vizinho da casa, suprimindo o ruído pelo seu intervalo, deixando ver os gestos silenciosos num retângulo colocado atrás de vidro pela divisão das janelas, uma exposição de cem quadros holandeses justapostos”. (Trad., p. 622-3) 184 mencionar Veneza, prepara o leitor para o volume posterior da Recherche, Albertine disparue, no qual ocorrerá a visita à cidade italiana, feita pelo herói com sua mãe: Je m´étais engagé dans un réseau de petites ruelles, de calli. Le soir, avec leurs hautes chéminées évasées auxquelles le soleil donne les roses plus vifs, les rouges les plus clairs, c´est tout un jardin qui fleurit au-dessus des maisons, avec des nuances si variées qu´on eût dit, planté sur la ville, le jardin d´amateur des tulipes de Delft ou de Haarlem. Et d´ailleurs l´extrême proximité des maisons faisait de chaque croisée le cadre où rêvassait une cuisinière qui regardait par lui, d´une jeune fille qui, assise, se faisait peigner les cheveux par une vieille femme à figure, dévinée dans l´ombre, de sorcière, – faisait comme une exposition de cent tableaux hollandais juxtaposés, de chaque pauvre maison silencieuse et toute proche à cause de l ´extrême étroitesse de ces calli. (AD, p. 229)356 Excetuando-se algumas diferenças – Paris é vista de manhã, enquanto Veneza é percebida à noite, e obviamente, não há o terceiro elemento de comparação presente no episódio anterior, a cidade de Paris – há uma semelhança incontestável entre as duas cenas. Não é fácil elucubrar sobre a composição desses dois momentos narrativos, pois como Veneza sempre esteve presente no projeto da Recherche, o episódio veneziano pode ter sido escrito antes do parisiense, e deliberadamente colocado no volume anterior, Le côté de Guermantes, para estabelecer um paralelo entre os romances, constituindo, com isso, uma memória no leitor. Tampouco sabemos se Proust copiou o episódio do hotel de Guermantes no momento da elaboração da contemplação de Veneza por prever o possível inacabamento do romance Albertine disparue, mas o fato é que essa repetição, longe de ser um ato falho, foi uma escolha deliberada do autor. 356 “Metera-me em uma rede de pequenos becos, de calli. À noite, com as suas altas chaminés dilatadas, às quais dá o sol os rosas mais vivos, os rubros mais claros; é todo um jardim que floresce acima das casas que floresce em matizes tão variados que se diria plantado sobre a cidade, o jardim de um amador de tulipas de Delft ou de Haarlem. E por outro lado, a extrema proximidade das casas de janelas opostas que dão para um mesmo pátio faz ali, de cada quadrado de janela, a moldura em que uma cozinheira devaneava, de uma rapariga que, sentada, se deixava pentear por uma velha, com cara – entrevista na penumbra – de feiticeira, – fazia como uma exposição de cem quadros holandeses justapostos, de cada pobre casa silenciosa e muito próxima por causa da extrema estreiteza desses calli”. Apenas a primeira frase deste trecho foi traduzida na edição brasileira. (Trad., p. 211) 185 Seja como for, não há como negar que a Recherche seja uma “surnourriture” alimentada por sua própria matéria, e que Proust, por questões metodológicas de composição “plagie” seu próprio texto, revelando não propriamente um problema de criação e inventividade, mas uma dificuldade de renunciar às imagens construídas que lhe parecem apropriadas, como vimos no episódio da “janela iluminada”. Todos esses elementos articulam os romances, promovendo uma unidade narrativa, e embora muitos críticos ressalvem a correspondência existente entre o primeiro e o último volumes, tema discutido na introdução deste trabalho, há não somente um encerramento entre o incipit e o explicit da Recherche, mas muitos outros fechamentos intermediários. Essas cláusulas intermediárias entre os romances podem, portanto, ter sido um dos motivos das transformações do texto de Albertine disparue nos cadernos de mise au net, pois, seguindo a dinâmica própria da narrativa, Proust inseria, na vida de descobertas do protagonista, momentos de perguntas e respostas, de ilusões e revelações. A homossexualidade de Albertine não seria mais hipotética, mas comprovada com a mudança que o escritor faz nos últimos meses antes de falecer. A partir de todos esses exemplos, fica clara a busca por unidade em meio à profusão de textos fragmentados e dispersos nos cadernos e em meio aos textos de gêneros tão compósitos, como os comentários e apreciações estéticas, e os episódios ficcionais e altamente romanescos. Para atingir essa articulação que faltava em Jean Santeuil, Proust constrói um narrador em primeira pessoa que propiciará a costura de todos esses fragmentos. Acompanhamos, ao longo do quarto capítulo, como Proust chega a essa instância narrativa, muitas vezes confundida pela crítica. 186 Evidente que houve entrelaçamentos entre a composição literária de Proust e sua vida, como salientado pelo autor na introdução de Jean Santeuil – “Puis-je appeler ce livre un roman? C´est moins peut-être et bien plus, l´essence même de ma vie recueillie sans y rien mêler”, ou mesmo em uma correspondência em que confessa: “Il est vrai que par excès de fatigue, pour des détails purement matériels, je me dispense d´inventer pour mon héros et prends des traits vrais de moi (...)” (Corresp., t. XIX, p. 580)357. Mas foi a partir dessa construção do “je” empregado em Contre Sainte-Beuve que Proust encontra o ponto de articulação de seu livro, que muito longe de ser autobiográfico – o autor na passagem de Jean Santeuil para Contre Sainte-Beuve e deste último para a Recherche abandona os traços biográficos – revela antes uma invasão da literatura na vida do escritor. Percebemos essa inflexão na leitura que fizemos das notas dos cadernos 53 e 55, nas quais o “je”, misturando-se ao operador da escritura e ao narrador da Recherche, demonstra antes um apagamento do autor, Marcel Proust, do que sua presença na narrativa, visto que os manuscritos foram unicamente utilizados para a construção literária, havendo pouco ou nenhum traço de seu autor nesses documentos. Genette afirma que, quando Proust declara: “Maman viendrait près de mon lit et je lui raconterais un article que je veux faire sur Sainte-Beuve” (citado por GENETTE, 1987, p. 32)358, o uso dos verbos no condicional, empregados como uma espécie de brincadeira infantil, demonstram um caráter imaginário, pois “c´est bien Maman et moi qui sommes en scène, mais cette scène est imaginaire” (GENETTE, 1987, p. 32)359. 357 “É verdade que, por excesso de cansaço, para detalhes puramente materiais, eu me dispenso de inventar para meu herói e tomo traços verdadeiros de mim mesmo (...)”. Carta endereçada a Jacques Boulenger, em novembro de 1920. 358 “Mamãe viria perto de minha cama e eu lhe contaria um artigo que quero fazer sobre Sainte-Beuve”. 359 “é realmente Mamãe e eu que estamos em cena, mas essa cena é imaginária”. 187 Nos termos de Genette, a Recherche seria uma “autobiografia sonhada”, o que reforça nossa leitura, mostrando que em vez de ser uma transposição da vida de Proust, a Recherche é fruto de uma construção fictícia. Sobre a estratégia literária, basta lembrar que Proust sustenta que “Le ‘je’ est une pure formule, le phénomène de mémoire qui déclenche l´ouvrage est un moyen voulu” (Corresp., t. XIX, p. 630-1)360. Nas palavras de Roland Barthes, a Recherche: Issue du sommeil, l´oeuvre (la tierce forme) repose sur un principe provoquant: la désorganisation du Temps (de la chronologie). Or, c´est là un principe très moderne. Bachelard apelle rythme cette force qui vise à “débarasser l´âme des fausses permanences des durées mal faites”, et cette définition s´applique très bien à la Recherche, dont tout l´effort, somptueux, est de soustraire le temps remémoré à la fausse permanence de la biographie. (1984, p. 338)361 A invenção desse “je” que surge em meio ao sono, propicia a derrubada de uma falsa durée, da cronologia biográfica, permitindo a construção de outro “je” que, segundo Barthes, não é o “moi”, sujeito e objeto da autobiografia tradicional, mas um “je” da enunciação, um narrador que não lembra, tampouco se confessa. Como não conseguimos apreender em qual tempo esse narrador se encontra, está permitido o cruzamento das duas instâncias narrativas da Recherche, que no final, confirmamse ser a mesma: o narrador e o herói. É com esse entrelace que Proust alcança a costura dos comentários estéticos e filosóficos, próprios do narrador, com os episódios ficcionais das experiências vividas pelo protagonista. Outro fator relevante a sublinhar é a importância que Proust dá à invenção e à ficção. Referindo-se ao “espírito Guermantes”, cuja conversa emprestou de Madame Strauss e ao 360 “O ‘eu’ é uma mera fórmula, o fenômeno da memória que desencadeia a obra é um meio tencionado”. Carta a Régnier, vista no quarto capítulo. 361 “Saída do sono, a obra (a terceira forma) repousa sobre um princípio provocante: a desorganização do Tempo (da cronologia). Ora, isto é um princípio muito moderno. Bachelard chama de ritmo essa força que visa a ‘livrar a alma das falsas permanências das durações mal feitas’, e essa definição se aplica muito bem à Recherche, cujo esforço, suntuoso, é de subtrair o tempo rememorado da falsa permanência da biografia”. Os grifos são do autor. 188 episódio do convite que o protagonista recebe da duquesa pensando ser um trote – algo que realmente aconteceu, segundo Proust, com dois senhores. O escritor afirma em carta a Paul Souday: “Ce sont peut-être les deux seules fois dans toute mon oeuvre que je n´ai pas ‘inventé’ de toutes pièces” (Corresp., t. XIX, p. 575)362. Sem especular sobre a veracidade dessa afirmação, gostaríamos de frisar o estatuto de ficção que Proust concede a sua obra, diferentemente dos escritores realistas como Balzac ou Barbey d´Aurevilly, que não precisando, obviamente, consolidar o caráter não biográfico de suas obras, colocavam seus textos ficcionais em um patamar de realidade ao utilizarem as fórmulas: “All is true” ou “Really”363. Proust reafirma todo o tempo o aspecto ficcional e inventivo de seu livro, apontando não para suas “chaves” ou “modelos”, mas para seu processo escritural. Se como notamos, ele sempre produziu diferentes tipos de textos, misturando narrativa literária e demonstração estética, o que demanda uma intensa costura, este não foi o único fator para o inacabamento da Recherche. Para buscar a unidade pretendida, o escritor teve de se dedicar profundamente à composição de episódios propriamente romanescos, pois só assim, as idéias filosóficas e as exposições estéticas fariam sentido e ficariam devidamente articuladas. O trabalho realizado para dar unidade à obra só ocorria, curiosamente, pelo acúmulo de textos, o que de certo modo punha em xeque a construção da Recherche no que tange seu fechamento. A pergunta que nos fazemos é: por que a Recherche ficou inacabada se, como vimos na introdução deste trabalho, Proust declarava ter terminado seu livro antes de 1922? Lembremos que em 1920 o escritor afirma : “le mot fin a été inscrit au terme du dernier volume (non paru encore) avant que fussent écrits ceux qu´on vient de 362 “São talvez as duas únicas vezes em toda minha obra que eu não forjei”. A primeira fórmula foi usada como epígrafe do romance balzaquiano Le père Goriot, enquanto a segunda foi empregada por Barbey d´Aurevilly, na novela “Le rideau cramoisi”. 363 189 publier” (Corresp., t. XIX, p. 630-1)364. Entretanto, essa pretensa construção e conclusão da Recherche explicam-se apenas com relação ao episódio da madeleine e as considerações feitas a seu respeito no último livro. Segundo Bernard Brun: Ce n'est qu'en découpant la dactylographie de Swann (1911) que Proust en séparera les deux parties. Dans le Cahier 26, un souvenir involontaire de même nature, celui de la halte du train évoqué par le heurt d'une fourchette contre une assiette, apparaît au milieu d'un autre brouillon de Swann.Dès le Cahier II, cet épisode est coupé à son tour, mais entièrement et il sera déplacé dans Le temps retrouvé. (1979, p. 49)365 Proust as tinha construído juntas, pretendendo colocá-las em um único volume, todavia, decide separar a experiência privilegiada de sua interpretação, postergando a descoberta e construindo assim uma busca a ser perseguida pelo narrador-herói. Certo é que a monumentalidade do audacioso projeto de abarcar muitos gêneros desempenha um papel importante no inacabamento do livro, especialmente se levamos em consideração não somente o projeto romanesco, mas também sua execução, que era feita por fragmentos textuais, sucessivamente reelaborados. A leitura dos manuscritos forneceu-nos algumas pistas sobre o caráter processual de sua escrita que se fazia não em planos pré-concebidos, mas no ato de sua realização. Observamos, no quarto capítulo, como Proust muitas vezes ignorava o destino que daria aos seus textos, muitos possuindo um lugar “virtual” na narrativa. Embora possuísse uma construção e ainda que Proust buscasse essa unidade “vital” para sua obra, a Recherche se fazia artesanalmente, sendo, como afirmou Marine Garibal: Plus qu'un système théorique, c'est une fabrication, un compromis entre des forces contraires, l'histoire de brouillons successifs, sans cesse biffés et 364 “a palavra ‘fim’ foi escrita no final do último volume (ainda não publicado) antes que fossem escritos os que acabaram de publicar”. Carta a Henri de Régnier de 1920. 365 “É somente recortando a datilografia de Swann (1911) que Proust separará as duas partes. No caderno 26, uma lembrança involuntária de mesma natureza, a da parada do trem evocada pelo choque de um garfo contra um prato, aparece no meio de outro rascunho de Swann. Desde o caderno, esse episódio é cortado em seu turno, mas ele será inteiramente deslocado para o Tempo redescoberto”. 190 modifiés, sans cesse accrus et remaniés. Composer ne saurait, dans ces conditions, se réduire à l'observation d'un plan préconçu. (1992, p. 91)366 Como observado neste trabalho, o ideal da Recherche é clássico, pois se quer uma obra fechada e coesa, mas sua execução é moderna, a partir de fragmentos e cuja lógica e amarração ocorria somente na releitura e reescritura, na relação entre os cadernos e na montagem dos textos. Nas palavras de Rainer Warning: “Or, si Proust possédait cette capacité de structuration, et si néanmoins il n´est jamais parvenu à la fin de l´écriture, il faut en conclure à des tensions, à un conflit entre théorie poétique et pratique narrative, entre projet et réalisation scripturale” (1996, p. 16)367. Ainda que Proust reserve grande importância à imagem, à metáfora, elementos que definem muito bem a atividade literária e sustentam sua teoria estética, sua execução não ocorre pela fusão, mas por justaposição. Notamos na análise feita das versões manuscritas do episódio de “janela iluminada” que o escritor as constrói separadamente, para depois fundi-las em imagens elaboradas em muitas etapas de reescritura, o que se comprova, mais uma vez na margem de um fólio do caderno 71, no qual o escritor registra: “Je crois que pour fondre avec plus d´unité il faudrait mettre cela quand elle joue du pianola” (C.71, fos 96rº e 95vº)368. A busca por fusão e unidade entre os episódios poderia ser uma das razões para a escrita incessante e o conseqüente inacabamento da Recherche, pois Proust persegue na prática da escrita a teoria estética que seu narrador propala no livro. Talvez essa busca pelas metáforas e por um estilo que portasse sua visão artística fosse para Proust o maior dos desafios de sua escrita. 366 “Mais que um sistema teórico, é uma fabricação, um compromisso entre forças contrárias, a história dos rascunhos sucessivos, rasurados e modificados incessantemente, ininterruptamente aumentados e remanejados. Compor não seria, nestas condições, reduzir-se à observação de um plano pré-concebido”. 367 “Ora, se Proust possuía essa capacidade de estruturação, e se, no entanto, nunca chegou ao fim da escritura, deve-se atribuir a tensões, a um conflito entre teoria poética e prática narrativa, entre projeto e realização escritural”. 368 “Creio que para fundir com mais unidade, seria necessário colocar isto quando ela toca a pianola”. 191 Bibliografia a) De Marcel Proust PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu. Édition publié sous la direction de J-Y Tadié. Paris: Gallimard, 1987-1989. 4v. (Bibliothèque de la Pléiade). ______. Jean Santeuil. 3e édition. Paris: Gallimard, 1952. 3v. ______. Contre Sainte-Beuve. Précédé de Pastiches et mélanges et suivi de Essais et articles. Paris: Gallimard, 1971. (Bibliothèque de la Pléiade). ______. Les plaisirs et les jours. Paris: Gallimard, 1990. ______. Correspondance. Texte établie par Philip Kolb. Paris: Plon, 1970-1993. ______. Le carnet de 1908. 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A unidade da transcrição é o fólio, frente ou verso; a mudança de linha é respeitada e os acréscimos interlineares e as adições marginais são reproduzidos em seus respectivos lugares. As passagens rasuradas são reproduzidas sob tachado simples. Se uma passagem rasurada, uma ou demais palavras tiverem sido anteriormente rasuradas, elas figuram sob um traço de tachado duplo. A cruz de Santo André é reproduzida. Um caractere menor é utilizado no caso de modificações interlineares (supralineares e infralineares), bem como no caso de acréscimo de letra(s) numa palavra. As correções por sobreposição de palavras podem ser analisadas como uma rasura seguida de um acréscimo. Elas são transcritas da seguinte forma: a parte da palavra que foi objeto de sobreposição é tachada, seguida de um traço oblíquo e de um caractere menor referente à versão ulterior. Exemplos: Toutes/s imaginaire/ée dédain/gneux dans/es. As exceções são as seguintes: - quando a sobreposição toca uma palavra inacabada, não se dá a versão ulterior em caractere menor: Odet/Albertine. - quando somente a primeira letra de uma palavra é corrigida, essa palavra é inteiramente tachada, seguida da versão ulterior em caractere menor: les/des - um signo de pontuação é corrigido por sobreposição, é seguido, sem ser tachado, por um traço oblíquo e do novo signo de pontuação: ,/. 204 TRANSCRIPTION DU CAHIER 53 DE MARCEL PROUST 205 _Sodome et Gomorrhe (1-11) _La Prisonnière (12-58) LIII 206 1r.º Que j´espère aller retourner à Amsterdam, dans q.q. mois a, en m’[ ?] près d´ici, eh ! bien, regardez come c´est extraordinaire, c´est précisément la fille À ces mots propre fille de Vinteuil ‘’. A ces Alors, une image terri de a terri [enréser] Combray prononcés si loin de Balbec et de Montjouvain, si longtemps après la mort de Vinteuil image tenue vint me frapper au coeur, une image tenue en réserve pendant d´années que j aurais cru, qu´est-elle a ; même si j´avais pu deviner qu’elle avait un pouvoir nocif, j´aurais cru qu´à la longue elle avait entre [remet] perdre; tenue en réserve pour mon supplice, pour imaginer une nouvelle à mon visage une nouvelle et terrible pour mon chatiment peut’être, et peut´être pour mon bien, tenue en réserve pour après d´imaginer pour moi une vie terrible, méritée, et nouvelle, et peut´être aussi me les actes mauvais pour montrer faire éclater toutes les funestes conséquences que le met engendraient indéfiniment non pas seulement pour ceux qui l´ont commis, mais pour ceux qui n´ont fait que les contempler comme un spectacle [divertissant] et curieux ainsi que j´avais fait cet après midi-là à Montjouvain. Albertine descendait du wagon, je la retiens par le bras, j 207 2r.º Albertine descendait du wagon, je la retiens par le bras. « Il serait matériellement impossible que vous veniez [ ?] ce soir à Balbec ». « Matériellement impossible, non. Mais surtout de sommeil. Enfin, je viens, mais je ne comprends pas pouquoi je vous ferais donner une chambre dans l"hotel. » « Matériellement impossible non. Mais je tombe de sommeil. Enfin je viens mais je ne comprends pas pourquoi. à Amsterdan dans q.q. mois, en m’embarquant près d’ici Aller retouner eh ! bien regardez, <ilegível> 208 3r.º illuminait illuminait des paysages naturaux des le soleil illuminait des paysages naturaux lesquels la semble ont encore il n ont donné à mon imagination une joyeuse envie d’aller vivre pareil à un cerf de flame, bondit à [braises] [braises] couleur enfondrais d’un bond le rideau de [ ?] à travers lequel je le traversais sentais depuis un moment frémissant et n’attendant que l’instant d’entrer en scène le soleil et dont il effaça sous ses flots de lumière la purpure mistérieuse. Mes sanglots [ doublèrent] en pensant aux paysages matinaux qu’il allait illuminer et parmi lesquels la ville [ ?] il m’eut donné une plus jamais si joyeuse envie d’aller vivre, tandis que maintenant, il incapable à jamais de désirer un bonheur il ne se laissairait plus jamais en pour moi son lever n’éveillerait en moi un dans désir en mon coeur qui ne cherchait plus demandait plus la que la force de supporter ce souffrance, son lever n’éveillerait plus jamais un désir de bonheur. Co Ce que Cottard m’avait dit au casino de Pauville(vérifier les noms) ne faisait plus doute pour moi. Jolie comme était laconnaître Albertine Mlle Vinteuil n’avait pas se lier avec elle sans chercher à avoir avec elle les mêmes relations qu’elle avait à Montjouvain avec son autre amie. Et si Albertine n’y a preuve qu’Albertine y avait en le même désir et avait consenti c’est qu’elle ne s’étaient pas [ ?] mais qu’Albertine leur intimité n’avait cessé de grandir. Ma mère m’entendait-elle pleurer ? Elle entra et je fuis n’attendais si je [à] le voir qu’au premier instant je ne le reconnus pas. 1909 209 3v.º 210 4r.º 16 7 qu’alors parceque je sentais que je pourrais donner à ma femme beaucoup de luxe et de plaisir. Mais que je n’aurais pas osé la pourtant faire vivre auprès de moi si souffrant si ennuyeux ». « Mais vous êtes fou tout le monde voudrait vivre auprès de vous regardez comme on-vous recherche chez les Verdurin partout, comment on parle de vous. Elle n’a pas du être Vos [ ?] « Je me moque bien des Verdurin, je ne tiens qu"à ma petite Albertine, il n"y a qu"elle en me croyant beaucoup- dis-moi les pre- Les [choses] [ ?] en désordre autour de ses figures [semblées] et de ses yeux inquiets et de ses joues vieillis il le devina au me semble que c’était ma grand’mère qui entrait. Elle vit que je fais mon mouvement d’effroi car avant de me demander Gentille avec vouss comme elle avait du, pour vous donner cette impression. C’est une méchente. Ah ! si j’avais été à as place + pouquoi je n’étais pas couché : « Tu trouves que je mettre ce mot plutôt après le papier collé ressemble à maman tu [ ?] croyais voir autre que ta pauvre grand"mère. Me dit-elle Elle me le dit en souvenant en tant il lui était doux de penser qu"elle commençait à pre rappelait as mère. « Mais comment se fait-il que tu ne sois pas couché. Et tu as 211 4v.º Jamais je n’ai je n’avais vu commencer une journée aussi belle ni aussi douloureuse. Et mais Ma mère s’en s’affligeait de ne pas me voir l’air plus heureux ne s’opposait pas à ce quej’épouse Albertine s’é aurait voulu au moins que j’eusse l’air heureux. Elle ne savait pas maintenant que tous les jours, maintenant ce que comme celui-ci, ce demander de plus à la vie c’était de <ilegível> 212 5r.º me montre éprouve sans doute ressentait peut’être de chagrin, elle ne n’en montrait pas et Ces fut peut’être moins étonnée que je s’aurais [ce] de mon [revirement] Mon suite de 16 + à sa place. A l’à [ ?] où j’aimais Gilberte, je lui aurais dit : « Mais c"est vous que j"aime. Mais je me rapellais trop ce qu"il m"avait couté de [ ?] à ce mouvement avec Andrée. Et se continuait à meler de cette autre femme. Ce Albertine a-t-elle compris plus tard que cette autre 213 5v.º Tout le temps ; la mer, la lumière du [soleil] étendaient qu’un voile sur elle qu indifférent [morne] et très [ ?] comme 214 7v.º Pour mettre un peu plus loin quand notre vie avec Albertine à la maison commence. et qui Et cela d’ailleurs avait un certain charme, étant comme son amitié subite après qu’elle m s’était couché auprès de moi rappelant le côte St. André des Champs de Françoise et Théodore de race franque à la aussi (car la [ ?] [ ?] façon de « sympatique souvenir » m’avait adressé le soir au concert le jeune et Santois depuis si [ ?] peut’être à son avis si en voie de parvenir. Quand je dis à Albertine qu’habitait au rez de cha en face la Duchesse de Guermantes, elle exprima deux ce nom éveilla deux impressions différentes. Elevée pour une famille bougeoise à ne pas avoir l’air de se préoccuper des nobles qu’elle ne connaissait pas, elle prit un air distrait, froid, presque désagréable. Mais au bout d’un instant elle Des communes et la [ ?] sortait du moyen âge féodale m’avoua que’Elstir lui avait cité la Duchesse de Guermantes comme la femme de Paris qui s’habillait le mieux et elle m’interrogea beaucoup sur elle. 215 7 8, 9, 8.rº que j´ai cru que je me tuerais et c´est pour cela je vous ai demandé hier soir de venir si vous ne pourriez pas venir coucher à Balbec. Si j´avais du mourir, j´aurais aimé vous dire adieu ». Grâce à ce mensonge je´ au pouvais donner libre cours à mes larmes. « A mon pauvre petit, si j´avais si j´aurais pensé la nuit après de vous. Je ne vous quitte plus je vais rester tout le temps ici. » et Elle m´offrait justement- elle seule pouvait me l´offrir car elle seule le possedait- le seul contre calmant à contre à ma souffrance, et qui était d’ailleurs de même nature que cette moi [seul] souffrance puisqu’elle [ ?] : loin [d’où] venait Albertine. En ce moment Albertine, se -moi [seul] relâchant des souffrances qu’elle me causait, me laissait attendri comme un convalescent. Mais je pensais qu’elle endroit [ ?] elle prendrait le [ ?] au qu’elle irait à Amsterdan. La passion mystérieuse avec laquelle je pensais autrefois à le pays parce que c’était celui d’où venait Albertine, 216 10 bis 9.rº gaité des [ ?] en [ ?] [beauté] cela c’était La passion mystérieuse avec laquelle les habitudes d’[ ?] allaient renaître de son [ ?] pour la Noël, pour le 1e. janvier, dans des domaines dans des jeux. Ce Le dates qui [déjà] pour elle-même par un je pensais à ce pays autrefois à ces pays régions souvenir incoscient de la tristesse qu’elles pays auquel j’aimais tant [ ?] autrefois m’avaient [ ?] quand elles m’avaient parceque que c’était celui d’ont où venait séparé de Gilberte autrefois. Et après les Albertine, dont elle m’apportait le charme longs diners, quand tout le monde serait singulier dans son sourire pas fort qui un peu gai et [ ?], elle aurait avec ses celui de qui et que sa leur avait dont la singularité géographique eblui q la race qui les habitait, leurs monuments, leurs paysages, avaient pour mystérieux amies de là bas ces mêmes pensées [ ?] que je lui avais vu prendre avec Andrée, alors que cette amitié m’avait aucune importance et [ ?] [ ?] au contraire qui sait peut’être [celles] que je revoyais, moi quelquechose de [puissant] parceque sans la lumière de telles qu’il qui avaient je pouvais les considérer, comme dans un repproché devant moi Mlle. Vinteuil et atlas, comme dans un [ ?] de vues, dans le obscur sourire, dans les manières d’Albertine, ce son amie, à Montjouvain, quand du soir pays-là passion de [bisous], je les voyais se [promener] et mystérieuse je l’éprouvais encore mais s’enlacer sous la lumière de la lampe ! transposée dans interpretée ce domaine de Ah ! que faire pour qu’elle n’allat pas là l’homme. Oui, c’était de là qu’Albertine bas, même si je le demandais avec [ ?], il venait ! C’est là que dans chaque main on faudrait en [dis lui], elle irait d’[un bond] alle allait retrouver aussi la fille de M. de rejoindre sa tante. Comme j’ai chaque Vinteuil, et dans chaque maison des amis moment si bien des moments de notre vie, dont beaucoup sans doute avaient les [je m’interrogeais] tout l’avenir contre un mêmes goûts qu’elle les souvenir qui par lui-même peut sembler maintenant cette insignifiant. J’avais jadis 217 + [bien] est infinément plus stable. Les souvenirs peuvent durer puisque indéfiniment en nous sous cette forme nouvelle et réduite où d’ailleurs ils ne peuvent nous ne [?] plus d’eux d’autre souffrance que que, pour certes jours où nous ferons [?] [?] de nos [?] que’il est déjà trop lointain, que nous mourons déjà trop vieux qu’il est déjà trop lointain pour qu’il puisse nous faire souffrir encore. [ coeur] ; ils ne sont plus que d’ [morts] souvenirs visuels, sous où même en plus les dégré souscrire d’un nom, d’air [ ?] [ ?] de me [ ?]. [lancez] qui d’y [relachant]. Les Cette dernière forme les souvenirs ne diffère pas seulement des deux premières en ce qu’elle ne possède aucune [ ?] sur notre coeur, mais aussi en ce qu’elle se compose + 9v.º A un endroit de [défaut] de ce chapitre : En somme me dis-je égoïstement, c’était un bonheur qu’elle [fut] pauvre. Cela simplifierait beaucoup ma manière d’agir avec elle et me permettrait plus facilement de la rendre heureuse et docile. Capitalissime. A propos de l’oubli de ma grand’mère dont je parlerai là (la réalité c’est la mort d’Albertine qui m’a donné l’idée mais il sent [mieux] je [dois] le mettre pour ma grand’mère) : les êtres que nous aimons meurent. Mais En mourant ils nous [laissent] une certaine [provision] de souvenirs. Mais ceux-ci ne durent pas très longtemps au moins sous la forme où ils sont des [ ?] assez très vite rapidement [detectibles], au moins sous la forme où ils ont des propriétés sur notre sur notre coeur, de lui [comme] de la construction de l’angoisse, et même sous une 2e.forme, dans un second état où ils après la désagrégation du 1er. ils se refont ensuite et qui donne au contraire à notre coeur une [ ?] sensation de douceur. Après ce second état ils forment sont de nous ceux détails et forment alors un résidu complètement différent, extrêmement [ ?], qui n’ont plus donné d’aucune propriété • pouvait agir sur notre 218 Renoncé à tous les Avantages de la vie pour connaître Mlle. Blandain, parce qu’elle était une amie des Swann. Aujourd’hui pour qu’Albertine n’allat pas à Amsterdan, pour l’isoler je l’aurais isolée, j’aurais supporté toutes les souffrances, et si c’[eusse] été insuffisant, je lui en aurais infligée, je l’aurais isolée, enfermée si je lui aurais volé son argent si j’avais pensé que le [dénuement] peut l’empêcha de faire le voyage. Peut’être à 10 Paris [ ?] je demandais à Mme. De Guermantes d’agir [sur] Mlle. Vinteuil pour qu’elle ne resta pas à Amsterdan, accepter une [situation] quelconque à l’etranger, peut’être en Allemagne chez le Prince de (celui qui était chez Mme. De Villeparisis) mais plus Donnait tout ce qu’elle que d’agir je voulais [c’était]empêcher Albertine de prendre ce [but] l’emmener à Paris. Certes de Paris elle pourrait aller si elle voulait à Amsterdan. Mais peut’être peut’être à Paris 13 10 bis je pouvais demander à Mme. De Guermantes d’agir sur Mlle. Vinteuil, pour qu’elle ne resta pas à Amsterdan acceptait peut’être une situation quelconque à l’étranger peut’être en Allemagne chez le Prince de (celui qui était chez Mme. de Villeparisis) lequel, [prétendu] par la Duchesse empêcherait Albertine d’aller voir sa [serétenie]. Certes à Paris si Albertine avait ces goûts elle eut pour trouver bien d’autres personnes que Mlle. Vinteuil auprès de qui les [ ?] Mais ma jalousie chaque moment de jalousie est particulier ; Celui-ci avait été ce nom causé par la relation qu’Albertine connaissait Mlle. Vinteuil chaq et porte la marque de l’être qui l’a causée crée. Or celui-ci venait de Mlle.Vinteuil. Elle en restait la grande préoccupation.La passion mystérieuse avec laquelle j’avais autrefois pensé à la Hollande parce que c’était de ce pays que venait Albertine. (Mettre 2 ou 3 pages avant à 10e.) 9r.º 13 12 bis Pas plus que l’imagination la sensibilité ne dispose à la fois d’un grand nombre d’images. De même que c’était une église [persane], une tempête à l’aube qui m’[éveillait] jadis vers Balbec en ce qui me déchirait le coeur en en ce moment je pensais qu’Albertine était à qu’elle y Amsterdan c’était une de deux Revenait avec Mlle.Vinteuil cette chambre et cette [ ?]même plutôt des noms hollandais dont jeunes filles dont elle m’avait parlé <ilegível> 219 aurait dit qu’elles ne se trouvaient pas à ce moment là à Amsterdan, qu’elles ne pourrait pas voir Albertine, comme j’avais pleuré de [douceur] et de joie. Et pourtant je savais bien que cette localisation de ma jalousie était arbitraire, que si elle avait ces goûts elle pourrait les [assouvir] avec d’autres. Mes sentiments peut’D’ailleurs une peut’être même ces mêmes jeunes filles si elles avaient du de venir ailleurs venir à Balbec n’avaient pas autant torturé mon coeur. C’était d’Amsterdan, de ce monde inconnu où je sentais que se plaisait Albertine, où étaient ses souvenirs, ses amitiés, ses amours d’enfance, que [s’exalait] cette spèce d’atmosphère hostile, inexplicable, comme celle qui montait jadis de la salle à manger jusqu’à ma chambre de Combray, de la salle à manger où j’entendais rire avec les étrangers, en un lien de bruit des [ ?]Maman qui ne 10r.º rendait pas un [ ?] besoin comme celle celle qui avait sans doute [ ?] pour Swann, les maisons où [ ?] aller en soirée sans lui et où il s’imaginait elle devait goûter des joies qu’il n’imaginait pas. Ce pays n’était plus comme [ ?] une région délicieuse délicieux, où la race est passive, les canaux dorés, [cérisiers] [morts] , mais comme à une enfance que j Sodome que j’aurais voulu pouvoir faire [ ?] [ ?] [ ?] sur le champ et supprimer du monde réel que je pensais sans cese à Amsterdan. Cette ville était comme une pointe douloureuse et permanent dans mon coeur. Maman « Grand’mère si je vais demander à Albertine de venir passer quelque temps chez nous à Paris ». « Mais elle est si libre, on la laisse sortir seule elle ne [distrairait] ». Albertine accepta La vie réserve quelquefois des joies qu’un amour pas[satisfait] 220 10v.º q.q. point capital dans le cahier O soufflait par les [portes] mal jointes du viel appartement que nous habitions était [enlevée], comme par les oiseaux des bois les beaux jours de l’été, par les refrains inconsciemment, [éperdument], inextinguiblement chantés pour moi dans ce froid délicieux, de toutes les chansons de majot et de [Dragson, Pragson]. Le froid dont on se plaignait beaucoup venait seulement d’arriver et qu’on n’y était pas encore habitué, pour cette même raison exaltait ma joie en faisant renaître inconsciemment en moi les 1ers jours d’hiver oubliés Ces mois d’arrivée à Paris où j’allais entendre [Dragson/Pragson] et Majot. La belle saison en s’enfuyant avait emporté les oiseaux. Mais d’autres musiciens invisibles, intérieurs, les avaient remplacés. Car la brise glacée qui O qui me permettait de donner beaucoup de luxe à la femme Et si [c’est] dans ce chapitre je il dirai : pas jouait : mais je n’allais plus au café concert pour ne pas quitter Albertine + que j’épouserais, j’avais sur été sur le point de céder d’accepter le sacrifice de celle que j’aimais. [Guidé] par la si près du grand déjeuner que j’avais connu reconnaissance que m’inspirait la gentillesse d’Albertine, [péjoration] que celle-ci de même qu’on [ ?] me [ ?] en graçon de café qui nous [eusse] un sixième [pure] d’eau de vie, je lui dis que ma femme aurait une auto, un yacht, qu’à ce prit de [ ?] il était malheureux que celle que j’ puis qu’albertine aimait tant [fuire] dans l’auto et dans yachting il était malheureux qu’elle ne fut pas celle que j’aimais, que j’eusse été le mari idéal pour elle, mais qu’on [verrait], qu’on [pourrait] peut’être [arranger] malgré tout, comme dans l’ivresse ou [surtout] [l’ivresse] fini cependant [peu à peu] des coups d’interpellar les passants, je me retiens de l’imprudence que j’avais commis de [ ?] de Gilberte de lui dire que c’était elle voir page 16 dans une [ ?] peu avant. Mais ce 16 est-il [fini] de la même 221 habiter seul avec moi car ma mère devarit profiter ma mère doit partir avec mon père et d’un voyage d’inspection me laisser seul à Paris. C’est qu’allat faire mon père pour aller à Combray auprès ce qui me permet de lui d’une soeur de ma grand’mère proposer. Maman me dira : « Si sa tante ni voit pas d"incovénients, je veux bien mais je t"assure que je trouve cela drôle) ma tante Céline qui était malade et et avait désiré, je [veux] était en voyage oubli que [avoir]ma mère auprès d’elle. Ma mère voulait en profiter pour faire faire certains constructions. La brusque réaction de bonheur me jetat dans une exaltation où les paroles des toutes les paro rien n’existait plus pour moi qu’Albertine et la doceur du moment présent. Les à mes lèvres se [prononçait] les paroles qui pourraient [ ?] mon amie. Jes [ elevations] dis ces brusques changements de passion intérieure che font [ ?] les paroles à un dégré où l’on ne se sentait plus pas longtemps [ ?] et qui peuvent amener les jours suivants des déceptions dans l’être qui les écoute comme l’expression non d’[être] était [ ?] momentanée mais d’une vérité [ ?] objective et duelle. Je multipliais les paroles qui pourraient faire plaisir à Albertine je lui dis qu’ayant fait un gros héritage + 11r.º 15 Je damanda à albertine si elle ne voudrait pas venir habiter C’était en réalité + avec nous à Paris. « ah ! ce ne serait pas possible en ce moment. D"ailleurs quel besoin avez-vous d"y rentrer puisque cette dame est partie ». « parceque je serais plus calme dans un endroit où je l"ai connue plutôt à Balbec qu"elle n"a jamais vu et que j"ai pris en horreur ». « Ma tante ne voudrait pas que je parte en ce moment. D"ailleurs même si plus tard je peux, est-ce que cela n"aurait pas l"air drôle que je descende aussi chez vous. A Paris on saura bien que je ne suis pas votre cousine ». « Hé bien nous dirons que vous êtes sommes[à peu] fiancés. Qu"est-ce que cela vous faites puisque vous surez que cela n"est pas vrai ». Son cou qui était tout entier dans [puissant] sa chemise de [ ?] était gros bien, à gros grains, je l’embrassais aussi chastement que j’avais embrassé ma qu’ mère, ce soir de Combray, pour calmer ma peine dont alors aussi que celle-là aussi, je croyais alors ne pouvoir jamais arracher de mon coeur. Je dis à Albertine que que j’avis fait un gros héritage qui me permettait de donner beaucoup de luxe j’avais été sur le point d’accepter le sacrifice de cette femme et de plaisir à ma femme, j’avis été sur le point d’accepter le sacrifice de celle que j’aimais. 222 11v.º Je ne sais trop où je dis que le temps qui fait oublier m’avait seulement séparé d’Albertine et ne lui donnait qu’une beauté de plus (peut’être la beauté pas dans le même passage) mais m’[étais] en [ ?] que je peux encore la rejoindre et l’aimer. Je dirai avant « Sans doute je avais dit en Gilberte : si encore un peu de temps passe, je ne l"aimerais plus. Et cela s"était réalisé. Mais pour Albertine l"intervalle avait été moins long, j"avais encore pour la rejoindre et l"aimer. + dans le cahier net où tapis de mon à tapisserie de per mon père 223 12r.º 19 xxx xx La vie nous [réserve] accordé quelquefois ce qui nous semblait les plus insensé. Depuis le jour soir où ma mère était venue coucher dans ma chambre à Combray, quand il comme me semblait à la fois un moment où il me paressait si possible inévitable et mortel de passer la nuit sans avoir l’embrassée, ma mère était venue coucher dans ma chambre à Combray, jamais [commune] rentrée à Paris avec nous Albertine avait renoncé à l’ídée d’aller à Amsterdan. « Qu"est-ce que j"y ferais disait-elle, c"est froid, [brumeux], je suis bien mieux ici. Elle habitait avec nous, sa chambre était quelques pas couchait au bout du couloir à deux chambres de la mienne. de Combray maman où je ne pouvais me décider à passer la nuit sans l’ avoir mamam embrassée quand mon père apaisée l’empe par par miracle apaiséee il, elle vint coucher dans le grand lit à côté de moi il me faut remonter à ce soir où maman avait couché dans le petit lit à côté de moi si je grand +veux trouver une [pareil] exemple [comparatif] autre cirsconstance où la vie, cont fait [reprise] m’ait accordé, contre toute prévision, d’un malheur qui me semblait à la fois inévitable et mortel. A Combray elle m’avait accordé cette nuit mais elle ne me donnait pas cette fois la joie Jamais depuis le soir de ma mère, était venue coucher auprès de moi soudain apaisée par mon père, était venue ne m’avait coucher dans le grand lit à côté de moi, la vie ne m"avait ainsi accordé, co d au rebours de toutes les prévisions, accordé Je ne puis même pas parler du soir où le capitaine de Borodino avait permist à St Loup que je dormeisse au quartier (cette faveur qui ne guérissait qu"un malaise Non passager) ; Non ; il me faut remonter jusqu"au soir de Combray au moment quand je pense qu"Albertine vint habiter à paris avec nous, qu"elle renonce à l"idée d"aller à Amsterdan disait qu"elle se trouvait bien mieux à la elle maison que [en hord] de ces canaux si froids, que"sa eut sa vingt + chambre fit à quelques pas de la mienne, au bout du couloir, il me faut me rappe ler remonter au soir de que je ne voudrais rester Combray où maman soudain apaisée par mon père, vint coucher dans le grand lit à côté de moi, si je veux + 224 12v.º + pas de ne laisser épouser mais de laisser vivre sous notre toit une jeune fille qu’avait été l’amie de Mlle. Vinteuil, de Mlle. Vinteuil qu’elle n’avait pas voulu voir, tout en le plaignant, après la mort du vieux professeur de piano, du grand homme que nous ne savions pas [ce] qu’il était. Capital... Quand je dis que ma mère est obligée d’aller à Combray. Toutes les vertus cela faisaient surtout la noblesse de coeur, la franchise, la bonté, et certain naturel aff Le La sim simplicité d’Albertine, ses [vrais] [ ?] rougeurs qui plaisaient tant à ma Gd mère les feras si naturelles qu’elle avait du parler de moi avec des moqueries où [en] [sentiment] une amitié presque analogue à celle de ma famille, tout cela plaisait tant à maman que sa sympathie [ont] rejoint ce bom [fond] pour [dite] bien des défauts, bien des vices qu’elle n’avait pas compris, n’avait pas cherché à s’expliquer. Mais malgré tout sa [prudence] était [ ?] pour qu’elle fut [d’accord] Je ne dis même + + Ma mère en en était ennuyée qui trouvait un peu bizarre que cette jeune fille habitait seule avec moi était ennuyée Absence nécessaire de cette voyage à Combray. J’en étais au contraire heureux car si ma mère était restée j’aurais été obligé ce qui m’était infiniment contrarié d’être obligé de prévenir Albertine que je n’avais pas dit à ma mère, que ma mère ne devrait pas savoir qu’elle avait été liée avec Mlle. Vinteuil. Ma mère, plus encore depuis la mort de ma grand’mère, trouvait d’une naturellement de sa [profonde] [ ?], mais aussi parce que depuis la mort de ma gd mère (de ma gd mère admiratrice même de la vie de Georges Sand) elle avait donné quelquechose de plus libre à sa conception de la vertu et l’avait fit [constaté] surtout dans la noblesse de coeur, puis aussi parce que mon influence [ ?] l’avait rendu peu à peu indulgente pour des femmes qu’elle voyait gentilles pour moi, [bonnes], et dont la conduite était cependant de celles qui l’ont [ ?] à [Mont] avec une des ses amies bourgeoises de Paris ou de Combray, ma mère contre 225 20 21 13r.º la joie que j’avais connue à Combray. La présence auprès de moi d’Albertine + ne faisait que m’épargner une souffrance et dès que j’eusse senti qu’elle était séparée de ses amies et que mon existance sa séparation [d’avec] ses amies ne faisaient que m’épargner une souffrance, permettre à mon que coeur de réparer et permettre à mon coeur qui ne recevait plus de nouveaux coups de ramener peu à peu comme un la part une partie pensement sur le coeur qu’elle mon coeur blessée elle lui permettait peu à de refaire réparer peu à peu à mon coeur d’autant plus de se [fier] que je souffrais mon ma souffrance de ce soir là se guérissait peu à peu comme la mort [parait] l’où de la mort s’affaibli chez un malade qui au fur et à mesure qu’il s’éloigne de la crise qui a failli l’empoter de réparer les parties qui qu’avaient été blessées si b violemment déchirées les paroles d’Albertine qu’épargner à mon coeur lu renouvellement dans une sorte de repos, d’immobilité à la faveur de quoi il pouvait peu à peu réparer les parties qui ne avaient été si brusquement déchirées, le soir où j’avais appris qu’Albertine avait été La de vérité que j’avais eu découverte ce jour là, si en rapport avec toutes les [ressemblances] que mon instinct avait remarquées, de [nouveaux] maintenant ma raison, peut’être cherchant à obéir au mon [ ?] dans mon coeur, cherchait chaque jour à me faire apparaître cette vérité comme moins probable. Et Elle pendant l’amie de Mlle Vinteuil. Apaisé le soir par un baiser d’Albertine, doux comme celui tranquille sentant qu’elle de la sentir savoir dorma et par l’impossibilité d’elle était de voir [réussite], toute la nuit dormant d coucher dans dans la me dans une chambre le jour voisine, le lendemain jour Je restais souvent couché de + fois [entendais] + soit des chevaux, soit un automobile Albertine 226 pour qu’elle peut se 13v.º promener ou se distraire, et tachat [d’un] O pas le temps de se former si on a toujours le [ ?] de [remédier] à la peine comme la faim ne [metrait] jamais si on mangeait toujours + des mois des années, de dévorer un [ ?], une désillusion avec cette longue patience sous lequelle il n’y a D pas de génie. S ailleurs l’amour n’a O quand dans la marge je dis la seule réalité, la réalité spirituelle, il voudrait mieux dire donner la réalité spirituelle. Et j’ajouterais entre parenthèses. ( Autant dire la réalité sans plus, car il n’y a pas d’autre réalité que la réalité spirituelle. Quand j’attendais anxieusement le jour d’ après la soirée chez la Dusse de Guermantes j’attendais anxieusement Albertine qui ne m’avait oublié, je [ ?] existait pour moi parce et n’existait A un moment quelconque de ce chapitre, ou avant, ou pour autre chose (mais mieux pour cela) quand je parle de l’influence que peu [l’allerte] du mariage, les présents, le teléphone (elle me telephonera de ses promenades) j’ai vu Albertine pour calmer mes douleurs, je dirai (capital) qu je dis qu’alors je ne souffre pas. des réalisations naturelles qui ne réalisent une [où] avec l’autre pour rien, d’imaginer de c’est-à-dire la fois d’agrandir de rendre plus important, et de donner la seule réalité, la réalité spirituelle aux autres. Par là les avantages sociaux et les progrès de la [ ?] ne [ ?], dans [ ?] les aventures du romanesque et su génie et [ ?] developpera plus- il mieux chez ne’en moment une jeune fille d’un pays perdu laquelle n’a pas sous la main d’anesthesi qu’au jour plus souffrants qui m’oblige même + + Et peut’être à cause de cela les avantages sociaux, les relations, la richesse, même les je s avantages collectifs que donne les progrès de la [ ?] comme l’image du telegraphe et du teléphone qui abreg suppriment l’attente, qui permettent d’avoir une réponse de faire faire une proposition, d’avoir la réponse, avant la fin de la jounée sont-ils des lecteurs de poésie en etant [destructeurs] de souffrance de [ ?]- par conséquent destructeur de l’obligaton, au lieux de s’- [ ?] [ ?] à 227 23 14r.º 21 et Pas pour elle parce qu’elle existait dans ma pensée, non dans la sienne ; son absence me forçait à lui donner un substitut mental dont sa présence m’ont dispensé que sa présence n’eut pas plus égalée qu’une photographie même si on la regarde n’est un souvenir. Cette existance d’un on être selon quand pense, à lui on ne peut savoir tout à fait [abolie] pendant les heures de distraction où nous ne nous rappelons même plus que nous devons le [voir] peut servir de symbole au caractère forcément, exclusivement spirituel, de toute réalité). – Dans ce ces je continuerai (la parenthèse fermée) à la marge du verso en face : Par là les avantages sociaux. Ou bien je laisserai la parenthèse du verso telle qu’elle est et ce passage sur la réalité spirituelle je la mettrai par exemple dans le dernier chapitre de l’oeuvrage, dans les conditions de l’oeuvre [dont] ce qui serait peut’être mieux. arranger ce qu’Andrée vint la prendre pour qu’elle ne peut m’arra ngeat avoir l’idée de chercher des distractions mauvaises, tachat toujours + ce amie que quelque personne de à elle en qui j’avais confiance et grâce à de préférance Andrée vint la chercher le soir Sans doute je n’était plus fermé à certaines cet apaisement me permettait de goûter des g joies mais loin de les devoir à Albertine, je les goûtais surtout au pendant qu’elle n’était pas auprès de moi contraire dans la solitude, pendant que mon amie était pour qui je me faisait venir chaque jour soit des chevaux, soit en automobile était allée se promener avec quelque - depuis quand c’était possible Andrée- personne en qui j’avais confiance et à qui j’avais demandé de venir la chercher, de préférance Andrée La r Dès le matin, avant la tête encore tounée contre le mur et avant de quelle était d’avoir vu la couleur du jour avec de la raie du jour en haut audessus des pardessus des grands rideaux des que fenêtres, les premiers bruits de la rue je savais déjà quel le temps qu’ il faisait par les premiers bruits dans la rueme et + avait appris selon qu’ils m’arrivait était arrivés étouffés amortis et déviés par l’humidité où vibrait comme des flêches sur les trajectoires dans les sonorités l’espace sonore et vide d’un matin froid et pur- par le roulements du premier tranway selon que je l’eusse sorti que je sortais [m’enfondrer] dans la pluie- ou en partant pour l’azur. Et peut’être les bruits eux-mêmes 228 Capitalissime Quand je dis dans ce cahier ou dans le dernier que je ne me souvenais plus que rarement de ma grand’mère. Ces souvenirs étaient sans douceur. C’était celui de quelque chagrin que j’avais fait à ma gd mère dont elle avait dû pleurer et que j’avais oublié de pendant longtemps. Alors quand c’était dans tours de revenie les heures penibles de la s du matin comme ces rares gran chariots qui passent alors et ébranlent tout, mon coeur se mettait à trembler aussi fort qu’un verre qui n’est pas d’aplomb. En un instant mes anxiétés de Combray étaient revenues et rien n’aurait pu me faire du bien que d’avoir à côté de moi ma grand’mère. ce Puis en c souvenir si lourd et si violent s’éloignaient et peu à peu mon coeur reprend son équilibre et laissat ses [ ?] vibrations 14v.º L’après le petit bonhomme (qui en face au recto) on avait mis dans une des [ ?]. J’entendais les pas d’Albertine qui allait et venait dans le couloir et rentrait et sortait de sa chambre qui était à tout près de la mienne. Ni le [sang] ni le sexe et le crime est égal. Moi-même... Je suis à cette loi comme une autre soumise Et sans le prévenir, il faut pour lui parler Qu’il me cherche ou au moins qu’il me fasse appeler. on avait mis à la fin dans le cahier L’après le petit bonhomme. J’entendais les pas car d’Albertine qui dans le couloir, le bruit de sa jupe, toute sa ce qui était arrivé le soir à Balbec le soir où elle était venue coucher chambre était près de la mienne. Cela me paraissait à l’hotel, était maintenant étrange de penser que sa chambre était en effet chez moi cette et de une pour jeune fille que j’avais cru jamais pouvoir toute près de la mienne connaître était en effet dans mon appartement et que cette confusion d’être sous le même toit qu’elle que j’avais [connue] à Balbec. Cette est l’[éxistance] de contenu de sensuel que cela donnait. Cela était arrivé d’une f. Ce qui était arrivé en s Car je qui peut me rendre compte de tout l’emploi De temps d’Albertine car toujours s’y serais allé si je n’en avais pas en des [pensé] pouvant me r elle en [dépit] de moi, elle fut sortie seule, car l’image d’Odette d allant chez Forcheville pendant que Swann la croyait à la maison d’ou ou vingt ans plus tard se donnat à Bloch dans le train de Passy me revient toujours à l’imagination. Mais pour pouvoir rester couché comme le médécin me le conseillat tant en n’étant pas tourmenté par ces craintes qui m’eussent fit mal je devrais [ ?] assimiler Albertine à Odette, je m’arrangeais à ce qu’Albertine n’[ ?] la venais chercher par celle de ses amies, Andrée de préférance qui [ ?] avait fait en auto 229 Mais seulement quand je décida à interronpre ma solitude j’avais [sommeil]. Car on avait ordre quoique il arr à cause de mon état de santé on avait ordre de ne jamais entrer dans ma chambre quoique il arrivat sans que j’eusse appelé, ce qui me faisait toujours comparer par Albertine à [Assuérus]. Elle avait joué jouais Esther au couvent et aimait à dire me dire en riant : Est La mort est le prix de tout audacieux, qui sans être appelé se présente à ses yeux Rien ne s’est à l’abri de cet ordre fatal Mettre ici le petit bonhomme barométrique qui est dans le cahier brun Puis voir au verso Le médecin en ayant [ ?] de garder à peu près continuellement le lit je dis répondais à Albertine qu’elle serait pour une autre foi, et La [trouvasse] d’ Sortait jamais seule mais je [ ?] tout ce qu’elles O ailles quand elles allaient <ilegível> le chauffeur était à ma [dévotion]. Ainsi calmé je pouvais lui répondre 15r.º 22 odeur les odeurs ou pe mêmes avaient-ils été [dessinés] par quelque émanation peut’être une odeur plus rap rapide et plus penetrante, qui traversait mon et éblouissant sommeil même permettait mon être et la journée commençat en harmonie si immédiate traverse mon sommeil même mettait mon organisme en harmonie avec à la journée, y répandait une tristesse sous laquelle je pouvais conjecturer que viendrait au dehors s’[ ?] la neige, on y déclarait dé mettait en [ ?] tout des cris de joie de ceutiques mélodie chants en l’[ ?] du soleil que ceux-ci – finissaient par amener mon réveil, un réveil en musique, comme on quand je jamais (Esther q.q. part) dit au régiment. Françoise m’apporttait mon [ ?], je regardais dans le Figaro si ne s’y trouvait pas un article que j’avais écrit adresé à – seul travail ma seule oeuvre depuis page écrite depuis tant d’années – que j’avais envoyée à ce journal et qui n’y paraissait pas. Puis il faisait beau Albertine venait me demander si pour qui j’avais fit venir soit des chevaux, soit en automobile venait me demander si je voulais pas venir me promener avec elle. Tranquille, car m’étais que car Je m’arrangeais toujours à ce quelque amie à elle [ ?] toujours vint la chercher (quand je pouvais c’était Andrée) je lui disais que ce serait pour une autre fois. Capital Mettre ici ou plus tard, je lui avait acheté aussi un auto automobile et pensais si nous nous marions, lui donner pour pouvoir Et parce que je savais que c’était ce qu’elle [ ?]le plus beau L’avoir avec moi, un beau grand yacht qui nous ferait faire du mais pour tout cela, et pour les surpris, de toilettes ou d’objets que j’aimais à lui faire chaque jour, il fallait Présents de beaucoup d’argent. Ayant entendu [vanter] par Bloch des parler fortunes qu’on faisait en achetant à [terme] des titres [ ?] qui remontaient ensuite, je profitais de ce que les consolidés anglais avaient un peu laissé pour en acheter une quantité énorme, certain d’après ce que nous avait dit M. de Norpois qu’ils ne pourraient que remonter. Je les vendais à ce moment-là Il faudra quand Albertine me je demande à Albertine si cela ne l’ennuie pas d’aller aussi sans moi. Ah non j’aime toute la compagnie. Aujourd’hui je crois qu’Andrée veut que nous allions à St. [ ?] une fois je fus effrayé demander [Robson]. Je demandais à la place [Versailles] 230 15.vº Si el elle entre chez moi avant de sortir : Je [ ?] Sa joie av matinale avait la rougeur lisse de ces fleurs foncées qu’on appelle pétunias ( ?) et je ne pouvais me laisser d’y poser mes lèvres + Comment [ ?] que [ ?] cette parole prononcée entre tant d’autres un mensonge si cachat. Mais je lui conseillais plutôt pour ce jour-là telle promenade, telle distraction Note [ bene] Capitalissime <ilegível> que fois je dirai distractions, richesses, plaisirs, mettre q.q. chose de concret, souliers à brillants comme Mme de Guermantes, écharpe comme Mme. De Guermantes, [ ?] pou un auto, pour un yacht. Quand je ne suis plus trop capital plus loin chercher une bonne place elle jaloux. Puis que elle ne me trompait pas, quand ce surtout alors le elle semblat en somme vertueuse, le me font commencer à me paraître bien compliqué,bien grave mariage n’était plus nécessaire, le yacht à peine [utile], [audessus] de moyens, ruineux. 231 16r.º Elle me disait »je ne connais pas les [Baltes Chammort]. Andrée prétend que c’est joli. Il faudra que j’y aille [promener] une fois ». Comment aurais-je eu du mal à ce qu’elle allat aux [Baltes Chammort] + Je lui conseillais sous telle promenade que [fut] le temps la sorte de journée qu’il faisait, me qui à laquelle le temps la sorte particulière de journée qu’il faisait me semblait convenir. Elle me disait que puisque j’aimais tel « Puisque cela a l"air de vous plaire tant, faites un petit effort, venez avec nous ». Mais je les laissais partir. Seules, car je savais bien que seul dans mon lit, les désirs En effet le médecin <ilegível> que ce jour-là je resterais couché. Elle me disait mais il fait beau. Je le savais bien disait la belle q comme il serait par ce beau temps celle que je comprend agréable de faire une longue promenade, par ce beau temps. Mais je la laissais partir sans moi, car le désir Seuldans mon lit même de ce tous les plaisirs de cette promenade je les dans mon lit depuis goûtais[reveillés] par-là le désir à l’appetit que la journée [jour] au commençant en avait éveillé en moi. Je savais que seul [rappelait un jour] dans mon lit le désir de cette promenade m’en ferait goûter tous les plaisirs. Il n’y eut pas suffi s’il ne dans Resté n’vait été Elle. Seul dans mon lit, je ne prenais pas moins ma part des plaisirs de la journée commun tout autre jour [communicante] ; Le désir d pure le désir purement s’ arbitraire, le capri une la velleité capricieuse et purement individuelle de les goûter n’aurait pas suffi à me les mettre à ma portée si le temps particulier qu’il faisait ne me les bien images posées av m’en avait affir plus plus qu’évoqué les souvenirs affirmé la pa réalité actuelle présen réalité actuelle, accessible immédiatement accessible à tous les hommes qu’une circonstance contingente et par conséquent négligeable ; ne forçait pas à rester couchés. Certains beaux jours il faisait pourtant si froid, l’air était si [cris] large qu’il semblait qu’on [ait écarté] on était en si libre communication avec la rue, qu’il semblait qu’on ait écarté les jointures de la [ ?] disjoint les murs si 232 16v.º elle aurait voulu surtout me parler de la question du mariage mais n’osait pas dans ces lettres, mais se rattrapait à me parler de Combray. Comme depuis la mort de ma grand’mère elle relisait sans cesse avait toujuors avec elle les volumes de Mme de Sévigné avec des reliques maintenant les, un des volumes de Mme Sévigné qui ne quittaient pas ma gd mère c’est à travers Mme de Sévigné qu’elle me montrait Combray ce qui me faisait un effet singulier. Elle me disait Vers dix heures venait la lettre de Maman car elle m’écrivait tous les jours comme elle faisait d’ailleurs autrefois mais comme elle ait moins manqué de le faire maintenant car c’était [imiter] sa m ma grand sa mère qui Et il n’y avait pas de joie qu’elle ne me cite [avec] à propos Mme de Sévigné Comment ai-je pu appeler ma grand as mère. Ce jour je lui écris lui écrivait tous les jours. Mon Dieu un jour je lui dis si sa mère la reconnaîtrait dans cette exactitude. Elle me répondit : « Je Je te dirai comme Mme de Sévigné mais une fois je fis pire ; j"écris cela à maman même [ ?] : « ta mère te reconnaîtrait dans la façon dont tu cites Mme. de Sévigné ». Ma mère me répondit tristement : « Mon si c’était pauvre fils tu invoques Sévigne bien mal à propos pour me parler parler de ma mère » tu invoques Mme. de Sévigné bien mal à propos. Comme elle a tout dit c"est Je te ferai la même réponse qu’elle fit elle que je charge de te répondrai dit ce qu"elle répondrai ( car elle a tout dit) à Mme de Elle pourrait répondre comme elle fit à Mme de Grignar : « Elle ne vous était donc rien, je vous croyais parents ». représentation des plaisirs que je pourrais avoir, je [rougeais] sans impatience sans l’espérance du plaisir [promis]. J’en remettais indéfiniment la réalisation. De sorte que comme si elle avait été la [comme] pour [ ?] la loi même de ma vie, la procastination suit toujours [ ?] moi plus loin dans l’avenir plaisir aussi [ ?] <ilegível> travail 233 Capitalissime N.B Quand là, ou bien à Balbec je parle des femmes [échantillons] que je promets de voir et avec lesquelles je vis tranquille (je pourrai l’avoir dit à Balbec et le redire ici, d’ailleurs il faudra reconsulter pour des bonnes formes ces [plusieurs] cahiers vert ou [toile] ou ce genre là je dirai :( et ceci en tous cas ajouter une varian+C’était un temps que je ma nouvelle et connaissais intéressante) : g Généralement ceux qui permet l’habitude de remettre de jour en jour dessin de travailler n’en saisissait que plus fréquement les occasions de plaisir. Il n’en était de pas de même pour moi. Je Une fois décidé que je ferais la connaissance de telle fille que bien que le « [aluno disce orunes] » ne s’applique guère à elles j’avais décidé être 17r.º 24 la maison et le quand le tranway passait, son timbre réssonait aussi auprès de moi frappait j auprès de moi, comme, comme eut fit un couteau d’argent semblait frappant une maison de verre ; le ciel lumineux Le le soleil brillant donnait un de désir des fleurs, mais des seules qui brillent encore dans la rigoureuse saison, fleurs vermillonnées ou bleues comme celles qui émaillaient à Combray, au fond de l’abside, le grand pesantier de verre du temps de St Louis, et comme j’avais conseillé à Albertine d’en aller voir de semblables à la Ste. Chapelle, fleurs vermillonnées ou bleues, qui ont av elles aussi ont besoin de soleil, mais, non de chaleur, mais de soleil pour s’épanouir, l’absorbant pour mieux s’épanouir, et cependant l’absorber tout entier car il en coule en leurs pieds de grandes mares rêveuses sur les dalles, de grandes mares rêveuses qui changent lentement de place. X Françoise venait allumer le feu et parfois pour le faire prendre venait y jetait quelques brindilles dont l’odeur inaccoutumée et reconnue me rappe suscitait autour de la dans lequel me cheminée un cercle magique dans lequ où je voyais tantôt à Combray, tantôt, la chambre de Don lisait tantôt à Doncières avant d’aller en rentrant de promenade dîner me lever on avait d’aller dîner avec St Loup, tantôt à Combray, avant d’aller marcher du côté de Méséglise, et l’air intercalait dans ma chambre de Paris des véritables plains où je de belles incrustation de ma vie d’autrefois, et même renda me réjoissais comme 234 17v.º similitude des journées avec des plus anciens Cestte évocations où où ne passent seulement debvant ses qui ne nous montrait pas seulement vus alors yeux l’apparence des choses, mais où on soulève de en s au fond fond de nous même dégagent comme le [salpteur] de bloc chaotique, l’homme oublié que nous fummes quand nous vivions, et qui ainsi jour par jour nous appelle à une autre vie, nous fait pénetrer dans une une autre profondeur des choses, était celle qui convenait [ ?] à ce que je’avais de plus profond en moi, qui me donnait les joies d’une mémoire profonde, intéressant à son mon souvenir les couches les plus souterraines de moi-même, les soulevent [ ?] à la plus gdr profondeur. C’était le trait particulier de ma nature, ces joies que j’éprouvais dans les promenades avec Mlle de Villeparisis quand je croyais reconnaître trois autres. Mais même pour ceux qui ne sont pas ainsi faits, quand on a assez déjà un peu vécu, chaque b [ ?] de pluie, chaque bouffée de chaleur, chaqué bouée de br odeur de brume, déroule au de sa main invisible déroule devant nous un petit tableau, paysage sous [ ?] le’espérance d’être guéri chaque le lendemain les empêchait de n’être qu’un [ ?] soucrire mais en faisait une réalité à laquelle j’épérais [ ?] mieux que nous avons vu par un le bleu, au soleil, par un temps de brume n’est-ce pas assez pour qu’il doit doux de vivre les yeux fermés, surtout quand comme pour moi, la maladie de chaque jour arrivait en moi le prire de ces tableaux que je ne pouvais [ ?] et pourtant Suivre en face. Ainsi je n’étais pas allé faire avec [ ?] 235 18r.º 25 si j’allais sortir du lit pour aller dîner avec St Loup ma retrouver prom dîner avec St Loup et ses amis où dî me promener du côté de Méséglise. Ainsi en j’avais refusé d’aller g prendre Ainsi je n’étais pas allé faire avec Albertine sa longue en promenade ; mais mon esprit se’promenait davantage. [ ?] avec mes ses J’avais refusé Pour avoir refusé de jouir de cette matinée, Pleinement, avec mon imagination passées je jouissais de toutes les matinées pareilles ou plutôt d’une pareilles matinée passée ou possibles, ou plutôt d’une matinée comblait mon esprit de sa plénitude et Je l’avais vite reconnue ; l’air vif avait de lui-même tourné la page où se trouvait l’Évangile du Jour et qu où je pourrais le suivre de mon lit comme faisait autrefois ma tante [ ?] unique, éternelle, dont j’avais reconnu les signes toujours apparition intermittente elles n’étaient que l’ identiques. Et qui emplissait Elle comblait mon esprit de sa. Sa plénitude combl Elle comblait sa pl mon esprit de sa plénitude et lui communiquait une allégresse que mon débilité état de maladie ne diminuait pas. Notre bien être résulte en effet bien moins de notre bonne santé, de nos forces, que de l’excédent de forces que nous n’employons pas, et qui reste le même si nous que nous ne transformons pas en activité. Le convalescent qui a faim comme un homme bien pourtant jouit de tous les miets qu’on lui refuse a travers la encore ma force. A travers [le clous] ou [ ?], de Convalescent qui effemé qui jouit de tous les miets qu’on lui refuse encore, à travers la + transparente de mon corps un rayon de soleil, me chauffait, en [ ?] comme un de verre une cloche de un verre ; un Ce Celle que dont je débordais j dont je débordais et qui je restais immobile dans ma 236 18v.º Mettre (capitalissime je me à l’endroit où cela pourra se bien placer dans notre vie ; q.d avant la soirée Verdurin). Capit Souvant Je cherchais toutes les manières de faire plaisir ; l’une était de lui donner de jolies choses pour sa toilette. Souvant elle m’a Pourtant quelquefois pendant qu’elle était sortie je me levais et j’allais un instant faire une visite à la Duchesse entre de Guermantes. C’est que dans toutes les manières de faire plaisir à Albertine – et je tâchais qu’il n’y eut pas de jour pour moi où je ne lui eusse un plaisir la joie d’un plaisir à lui faire – une des plus certaines était de lui donner de jolies choses pour sa toilette. Souvant elle m’avait parlé de quelque ravissante brimborion ravissant écharpé, ombrellé, sac à main ( ?), étole, elle avait me à madame de Guermantes. par de la fenêtre on en passait dans la cour, de ses yeux qui distinguait si vite tout ce qui se et longuement aiguisé. Choisi pour Albertine qui l’avait aperçue comme voilée, pour moi qui cherchais à me faire expliquer longuements par Mme de Guermantes en qui sa particularité consistait, comment il me fallait m’y prendre et où il fallait aller pour la commander, cette toque <ilegível> 237 33 19r.º celle dont je débordais et que je tenais immobile dans mon lit, lit, tr me faisait tressanter intérieurment bondir, et chanter, comme une machine sous pression qu’on arrête. Alors, convalescent affamé qui jouit de tous les miets me demandais si en trop lourd pour moi de me consacrer à un autre être, qu’en vivant absent de moimême par cette présence continuelle et en me suivant à jamais dans qu’on lui refuse encore je sentais que si j’ épousais j’échouerais ma vie si je tant en assumant une la tâche fuites Albertine je me privérais la fois à jamais des joies de la solitude. et de ceux plus réels et encore inconnus Et pas de ceux-là seulement. Même en me demandant à la journée que des désirs, encore en est-il ceux qui provoquent les personnes dont le caractère est d’être individuel, de ne s’adresser qu’à un être, comme si aucun autre ne pouvait les satisfaire et par conséquent qu’on fasse, si on y des substitue dans sa pensée un désirs différents si on leur un cet donne auxquels on donne pour objet un abstrait et, contradictoire et inexistant, la Beauté. Aussi si je je’allais écarter sortait de mon lit, j’allais écarter un instant le rideau de ma fenêtre ce n’était pas seulement comme un musicien qui a composé de tête et écouté dans sa pensée s’assied un ins et les notes qu’il écrivait, moment un instant au piano pour écouter écouter les notes qu’il a écrites dans sa tête voir s’il est toujours bien à l’[unisson] avec son instrument et vérifier la sonorité des notes qu’il a écrites -, pour et sur les pavés vérifier si la lumière du soleil dans la rue et sur le balcon était bien en [diapason] exact de celle qui baignait mon imagination, c’était pour apercevoir dans la rue quelque frère jume blanchesse portat ses 238 19v.º rapportait à l’élégance me à madame de Guermantes. Je ne répondais rien [ ?] au premier porté par jour mais j’allais voir la Duchesse pour tâcher de me faire expliquer ce que c’était où je cela avait été fait. Comment je devrais le faire faire. En quoi consistait le secret de bleiseur, le charme de sa manière ou la beauté de son étoffe car surtout je ne voulais pas donner à Albertine dont le goût toilette Les femmes riches avec un bien de la multitude de leurs robes si jolies qu’elles jouent sont toilettes Si difficile avait encore été raffiné par Elstir de simples à peu près de jolies que [ ?] qu’elle et les jolies choses comme les visiteurs errants dans un musée, éblouis, fatigués, précédé de nul désir, dans un Suivre sur la feuille collée au dos : Ces visites à Madame de Guermantes seulement musée donne bien vite une [ ?] de’éblouissement, de fatigue et d’ennui. Mais une jeune fille pauvre et le jeune homme qui veut lui faire plaisir ressemblent à les étudiants qui ayant la [force] livres sur un certain peintre, était d’après une reproduction, un tableau [ ?], devenus amoureux de son art, se désesperent que leurs moyens ne leur permettent pas d’aller dans la ville où on pourrait voir ses oeuvres. Chacunes de ces oeuvres là ils savent par des ouvrag livres d’art, par des photographies, comment elles sont faites, ils en désirent les moindres détails et enfin ils peuvent les voir elles viennent mon leur donner tout au contraire de la fatigue infligé au valeur [ignorant] du musée, la satisfaction délicieuse d’une [ ?] préalable + Tandis qu’ D’Albertine, elle, je n’avais plus rien à apprendre. Chaque jour elle était moins jolie, elle grossissait, et souvant elle était de mauvaise humeur, du moins à ce que me disait Françoise qui à vrai dire ne l’aimait pas et que ce service supplémentaire gênait 239 Mais si le [ ?] de vie que me laissait une telle vie me laissait laissait plus heureux en me faisant paraître la rue comblée beautés plus pleine de trésors que rêve le’imagination ne peut imaginer parce qu’ils sont individuels la vie plus digne d’être vécue, j’avais soif de guérir, de sortir, d’être et non pas avec Albertine, d’être libre, et parfois au moment où j la femme inconnue passait dans la rue, pi tantôt à pied, tantôt de toute vitesse de son automobile, je souffrais de ne pas poursuivre [ ?] elle comme une flêche tirée de l’[ ?] de ma fenêtre par une arquebesse et immobilisé la fuite du visage où m’attendait la possibilité des [ ?] que je ne goûterais pas. + 35 20r.º 28 quelque [ ?] aux [ ?] de toile blanche [paquets] quelque fière jeune fille aux cheveux roux, au nez droit suivant son institutrice, et image que des différences de lignes, peut’être [ ?] insignifiants, suffisaient à faire profondément différents de touts les arts et sans la vision unique de laquelle j’aurais appauvri la journée dans plus unique particulier de tous les [bruits] qu’elle pouvait proposer à mês espérances de bonheur. Et puis parfois sous la fin de la ma Et puis parfois l sous la fin de la matinée l’air froid s’adoucissait ; le ve timbre du tranway qui et il y a une [ ?] perçait co de son fifre l’air transparent et bleu comme avec une vrille, y chantait comme un violon, et au milieu Tout l’après-midi ma pensée suivait vaguement Albertine dans sa promenade, découvrait un horizon lointain, bleuâtre, autour engendrait autour du centre Alors je voulais partir dès que je serais guéri partir pour Venise, et comment le faire si A j’épousais Albertine, si jaloux d’elle, je m’estraignais à nejamais sortir dès que je me lever pourrais sortir ce serait pour sortir avec elle. Ah ! 240 O lisais, la phrase de Franck ou de Vinteuil que je jouais l’amour pareil comme si l’art avait développé en cela au bonheur peu mon imagination de pendant chaque fois penser mon amour et comme que je la cherchais plus si on ne peut [vrai] se retrouvait dans que je ne le cherchais plus, et comme si l’imagination lui était nécessaire de [proposer] se dès qu’un objet imaginaire lui faisait sortir du [refaire] où il se trouve, l’imagination. + avait autrefois inspirés Albertine quand je ne la connaissais pas encore et qui j’ é qu’avait fait rentrer renforcés le train train de la vie de tous les jours. Mêlées Gardat ce charme ambigu d’être seulement l’une des jeunes filles au bord de la mer elle mais autrefois plus aimée, elle que je trouvais laide quand je la regardais, quand elle était massaude, j’étais fou d’elle quand c’était elle la phrase sur l’amour de Sthendal ou de Bergotte que Shakespeare ou de Bergotte que je O 20v.º + + + + que l’art remettait entre elle et moi ces distances de l’imagination qui me l’avait fait aimer à Balbec quand je ne la connaissais pas et Mêler cela avec ce qui est ci dessous 31 bis Quelquefois en l’attendant pour que le temps me semblait feuilletais un album du Tableau d’Elstir moins long, je prenais un livre de Bergotte je jouais quelquech quelque phrase mélancolique de Vinteuil. Alors Alors ma ma tendresse bien différente de l’ennui que j’avais souvent cette Albertine les rêves ce grand rêve qui avait dans cet auprès d’Albertine, du sentiment médiocre qui m’arrivait quand je acte que l’on fait pendant qu’on lit pendant qu’on écoute pensais à elle, soudain en lisant Bergotte, en jouant Vinteuil, une de la musique, pour [dire] dont remplir de pensée leur [ ?ceuse] tendresse pour Albertine m’envahissait.[Autrefois] forme que nous offre l’artiste Mais les formes verbales ou on avait dit que c’était cette [appatie] et qui se traînait à [terre]les musicales, ou picturelles, sont de la pensée, nous savons médiocrités de la vie réelle, quand je jouais lisais Bergotte quand je jouait que ce que nous regardons ou écoutons, il [fut] fait le pend pendant penser si nous voulons le connaître. Alors, dans cet acte on la qui [ ?] ou ou l’audition qui d’ d’une on pour lequel nous dirigeons des pensées vers une oeuvre d’art, vers une oe vers une oeuvre d’art de la contemplation d’oeuvres que nous, pendant au cours de nous le savons bien nos cet acte que nous de’oeuvres qui même si elles s’adressent aux yeux ou aux oreilles mais à la pensée, au cour ne se voient pas seulement avec les yeux et ne s’écoutent pas seulement les oreilles, pendant au cours de cet acte où nous dirigeons pendant au cours ce cet acte où nous réveillat notre pensée nous lui demandons à notre pensée de collaborer étroitement avec nos yeux ou nos oreilles, pour prendre connaissance d’une oeuvre qui n’est pas seulement semble seulement visible et audible mais qui est en réalité intellectuelle ce que je adapter faisais sortir de moi, pour aller l’[amir] à la phrase du poète l’écrivain ou du musicien, c’était ces rêves que m’ + 241 29 où je ne savais ce qu’elle pouvait Vinteuil me [ ?] tendresse soulevait pour Albertine me’[adressait]. enlevait Etait-ce parce que l’art développait en moi une force de sentiment dont je ne disposais pas d’habitude. Etait-ce que aurait je n’étais pas peu [dressé] quand je pensais à Albertine à me figurer que j’aurais, que j’étais aimé, que’elle grâce à elle je connais un sentiment général de l’humanité l’amour, de sorte que tout ce + que j’avais entrevu déjà quelquefois, et particulier par exemple dans la nuit de Balbec où un instant j’avais fautes pu ne considérer les aventures passées d’Albertine que chapitre comme un récit qu’on a dans un roman, et qui est sans influence sur notre vie réelle ceci va avec le recto les reste de la marge avec ce verso ce qui me parlait d’amour me parlait d’elle. Etait-ce que le désir ne se trouva comme le bonheur ne se trouve pas quand on le cherche. et arrive quand il est recontré quand on ne s’y attendais pas. Etait-ce que + + + + 21r.º Certes tout l’après midi je suivais ma pensée la suivais dans sa promenade, décrivant un horizon lointain, bleuâtre, engendrait autour du centre que j’étais une zone vide d’incertitude et de vague. Ah ! 37 si elle avait pu ne pas rentrer aujourd’hui, partie tout à fait. Mon coeur qui depuis que’il ne souffrait plus, commençait à ses plaisirs guérissaient, commençait à ne plus adhérer au sien ; à pouvoir se déplacer sans souffrir je pouvais [jouer] l’imagination l’éloig la déplacer, l’éloigner de moi sans souffrir. Peut’ Sans doute je ne savais pas que si je à dépit de moi, quelque autre serait son époux, que libre elle aurait peut’être de ces aventures qui me faisaient horreur. faisais pas Mais je n’y pensais pas peut attachais pas d’importance, peut’être parce qu’il faisait si beau, peut’être parce que j’étais sur qu’elle rentrerait ce soir. Et même si l’idée ma pensée pouvait +ne pas rester dans m’importunait, je pouvais par un acte vraiment libre sortir de la [ ?] de mon [ ?] où l’hypothèse d’Albertine appartenait à d’autres êtres et surtout à des femmes mille fois m’apparaissait comme la plus terrible de que la mort. Je mille fois me pouvais sortir de cette [cen] en poussant les portes, je en en faisant jouer sentais jouer les grands assouplis, dépasser l’état où je m’étais trouvé jusqu’ici, d’un mouvement à la fois intellectuel à l’aide de quelquechose qui semblait à la fois dans mon esprit et dans mon [ ?] me [ ?] de la pensée et le mouvement d’un muscle, sorti des préoccupations habituelles où j’avais été confié, je riais à l’air libre, d’où le mariage d’Albertine avec un possibles autre, ses goûts pour les femmes, me semblaient aussi [démées] et auxquelles il ne vaut pas la peine de rien sacifier, que cela l’eut paru à quelqu’un qui ne l’eut pas aimée. 242 21v.º 31 bis Capital Quelquefois en l’attendant je charmais mon ennui à jouer lui à laquelle quelque phrase mélancolique de Bergotte Vinteuil. Sur j’identifierais Albertine la mettre ou qui [ ?]que je l’[ ?] [ ?] elle [ ?] faisait venir qu’allait venir chez moi ou bien Françoise me disait qu’Albertine n’allait sans doute pas venir maintenant, qu’elle était rentrée chez elle et avait demandé du feu. Ap Dès qu’Albertine était là ou venait me prévenir, et j’entendais ses pas , le bruit de sa jupe dans le petit Albertine me disait qu’ couloir ; tant sa chambre était près de je pensais comme il était étrange que pour cette jeune fille que j’avais cru ne jamais connaître, rentrer chez elle ce fut précisément rentrer chez moi. L’impression d’ Déjà à Balbec le premier soir où elle était venue coucher à l’hotel j’avais en cette impression si nourissante du [ ?] et du désir me fragmentaire à demi L’impression incomplètement éprouvé à Balbec le soir où elle était venue coucher à l’hotel était devenue La complète quelquechose de p s’était devenue complète et stabilisée permanente, du mystère, du plaisir sensuel, devenu quelquechose de domestique, de presque familiel, enclos dans les murs où je vivais [ ?] dans le couloir, sans même mettant dans et mettant faisant dans mon appartement quand de ma chambre, ou de dehors j’y pensais, au milieu du vide qu’il avait été jusque là un fruit auquel m6eme dans les j’étais loin de lui moments où je n’allais pas la voir je ne pouvais ne pouvais revoir dans ma pensée qu’avec une collaboration de tous mês sens qui goûtaient à lui, de tous mes sens apaisés par la possibilité permanente d’y goûter encore 243 22r.º 30 39 s’était voilé et le temps s’était adouci ; le jour gris tombant comme une pluie fine, filant sans arrêter une passementerie de nacre, qui enveloppait toutes choses dans ses filets transparents et donnait aux rideaux de [tuille] de la fenêtre le cassant vapoureux et pol d’une aile de libellule ou d’un verre de d’abord Venise. Mais l’absence du soleil ne’ enlevait rien [retiens] empêchait [ ?] pas au jour cette intensité <ilegível> Cependant le ciel se voilait. L’après-midi restait sans soleil. Un triangle Mais l’absence du soleil n’enlèvait rien à l’intensité cette intensité du jour qui signifie quel ; qui s signifie le temps qu’il durera encore. La journée grise, lasse, résignée, occupée pour plusieures heures encore à sa tâche immémoriale était intallée devant la fenêtre, me voyait sans me connaître, comme une ouvrière qui s’est installée près de la fenêtre pour faire sa besogne et qui ne s’occupe pas des gens qui sont dans la chambre. Mais Enfin tout à fait carré Cependant la nuit tombait ; un triangle blafard de lumière blafarde venait par le couloir de la cuisine toute éclairée le sommeil me rappelait celui qui le premier soir à Balbec m’avait du fond écoeuré audessous du parquet de verre et celui aussi le corridor le soir le soir s’ 244 32 bis 22v.º précède q.q. chose de capital passait Ceci est la suite de ce qui est en face (passer 48 bis à ce [campagne] chez des amis) + on venait me prévenir dès qu’elle était là, et encore avait-on l’ordre de ne pas la nommer voir au verso si je n’étais pas seul, si j’avais auprès de moi Bloch, ou Mme de Guermantes, ou St Loup et personne j’attendais qu’elle fut rentrée dans sa chambre avant qu’elle de faire sortir la’ami ou amie qui était venu me voir ; car je cachais qu’elle habitait la maison, et même, et même qu’elle vient me voir tant j’avais peur qu’un de mes amis ne s’[approchait] d’elle, ne l’attendait devant la porte ou que dans l’instant d’une rencontre dans le couloir ou dans l’antichambre, ‘ote mon chapeau mes affaires elle peut faire un signe et donner un rendez-vous. « Tenez pendant que je me déshabille je vous envoie Andrée elle est entrée une seconde pour vous dire bonsoir. Et x elle se retirait ayant encore autour d’elle le grand voile gris qui descendait de sa toque et que je lui avais donné à Balbec pour mon vite comme si elle eut deviné qu"Andrée chargée pour moi de veiller sur Albertine allait promenade en automobile et elle se retirait x mettre quelque en me donnait tel détail en me racontant la rencontre d"une personne, quelque détermination dans ces les régions vagues de cette promenade où jen"avais pas <ilegível> 245 31 41 22 bis désolation infinie, alors brusquement l’ordre des valeurs dans la vie étaient se relo renversait brusquement pour moi. Avant tout je voulais garder Albertine pour moi seul, j’attendais anxieusement l’heure de son retour, je la [ ?] [ ?] tous les soirs, de ne m’avoir d’en avoir encore j’avais demander d’aller passer 48 dans toute je l’embrassais, répond avouais en réponse à ses questions que je n’avais pas travaillé fait n’ayant heures à la campagne chez des amis. + et toute la soirée, je jouais jouant aux cartes avec elle qui était assise à côté de mon lit dans au moment où elle me laissait calme et confiant pour je lui demandais ses baisers un apaisement comme je sa aller se coucher dans la chambre,si [proche] de la mienne n’avais jamais connu depuis le soir où ma mère montait m’embrasser à Combray. Sans doute tout ce que j’avais dans un [instant] imaginé autrefois d’Albertine quand je la voyais à Balbec sur la [dège], n’était pas faisait sans que j’en eusse l’avoir conscience partie du plaisir que je trouvais à [ ?] toute la cela seul c’était cela qu’ soirée cela auprès de moi, puisque ces [rêves]seuls avaient d’o abord donné à sa personne ce [prix] sans lequel le rêve ne s’attache pas à un être. Les longues [cènes] [ ?] des caresses qu’elle m’avait accordées depuis pendant mon second séjour à Balbec, n’étaient pas étrangères non plus à soirs de ce plaisir. Mais il s’y mêlait autre chose. Depuis les Combray et les soirs où ma mère montait m’embrasser quand j’étais dans mon lit, je n’avais jamais conçu à personne un pouvoir d’apaisement pareil égal à celui qu’avait sur moi Albertine. J’avais bien avoir douté 246 + l’impression de sécheresse vide et de’ennui j’avais dans la vie mondaine et même auprès de d’un ami comme Bloch ou St Loup. La sensualité est tout de même en nous quelquechose d’assez profond pour donner à son objet plus de consistance que les plaisirs de vanité ou de la conversation. Et puis elle, n’était-ce pas auprès d’elle les jours que j’avais eus dans la solitude, mais tout en regrettant, en trouvant que dès qu’elle était là, je vivais moins, je m’ennuyais, pourtant ell je n’éprouvais pas la auprès d’elle + parallèle à moi et que je ne pourrais jamais m’approcher, se détacher sur la mer 33 mon question habituelle succédant mon doute [ ?] Ainsi ce petit fragment de réponse à l’ imense doute que sur son temps indolore que je relatif à Albertine à ce que faisait Albertine, doute qui était trop indéterminé pour être douloureux, qui était à la jalousie ce qu’est au chagrin ce commencement d’oubli où la calme naît de [vague] – ce petit fragment de réponse posait de nouvelles questions. en je n’avais réussi à explorant pet partie de la grande région en qui s’étendait autour de moi que’passa en voir reculer [l’incomandable] celui qu’est pour nous, quand par hasard nous la représentons en nous la regardons dans sur profondeur, la vie d’une autre personne. A Elle s’était déshabillée Albertine venait auprès de moi. Nous passions Elle portait quelqu’un de ces jolis peignoirs en crêpe de chine dont toute la soirée comme Assise au coin de mon lit elle jouait j’avais demandé la description à Madame de Guermantes et pour aux cartes avec moi, je l’embrassais en jouant s’essayait lesquels afin d’avoir plus de précision x (suite au papier collé ci sur mon lit que que nous puissions n mieux nous dessous. Le seul doute est si : Elle s’était déshabillée doit veniraprès : Albertine venait auprès de moi et assise en robe de chambre devant mon pianole elle me faisait de la musique embrasser. Sans doute Toute la soirée, nous jouions aux l’ dames, non et sans cesse on, tout en nous embrassant, sur ses joues refroidies, je me faisait battre pour elle, je causais nous jouions aux dames, nous causions. Certes, je avec Certes elle je m’y trouvait auprès de elle. Avec Elle, la même fille ! Albertine la même Albertine – cette jeune fille au fond de laquelle resi residait habituellement une idée de moi fort familière, celle comme de la personne qui lui était sans doute auprès sa tante, le moins étrangère de toutes, qu’elle distinguait le la même moins – de soi-même – que que celle dont j’avais vu la première fois, l’image [rieuse] sous sa so sur la [digue] de + B à Balbec, sous sa polo [plate], avec ses yeux insistants moi inconnue, mince comme une allouette et rieurs, se détacher sur la mer ; La celle-là et bien d’autres encore qui venaient se rejoindre dans la 247 22 bis Capitalissime un suivant Ajouter à ce verso ou au ou au précédent. charme valeur Oui, elle dans le jeux qu’elle aurait pour moi, il y avait encore de tout ce désir que j’avais eu connaître les jeunes filles dont le p cortège insolent et fleuri, se dévoilait le long de la plage, de l’agitation que j’avais eu alors, de la souffrance qu’elle ne savaient pas que je connaissais Sans doute dans une tendresse pour Albertine Robert de St Loup. Et comme dans l’amour que lui avait [ ?] avait persisté Robert eu si longtemps pour Rachel, il y avait en si longtemps même persisté qu’elle même après qu’il l’avait fait renoncé à elle, une fin de prestige de la vie du théâtre, sans doute tout à la base de mon amour pour Albertine Et sans doute, recouvrait d par bien d’autres choses, avait au fond de persisté dans mon amour pour Albertine, - et au fond de l’amour qu’avait en si longtemps Robert de St Loup pour Rachel – chez lui, bien des années encore a même après qu’il l’ont fait renoncer aux [planches] le prestige de la vie Albertine du théâtre – et chez moi, même quand elle habite dans, cloitrée par moi, dans ma maison, le charme, l’émoi, la curiosité, l’émoi, le desarroi social, de la vie de bains de mer. 248 L’amie [ ?] avec laquelle jusqu’à ce jour je n’avais eu que je n’avais pas le moindre rapport 249 38 peut [ ?] + ainsi dans ma synthèse de aussi [ ?] que ces les plus vastes de du Boulbon sur les névroses familiales au regard de la présence de la famille que nous considérons à cause de ses manies de [dévotion] comme St Mettre (capitalissime à la fin de ces diverses journées de farniente, Seulement repos (ou autre mot peu pour mettre en opposition sans commencer une phrase) peu apprécié de Françoise qui disait « Et Vous savoir êtes toujours couché et savoir dans quand que vous vous léverez ». Et même un jour elle ajoute ce mot : « Voilà monsieur qui commence à faire tout à fait comment celà pauvre Ml Vitesse » me rapprochant mettant au regard + 23r.º 38 d’elle m’être affligé, m’être demandé à [monsieur] si elle n’avait pas eu des relations avec Mlle Vinteuil, une fois qu’elle était auprès de moi, je déposais mes doutes en elle, je les lui remettais pour qu’elle m’en déchargeat comme on croyait fait sa prière, et je la prenais sur mes sa figure genoux, je tenais contre la mienne, c’ je la déshabillais et je l’embrassais comme si elle m’eut administré successivement toutes les pensées de son innocence et me laissait goûter à tous les parties de son corps. « ViendrezLe lendemain quand je m’éveillais c’était comme si je vous demain avec nous, me disait-elle », s’il « où irezvous ? » »Cela dépendra du temps » Avez-vous travaillé au moins tantôt ? » « Non ». « Alors c’était bien la peine de ne rester ici. » Demain si vous ne voyez pas, travaillez ». Mais le lendemain comme si la maison avait voyagé par un temps différent pendant la nuit, je m’éveillais sous un ciel différent, nouveau autre climat chaque jour homme nouveau dans un pays, comme dans un autre pays nouveau où on est un autre homme aux conditoins duquel il faut s’adapter quelquefois quelquefois qd on ne travaille pas en débarquant dans un pay Qd On ne travaille pas en débarquant dans un pays nouveau où on est un autre aux aux conditions duquel il faut s’adapter, où on est soi-même un homme nouveau de chaque jour était pour moi un jour d’arrivée. Parfois 250 23.vº 34 sa figure rebondie que j’embrassais, entre deux coups de dame, j’embrassais sur les deux joues. mince. Elle semblait alors dans un plan parallèle au mien que dont et que voulant par je ne pouvais jamais approcher, mais pour la présentation chez Elstir, par mes paroles qu’elle avait entendues, par une certaine idée, puis par nos relations à Balbec, ma vie devenue perpendiculaire à la à la sienne, avait pu la rejoindre q j’avais rejoint. son image elle Ces différentes années de ma vie elle occupait ainsi par Hélas ce n’était pas que dans ma mémoire c’était aussi dans mon coeur qu’elle se occupait ainsi diverses positions successives. Entre l’Albertine pour qui j’étais inconnu, qui me recherchait et celle d’aujourd’hui qui n’embrassais pas que machinalement certes, la distance était grande. Mais enfin je me disais que l’Albertine d’autrefois était contenue dans celle d’aujourd’hui et la possession de toutes calmait je me consolais de ne plus être aimé par ces anciennes en les possédant toutes. Les images + successives qui derrière [ ?] rapport à moi des positions différentes qui me faisaient [ ?] des mieux sentir la beauté des espaces éc interférants. Et [ ?] écoulées étaient maintenant c’était toutes ces Albertine venues se rendre en celle des années où j’étais resté sans le voir, de tout le temps sous les jours rebondie dont j’en m’arrêtant un instant de écroulé sur la diaphane profondeur duquel qui mettent jouer aux dames j’embrassais les joues rebondies et duquel donnait un singulier relief sur la profondeur desquelles e elle se modelait l’image que j’avais auprès de moi se relief et des ombres modelait avec un puissant. et [ ?] relief. D’ailleurs ce n’était pas seulement que ce volume cette multiplicité qui l’augmentait son volume n’exist ce n’était la multiplicité de les images d successi successives qu’elle Albertine donner avait été pour moi m n’étaient pas seules à lui faire ce ce qu volume. Elle même avait multiplié Pour elle-même, elle avait multiplié, s’était [accrue] par la supposition à une nature autrefois à faire formée des qualités, des défauts, répétant qui allaient se développant, s’inrichissant développant poussait des vertualités que je n’avais pas connues indiquait ici et là comme des [ ?] hors d’un une graine qui se divise et fruit tels traits de caractère que je n’avais pas connus et qui 251 Seulement je commencerai par le jour chaud et je finirai par navigation. pour décidément je laisse comme c’est. 45 24r.º 39 D’ailleurs aurais-je reconnu son Et ma D’ailleurs même habitudes toujours idéal comment aurais-je reconnu mes paresse ? quand, une ma paresse que pourtant des [ ?]imédiatement mauvais la résidence dans la fois par un la pluie tombait doucement sans maison situé au milieu d’une pluie la réclusions dans ma chambre descontinuer autour de la maison la réclusion dans une avait la égale et continue avait [ ?] et fraîche chambre avait la silencieuse et fraîche silence douceur, tout le silence calmait, tout et quand une autre et l’intérêt d’une navigation ; et une autre fois, par un c’était comme jour clair, en restant immobile dans mon lit comme un autour d’un tronc d’arbre une fleur je laissais la lumière tourner autour de moi autour une fois comme d’un arbre ; ou que une autre fois encore quand dans air tempêtueux tiède par un temps [tempêtueux] et doux dans leq où dès le ; ou bien j’avais dès l’aube, discerné un jour tempêtueux des [ ?] doux et très do, aux cloches d’un couvent voisin à faire blanchissants que j’avais discerné déja discerné dans l’aube aux cloches l’aube matin, les cloches les fin de d’un couvent voisin à peine blanchissants, rares comme les dévotes matinales clair – clairssemées comme les gouttes de pluie éclairait fondait et le ciel sombre de leurs incertains giboulés que dispersait entendu le vent tiède, tour à tour j’avais entendu le vent se prolonger comme un tonnerre qui s’achète [caresse] et je voyais moins [clair] d’une [ondée] intermittente j’avais vu au soleil voyais au soleil intermittent les que sèche un souffle ou un rayon ardoises toits laisser leurs ardoises irisées et laissant tou glisser une gouttes de pluie égoutter en roucoulant les gouttes de la pluie qui sèche et laissaient leurs ardois avec le soleil momentané leurs je ardoises irisées comme des gorges de pigeon, puis puis à tourner entendais le vent recommencerait se commander ; et prolongeait un tourneur qui s’éclairait en caresse ; et à la fin de la journée me remémorait et a la journées pleines incidents atmosphériques chargées d’incidents atmosphériques s’y est enlévez, et dont oisif d’une activité à laquelle le paresseux croit avoir pris peut-être parcequ’il eux il où si l’on n’a pas ag le temps agit, sinon doux [ ?] et qu’on ne croit lui ils n’ont pas plus avoir [prendre] parce que’on [ ?] rien 252 24v.º [ ?] aux amours, aux voyages, au [labeur], se retrouve [ ?] dans la marge de 40, là où j’aurais inséré ce morceaux (en face) Pour ajouter dans la marge de la page 40 à peu près à « Alors lui apparaît le [ ?] de temps » La vie parait Alors la vie prend soudain une valeur qu’elle n’avait pas avant la menace de danger, mais qu’elle prendat quand si celui-ci est écarté. C’est que ce[ ?] Soudain la vie prend à nos yeux une valeur plus grande mais c’est parce que nous la considérons y mettons tout ce qu’il semble qu’elle peut donner, et non pas ce qu’elle nous donne habituellement, c’est à dire ce qu’en réalité elle peut nous donner. Nous la voyons non telle que notre expérience nous a appris que nous savions la faire mais telle que notre désir pourrait être le extraordinaires plus satisfait. Aussitôt elle se remplit de voyages, [nouvelles][ marges] Après ces 2 e premières lignes de 35 se placent ces feuillets détachés intitulés 20 bis et que je pourrai faire précéder après ces 2 lignes (après somptueusement) elle s de devenait une musicienne montrait se un g vif goût pour la musique. Je lui avait acheté un pianole et souvent à peine la 1er. partie de dames finie elle me disait : « Voulez-vous que je vous joue quelquechose ? » Chaque soir j’hésitais d’abord. « jene sais pas trop si à cette heure-ci cela ne peut pas ennuyer la Duchesse de Guermantes qu"on joue. ».Son visage s’assombrissait un instant, car les riches qualités qui ponctifiait en elle la faisaient cependant dans l’envelloppe bourgoise que sa famille lui avait donnée en naîssant. Et elle prenait à entendre parler des gens plus brillants qu’elle le même air froid d’amours, d’oeuvres, dont nous allons être privés si la mort arrive. Hélas pour que nous en soyions privés il n’y a besoin de la mort, la vie suffit. Le danger passe, les mêmes + 35 tels traits de caractère que je n’avais pas connus et qui l’enrichissement, l’ard alourdissait la teignant et la valeur teignant somptueusement. Prix que le désir ajoute à la peut ajouter vie Quelle valeur le désir ajoute à la vie ! Quand je ne croire connaissais pas Il n’avait, quand je ne connaissais pas Albertine, donné à croire que touts ses actions rend sa vie intéressante donné croire que tout ce qui elle faisait était intéressant. Etrange Et maintenant Merveille Quelle se Quel plaisir de ce qui ne nous paraisse s’apercevoir que sous un être qu’on n’était pas pour nous qu’une image il y a une vie qui se développe parce que nous y avions trop pensé ne nous semblait plus qu’une image, 253 qu’eut pris sa tante. Mais souvent elle riait : « D"abord on ne peut pas. Suivre 20 bis feuillet détaché il y a un être qui existe et croît et pas seulement par rapport à nous, une merveilleuse image, et qui du reste s’anime (N.B plutôt d ; une figure pour une sorte de magie descend chaque soir de son cadre de la du frèsque de Gozzoli cela que j’avais cru voir passer devant et vient jouer aux dames et se laisse embrasser, il y a un la mer et de même rappeler plusieures fois le disque de [ ?] être qui existe, croît et pas seulement par rapport à nous. des yeux nous) Au reste si quelqu’un venait me demander queje ne disperser dire quelques mots pouvais me’empêcher de recevait, je faisais disparaître pour lu quelques instants un instant la mystérieuse vie intense et bien il n’est peut’être pas un seul de mes amis apercevoir qui ait pas réussi à connaître cette vie intense ne sont mystérieuse restée aussi inconnue que celle pour qui le marquis d’Effiant, dans les mois qui précéderent sa mort trouvait toujours le moyen de renvoyer à une certaine heure les personnes que [ ?] 254 25r.º + (Et après qd je dis qu’au contraire on agit moins bien après) la soumission à la règle n’est pas le fruit des heures d’exception, mais la mais la pratique de la sagesse ne dans d’un d’un plaisir qu’on osait à faire espérer. (mais on est sou [pendant] d’une souffrance) Pour ce que j’ai ajouté en marge de ce recto (en haut) sur les événements autres que barométriques (et cela serait peut-être mieux pour un duel, ou la Berma), dire bien nettement, cet il semble que ce soit le seul empêchement, on pense à tout ce qui, même Les lui empêche aussi, la vie redevenant merveilleuse pour la raison que comme on pense à tout ce même qu’il empêche, qu’on oublie tout ce qui sans lui empêche aussi, la vie reprend la beauté d’un âge d’or <ilegível> malheur les jours parce qu’on fait tout ce que l’événement peut appréhender, et qu’on oublie tout ce qui, même sans lui, empêcherait. Mais cela on le retrouve dès qu’il est produit + 255 Et d’ailleurs quand même ce qui était arrivé c’eut été des grands événements autres que barométriques quelle inflluence aauraient-ils pu avoir sur mon travail. Un paresseux va se betre en duel dans des conditions dangereuses. Tout d’un coup Alors lui apparaît le prix du temps dont il aurait pu profiter pour accomplir son oeuvre les charmes de la vie dont il a négligé des jours. Ah ! s’il n’est pas tué, à la minute même il se met à travailler et à jouir. Il revient du duel [indenme] ; mais l’événement ne peut exalter en nous que ce qui s’y trouve chez le laboureux, le travail chez le paresseux la paresse [ ?] dit : Pour aujourd’hui congé et ce congé il ne l’emploie même pas qu’au plaisir. Car le il se retrouve en [ ?] des mêmes difficultés des mêmes habitudes dont le regret ne donnait pas compte. [ ?] la vie [devient] un passant si [ ?] un moment où elle allait lui [ ?] redevient si [ ?] [ ?] il ne s’[ ?] pas et se dit de travailler demain Pas paraître davantage [vide] au paresseux qu’au fonctionnaire ces Ce jour là comme tous les précédents étaient mon [avenir] depuis ma veille résolution de travailler prix à Combray, et qui me semblait dater d’hier. Je me 25v.º 40 fait qu’un temps de [guerre] le fonctionaire dont le bureau est resté fermé mais qui fit le voir dans le journal puis veut recommençait à former, journées chargées d’incid + remplies d’incidents atmosphériques et que l’oisif tant il chargées elle lui apparaissais aussi remplies d’incidents qu’elles ne pouvaient atmosphériques comme il n’y a pas qui semblent plus un fonctionnaire remplies que les journées du temps d’événement où le il fonctionnaire n’a pu aller à son bureau mais il où son le journal journal il apprend par son journal tout les les ce qui s’est passé si lui même n’y a rien fait et dont son esprit tire inutilité et son oisivité [excède], bien que ce ne soit pas luimême qui l’ait accompli. Comme ce duel[ ?] sorti [ ?] et sauf de la rencontre je me disais que Le lendemain Je met mettrais à l’ouvrage le lendemain ; le lend sous un ciel [ ?] mais je n’y étais plus le même, dans un climat différent ; et sous ce soleil éclatant resta tout le jour les yeux clos c’était chose une permise, plaisante, visitée, comme de tenir ces persiennes fermées contre la chaleur sans coble nuages ; le bruit des cloches, plus précieux que le miel qui ne contenaient que de la lumière, non pas seulement comme lui de la lumière, mais la sensation de la lumière ; et pour être celui qui s’était tant attendri comme une grâce aussi à midi Combray sur notre table desservie il gardait un goût de confitures. Et Par ce soleil éclatant, rester tout le jour souhaitée et les yeux clos c’était chose permise, visitée, plaisante, visitée, comme de tenir ses volets persiennes fermées contre la cha 256 26r .º en entrant mon Tantôt quand Quelquefois elle me disait : « Vous avez reconnu mon pas, vous avez déviné que c"était moi ? ». Et moi, lui caressant les cheveux je répondais : « Est-ce qu"on pourrait se tromper ? Est-ce qu"on ne reconnaîtrait pas les pas de sa petite bécasse ». Et comme elle allait se partir se coucher, je lui disais, laissez-moi défaire vos bottines, cela me fait tant de plaisir ». Et dans ces mots je reconnaissais cuex que me disait à Balbec ma grand’mère. Car je n’aimais pas seulement Albertine sans compter de bien d’autres façons et nottamment celle dont Swann aimait Odette comme j’avais aimé ma grand’mère mais aussi comme ma grand’mère m’avait aimé. Et je ne veux pas dire par là seulement que mon amour pour Albertine avait quelquechose de même temps que d’impur, d’à la fois filial et maternel, mais aussi qu’à partir qu’on ce <ilegíve> beaucoup éveillons en nous ce <ilegível> 257 Je metterai le 35 (oeuvre peinture descendre de son cadre avec ce qu’il y a dans les feuillets détachés, il faudra en effet peut’être mieux que l’étonément fut que ce fut toute assise jouant la bicyclette qui se pedalait au pianole au [bien] de la bicyclette ne pas oublier cela qui n’est [ ?] peut) et de là je dis que j’aurais pu avec tout ce que je déposais pour elle avoir une colléction acheter des Elstir mais n’était –elle pas une oeuvre d’art aussi. Longtemps désirée et enfin jalousement possédée (mettre mieux. Puis : Certes (c’est à dire cette page-ci 36) 26.vº 36 auprès de lui sans qu’elle aient pu jamais réussir à plus qu’à il entendre parler dans sa chambre quand on était [persuadé] qu’il était seu. Mais tous ces Certes les multiplie Mais tous ce désir qu’ certes amour qu’elle m’avait inspiré chaque amour différent autrefois origines le désir successifs que m avait inspiré Albertine, était présent présents dans le besoin que j’avais encore était, dans un se présent et q car puisque seul le désir pour nous d’une s personne donne de l’intérêt à la vie, au caractère, aux propos d’un des êtres si multiple être, calme que su av, chaque année différent, que m’avait inspiré Albertine était, en se présent dans ce besoin que d’aimer j’avais de garder ainsi Albertine tous les soirs auprès de moi. Mais autre chose s’y était ajouté : un pouvoir + d’apaisement qu’elle avait sur moi, tel que je n’en avais ma mère pas connu de pareil depuis celui que m’apportait chaque quand elle venait m’embrasser dans mon lit soir à Combray le baiser de ma mère. J’avais peu avant qu’elle fut rentrée douté d’elle, l’avoir imaginée autrefois dans la chambre de Montjouvain, une fois qu’elle était auprès de mon lit, je déposais mês doutes en elle, je les lui remettais pour qu’elle m’en déchargeat, avec l’abandon et dans l’abdication d’un croyant qui prie. Toute la soirée elle avait pour pelotonnée en boule sur grosse mon lit jouer [espèce glanet] avec moi comme une petite Et alors ces [ ?] comme son petit rose qu’elle diminuait encore peu chatte. au petit nez rose, quand elle me quittat pour me un petit air lequel suffisait pour [ ?] pour dire bonsoir, c’était leur douceur devenue p familiale que j’embrassais dans les 258 Capitalissime Mettre probablement dans le verso en face avant que je dise qu’il y a de l’amour filiale. Je viens de parler des baisers. Un jour pendant que je l’embrassais aussi j’ai aperçu dans la <ilegível> ce [ ?] frappé de <ilegível> de dévotion de la [tendresse] passionnée avec laquelle je l’embrassais en l’appelant mon enfant. On aurait dit que oubliant q je’avais oublié consecutivement sans [ ?] en oubl rien fait de repréhensible en oubliant Gilberte, de même que peut’être plus tard je ne ferais rien de repréhensible en oubliant Albertine, et que je remplissais comme un oeuvre sacré ma dévotion passionée douloureuse à la jeunesse et à la beauté de la femme, qui là où elles étaient incarnées pour moi dans le moment. Et pourtant ce n’était pas que la jeunesse des femmes indique le souvenir de Balbec Suivre en face t ongue mêche de ses cheveux, elle fermait à demi les yeux [décroisant] ses [ ?], elle avait l’air de dire, fais de moi ce que tu veux, et par peur de la [ ?] je n’osais pas en profiter. M Elle avait peut’être cette petite fille vicieuse toute la journée. Mais quand elle me quittait pour me dire bonsoir suivre au verso en face dernière ligne. Faire d’elle comme je l’avais remarqué à Balbec et le 1er. jour où je l’avais embrassée une autre femme, mais que cette image lui donnait un pas sa figure était + 26bis contre la chaleur. Mais Par un si beau temps, Albertine avait du aller loin. Que pouvait-elle faire des ces promenades. Toute la’ journée après-midi ma pensée lui’ bleuâtre, bleuâtre y suivait décrivant un horizon lointain, engendrant autour x vide du un contre que j’étais, une zone indéterminée vague, bleuâtre autour déterminait vide, pratique dans laquelle Andrée mettait rétrospectivemettent détermination retrospectivement, parlait des quelques ment une un point, détermi, en mol indiquant tel détails, en me parlant d’un mon doute, de la rancontre d’une personne, s petit fragment de mon doute incertitude réponse à l’ immense question que je me posais relativement aux actions d’Albertine, trop va indéterminée pour être douloureuse, et qui était à la jalousie ce qu’est au chagrin le’oubli commencement d’oubli à le calme [vent] de vague. Mais le fait qu’Andrée me racontait, [ ?] il était une réponse, posait à son tour beaucoup de questions. Elles avaient rencontré une amie dont Albertine ne m’avait jamais parlé. « Qu"ont-elles dit ». « Je ne sais trop car j"ai profité de ce qu"Albertine n"était pas seule pour aller acheter de la laine »me répondait Albertine qui était à la fois ma confidante et la gardienne d’Albertine. « Acheter de la laine ? » : « Oui c"est Albertine qui me Raison de plus, pour ne l"avait demandé ». « Elle vous l"avait demandé pas y aller c"était peut-être pour vous éloigner. « Mais non, elle me l"avait demandé avant que son amie fut là » « Ah ! Mais qui sait si elle l"avait pas donné d"avance rendez-vous à son amie et n"avait pas confirmé un [télégramme] 259 en [ ?] mon Et alors de mo instinct comme pas, peut’être égaré par la jalousie, ranimait d’autres vérités comme celle qu’elle aimait les femmes, celle deux d’autres vérités qu’elle se gardait bien ne me disais jamais en tous cas mais qui me semblaient hélas prof possibles : d’abord que qu’elle se sentait surveillée, empêchée soupçonnée, surveillée, empêchée de se livrer à son des vices ; et une autre plus terrible : que peut’être elle avait décidé de se soustraire à cet esclavage et qu’elle me quitterait 27r.º 45 dont son visage comme rond comme un oeuf rose était rempli. Parfois il fallait elle était obligée de m’en Pour ajouter vers le bas de la page (après les mots : sans cela elle n’eut pas tellement tenu à cette visite) X Il est vrai qu’elle ne m’avait pas dit : « J"y tiens ». Malheureusement suivant dans ma vie ma marche inverse de celles des [peuples] qui, ne se servant de l’écriture phonétique qu’après l’avoir longtemps considérée comme une suite de symboles, moi qui pendant tant d’années n’avais cherché la vie et la pensée réelle des gens que dans ce qu’ils n’en disaient directement je n’attachais plus au contraire d’importance qu’aux témoignages qui ne sont pas une expression [ ?] analytique et directe de la vérité ; pour les parles elles-mêmes elles ne me renseignaient que comme les brusques rougeurs ont des silences subits. Tel advent chimiquement forcé parle rapprochement involontaire de deux idées que l’interlocuteur manière nonchalante dont elle disait : « Je ferais, peutrelativement à son projet était être, je ne sais pas si j"irai »et qui était une manière à la fois d’en notifier l’intention, d’en préparer les moyens et d’en diminuer l’importance. cette fois elle fut de son projet qu’elle avait, elle fut Parfois elle était obligée de m’en dire un mot, je faire visite comprenais qu’elle voulait aller le lendemain déjeuner chez les Ver aux Verdurin, ce qui en soi-même ne m’eut en rien contrarié ; Mais quelle personne devait-elle y aboutie rencontrer, à quel plaisir cette visite devait-elle la conduire eut résolu pour qu’elle en eut un désir que je pouvais [ ?] à vouloir la faire une énergie que je pouvais mesurer rien qu’à la nonchalance qu’exprimait assez la nonchalance avec laquelle elle disais Mais certainement elle di c’était pour y rencontrer quelqu’un, pour arriver à quelque plaisir. Sans tenu + de son énergie cachée cela elle n’eut pas aussi obstinément résolu irréversiblement tellement tenu à cette visite. Or elle avec une nonchalence qui était à la fois apparence + m’avait dit « Madame Il serait possible que j"aille demain chez les Verdurin, je ne sais pas su tout si j"irai ». Et le ton doubitant elle employais 260 27.vº 37 deux côtés de son gros coin que je ne trouvais jamais Viendrez-vous avec nous demain ? » « Où moi assez [ ?] à assez gros grains. Elle aussi en embrassant Irez-vous ? » Cela dépend du temps. Avez-vous seulement était quelquechose tantôt ? Non ? Alors était fait quelquechose alors Avez-vous seulement travaillé tantôt.-Non ? Alors c’était bien la peine de ne pas venir avec nous. Permettez Mettre ça [ ?] moi que demain je vous ne venez pas vous travaillez »Puis « Oui, mais ne remettez pas encore votre peignoir vous êtes qui est ça dans si gentille comme cela tout en blanc dans les dentelles. Puis c’était mon tour ête c’était son tour de me dire bonsoir en m’embrassant aussi si incomparables, [ ?] Et si différent que ce faveur fussent ces deux fins fut de celui que m’apportait chaque soir ma mère à Combray, Albertine me Albertine donnait pour remettait pour la [ ?] me remettait alors nuit un viatique aussi d qui calmant que ma mère quand elle en venait poser ses lèvres sur mon front. Combray, quand avant du Après ce verso reprendre au recto à peu près 4 pages moins loin. Mais le lendemain comme si la maison avait voyagé de[changeant]du dans le cou, les ai as chevelure donnait me caressait à dans ma bouche droite comme une aile.Puis elle glissait un instant sa de no langue, comme un un alime une sainte et divine et quotidienne nourriture dans ma bouche chaude et douce comme un pain quotidien, nourricer nourrissant et presque sacré. Mettre ce [ ?] de phrase à la fin du morceaux(ainsi : à Puis ; car les souffrances que nous avons [endurées] à à Combray : car les souffrances que nous avons endurées à cause cause d’un être, finissait par donner à sa chair une douceur O d’un être comme je ne moi à cause d’Albertine finissant par donner à sa chair une douceur morale morale, quand au dernier instant avant de me quitter, et si différents de nécessairemant différents, si incomparables que fussent l’un et l’autre besoin, quand Albertine glissait un inst recevait un instant ma langue dans sa bouche glissait comme dans un nid et [ ?] dans ma bouche sa langue, petit chaude comme un pain quotidien, chaud, nourrissant, presque sacré, elle me remettait – si in demesurément différentes, si incomparables sans que [poussant] l’un et l’autre baiser, un viatique aussi sur pour toute la nuit que tenait sa joue ma mère quand elle venait poser ses lèvres sur mon front à mes tempes, chaque soir, à Combray, j’avais dit à Albertine que je travaillerais le lendemain 261 en [ ?] mon Et alors de mo instinct comme pas, peut’être égaré par la jalousie, ranimait d’autres vérités comme celle qu’elle aimait les femmes, celle deux d’autres vérités qu’elle se gardait bien ne me disais jamais en tous cas mais qui me semblaient hélas prof possibles : d’abord que qu’elle se sentait surveillée, empêchée soupçonnée, surveillée, empêchée de se livrer à son des vices ; et une autre plus terrible : que peut’être elle avait décidé de se soustraire à cet esclavage et qu’elle me quitterait 27r.º 45 dont son visage comme rond comme un oeuf rose était rempli. Parfois il fallait elle était obligée de m’en dire amener dire un mot quelquechose, je comprenais qu’elle voulait aller ici ou là, faire telle ou telle chose, je ne savais pas pourquoi, dans quel but, pour arriver à quel plaisir, mais je savais qu’elle voulait rien qu’à la manière nonchalante dont elle disait : relativement à son projet était « Je ferais, peut-être, je ne sais pas si j"irai »et qui était une manière à la fois d’en notifier l’intention, d’en préparer les moyens et d’en diminuer l’importance. cette fois elle fut de son projet qu’elle avait, elle fut Parfois elle était obligée de m’en dire un mot, je faire visite comprenais qu’elle voulait aller le lendemain déjeuner chez les Ver aux Verdurin, ce qui en soi-même ne m’eut en rien contrarié ; Mais quelle personne devait-elle y aboutie rencontrer, à quel plaisir cette visite devait-elle la conduire eut résolu pour qu’elle en eut un désir que je pouvais [ ?] à vouloir la faire une énergie que je pouvais mesurer rien qu’à la nonchalance qu’exprimait assez la nonchalance avec laquelle elle disais Mais certainement elle di c’était pour y rencontrer quelqu’un, pour arriver à quelque plaisir. Sans tenu + de son énergie cachée cela elle n’eut pas aussi obstinément résolu irréversiblement tellement tenu à cette visite. Or elle avec une nonchalence qui était à la fois apparence + m’avait dit « Madame Il serait possible que j"aille demain chez les Verdurin, je ne sais pas su tout si j"irai ». Et le ton doubitant elle employais 262 27v.º Ajouter Pour le recto en face en bas : Elle était elle-même entrain de téléphoner à quelqu’un et tandis qu’elle achevait sa communication, je me demandais comment puisque tant des peintres cherchait à du 18e siècle renouveler les portraits femme [ingenieusiment] mise en scène du XVIIIe siècle est un prétexte à des expressives d’étaler d’intêret, à un [ ?], à une rêverie, à une [ ?], comment [ ?] de nos modernes « Bouchee »n’a fait cette scène de ou bien de ce « La lettre » « Au [clavelin] ». « La rêverie » Cette scène où habitait si spontanément une ces lèvres de la femme qui écoute un mot sourire d’autant plus qu’il sait n’être pas vu : « Au téléphone » Enfin Andrée peut me répondre « Vous venez prendre Albertine demain suivre au recto en face trois lignes avabt le bas de la page. La jalousie n’est souvent qu’un inquiet besoin de tyranie appliqué aux choses de l’amour. J’ avais sans doute hérité de mon père ce brusque désir arbitraire de menacer les gens que j’aimais le plus dans leeurs espérances dont ils se [ ?] avec une sécurité que je voulais. Car montrer trompeuse, non seulement je quand je croyais que Françoise avait élaboré à mon issue un plan de sortie, je disais négligeament que je comptais sortir ce jour là, bien que si elle m’eut demandé de sortir et expliquer pourquoi, j’eusse pris toutes les peines du monde pour lui faciliter et lui rendre agréable sa sortie. Mon Mon amitié pour elle Bien plus quand il s’agissait de ma gd mère eut souffert qu’elle ait de la peine. Mais en moi c’était quelquechose de colérique et de dominateur qui tressaillait quand je sentais quelqu’un à l’aise dans un projet qu’il n’aimait pas, dont il se croyait sur, et que je pouvais Et il avait souvent [ ?] que ces brusques briser. Bien plus avec ma gd besoin de tyranie s’appliquait à une personne qui me plaisait seulement physiquement avait déterminé plus tard, peut’être par [ ?] d’Albertine, un commencement d’amour 263 Quand Andrée paraître dans ce cahier : elle n’était plus tout à fait la même qu’à Balbec, une espèce d’inquiétude et d’ennui était toujours chez elle à fleur de peau, devenu ses regards, prêts à s’ arresser, à [ ?] intièrement son visage à [ ?] ses yeux si on je parlais de n’ quelquechose qui était à moi ou à Albertine ou qui indiquait ou que j’étais bien ou avec Albertine ou <ilegível> 28.rº La quelqu’un m’avait dit su bien d’elle. Dans ces moments là un franc rayon brillait dans ses regards et elle avait l’air de m’aimer. Ajouter encore à ce qu’elle n’aime pas faire plaisir. Si je le elle était de bonne donnait toujours une expression humeur et que lisant près d’elle un livre gai je ris tout haut elle n’avait pas ce sourire attendri de me voir gai qu’avant toujours le ton doubitatif pour signifier une aux re Or je en maman ma gd mère Lors peut’être stt me trompais d’autres avec moins de la nonchal Cette Albertine, elle avait l’air conturbé, choqué de co n’admettait pas un hésitation plaisir oui elle peut [ ?] nonchalance apparente qui co récouvrait une volonté arrêtée, que c’était et n’avait [ ?] tout en me signifiant l’intention de sa visite pour que savoir si je n’y mettais pas obstacle que de même d’en diminuer l’importance. Je m’y trompais d’autant moins qu’Albertine employait toujours le ton doubitatif pour les résolutions irréversibles. 264 28v.º Suite de la marge du recto précédent, elle même enclasse dans la du recto précédent. Ce jour de la soirée fête chez la Princesse de Guermants quand il m’avait dit venez voir Odette, et que j’avais pensé à ce que malgré tout il y avait de pour lui fort aux yeux de et d’ [ ?], de posséssif dans ce prénom, qui pour tout le monde pour Odette ellemême et 265 266 g na yeux elle jaloux d était ainsi ; se yeux y semblaient toujours pe inquiets n’était pas eu claires par le rouge des joues ; et si ma jalousie na’avait pas [ ?] compensation l’ espèce de [ ?] de son teint + + + 267 29r.º quand Albertine je viens de téléphoner avec une<ilegível> ému que cette <ilegível> a bien passé à nous dire 268 269 29v.º le style. Mais le parallelisme des promenades ets bien. 270 Mais qui sait si elle-même ne me trahissait pas, si demain elle Je ne lui dirais pas ne dirait pas à Albertine « Il m"en dit de t"empêcher coûte que coute d"aller chez les qui [ d’autres ] Verdurin, si elle ne lui avait pas révélé déjà, Je malgré les sermants qu"elle m"avait fits, elle me ne lui avai avait déjà plusieures fois plusieures fois révélé à Albertine des recommandations analogues. Elle m"avait affirmé que non. Mais <ilegível > 271 55 30rº Madame Verdurin l’autre jour ? » « Madame Verdurin, je ne me rappelle pas »répondais-je en ayant l’air de penser à autre chose, à la fois pour sembler indifférent à cette rencontre et pour ne pas trahir ma Andrée. Mais elle-même ne me trahissait-elle pas. Albertine ne saurait-elle « A propos de mad « Et peut-on savoir pourquoi vouz avez téléphoné à Andrée ? » « Pour lui demander de venir si cela ne la contrariait pas que je me joigne à vous demain et que j"[aille] chez les Verdurin ». « Comme vous voudrez. Mais je vous préviens qu"il y a un brouillard atroce ce soir et qu"il y en aura sans doute demain. Je vous dis cela parce que je ne voudrais pas que cela vous fit m fasse mal. Vous venez bien que pour moi, je préfère que vous veniez avec nous. Du reste je ne sais pas du tout Au Bon marché ou aux Trois quartiers [Du] Il faut absolument que je passe aille j"irai chez les Verdurin ». Je l’avais forcé à avouer que une gainte blanche avec cette robe est trop [ ?] des [ ?] Grand magasin acheter des [rubens]pour les moeurs de ma me [ ? il y a eu]. Alors, je ne pouvais p recommençais à chemise ( Je me [ ?] bien de de pas la laisser aller seule dans être méchant avec elle, comme autrefois. Je m’irritais un grand magasin où on ets frôlé par tant de gens où il y a tant des même de son air déçu. Et j’employais pour [bien] blêmer portes, où on <ilegível>. Dire qu’on n’a pas [ ?] as voi à la sortie les <ilegível> autrefois su. Moi-même je ne <ilegível> Ajouter encore à ceci (capitalissime) et peut’être à la fin de ce verso (avant de repondre dans le marge lors cet autre homme [ ?] à Albertine) : Peut’être aussi cet autre homme est-il chez beaucoup d’hommes une autre face qu’ils montrent. [Alors] qu’ils agissent avec les autres [eu mentor], vis à vis d’eux-mêmes avec exaltation. Et c’est peut’être a Peut’être chez mês parents qu’ils [penseraient] à moi y avait-il autant de sensibilité que de froideur en me parlant + C’est peut’être la vérité [ ? ] [ ? ] de ce double aspect selon la vie intérieure et selon les rapports sociaux qui est caché dans ces mots qu’on doit [si] finalement il a l’air froid hommes les plus froids, il est aussi, mais cela 272 cache une sensibilité extraordinaire ( [ ? ] [ ?] de morts qui on), il a le [ ? ] de as sensibilité. C’est peu [excès] de <ilegível> 273 30vº Ce qui est dans ce verso s’intercale dans la marge et est capital Car quelquefois, [ au lieux] de faire l’homme sage en parlant à Albertine ou à Françoise, je m’[ ?], j’entendais si pareil à ma grand’mère [comme] quelquefois comme quand je frappais à ma porte ma mère [croyait] dire « entrez » à mon père, tant de mystérieux [contact] subconscient et inconnus de moi [ ?] ainsi en de petits choses, mês doigts, ma tête, mes soucils, à [tatiner] les les mêmes tourbillons qui avaient entraîné tout leur vie Mes pensées quand elles parlaient. Au vrai comme les plantes qui poussent en se dédoubalnt, en face de l’enfant sensible que j’avais uniquement été lui faisait face maintenant, et ap un tout homme absolument [obscur] plein de bon sens, de sévérité pour la sensibilité [maladroitement] autres, un homme ressemblant à ce que mês parents avaient été avec moi. Sans doute chaque homme devrait faire calmer en lui la vie developper [ au bien des] dees parents, cet homme qui n’existait pas en moi [tant à ?] au début m’avait [ ?] et 274 Mettre là au à un passage voisin.L, là, commencer par d’ailleurs, D’ailleurs j’étais maintenant à l’égard des autres, plein de bom sens, de sévé de sévérité pour la sensibilité maladroite, comme parents l’avait Alors cet autre homme été avec moi. A mon tour. « Il ne disait à Albertine je n"apprecie pas la tendresse qui manifeste en nous faisant oublier parce qu’on paense trop à vous, ce qui fait vous rende [ ?], les lettres qu’en nous a demandé d’importer ». Soit parce que avec l’âge, le tempérament moral de nos parents apparaissait chez moi, soit que même ce bons sens fut le point de vue qu’on a quand il ne s’agit pas de soi-même et part pouvait ne pas exclure même chez mon père une sensibilité profonde et cachée 275 57 30bis Alors je recommençais à être méchant avec elle comme blêmat autrefois. Je m’irritait même plaisant. Et critiquant son air déçu, j’ j’employais à blêmer son air déçu les mêmes raisons qu’ dont qui [avait] paru si inintelligentes à mon enfance incomprise. « Non je " malgré votre air triste, je ne peux pas vous plaindre, je vous plaindrais si vous étiez malade, s"il vous était arrivé un malheur, si vous aviez perdu un parent ce qui peut"être ne vous ferait aucune peine étant donné le gaspillage de fausse sensibilité que vous faites pour rien ». Et Je parlais Ma grand’mère disait de ces choses, par ex Donc je ne pouvais mal agir être blamé des les dire à Albertine, Pas plus que je ne de lui avoir annoncé que j’irais chez les Verdurin, puisque mon père avait de ces brusques décisions qu’il me signifiait tout à coup de la façon qui à deva pouvait le plus m’agiter. Or, tout en gardant ma Autr d’enfant que je connaissais été qui n’ait dit à propor nature et qui me faisait bien comprendre les tristesses celle d’Albertine les regrets et cet affolement d’Albertine et me donnait m pour les atteindre l’habilité que donne à un policier qui a été lui-même voleur, depuis que je devenais homme, la sagesse trop inflexible de ma grand’mère, et la volonté [dans] les velleités [ ?] l’un et les autres arbitraires demon père, si longtemps extérieures à moi 276 plus + un amour, ma jalousie pour elle, donné seulement l’espoir de réussir là où j’avais échoué à Balbec, mais qui maintenant me [faisant] me pose des questions sur les personnes qui avaient pu les lui apprendre (dire cette fin mieux). Et pas tout de suite après mais un soir où je ne cranderais pas de la fâcher je lui demandera à [ ?] parfait : Ο 277 Ο « Albertine un jour je vous ai entendu dire le mot [ ?] est-ce que vous pourriez me dire pour q.q.chose que j"étais pour que cela m"[ ?] de voir comment le langage se forme qui vous a dit la 1er. Fois » Je lui demandais [aussi/assez] curiosité comme je lui avais ce jour là demandé [ ?] : « Pauvre vieux »mais ma curiosité [ ?] douloureuse. Un jour (voir quel jour, il faudra que ce soit à un endroit où il y a un vide pour boucher un trou) je sentis tout d’un coup un grand désir de déjeuner avec mes amis, près d’un grand feu, je sentais une odeur de [ ?] saison parfumé, je me j’aurais volu entendre les musique madelaine des [ ?] de Doncières, je vis du haut brouillard d’une fenêtre du chateau un parc noyé dans la brume : des C’est que je venais d’entendre, aussi évocateuses des [ malinées] brumeuses que à la can que l’odeur de pétrole des champs brulants en juillet, le [ ?] de [ ?] à [ ?] qu’o bientôt venait d’allumer. Mais aussitôt il me rappela à ce joyeux désir une douloureuse inquiétude se mêle, comme un des tristes instruments [assoudis] belot, un allegro joyeusement commencé : vous venez de me rappeler dans cette convalescence avec Albertine lu jour où je l’avais embrassé la 1er fois et ces mots selection, distingué [ ?], qui avant ve jour-là, comme je n’avais lui avoué ma jalousie en me donnant l’idée de’une vie nouveautés sensible et [ ?] dans as vie, ne lui ce jour là comme je n’avais + ne m’avaient 278 je me disais : si je ne l’aurais pas, je ne suis pas méchant avec elle et peut’être elle n’aurait pas de gratitude mais car je ne serais pas aussi méchant avec elle. Mais je suis moins gentil, lui suivant. Certes la seule manière le la J’aurais pas lui avouer mes mes rass frontière que dont j’avais osé avec elle en la faisant surveiller par Andrée. , faire excuser ma méchanceté pour Albertine, et même la frontière dont j’osais avec elle depuis quelque temps en en lui avouant mon lui avouer mon amour – mais cet aveu n’est-il pas refroidi Albertine on [ ?] plus que d’ailleurs peut’être rien appris à Albertine, gentille, car eut peut’être refroidi eut peut’être Albertine puisque ma dureté et mes [ ?] – ont été été la mani seule manière de me faire pardonner les [miens] et les autres. Etre [ ?] et méchant avec ce qu’on aime 279 59 31r.º qu’elles avaient fit souffrir, av étaient venues depuis que j’étais homme., péritant se recréant dévellopant dans mon âme, alors que si longtemps elles étaient resté extimais à toute mon enfance qu’elles avaient fit souffrir, la sagesse trop inflexible de ma grand’mère et les velleités arbitraires [alors] Petit [ ?]. aurais de mon père. Certes Certes si je n’avais pas [aimé] été méchant avec Al Si je ne l’avais pas aimé J’aurais pu lui mon amour si avec elle depuis quelques temps confesser que j’étais méchant et, que j’avais été [ fourbi] en ce moment et rusé et que maintenant j’étais cruel, c’était [par] amour. Alors avoir été [fourbi] et rusé avec elle et maintenant est Si méchant, c’était si naturel. C L’’intérêt que nous témoignons aux autres, à en ne nous empêcha pas d’être c’est que doux avec eux et complaisant à ce qu’ils désirent, puisque cet intérêt est mensonger. Les autres Autrui nous est engendre indifférent, et l’indifférence ne pousse pas invite pas à la avouer cet amour avouer mon méchanceté. D’. Mais j’avais peur que l’aveu de mon amour d’Albertine amour est ne refroidi plus encore les sentiments pour moi que m’avait pu faire ma méchanceté dureté. D’ailleurs cet amour ne s’en doutait- elle pas ? Et puis s’il était la [considère] <ilegível> tracassais, il c’était aussi de gentillesse qui, et les seconds [suprimaient] 280 que Swann d’abord n’avait pas trouvé jolie Odette jolie, + tandis que Alb premier mon amour pour Albertine, même même s’il n’avait pas duré, même si les mes doutes étaient sans durée angoisse Amours suivants mon oublie puisque étaient nés d’ une angoisse le pressionnat qui n’avait pas duré mais avaient du rester tout de même involontairement aux autres, était [vivement] né ; involontairement d’un désir le premier jour de Balbec, d’un désir. 281 31r.º Capitalissime : quand je dis ( je me sais trop où qu’elle est à la fois ce que maman avait été pour moi et ce qu’Odette avait été pour Swann, j’Ajouterai après le mot Swann, et avec une phrase Flaubert, exc avec cette différence pourtant entre tant d’autres, car ce qui a le plus d’analogie dans la vie n’est jamais [ ?] fut pareil Alors si c’était l’apaisement du baiser de ma mère à Combray que m’apportait d’habitude Albertine, ces soirs là, ce que j’éprouvais c’était bien l’angoisse de Combray les soirs où ma mère fâchée, ou [ ?] par des invités ne montait pas me dire bonsoir. Non pas peut’être seulement cette angoisse de Combray transposée dans l’amour. Non ; cette angoisse encore indivise quand on est enfant et qui se spécialise plus tard dans l’amour quand le partage des part, quand la division des passions se fait, cette angoisse d’abord qui est encore indivisible s’éteind à toutes pendant l’enfance, cette angoisse encore indivise pendant l’enfance, il semblait que d qu’elle le fit déjà redevenue dans ma vie courte comme un jour d’hiver où le soir vient vite, vies vie vie où une sénescence prévue rassemblait déjà tous les sentiments en un seul, de sorte que c’était avec un les tendresses d’un frère d’un [ ?] d’un fils d’un terribles de ne pas posséder [ ?] toujours amant que je portes [garder] auprès de moi Albertine auprès de moi mais un temps où 282 Quand je suis jaloux dire : En somme j’avais beau voir Albertine à Balbec, savoir beaucoup plus ce qu’elle faisait, ma curiosité impuissante et douloureuse était en abîme que des renseignements sur toutes ses occupations me pourraient combler. Eusse-je pu la garder nuit et jour à côté de moi 0 [ ?] comme le et pas heureux que et le [génie] dans visible et une nuit qui pendant qu’il dort est trompé, cela ne m’eut servi à rien. Car un être humain car un être humain n’existe pas que dans l’espace, mais dans le temps où la personne + de Combray quand j’avais quelquechose me faisait de la peine et qui devait m’empêcher de dormir je saurais pouvais encore la traduire ne disant dire j’ai de la peine, je ne pour à maman qui ne la causait : j’ai de la peine je ne pourrai pas dormir. Maintenant Depuis bien longtemps ma manière de le traduire n’était que d’avoir froid l’air indifférent de parler des choses indifférentes et [ ?] me faisait faire avec progrès vus une solution. Mais je ne saurais plus dire je suis [ ?] 283 61 32r.º + comme une comète traîne derrière elle une longue queu. J’aurais en avoir Albertine sous une [ ?] dans l’espace, attaché à elle, donnait sa formeà sa personnalité, [ ?] peu se [ ?], son [passément] échappé. n’invite pas à la méchanceté. bientot Je sentais que chaque minute me rapprochait viendrait elle me dirait bonsoir La soirée passait, que bientôt elle me dirait si elle ni moi ne prendions l’initiative pour que le baiser qu’elle me donnerait en me quittant peut m’apaiser d’abord vraiment, il eut fallait que’les elle ou moi prit l’initiative nous de faire la paix il si elle ou moi voulait[ons] prendre l’initiative de faire la paix, de recommencer à nous embrasser, il n’y avait plus grand temps avant qu’elle allat se coucher. Aucun de nous n’en avait pasencore pris l’init comme autrefois à Combray les soirs où maman me disait un bonsoir fâchée où je n’osais pas la rappeller initiative. Je sentais que chaque minute me rapprocher du moment où elle me dirait bonsoir. Elle me le disait , . Mon s [j’avais] Mon coeur battait Son Le froid baiser que si Mais son baiser d’où elle était absente et qui ne me pendant trouvait pas me laissait si anxieux que jusque pendant les le coeur palpitait les quelques secondes qu’elle mettait pour aller jusqu’à la je la regardais pour aller porte je comptais chaque pas qu’elle faisait jusqu’à la porte en me disant encore aller jusqu’à la porte en me trouver un prétexte la retenir disant : « Si je veux la rappeller, faire la paix, elle n"a plus que" – Fois sans à faire, plus que deux, plus qu"un, elle tourne le bouton, elle ouvre, elle a refermé la porte, 284 Qu’elle le fasse paraître plus jeune un ne lui coutant plus c’est tout ce qu’elle demanda en rien et si elle m’épousait en lui attendant si Albertine de rapportant quelquechose (car il n’y a nul doute que cette tante délicate ne trouva alors la majeur de se faire donner une comission) recevoir la comission que cette parente délicate saurait bien se faire donner ! 285 32r.º (N.B pas trop tard pour préparer à l’idée de l’indélicatesse de Ml Bontemps) A un moment Albert de ce cahier ou d’une autre Albertine me demandera si je tiens à ce qu’elle porte toujours cette coiffure. « Ma tante trouve que cela me veillit » dit-elle d’un air maussade. Puisse sa tante dire vrai pensais-je à part moi. Elle désire qu’Albertine ait l’air d’une enfant pour paraître elle même plus jeune maintenant qu’il nelui suffit plus de laisser couler ses boucles rousses le long de ses joues. Mais si Albertine pouvait dehors avoir l’air vieux, être laide, au lieu d’avoir cet air provocant et et mutin qui fait [relever] tout le monde, combien je serais plus tranquille. La vieillesse d’une [ ?] rassure moins un amant jaloux que la vieillesse de visage de celle qu’il aime ». Mais j’étais ennuyé que la coiffure que je lui faisai adopter paraît lui être une castration de plus. 286 à Combray, des mois j’avais la ressource d’envoyer [ ?] porter un mot à maman prétexte d’aller frapper à sa chambre. Mais non, rien 287 63 33r.º c’est trop tard ! » « Non, peut’être pas, je me levais je me passais et repassais dans le couloir espérant qu’elle dans ces salles à manger on a soudain sortirait de sa chambre et m’appellerait ; il me semblait me postais d’Albertine avoir et je restais immobile à la porte pour ne pas risquer de prendre ne pas entendre un faible appel, je rentrais dans si elle par bonheur elle n’aurait pas oublié ma chambre [ ?] si s’il n’y avait pas par hasard oublié un livre, un mouchoir, quelquechose que j’aurais pu [paraître] qui m’eut donné le avoir peur qui lui manquait et voulu lui rapporter. Non, rien. Je revenais me mettre dans sa porte. Mais je n’entendais pas de bruit, elle était couché, se il n’y avait plus de lumière sous la [porte], elle avait éteint sa lumière, elle était couchée, je restais là immobile, espérant je ne comptant sais quelle chance qui ne viendrait plus venait pas ; et longtemps après, glacé, je revenais me mettre dans mon lit sous mes couvertures et je pleurais toute la nuit. Le lendemain du jour où elle avait manifesté l’intention faire une visite à Mme de’ aller et les Verdurin, elle n’alla pas chez celle-ci. Je lui fis dire que cela m’était égal, mais elle avait changé d’avis. A la fin de la journée je me leva Je me levais pour le diner, [ ?] en habit. Et quand Albertine rentra : « Ma [jetile] chérie lui dis-je, d"abord je commence par vous dire que cet habit je vais l"enlever si vous [voulez] [venir] 288 289 64 34r.º que je reste ici. Mais j’avais envie d’aller il, en si longtemps que je n’ai vu du monde que j’avais pensé aller passer une heure chez dans tel ou tel de mes amis, peut’être chez les Guermants. S’ils sont là. Je vous retrouverais vers onze heures. Mais le plus gentil ce serait que vous veniez avec moi. Cela me ferait plaisir qu’on connaisse un peu ma petite Albertine, je serais si fier de vous emmener. Elle reponda. « Je ne connais pas tous ces gens là, cela ne m"amuse pas. Je tiens à ce que vous alliez « et en vous attendant je causerai avec votre mère et je ferai de la musique ». « Si c"est parceque vous ne les connaissez pas, voulez-vous que nous allions voir des gens que vous connaissez, les Verdurin dont c"est le Vendredi ou les Cambremer qui sont revenus depuis quelques jours. Ils seraient ravis de vous voir ». « Non je cela m"assome Allez de les voir. Je suis fatiguée. Allez et revenez bientôt ». « Alors, voulez-vous que je vous laisse chez ou que je lui dise de venir vous voir ». « Mais non je ne veux voir personne ». Je dis que je ne savais où j"irais et j"allais chez les Verdurin. Les Verdurin 290 291 35r.º Elle n’alla pas le lendemain chez les Verdurin et, me fit dire qu’elle y avait renoncé et irait se promener à cheval avec Andrée, si je ne voyais pas d’inconvénient à ce qu’elle eu fit venir du manège. me dire au revoir Elle vint m’embrasser avant de partir sortir : « Soyez prudente Albertine, songez s"il vous arrivait malheur ne fait pas d"exercices de voltige comme l"autre jour. Pensez, s’il vous arrivait un malheur, je crois je deviendrais fou ». Tels furent les mots que je lui dis. Mais Au fond je ce n’était que des mots. Je me disais comme rappelais ce qu’on m’avait raconté de Swann quand il pensait à Mahomet II qui avait se rappelant quand Odette chaque fois souhaitant que quelque et la phrase de Mahomet II et qu’on m’avait racontée avoir honté Sw être venue souvant à l’esprit de Swann quand sortait Odette et je me disais que se tout en souhaitant pour elle qu’elle vécut, je me disais que sa mort aurait supri été la supression de mes souffrances, m’aurait rendu ma liberté d’esprit et ma liberté d’action. elle pas certes, sans me dire plus sans me dire jamais qu’elle ne A partir de ce jour elle ne voulait plus jamais sortir seule. On eut dit qu’elle devinait que je’étais n’ voulait pas sortir se un seul instant sans Andrée ou sans ma mère, c’est à dire sans une personne avec qui j’avais confiance car c’eut été me dire qu’elle 292 293 69 36r.º devinait mon manque de confiance que je ne lui avais pas avoué A pa elle s’arrangea pour ne jamais sortir sans même un instant sans Andrée être avec Andrée, ou avec ma mère. Je ne lui avais pas dit je n’ai pas confiance en vous, elle ne me dit jamais : « Je sais que vous n"avez pas de confiance en moi et je veux essayer de calmer vos soupçons. elle ne me dit qu’avant : je sais que vous n’avez pas confiance en moi, je et je veux essayer de calmer vos soupçons » « ni « je sais que’ Andrée vous dit tout ce que je fais » ; mais elle ne me le dit jamais ; mais ne fut-ce pas le sens ce’ le pensait elle pas peut’être le pensait-elle puisque dès lors elle s’arrangea à ne plus jamais sortir fut-ce un instant sans elle être avec Andrée, ou avec ma mère. Et même quand le téléphonait n’était pas chez moi était chez la concierge chez la concierge, elle s’arrangeait sous un prétexte quelconque à emmener avec elle soit Andrée, soit ma mère, sans doute pour que je puisse être sur qu’elle n’avait rien dit pour le téléphone qu’elle ne dit pas on n’avait profité pour sortir de la maison. Je ressentis en effet les précautions qu’elle prit pour calmer ma jalousie me donnèrent en effet un 294 295 71 37r.º certain calme mais elles m’éffrayèrent aussi. Cette inquiétude que je ne m’étais pas avouée à moi-même, si Albertine je l’avait en avait conscience et comme de quelquechose d’important et de [durable], elle devait se sentir chez moi comme et une comme une prisonnière, qui me ne peut même sortir que sous la garde d’un geôlier. Elles en montraient qu’Albertine concevait sa vie chez moi comme une captivité avait des intuitions, des projets dont elle chez Albertine l’intuit laissaient supposer chez Albertine la’intuition découverte- que je n’avais pas faite moi-même secret et jamais avoué tout un travail d’esprit dont elle ne m’avait rien confié et avait qui lui ayant donné l’idée que je n’avais en moi-même et même pendant ses sorties véritable qu’elle était chez moi dans une véritable captivité, ne sortait que sous la surveillance d’un geolier, la conduirait peut’être sans qu’elle m’en avertit davantage peut’etre détestée dont elle détestait peut’être ne supportait peut’être le joug parceque sans me le dire davantage elle Mais sans avait décidé qu’il ne serait que temporaire. Plutôt que attendre qu’elle le secourat d’attendre qu’elle le secourait je voulais y mettre fin moimais [ ?] allais me même, et espérant chaque jour que le lendemain je’me mettre non seulement au travail mais à sortir d’une façon chaque jour d ‘elle un régulière, je continuais d’accepter sous sacrifice 296 dont son visage rond comme un oeuf rose était rempli. de ses yeux y sentais tantôt l’espérance, tantôt le souvenir, tantôt le renoncement et le regret 297 73 38r.º 46 46 auquel je croyais mettre fin le lendemain. D’ailleurs était-ce un sacrifice, elle prétendait que non. Je l’incitais à sortir, à aller faire des visites, je lui disais qu’elle menait une vie de prisonnière, elle me répondait comment pourrais-je être plus heureuse ? » Mais certains soirs je sentais dans ses regards muets yeux le regret de joies que’ellene me do je ne devinais pas et auxquelles elle préférait renoncer plutôt que de me les dire. Combien alors je souffrais de cette position où nous a réduits le caprice de la nature quand elle a institué la division des corps et n’a pas permis l’interpénétration des êtres, combien je souffrais de’être av me trouver auprès de l’âme de cet autre être comme un spectateur qu’on n’a pas laissé entrer dans la salle et qui par l’oeil de boeuf d’une porte colle ses yeux à un l’oeil de boeuf de la porte sans pouvoir rien apercevoir de ce qui se passe sur la scène. A quoi bom demander à Albertine ce qu’elle voyait à ce moment là de quels spectacles intérieurs Et toute la soirée longtemps Albertine gardait dans ses yeux le reflet de spectacles intérieurs dont la contemplation qu’elle était seule à contempler et qui l’empêchait d’être ce soir là d’être d’être pareille unie à moi, pareille à moi qui ne pouvais les contempler. A « A qui pensez-vous ma 298 299 38v.º + compacte et joyeuse de gens qu'elle connaissait puisque tous et ne me disait pas [emplisser] les miens + puisque tout le monde je me disais qu'elle y avait refletis peut'être de mauvaises relations dont je croyais voir dans derrière les yeux brillants d'Albertine, comme dans les rapide glaces trompeurs d'une voiture les feux [immuables], immobiles, [?] et mobiles. Alors sous ce visage rose encore comme tout l'heure mais pourtant trop [?] pour moi pour qu'il peut s'être indifférent 300 (metrre en son corps) Elle me parlait aussi des ses promenades en voiture dans avait qu'elle faisait(fait) avec des amies dans la campagne à hollandaise, de retour par les rues d'Amesterdan où jusqu'à des heures tardives il y en dans [?] avait du monde dehors où elle avait peut'être [dont] Elle y con une foule où [dans] elle elle connaissait+ 301 75 39r.º 47 chérie» «Mais à rien». Quelquefois pour répondre à un reproche que je lui faisait de ne me rien dire, elle me racontait donnait sans précision aucune, des détails que ne pouvaient une sorte de «fausses confidences», des promenades en bicyclette qu'elle faisait à Balbec avant de l'année d'avant de me connaître et comme je l'avais supposé la 1ere fois que je l'avais vue. Et l'évocation de ce temps insinuait dans ses traits ce même mystérieux comme si j'avais déviné du juste en rend autrefois en inférant de lui qu'elle était une devait faire de longues être une jeune fille très libre faisant de longues parties de bicyclette, l'évocation de ces promenades insinuait dans ses traits le même mystérieux sourire que je lui avais qui m'avait séduit en elle, le premier jour, quand je ne la connaissais pas encore à Balbec. Aussitôt je jetais sous ce rose encore comme tout à l'heure mais trop visage trouve que je n'avais pas revu depuis si longtemps le sourire que je qu'il peut m'être familier et indifférent, je sentais sa se [eusse] comme un gouffre à mon coeur [?] un [réseau], l'espace inexhaustible des jours que je Alors je comprenais combien je me trompais dans les soirs heureux où je m'excusais auprès d'elle n'avais pas connue. Comme je me trompais en croyant duelles [?] qu'un ornement [?] n'était qu'elle aimer li avoir dans ma chambre que une belle rose [?] aux plis nombreux, qu'une belle oeuvre d'art, une attentif et câlin statue un ange de crêche musicien, aux cheveux cres joues rebondies, aux cheveux crespelés, à tout mettre du mieux captive une merveilleuse Princesse de la Chine, possédée à 302 303 77 40r.º 48 l'aise de tous et ceux qui venaient me voir ne devinaient pas plus enrichir ma demeure de sa présence mystérieuse dont que cet homme personnage que personne ne devinait qu'il avait dans enfermé dans une boutielle la Princesse de la Elle Chine. Elle était mon elle pouvait être tout cela un moment où des moments au aux moments où justement je l'aimais le moins parceque j'étais heureux de la posséder comme une fleur, comme un ange de crêche, comme la Princesse de la Chine et qu'on n'aimes pas vraiment ce qu'on possède. A d'autres moments, plus douloureux et où je l'aimais davantage car on n'aime vraiment que les choses sous l'apparence desquelles on poursuit une réalité innaccessible, elle était presque une Grande Déesse je cet un sentais se verser en elle comme un âbime où se pressaient sans que je puisse les apercevoir le torrent des jours sans que je puisse l'apercevoir écoulés. où se pressait le torrent des jours écoulés. Je pouvais toucher ses mains, ses joues, mais comme on coquillages manie ces fleurs l'écorce de ces fleurs au fond desquelles habite quelque ref le rayon originaire d'un la rumeur ou le rayon originaires de l'océan immémorial ou d'un astre pouvais l'envelop caresser cet l'envelopper de'cet être inconnu, je caressais l'envellop un être que je sentais donner par ailleurs donner sur un infini. 304 305 79 41r.º pour Pendant qu’elle était sortie, sa tante vient me voir ma mère qui et de ma liberté Pendant qu’elle était sortie Quand elle rentre Andrée vient me dire bonjour. Hé bien vous n’êtes pas allées chez les Verdurin ? Non nous sommes allées à Versailles. Je vous remercie. Cette promenade m’a fait un bien. Je n’ai pas beaucoup d’air cette année ». « C’est vrai vous n’avez pas été longtemps cet été à Balbec ». « Cela a été une mauvaise [ ?] je devais revenir y passer la fin de Septembre et Octobre et puis juste la ville de 15 le 14 Septembre, le voilà que j’ai une soeur est tombée malade et alors il a fallu que je reste près de ma grand’mère. C’est encore bien tombé heureux que que ce soit je l’ai appris le 14 Septembre. Je l’aurais Dans Il y a en au moins cela dehors que je [ ?] au temps. Un jour plus tard la [ ?] de, nous avions un mois et demi de plus de location à payer pour notre chalet » « Pourquoi cela ? » « Parceque notre lou avions [ ?] recommencait le avions loué en 3 fois, nous avions un terme à payer le 15 Septembre et alors cela recommencait jusqu’à la fin d’Octobre. Hé bien c’ 306 307 81 42r.º est juste le 14 Septembre que j’ai appris que je ne pouvais pas revenir, j’ai vite télégraphié à Albertine pour qu’elle prévienne le propriétaire et ainsi tout a été arrangé ». C’était le 14 Septembre qu’Albertine m’avait dit le matin qu’elle ne pouvait pas quitter Balbec et encore « Qu"est-ce que vous avez me dit Albertine le soir. C"est encore les Verdurin. « Non ma petite Albertine je n"ai rien. Mais il y a des gens méchants qui essayent de nous brouiller ». « Je m"en doutais, cela devint [ ?] ». On voit que vous m’aimez bien, alors naturellement on s’in[ ?]. Mais pourquoi y faites-vous Et je lui dis que maintenant ce n’était pas avec [ ?] qu’on m’avait dit qu’elle avait des relations mais avec Andrée ». « Avec Andrée d s"écria-t-elle d"un ton où je ne sentais pas ironique, au fond duquel je ne sentis plus de volonté de paraître étonnée que que d"étonnement véritable ». Je lui dis que je n’avais pas voulu lui parler de cela mais qu’il y avait une quinzaine de jours une mot lettre si veille de notre anonyme m’avait ra m’avait appris que elle jour où elle départ de Balbec Albertine m’eut m’avait dit le matin qu’elle ne pouvait pas partir et le soir m’avait demandé à partir c’est que dans l’intervalle elle avait reçu 308 83 43r.º une lettre d’Andrée lui disant qu’elle ne viendrait pas. « Je sais très bien qu"Andrée m"a écrit qu"elle ne viendrait ne pas pas, je elle m"a même télégraphié, je peux vous montrer la dépèche+ vous voulez je crois que je l"ai encore parceque je ne l"ai pas gardée, mais ce n"était pas ce jour là, d"ailleurs c"aurait été ce jour là, qu"est-ce que vous voulez que cela me fase qu"Andrée soit venue à Balbec ou non ». Mais Albertine ne’avait n’avait pas dit qu’elle mettait en doute la lettre anonyme Quand je disais ainsi renseignements quelquefois à Albertine que je recevais des lettres et que anonymes, elle en me disant elles m’accueillaient de mes paraissaient sinon paroles avec n’avaient pas l’air de la laisser sceptique du moins la rendre [ ?], et qui revenait presque au même. Car elle avait l’air elle n’avait pas elle ne manifestait aucune incrédulité mais la même mauvaise prenait le même air, non pas sceptique, mais irrité comme si elle eut cru que me disait jamais n’a ne avait n’avait pas elle ne d n’eut ne manifestait que ces renseignements c’était moi qui les avait demandés mais elle aucune incrédulité mais la même colère contre moi que si manifestait la elle ne m’avait pas cru, et n’eut supposé même mauvaise humeur humeur contre moi que si elle l’avait cru. Cette fois sa colère s’étendit à Andrée et sans jusqu’ 309 75 44r.º voyait sans doute que maintenant je ne serais pas plus tranquille quand elle sortirait avec Andrée que seule elle s’écria : « D"ailleurs Andrée m"exaspère. Elle a été assomante tantôt. Je ne veux plus sortir avec elle. Quand vous pouvez sortir nous sortirons ensemble. Quand vous ne pouvez pas si votre mère veut de moi, ou quand ma tante viendra à Paris si elle veut sortir avec moi, j"irai avec l"une ou avec l"autre. Mais je ne sors plus avec annoncer vous ont dit Andrée. Vous pouvez le" dire aux gens qui croient que je suis revenu à Paris pour elle ». « Mais ma chérie puis le comment voulez-vous que je leur annonce puisque ils ont écrit une lettre anonyme. Vo Nous n’avons qu’à nous en moquer ». Je Mais elle et continuait à me regarder et dans ses prunelles avec l’attention qu’on prête à quelqu’un qui n’a pas encore fini brute de parler Cette réponse était si juste que qu’elle aurait du dissoudre dans les yeux d’ Albert Albertine les objectifs et les doutes que je que les remplis je voyais cristallisés dans les prunelles d’Albertine. Mais elle les laissa intacts ; et m’ je’ avais beau avoir fini étais tu et elle continuait à me regarder avec cette attention persistante qu’on prête à quelqu’un qui n’ 310 87 45r.º a pas fini de parler. « D"ailleurs par le temps qu"il Le lendemain fait finit-elle par dire, je ne serai pas bien malheureuse de rester à la maison ». Mais le lendemain je m’éveillai sous un ciel d’Italie. 311 89 46r.º 49 Albertine Quand je m’éveillai Le lendemain je m’éveillai sous un ciel d’Italie Albertine venait de partir pour sa matinée. Je repris le Figaro que j’avais laissé en voyant que mon article 312 91 47r.º n’y était pas (le dire mieux) et mes yeux tom je cherchais si aux nouvelles théâtrales on ne parlait pas de la matinée où allat Albertine pour voir ce qu’elle entendait ; et je lis ces mots : « Au programme de la matinée que nous avons annoncées hier nous venons ajouter le nom de Mlle Léa qui a tenu à donner son concours etc ». C’était la commédienne qui était à Balbec et était amie des deux jeunes filles qu’Albertine sana avoir l’air de les voir aurait regardées dans la glace. Je n’avais plus pensé à elles depuis Balbec ; ce sa ma mémoire comme ces terrains sur lesquels ont plu les projectiles étaient était encore pleine il fallait Albertine allat Peut’être serait-elle là seraient-elles venues applaudir leur amie et Albertine les les retrouverait-elle. Qui sait alors ce qui se passerat. Et je n’étais même pas certain qu’elle ne connut pas Léa. En tous cas quel danger de le lui laisser voir ainsi, embellie par la scène, par le succès. Je sortai à [ ?] de mon lit et pour faire plus vite « F j"appelai Françoise. « Françoise vous allez prendre le taxi l"automobile q le plus rapide que vous allez pouvoir trouver, vous allez vous rendre à le Porte St Martin Trocadéro. Vous prendrez un billet, 313 93 48r.º si la matinée est déjà commencé vous entrerez, vous regarderez partout jusqu’à ce que vous aiyez vu Mlle Albertine et d vous lui direz que j’ai quelquechose de très important à lui dire qu’elleveille bien sortir un moment et venir m’attendre devant la pâtisserie au coin de l’avenue Henri Martin. » » Pendant que’Albert Françoise partait je m’habillai vite, mais du moins pendant si De cette façon Albertine ne serait toujours pas au Trocadéro pendant le temps que je mettrais à me préparer et je m’habillai vite. Je Françoise revint comme je partais, Elle avait trouvé Albertine au promenoir qui était allée à l’orchestre prévenir Andrée qu’elle ne pouvait rester avec elle et qui était partie aussitôt m’attendre avenue Henri Martin. « Elle n’avait pas l’air fâché » « Pas du tout, elle est venue tout de suite. Il ne manquerait plus qu’elle soit fâchée, elle va voir Monsieur » « Mais je ne sais pas si cela lui fit si plaisir que ça ? de moi voir dis-je à Françoise pour avoir le plaisir de lui entendre dire que cela en faisait Albertine « Il faudrait qu’elle soit bien ingrate ». « Mais non je trouve que ce « Mais non je trouve que c"est moi qui suis ingrat, qui reconnais mal tout ce qu"elle fait pour moi ». Quand on aime on souhaite tant d’avoir l’air d’être aimé. Avenue Henri Martin je trouvai Albertine qui m’attendait l’air 314 95 49r.º nullement de mauvaise humeur en effet. Je lui dis que je venais de recevoir une lettre de la dame dont je lui avais parlé à Balbec et que je m’étais senti si bouleversé que faire appeler j’avais un besoin de la voir, comme elle m’en avait donné la permission dont je n’avais [aucune] jamais osé. Elle me dit que j’avais très bien fait, qu’elle était bien plus heureuse d’être avec moi que de rester enfermée par ce beau temps à cette matinée qui devait être assomante. Et nous [partons] faire un tour en voiture dans le bois. Il faisait un temps [insoleilleux] (dire mieux) j’étais attendri de la gentillesse d’Albertine et de sentir aussi à côté de moi, une [ ?] m’appartenant, celle qui loin de moi m’eut donné tant de préoccupations. Mais ce plaisir tout égoïste exclamait en quelque sorte ceux que la solitude m’eut donnés. Je voyais vis de la Seine à [Suresses] des plaques de soleil habitait à une région superficielle de moi-même de Dédoublé en quelque sorte, habitait à la fois mon corps et le corps aimé que j’avais à côté de moi, je ne pouvais descendre dans ces régions profondes de moi-même d’où j’aurais pu jeter nous jetons sur la nature un regard qui aurait eu une profondeur égale. Ceux Ils furent superficiels ceux que je à Suresses [peut] vis à Suresses et jetai à la Seine ma pleine de plaques d’or plus si miroitante que la voile blan rouge d’un bateau y dessinait un triangle rouge, à la petite église une maison 315 49v.º O possession était-ce se renouvelait sans cesse, en état jamais interrompu quand je la regardais, mes main sans Quand je levais mes yeux sur elle,ou même les tenais baissés, mes tous mes sens mains, mes lèvres mon toucher, ma vue, mon goût, mon odorant ne s’interrompaient point étaient si solidement tissés avec ma Pour ce qui la concernait, mes sons étaient si so sans la toucher où même de la sentir indissolublement. Tresses les uns avec les autres, qu’il ne suffisait de la voir près de moi, on se je regardais par la [ ?] [ ?] de l’entendre me parler, ou si je ne la regardais ni ne l’entendais, de sentir sa robe, de seulement de la savoir à côté de moi, pour que ma vue, ce l’[ ?] <ilegível> à moi mon toucher, mon odorant, mon goût fussent autour dans’elle un réseau qui fussent d’elle complément comme une amorce [ ?] de moi-même, cependant que ma pensée [infusée] en son corps qui s’y infusait cherchais le [ ?] Dans ce corps annexé au mien s’infusait ma pensée inquiète et caressée. Q et que je la sentisse où je le tenais suspendue, lourde, opulente et captive et pourprée comme un fruit opulent et doux. Quand arrivée devant (suivre au verso suivant) + de son volume elle fut près de moi comme un fruit opulent empourpré et doux. Certes Mais Sans doute pour p C’était la possession d’un corps. Certes pour posséder, il faut aimer d’abord avoir désiré, il avoir aimé. Nous ne Qu’ possédons les lignes, les volume surfaces il s’agisse de la’art ou de la vie, nous ne possédons si une ligne, une surface, un volume que si notre amour l’occupe et s’y tient. M La supputation de mes lèvres, C’est parceque l’ de mes mains L’imagination de mes yeux, de mes mains, de mes lèvres eussent colore constant à Balbec si solidement [constant], si tendrement poli et caresse le corps de d’Albetine, qu’elle occupait à côté de moi dans la voiture, là ou toute autre personne se fit évanouie en une poussière caus impersonnel de chair et d’étoffe la consistence d’un fruit opulent et doux. Cette pensée de possession était constante D’ailleurs cette pensée de O 316 C’est que Le plaisir que j’avais à l’avoir à côté de moi était tout égoïste, et pourtant infiniment plus profond que’un plaisir tout autre plaisir mondain et d’ambition, était pourtant un plaisir égoïste. Sans doute pour avoir sentir qu’on a un être à côté de soi, il faut d’abord l’avoir longtemps désiré ; il faut Balbec j’avais pu assez cons j’avais mes reg mon désir sans organes autres organes que mon désir, j’avais assez construit colo poli, coloré, parfumé le corps d’Albertine pour que maintenant elle fut près de moi dans la consistence + 97 50r.º rouge de St Claud comme un coquelicot blottie dans le ciel comme un coquelicot, à des effets de lumière et d’ombre qui enchantèrent Albertine parcequ’elle ignorait ce que c’est que regarder vraiment la nature et que le plaisir lui vient seulement de dehors et qui m’ennuyèrent parceque je me [ ?] à les constater d’un regard superficiel. Quand nous rentrons, el j’eus la satifaction de voir ce joli corps descnedre devant moi s’engouffrer sous la voiture, monter avec moi, comme si elle avait déjà été ma femme. Mais en même temps j’étais déçu de sentir que ma vie resterait de plus en plus fermée à ce qui en pourrait cette satisfaction était toute négative, ne faisait que supprimer les inquiétudes que j’aurais pu avoir, j’étais déçu parceque je de sentir que ma vie serait de plus en plus fermée à ce qui en ait été les b joies véritables, comme un h et je me disais comme un homme qui aurait dans un [ ?] ce qu’on appelle une belle situation et s’en feliciterait tout en ne menant pas la vie moins rustique et brillante moins brillante où il eut [chalet] et [donné] et du bonheur. Ma mère ne dînait pas ce soir là à la maison. Je proposai à Albertine qu’on nous servit dans sa chambre nous nous fîmes servir Albertine et moi dans Pa sa chambre, dans cette chambre où qu sa chambre où elle passait de plus en de plus temps à dessiner et qui était comme 317 50v.º ma porte (mais peut’être mettre les brunantes qui s’obscurcissent et la lune prématurée que j’avais peinte pour la promenade à St Claud) et qu’elle descendit devant moi, elle était je la suivis avec, mais mes sens l’enveloppement encore et, mes mains aut autour l’imagination de mon toucher enveloppait sa taille, q celle de mes muscles soulevèrent son corps, et je la sentais dans disparaître mes mains comme tout en la voyant s’alonger devant moi d’où elle ne bougerait plus ce soir dispa de cette main on qui était [même] et ma sous la voiture, je la sentais, dans ma main lourde, captive, ssavoureuse odorante, empouprée, comme si j’eusse rapporté un fruit opulent et doux. Sans doute c’était en grand apaisement pour moi que cette possessi 318 99 51r.º la bouteille bien close où je sentais enfermée ma Princesse de la Chine. Un lustre l’éclairait en pleine lumière et je me levais entre chaque plat pour l’embrasser. Autour de nous [couraient] des bibliotèques, je sortais des temps en temps un livre et lui lisais des vers qu’elle trouvat beau en un passage d’un livre de mémoire qui la faisait rire. Vers 8 heures ½ je lui dis : puisque « d"être sorti aujourd"hui me donne envie de sortir, vous ne viendrez pas avec moi soit chez les Guermants qui seraient ravis de vous connaître, ou chez les Cambremer, ou chez les Verdurin ou où vous voulez ? » « Non, allezvoir les j"aime mieux rester ici » ; je serai très bien avec tous ces livres, sortez vous me ferez bien ». « Vraiment cela ne vous ennuie pas »,mais « Mais non, au contraire je suis ravie que vous vous distraiez » « Je serais si fière de montrer « Hé bien et vous » « Moi je suis très heureuse comme cela » « Je serai ici vers 10 heures ». « Mais non, ne rentrez qu"à minuit vo je vous n"aimez pas vous coucher tôt moi non plus, je pourrai rester avec vous jusqu"à 2 hs, aussi tandis que vous voudrez ». J’av Et je partis chez les Verdurin Soirée Verdurin. nous sortimes de chez les Verdurin Quand je rentrais le ciel une legère ondée était tombée, le ciel de nouveau brillait était plein d’étoiles. Avais-je vu un 319 tout cela et tout ce qui précède est à reécrire beaucoup mieux 101 52r.º un tel ciel en chemin de fer, il me donne l’envie de voyager ; dès que je ne serais plus jaloux d’Albertine je la qui je tâcherais que nous nous quittions, car j’étais pers l’obstacle que mon besoin d’être auprès d’elle mettait à de travailler mon désir de voyager me faisait croire que si j’avais été seule, je ne serais mais au oublier qu’il y a eu avant d’autres dans ma santé, dans ma paresse, dans mes mauvaises habitudes de vie qui si je fusse rentré resté sans elle m’auraient sans doute retenu à Paris sans rien faire. Conversation de retour avec M. d Brichot sur Charlus. Nous étions arrivés devant ma porte. Nous ne Il n’est pas tard vous ne voulez pas me conduire jusque dans ma lointaine [ ?] me dit Brichot. Je me disais que si j’y étais allé j’aurais pu rester à mi chemin et entrer chez la maquerelle dont m’avait parlé St Loup et chez qui à defaut de voyage à Venise j’aurais pu au moins connaître ici soit la femme de chambre de Mlle [Punttons], soit Mlle la jeune fille de bonne famille. Mais devant la fenêtre de la chambre d’Albertine dans notre appartement sombre, la fenêtre de la chambre d’Albertine laissait passer à travers ses volets une lumière qui signifiait qu’elle m’attendait peignant. Il fallait rentrer, et je dis adieu à Brichot avec un mouvement de regret, [mourant] de désir en pensant aux caresses que j’étais sûr de trouver, et 320 où j’avais été, je vis à l’ 103 53r.º pourtant un regret comme si j’avais refermé moi-même sur moi la porte de ma douce mais ennyante prison. Je n’avais pas pensé que j’ennuierais Albertine en lui dès que j’ais été disant que j’avais été chez les Verdurin. Mais jadis en l’ la chercher dans sa chambre et l’ais emmenée dans la mienne, quand emmener avec laquelle elle l’apprit qu’elle croyait que je lui dis + d’autant plus qu’en parce que m’ avait dit Mme Verdurin je sentais qu’elle avait du représenter à Albertine sa vie comme une captivité qu’elle avait trop bon caractère de supporter et qu’ elle devait m’ envoyer promener. Et sachant d’une part j’avais voulu elle chercher à savoir pourquoi elle avait voulu y aller. Peut’être avait-elle peur que je l’eusse appris, à tout hasard elle jugea préférable de ne pas me le dire. Mais je sentais qu’elle avait un air si ennuyé, si [ ?] que je craignais qu’elle ne prit en horreur la d’une part vie qu’elle menait chez moi + Et sachant que rien ne nous fait apprécier un bien que de croire qu’on va en être privé, d’autre part pensant que’ le meilleur moyen une [ ?] était par la réconciliation qui la suivait le meilleur moyen de ne pas nous quitter fâchés comme cela arriverait infailliblement à l’[envie] qu’elle avait, enfin peut’être par survivance de ma croyance du temps de Gilberte que quand une amitié ne marchait pas il n’y avait plus qu’à en fonder une nouvelle : « Ma petite Albertine en n"est pas parceque vous êtes fâchée que je vous dis cela car je vous adore, mais c"est parceque votre fâcherie me fait mieux comprendre combien la vie que vous menez ici vous est ennuyeuse pour vous, et pénible, comment vous vous satisferez 321 105 54r.º pour moi, voyez-vous il faut vous quitter. 322 55r.º Page Hurlus + mais j’avais quelque tristesse à penser que maintenant dédormais le plaisir physique n’était plus pour moi l’appat qui m’aiderait à pénêtrer dans des pays et dans des vies inconnues. Il Pour moi le trouver il ne me fallait plus Il n’était pas dans les rues ne dans un double sa [chassait] pas hors Et par une sorte de symbole car Albertine n’était pas seulement chez par une moi, elle était en moi, elle était devenue un complément, un double, une [amorce] de moimême, le plaisir n’était plus maintenant pour moi en dehors dans l’inconnu de la rue, des ce que je faisais ce n’était routes, des pays, pour le trouver il ne me fallait plus partir en voyage ou en n’était pas comme j’avais rêvé partir en voyage, ou simplement sortir c’était rentrer. 323 56r.º 157 Page Hurlus Hé bien vous D’en bas je voyais au second étage, la fenêtre + celui de notre, a la fenêtre d’Albertine dont la lumière passait sous irradiation les rideaux. émanation de la riche présence qui mettait d tant de plénitude dans mon appartement, devenue familiale et domestique qui appaisait mettait irradiation de la celle raison riche présence devenue familiale et domestique. Elle J’avais une sorte Je rentr d’une froide attente froide, d’une présence devenue familiale et domestique. Mais elle n’était mais plus et qui n’était plus mystérieuse que pour les autres. J Si je me [réjoiais] de penser que Brichot ne savait pas pourquoi je le quittais, c’était par un retour égoïste sur moi-même, et comme si mon corps se fut trouvé doublé, accru d’un autre corps invisible aux autres. Mais je sentais une tristesse que maintenant le plaisir Puis la pensée des caresses qui m’attendaient réveillèrent mon désir + lumière de la Je rentrai. D’en bas je vis la fenêtre d’Albertine éclairée qui m’attendait (le dire mieux). Mais j’avais depuis quelque temps si peu de plaisir avec elle que’elle fit l’effet de la fenêtre d’une prison, ce bonheur situé hors que perpétuelle j’avais cette présence d’Albertine qui remplissait ma vie n’y mettait plus de j joie. En apercevant cette fenêtre je pensai à cet autre être qui m’empêchait d’être seul, qui me faisait déjà mener d’avance si jeune une vie de famille et, je n’eus qu’un désir ce fut de m’en délivrer. Et quand je refermai la porte ma cochère ce fut comme si je refermais la porte d’une prison. Si encore Albertine avait eut l’air heureuse. Mais au dire de Françoise chaque jour elle devenait plus exigeante et quand je lui faisais dire de ne pas rentrer trop tard haussait les épaules. J’allai la chercher dans sa chambre et elle me conduisit à la mienne. « Hé bien vous êtes-vous amusé ». Du « Pas beaucoup j"ai entendu d"assez belles choses ». Et pour qu’elle ne put pas croire que j’avais voulu la lui cacher si elle le voyait le lendemain dans le journal, peut’être aussi pour voir si c’était à cause d’elle qu’elle avait était allée voulu il y a q.q. temps aller au Trocadéro : « J"ai 324 la comédie de la remplacer, je pensai, 109 57r.º d’abord entendu une personne assez commentée qui s’appelle Léa ». Elle ne répondit rien. « Vous savez bien, celle qui jouait à la matinée du Trocadéro où vous je suis venu vous chercher ». « Elle y jouait, s’écria Albertine sur un ton vif et dépité, comme si elle regrettait de ne pas l’avoir vu et que je l’eusse privée de l’entendre ». « On dirait Mon dieu ! quel regret ! » m’écriais-je irrité à mon retour. « Elle qu’est-ce que vous allez encore chercher » « Oh ! Albertine je n’aime pas « allez encore chercher » cela ne fait pas partie du vocabulaire de la personne Sans vouloir aller jusqu’à recommencer supérieure que vous devenez. Je pensai que le moment que je ne était puisque elle était de mauvaise humeur, je ne risquais pourrais pas trouverde vrai de rien de lui faire savoir ce que je lui caché depuis ce qui était plusieures semaines pour éviter une scène, et pour à en lui nécessaire pour reprendre mon empire et la soumettre montrant que je le savais reprendre l’avantage et faire le maitre. Après cela nous nous embrassions d’autant mieux que je n’étais plus jaloux de l’une ni de l’autre chose que je n’étais expliqué auxquelles j’avais trouvé des explication qui innocentait Albertine. « Albertine lui dis-je vous devez être moins amère. J"ai souvent à cause de vous des chagrins que je ne vous dis pas. » Des gens qui ne nous aiment pas m’envoient des lettres anonymes sur vous, je ne vous en 325 58r.º 111 parle jamais ». « Et que disent-elles ces lettres anonymes ». « Oh ! je ne j’en ai oublié les ¾ » « Ah ! il y un tant que cela » »Vous avez l’air de ne pas me croire ? » « Mais si, je mais si, je vous crois, allez toujours » « A dit-elle ironiquement. « Albertine vous n’êtes pas polie. Je vous citerai en [?] deux de ces lettres anonymes puisque vous avez l’air de ne pas y croire. L’une me disait que si v la ville de notre [ ?] de Balbec vous avez voulu le même jour en y rester puis en partir, c’est parceque entre vos [résolutions] vous avez été reçu une lettre d’Andrée vous disant qu’elle ne viendrait pas. 203 As abreviações são respeitadas (“1er” por “premier”, “Me” por “Mme”, “Mlle” por Mlle, “gd” por “grand”, “q.q.” por “quelque etc.), bem como os antigos usos ortográficos (“peut ´être” por “peut-être”, “grand´mère” por “grand-mère) e os hábitos de Proust (omissão do hífem, números em algarismos arábicos, locuções em uma palavra como “parceque” etc). Os erros ortográficos são respeitados, todavia os acentos são restituídos em caso de omissão, as maiúsculas são acentuadas. A pontuação é respeitada. O itálico assinala a presença de outro scriptor (secretário ou copista). As anotações manifestadamente posteriores à morte de Proust, de leitores ou colecionadores, não são transcritas. As palavras cuja leitura é conjetural são seguidas de asterisco. As intervenções eventuais do editor figuram entre colchetes. Palavras cuja decifração não ocorreu, devem ser assinaladas por [ill.] ou [n mots ill.]. Se não foi possível decifrar grupos de palavras, recorremos à menção: [passage ill.] 326 ANEXO A – Inventários dos cadernos 53 e 55. NUMÉRO DU CAHIER : 53 CHERCHEUR : SERVIN Catherine COTE N.A.Fr. DATE : 31 Mars 1982 16 693 Nombre de feuillets Cahier rédigé à l'endroit Cahier rédigé à l'envers Partie rédigée à l'endroit Partie rédigée à l'envers Feuillets restés vierges Feuillets arrachés ou découpés Feuillets collés Inscriptions sur couverture et pages de garde 64 X 2 v°, 7 v°, v° avant 10 r°, 25 v°, 26 v°. Tous les versos de 33 v° à 48 v° et de 51 v° au dernier v°. 2 r°, 4 r°, 5 r°, 22 r°, f° non n° après v° 33P, 25 r°, 26 r°, 29 r°, 28 r°, 30 r°. 1 r°, 5 r°, 9 r°, 10 r°, 15 r°, 18 v°, v° 33P, f° non n° après v° 33P, 24 v°, 25 r°, 26 r°, petite paperolle. néant SOMMAIRE 1. Fin du séjour à Balbec: la révélation, le bouleversement, les nouveaux projets et le début des images obsessionelles (2 r° à 11 v°). a) Le narrateur apprend qu'Albertine connaît Mlle Vinteuil b) Le narrateur, de retour dans sa chambre d'hôtel, réfléchit aux conséquences de cette nouvelle (3 r° à 7 r°) c) Entrée de la mère à qui le narrateur annonce sa décision d'épouser Albertine (2 r° à 10 r°) d) Le narrateur avec Albertine dans sa chambre L'obsédante question: Comment faire pour l'empêcher de faire ce voyage? (3 v° à 11 r°). 3 fragments isolés: 8 v°, 10 v°, 11 v°: 2. A Paris: Les promenades d'Albertine Et celles de l'imagination du narrateur (12 r° à v° 37 P) a) Conséquences immédiates de la présence d'Albertine à la maison (12 r° à 14 r°) b) Départ en promenade d'Albertine (14 r° à 16 r°) c) Les promenades de l'imagination du narrateur (16 r° à 21 r°) d) Albertine de retour de ses promenades (22 r° à f° non n° après 26 r°) e) On ne travaille pas en débarquant dans un pays nouveau (23 r° à r° 40P). 3. Les hiéroglyphes d'Albertine; le début du décodage (27 r° à 46 r°) a) Les mises en scènes d'Albertine (27 r° à 34 r°) Savoir interpréter son langage: le contraste entre ses intentions réelles et les signes linguistiques qu'elle emploie. (A propos de la soirée Verdurin) b) Le narrateur analyse la jalousie (27 v° à 33 r°) «Quelque chose de colérique et de dominateur» L'atavisme ; l'antithèse fondamentale: «C'est par excès de sensibilité qu'il est glacial». c) La prisonnière (35 r° à 46 r°) Pour le supporter ainsi, Albertine a-t-elle décidé que son emprisonnement serait temporaire? 4. La matinée du Trocadéro et la soirée Verdurin (46 r° à 58 r°) a) Le Trocadéro: le théâtre gomorrhéen (46 r° à 49 r°) Le retour des obsessions. b) La promenade d'Albertine avec le narrateur en voiture (49 r° à 51 r°) Les mensonges du narrateur. Son apaisement par la possession d'Albertine qui est aussi un obstacle aux vrais plaisirs. c) Le retour de la soirée Verdurin (51 r° à 58 r°) Qui est réellement prisonnier. Pressentiment d'un proche départ d'Albertine. Derniers efforts pour se rendre maître de la situation. INVENTAIRE DÉTAILLÉ 1. Fin du séjour à Balbec: la révélation, le bouleversement, les nouveaux projets et le début des images obsessionnelles (2 r° à 11 r°) a) Le narrateur apprend qu'Albertine ira rejoindre «la propre fille de Vinteuil» à Amsterdam (2 r°) b) Le narrateur, de retour dans sa chambre d'hôtel, réfléchit aux conséquences de cette nouvelle (de 3 r° à 5 v° et 6 r°, 7 r°) La «furieuse envie de vivre», que lui inspirait jadis la vue des «paysages matinaux», fera place désormais aux tracas (3 r°). Le narrateur revoit la scène de la chambre de Montjouvain dans laquelle il introduit à présent Albertine (3 r°). c) Entrée de la mère du narrateur à qui il va annoncer sa décision de se marier avec Albertine (de 2 r° à 5 v° et 6 r°, 7 r °, 10 r°) Il ne reconnaît pas sa mère d'abord (2 r° et 4 r°). Annonce du mariage dans les larmes qui suscitent l'incompréhension de sa mère (4 v°, 6 r°, 7 r°). «Ces paroles firent sans doute du chagrin à ma mère» (r° 7) mais elle ne s'y oppose pas. «Maman si nous demandions à Albertine de quelque temps chez nous à Paris»? (10 r°). venir passer En regardant la mer, le narrateur y superpose la scène de Montjouvain, et il y voit «Albertine pelotonnée comme une grosse chatte» (5 v°, 6 r°). Le sacrifice que représente ce projet de mariage pour le narrateur. (7 r°). d) Le narrateur avec Albertine dans sa chambre. L'obsédante question: «Comment faire pour l'empêcher de faire ce voyage?» (3 v°; 5 r°; 6 r°; 6 v°; 7 r°; 8 r°) Feuille intercalée (abréviation Fi); 10 r° à 11 r°. Le mensonge proprement dit: «J'ai quitté une femme que j'ai dû épouser» (3 v°). L'«Héritage»; l'appât du luxe (4 r°; 9 v°; 10 v° et 11 r°). «Ma femme aurait une auto et un yacht [...] puisqu'Albertine aimait tant faire de l'auto et du yatching, il était malheureux qu'elle ne fût pas celle que j'aimâsse» (10 v°). Les remèdes d'Albertine aux souffrances du narrateur (3 v° et 8 r°). Le narrateur lui propose de venir habiter à Paris avec sa mère et lui; avec lui seul, sa mère étant à Combray. Albertine refuse d'abord, puis accepte soudainement. (3 v°; 6 r°; 8 r°; 10 r°; 11 r°). Le «gros» cou d'Albertine «que j'embrassais aussi chastement que j'avais embrassé ma mère le soir à Combray» (3 v°; 8 r°; 11 r°). La «localisation arbitraire» de la jalousie du narrateur. Comment l'empêcher d'aller à Amsterdam. Mais elle trouvera aussi à Paris de quoi satisfaire ses goûts. «Je pensais sans cesse à Amsterdam, cette ville était comme une pointe douloureuse et permanente dans mon coeur» (9 r°; Fi; 10 r°). Il reste trois fragments isolés: 8 v° dans lequel Proust indique: «pour mettre un peu plus loin quand notre vie avec Albertine à la maison commence». Les rapports d'Albertine avec la noblesse. Mme de Guermantes. Elstir lui en a parlé comme d'une femme élégante. 10 v° dans lequel Proust indique: «quelque part capital dans ce cahier» (bruit de la brise glacée dans le vieil appartement de Paris). 11 v° Intervalle de temps qui le séparait d'Albertine. Le temps et l'oubli dans l'amour. (Gilberte) «Mais pour Albertine l'intervalle avait été moins long, j'avais encore pu la rejoindre et l'aimer». 2. A Paris: les promenades d'Albertine et celles de l'imagination du narrateur (12 r° à v° 37 P) a) Conséquences immédiates de la présence d'Albertine à la maison (12 r° à 14 r°). L'impossible est réalisé: «Il me fait remonter à ce soir où Maman vint coucher dans le lit à côté du mien si je veux trouver une autre circonstance où la vie m'ait fait remise, contre toute prévision, d'un malheur qui me semblait à la fois inévitable et mortel (12 r°). La présence d'Albertine calme seulement les souffrances du narrateur et permet de «réparer comme un pansement les parties qui avaient été si brusquement déchirées le soir où j'avais appris qu'Albertine avait été l'amie de Mlle VINTEUIL». (13 r°). La fin de la souffrance n'est-elle pas la fin de la poésie? Ainsi le téléphone et les autres «progrès de la communication» sont «destructeurs de poésie en étant destructeurs de souffrance, au lieu d'imaginer, c'est-à-dire à la fois d'agrandir et de rendre plus important et de donner la seule réalité, la réalité spirituelle aux êtres....» l'amour ne peut pas se former si on remédie toujours à la peine (13 v° + 14 r°). Fragment isolé: 14 v°: «Quand je dis... que je ne me souvenais que rarement de ma grand-mère.....». b) Départ en promenade d'Albertine (14 r° à 16 r°) Albertine est surveillée par «quelqu'un en qui j'avais confiance» (Andrée de préférence)», et distraite par une «automobile ou des chevaux» (14 r° + 14 v°). L'apaisement est possible. Début des rêveries sur les bruits extérieurs du matin (14 r° + 15 r°): «Je savais déjà le temps qu'il faisait par les bruits de la rue». «Peut-être ces bruits eux-mêmes avaient-ils été devancés par une émanation plus rapide et plus pénétrante qui traversait mon sommeil et établissait entre mon être et la journée commençante une harmonie si immédiate» (15 r°). Le plaisir de rester seul «jusqu'à ce que «j'eusse appelé». Françoise amène le Figaro. Albertine récite Esther (15 r°). Indication structurale quant à la place à donner au «petit bonhomme barométrique» (14 v° et 15 r°). Les bruits d'Albertine à la maison (14 v°). Le même sentiment qu'au 12 r°: «cette jeune fille que j'avais cru ne jamais pouvoir connaître était en effet sous mon toit». Le refus de sortir avec Albertine: prétexte aux développements esthétiques (15 r° + 16 r°). En réalité: «je préférais rester seul dans mon lit où «je ne prenais pas moins part des plaisirs de la journée» les plaisirs obliques (16 r°). Les premiers mensonges d'Albertine pressentis: «comment le deviner» (15 v° et 16 r°). Fragment isolé (16 v°): Correspondance entre le narrateur et sa mère. Il la froisse. Elle lui rétorque comme disait sa grand-mère citant Mme de Sévigné... c) Les promenades de l'imagination du narrateur (16 r° à 21 v° + v° 33 P) Les variations atmosphériques renforcent le désir de rester seul; le narrateur est toujours en communication intime avec l'extérieur (16 r°). Souvenirs et/ou désirs de voyages (17 r°): les réminiscences surgies des brindilles dans le feu: Combray et Doncières. 17 v°: Toute la théorie proustienne de la réalité: «les joies d'une mémoire profonde....». 18 r° «je jouissais avec mon imagination de toutes les matinées pareilles, passées ou possibles, ou plutôt d'une matinée unique, éternelle dont elles n'étaient que l'apparition intermittente». Image du convalescent qui «jouit de tous les mets qu'on lui refuse encore». 19 r° Le narrateur vérifie si «la lumière du soleil était bien en diapason exact avec celle qui baigne mon imagination». Rêveries esthétiques sur la vision des jeunes filles dans la rue (20 r°). 18 v° + 19 v° + 33 P: Pour Albertine, le pastiche des robes et toilettes de la duchesse de Guermantes. Les jeunes filles dans la rue ont fait naître un désir de liberté (19 r° + 20 r° + 21 r°). Albertine est un obstacle et de plus «d'Albertine je n'avais plus rien à apprendre» (19 v°). «Alors je voulais partir, dès que je serais guéri pour Venise, et comment le faire si j'épousais Albertine?» (20 r °). + 21 r°: «Ah, si elle avait pu ne pas rentrer aujourd'hui, partir tout à fait!» Seul l'Art (Vinteuil; Bergotte; Elstir) permet d'éprouver encore de la tendresse pour Albertine. au narrateur «Etait-ce que l'Art remettait entre elle et moi les distances de l'imagination qui me l'avaient fait aimer à Balbec quand je ne la connaissais pas?» (20 v° + 21 v°). Le retour d'Albertine, (semblable au 14 v°). le plaisir de la possession (21 v°) d) Albertine de retour de ses promenades (22 r° à F° non n° après 26 r°) La tombée du jour fait ressurgir Balbec (22 r°). Le narrateur cache Albertine à ses amis (Bloch ou St Loup) (22 v°). Albertine de retour envoie Andrée au rapport comme si elle avait deviné qu'Andrée était chargée de la surveiller (22 v°). Le baiser d'Albertine fait ressurgir celui de maman le soir à Combray. Tous deux ont le même pouvoir d'apaisement (f° 31 P semblable au F° 37 P et au 31 v° + v° 36 P + 13 r°). La dimension de l'inconnaissable (21 r° + 22 v° + v° 33 P + page non foliotée après 26 r°). Les réponses qu'Andrée soulèvent sans cesse de nouvelles interrogations, et ne font que «reculer l'inconnaissable» qu'est «la vie d'une autre personne» (v° 33 P). La nature de l'amour du narrateur pour Albertine. v° 33 P: pas de sécheresse, pas de joie non plus. r° 31 P: Albertine procure au narrateur un réconfort semblable à celui qu'il recevait, enfant, de sa mère. Et puis: «n'était-ce pas la même Albertine... que j'avais connue à Balbec sous son polo plat, avec ses yeux insistants et rieurs?» (v° 33 P). Les différentes images d'Albertine (23 v° + 24 v°). Il y a encore, dans l'amour du narrateur, en plus du pouvoir d'apaisement d'Albertine, «tout ce désir que j'avais eu de connaître les jeunes filles dont le cortège insolent et fleuri se déroulait le long de la plage.» (Page non foliotée après v° 33 P). Auprès d'Albertine, le narrateur renonce à ses doutes: «dans l'abdication d'un croyant qui prie» (23 r°), repris au v° 36 P. Est-ce un amour filial? (Page non foliotée après 26 r° + 26 r°). Non mais «un devoir sacré, ma dévotion passionnée, douloureuse à la jeunesse, à la beauté de la femme». e) «On ne travaille pas en débarquant dans un pays nouveau». (23 r° + 24 r° + 24 v° + 25 r° + r° 40 P) Les «incidents barométriques» (24 r° + 25 r° + r° 40 P). «Chaque ciel nouveau le matin est comme un pays nouveau auquel il faut d'abord s'habituer». «Comment aurais-je reconnu ma paresse?» (24 r° + r° 40 P). «Je me mettrais à l'ouvrage le lendemain» (r° 40 P). Quel est le prix de le vie, du temps? «La vie devient chère à celui qui court le risque de la perdre» (40 p). 240°: «La vie prend de la valeur parce que nous y mettons tout ce qu'elle peut nous donner, et non pas tout ce qu'elle nous donne en réalité». 3. Les hiéroglyphes d'Albertine, le début du décodage (Petite paperolle avant 27 r° à 46 r°) a) Les mises en scènes d'Albertine (Petite paperolle 27 r° + 27 v ° + 28 r° + 28 v° + 30 r° + 33 r° + 34 r°) Choix du matériau linguistique sur lequel le narrateur va effectuer son codage. (Petite paperolle après le v° 37 P): «Je n'attachais plus au contraire d'importance qu'aux témoignages qui ne sont pas une expression rationnelle, analytique et directe de la vérité». Application de ce théorème à Albertine (27 r° + 28 r° + 33 r ° + 34 r° + 30 r°). «Je savais qu'elle le voulait rien qu'à la nonchalence avec laquelle elle disait: «Je ferai peut-être; je ne sais pas si j'irai» (27 r° + 30 r°). Albertine parle de la soirée Verdurin. Le narrateur, en exprimant à son tour son désir d'y aller, réussit à dissuader son amie de s'y rendre, (30 r°) sans qu'il comprenne s'ailleurs, pourquoi elle y tenait tant. v° de page non foliotée après 30 v°: douloureuse. Qui lui a appris certains mots. une réminiscence Le «tableau» d'Andrée au téléphone (27 v° + 28 v°). Le narrateur demande pourquoi les peintre modernes n'ont pas l'idée de «cette scène où naîssait si spontanément sur les lèvres de la femme qui écoute un sourire d'autant plus vrai qu'il sait n'être pas vu.» Le narrateur rêve sur le prénom d'Albertine comme Swann l'avait fait sur celui d'Odette (28 v°). b) Le narrateur analyse sa jalousie (27 v° + 29 r° + 30 v° + page non foliotée après 30 v° + 31 r° + 31 v° + 32 r° + 33 r°) 27 v°: «Un inquiet besoin de tyrannie appliqué aux choses de l'amour». Il remarque qu'il a donc changé et qu'il ressemble de plus en plus à ses parents. 30 v°: thème de la filiation et du dédoublement = de la présence en lui-même de plusieurs membres de sa famille. Thème aussi de la dichotomie essentielle entre la vie intérieure et celle dans les «rapports sociaux». Etre méchant avec Albertine, «c'est si naturel» (r° non n° après 30 v° + 31 r°). «Autrui nous est indifférent, et l'indifférence n'invite pas à la méchanceté». 31 v° + 32 r° + 33 r°: Le narrateur tremble de ne pouvoir garder toujours Albertine auprès de lui. Après un froid baiser de son amie, il fait les cent pas devant sa chambre, et pleure toute la nuit (33 r°). Le Code d'Andrée (28 r°): Elle n'aime pas faire plaisir. Elle est comme jalouse et «sa figure se brouillait toute entière, devenait gluante comme un sirop tourné». c) La prisonnière (35 r° à 46 r° + 32 v°) Albertine prisonnière même de la coiffure que le narrateur l'oblige à adopter (32 v°). Albertine ne veut plus sortir qu'accompagnée, elle devine les soupçons du narrateur (35 r° + 36 r°). La prophétie du narrateur: «Je me disais que sa mort aurait été la suppression de mes souffrances» (35 r°). Le narrateur comprend qu'elle se sent prisonnière (37 r°). Albertine: «Comment pourrais-je être plus heureuse?» (38 r°). Mais le narrateur voit dans ses yeux «tantôt l'espérance, tantôt le souvenir, tantôt le renoncement et le regret, le regret de joies que je devinais et auxquelles elle préférait renoncer plutôt que de me les dire». Albertine répond évasivement aux questions du narrateur (38 r° + 39 r°). Albertine n'est qu'une «merveilleuse Princesse de Chine captive possédée à l'insu de tous» (38 v°, 39 r° + 40 r°). Mais le narrateur ne peut que «caresser l'enveloppe de cet être que je sentais par ailleurs donner sur un infini» (40 r°). Révélation d'Andrée découvre un autre mensonge d'Albertine (41 r° à 44 r°). (A propos de la fin du séjour à Balbec et du brusque revirement d'Albertine). Pour tenter de faire parler Albertine, le narrateur dit avoir reçu des lettres anonymes, disant qu'elle a des relations avec Andrée (42 r°). Colère d'Albertine (43 r° + 44 r°). «Mais le lendemain, je d'Italie» (45 r° et 46 r°). m'éveillais sous un ciel 4. La matinée du Trocadéro et la soirée Verdurin (46 r° et 58 r°) (fin) a) Le Trocadéro (46 r° à 49 r°) 46 r° à 47 r°: Révélation par le Figaro, Mlle LEA figure au programme de la matinée théâtrale. Il faut empêcher Albertine de la lui «laisser voir ainsi embellie par la scène et le succès» (47 r°). 47 r° et 48 r°: Le narrateur envoit Françoise qui fixe à Albertine un rendez-vous auquel il va se rendre. Mensonge du narrateur à Albertine pour justifier son geste (49 r°). b) Promenade du narrateur avec Albertine en voiture (49 r° à 50 r °) Plaisir d'avoir Albertine à ses côtés, «mais ce plaisir tout égoïste excluait en quelque sorte ceux que la solitude m'eût donnés» (49 r°). Ils voient «des effets de lumière et d'ombre qui enchantèrent Albertine parce qu'elle ignorait ce que c'est que regarder vraiment la nature» (50 r°). Retour à la maison: le narrateur analyse ce qui constitue en fait, la possession d'un être (49 v° à 51 r°). «Qu'il s'agisse de l'art ou de la vie, nous ne possédons une ligne, une surface, un volume, que si notre amour l'occupe et s'y tient» (49 v°). «Je la sentais dans ma main, lourde, captive, odorante, savoureuse, empourprée comme si j'eusse rapporté un fruit opulent et doux» (50 v°). Ils sont dans la chambre d'Albertine qui est «comme la bouteille bien close où je sentais enfermée ma Princesse de Chine» (51 r°). c) Retour de la soirée Verdurin (qui n'est pas racontée dans le Cahier 53) (52 r° à la fin) Désir de voyage provoqué par «le ciel de nouveau plein d'étoiles». «Dès que je ne serai plus jaloux d'Albertine, je tâcherai que nous nous quittions» (52 r°). A défaut de voyage à Venise, le narrateur entrevoit la possibilité d'aller chez «la maquerelle dont m'avait parlé SaintLoup», et, qui sait, d'y rencontrer la femme de chambre de Mme Putbus (52 r°). La lumière aperçue à la fenêtre d'Albertine (52 r° et 56 r°) = Le narrateur quitte Brichot et rentre «comme si j'avais refermé sur moi la porte de ma douce mais ennuyeuse prison.» (53 r°). Le narrateur apprend à Verdurin. Mauvaise humeur de Il a peur qu'elle parte faut nous quitter» (53 r° et Albertine qu'il est allé chez les celle-ci (53 r°). et tente de prendre les devant: «Il 54 r°). Le narrateur essaie d'en avoir plus. Il lui dit que Mlle LEA était à la soirée Verdurin (56 r°). Il invente de nouvelles lettres anonymes (57 r° et 58 r°) pour qu'elle se trahisse. (Les F° 55 et 56 r° sont intitulés «Page Hurlus».) N O T E La Bibliothèque nationale n'ayant pas folioté toutes les pages du Cahier 53, j'ai dû recourir à un certain nombre d'appellations qui me sont propres et que je me dois de justifier. - Quelques pages ne sont pas foliotées par la Bibliothèque nationale mais portent un numéro que leur a attribué Marcel Proust. Nous avons alors conservé cette pagination en y ajoutant l'initiale de l'auteur. Ainsi par exemple: v° 36 P ou r° 40 P. - D'autres pages ne sont ni foliotées par la Bibliothèque nationale, ni par l'auteur; nous avons choisi, pour que l'on puisse s'y reporter sans risque d'erreur, de les nommer en les situant par rapport au verso ou au recto le plus proche. Par exemple: Page non foliotée après 26 r°. ou: v° non folioté avant 31 r°. Mais, c'est une constante de l'écriture proustienne, la composition des cahiers n'est pas linéaire, le r° 40 P, par exemple, se trouve avant le v° 36 P, aussi nous a-t-il semblé nécessaire de donner le détail de l'ordre d'apparition des pages qui devrait permettre de mieux saisir l'enchaînement des parties de cet inventaire. 1 r°/ v°; 2 r°/ v°.....9 r°/ v°; r° 10 bis - 12 - 12 bis P; 10 r °/ v°....22 r°/ v°; r° 31 P; F° non n° après v° 33 P; 23 r°/ v °; ....25 r°/ v°; r° 40 P; v° 36 P; 26 r°/ v°; F° non n° après 26 r°; v° 37 P, Petite Paperolle; 27 r°/ v°....30 r°/ v°; F° non n° et v° non n° après 30 v°; 31 r°/ v°...............64 r°. NUMÉRO DU CAHIER : 55 COTE : N.A.Fr. 16 695 Nombre Cahier Cahier Partie Partie de feuillets rédigé à l'endroit rédigé à l'envers rédigée à l'endroit rédigée à l'envers Feuillets restés vierges Feuillets arrachés ou découpés Feuillets collés Inscriptions sur couverture ou pages de garde CHERCHEUR : Emanuelle BOUCHER DATE : juin 1983 96 X 50 pages 18 pages 5 pages SOMMAIRE 1. «La fenêtre éclairée»: 9r°, 12 r°, 13 r°, 11 v°, 12 v°, 10 v°, 11 r°. 2. «Ce qui se passe dans la maison»: 13 r°, 14 r°, 15 r°, 13 v°, 14 v°, 16 r°, 17 r°, 18 r°. 3. La comédie de la rupture: 16 v°, 17 v°, 18 v°, 19 r°, 20 r°, 21 r° marge, 20 v°. 4. Citation de Mme de Sévigné: 21 v°. 5. Le «Renouvellement de bail»: 21 r°. 6. La tactique de la menace: 21 r°, 22 r°, 23 r°, 24 r°. 7. Retrouver le calme: 24 r°, 25 r°, 24 v° marges, 23 v°, 24 r° marge, 24 v°. 8. Tableau d'Albertine au pianola: 26 r°, 27 r°, 28 r°, 29 r°, 33 v°. 9. Réflexions sur la musique, à partir de Vinteuil: 31 r°, 32 r°, 33 r°, 34 r°, 33 v°, 34 v°, 30 r° marge et paperole, 31 v°, 32 v °, 33 r° marge. 10. Albertine est bien autre chose qu'une oeuvre d'art: 35 r°, 36 r°, 37 r°, 38 r°, 39 r°, 37 v°, 38 v°, 38 r° paperole. 11. Le chant d'un oiseau inconnu: 39 r°. 12. Sortie avec Albertine à Versailles: 40 r°, 41 r°, 42 r°. 13. L'odeur de pétrole d'une automobile: 43 r°, 42 v°. 14. Désir de Venise: 43 r°, 44 r°, 45 r°, 44 r° marge, 43 v°. 15. Le «choc» du départ d'Albertine: 45 r°, 46 r°, 45 v°, 47 r°. 16. «La souffrance va plus loin en psychologie que le meilleur psychologue»: 47 r°, 48 r°, 48 v°, 49 v°, 47 v°. 17. Réactions secondaires: 49 r°, 50 r°, 51 r°, 50 v°. 18. La démarche de St Loup: 52 r°, 53 r°, 54 r°, 55 r°, 56 r°, 57 r°, 58 r°, 57 v°. 19. Comment le héros réagit au désir que semble avoir Albertine de revenir: 58 r°, 59 r°, 58 v°, 60 r°, 61 r°. 20. Nouvelle de la mort d'Albertine: 62 r°. 21. Note-mémento: Le yacht, la rolls: 51 v°. 22. Une action militaire avant les négociations? 52 v°. 23. Note sur Françoise: «Le verso sur Françoise»: 55 v°. 24. Les différents moments du jour rappellent au héros ses promenades avec Albertine: 83 r°, 84 r°, 85 r°, 84 v°. 25. Note sur Françoise, «quand Albertine est morte»: 83 v°. 26. La «lame» du petit jour: 85 bis r°. 27. «Les bruits de la rue»: 85 v°. 28. Savoir regarder: 62 v°. 29. Le pastiche Goncourt: 62 v° à 78 r°. 30. «L'étonnement que ces gens soient célèbres»: 76 v°, 77 v° marges. 31. «Pour ce qui concerne le petit Dunkerque»: 72 v°. 32. Sur la conception de l'oeuvre: 81 r°, 82 r°, 81 v°. 33. L'opinion publique pendant la guerre: 87 r°. 34. Sur les articles de Bergotte pendant la guerre: 87 r°. 35. Conversation avec Gilberte: La Fille Aux Yeux D'Or: 91 r°, 92 r°, 93 r°. 36. Conversation avec Gilberte: Roussainville: 92 v°, 93 r°. 37. Conversation avec Gilberte: «comment vous avez-été fiancés?» 90 v°. 38. Conversation avec Gilberte: «Pourquoi ne vous mariez-vous pas?» 91 v°, 92 r°. 39. Notes sur le souvenir d'Albertine au fil des saisons: 93 v°, 94 r°, 94 v°, 95 r°, 96 r°, 96 v°. INVENTAIRE DÉTAILLÉ 1. «La fenêtre éclairée» a)«Brichot me demanda où j'allais, je lui répondis: «chez moi». [...] Conversation avec Brichot» (9 r°). En répondant à Brichot qu'il rentrait chez lui, le héros pensait que sa soirée allait seulement commencer. Des «ondes de clarté» émanaient de la chambre d'Albertine. Voir P., p. 397 et 398. b)«Comme je n'avais que de l'ennui de rentrer car je n'avais plus de jalousie à l'endroit d'une rencontre possible d'Albertine avec Melle Vinteuil [...] Je sentais que dans la demeure où je rentrais, où j'étais obligé de rentrer comme un mari» (12 r°, 13 r°). Rentrer - en sachant qu'Albertine n'avait pas hésité à lui sacrifier Mlle Vinteuil (P., p. 401). Le rectangle de lumière de la lampe d'Albertine causait au héros un sentiment de douceur (P., p. 398). c)«Brichot me demande quelle adresse il devait donner au cocher et je lui dis la mienne. [...] Dans cette chambre dont la lumière d'ici me semblait humaine, trop humaine mystérieuse parce que Brichot ignorait ce qui y veillait et douce parce qu'elle était le signe de la vie jadis si désirée, du corps charmant qui m'y attendait» (11 v°, 12 v°, 13 r° marge latérale). Indication de régie: «Voir dans ne comptent plus s'il n'y a rien que le verso et le recto précédents» (11 dans le mince cahier bleu au recto et ce verso et le suivant qui j'aie oublié de mettre dans v°). Renvoi: «Et voir aussi verso (illisible)» (11 v°). Retrouver Albertine qui l'attendait c'était renoncer à tous les plaisirs nouveaux qu'il aurait pu goûter s'il s'était promené seul (P., p. 398). «A travers les volets la lumière de la fenêtre d'Albertine» étaient «comme les rayons de ce trésor si soigneusement caché à Brichot» (P., p. 398). d)«Nous étions arrivés devant ma porte [...] c'était plaisir à la fois familial et sensuel» (10 v°, 11 r°). un Indication de régie : «Pour le morceau ci-dessous. Il vaudrait mieux insister sur l'ennui et laisser la douceur, la richesse des sensations pour quand elle est morte. Ceci est le morceau définitif (quoique la forme soit à changer) qui annulle (sic) les pages suivantes (mais non pas q-q pages avant quand Brichot me demande l'adresse). Mais regarder dans les pages suivantes où je disais moins bien la même chose si je n'ai rien oublié.» L'important dans cette rédaction est que tout le contenu thématique y soit = «inventaire» de ce qui doit être abordé dans ce passage (10 v°). Les rayons de la lampe d'Albertine signifiaient le «trésor insoupçonné [...] en échange duquel», il renonçait à «la liberté, la pensée, la solitude.» (P., p. 397, 398). Maintenant pour trouver du plaisir, il devait rentrer et abdiquer auprès de cet être «comme un enfant dans les bras de sa mère.» (P., p. 398). Le «plaisir de sentir (sa) vie remplie par une personne». 2. «Ce qui se passe dans la maison» a) «Devinez d'où je viens Albertine? de chez les Verdurin» [...] «Naturellement, j'en étais sûre, il avait des soupçons, il a voulu les vérifier, et pour que je ne puisse pas le gêner, il a fait tout cela en cachette» (13 r °, 14 r° ). Le mécontentement d'Albertine transparut sur son visage, à l'annonce de la visite faite par le héros chez les Verdurin (P., p. 400). b)«[illisible] chercher Albertine dans sa chambre, je l'amenais dans la mienne et après l'avoir embrassée: «Devinez d'où je viens, de chez les Verdurin» [...] «Naturellement, il avait des soupçons, cela ne lui a pas suffi de m'empêcher d'aller chez les Verdurin, il a voulu y aller pour se rendre compte» (14 r°, 15 r°). Sur l'«altération énigmatique» du visage d'Albertine. c) «Certes Albertine ne m'avait jamais dit qu'elle me crut épris d'elle et jaloux d'elle, préoccupé de tout ce qu'elle faisait [...] «Ah! alors je m'en doutais bien! alors vous avez vu Melle Vinteuil!» (13 v°, 14 v°). Indication de régie: «Ceci vient tout de suite après la fenêtre éclairée. C'est par là que commence tout ce qui se passe dans la maison» (13 v°). Le héros se souvient des deux moments où autrefois, ils avaient échangé des propos sur la jalousie et pensa qu'Albertine avait depuis changé d'opinion sur «la nature de (ses) sentiments pour elle», puisqu'elle avait explosé en apprenant sa visite au salon Verdurin (P., p. 399 et 400). d) «Je ne savais pas que cela vous ennuierait que j'aille chez les Verdurin» [...] et puis d'autre part quand je la sentais ainsi fichée je ne voyais qu'une manière d'amener avant qu'elle allât se coucher un apaisement qui permettrait qu'elle me dit» (15 r°, 16 r°, 17 r°, 18 r°). Colère et découragement se lisent sur le visage d'Albertine: si Albertine était «coupable dans ses intentions», elle se sentait «empêchée de les mettre jamais à exécution», ou bien, supposait le héros, si elle était «innocente de pensée et de fait», elle voyait que, ni le sacrifice de la soirée Verdurin, ni le retour du Trocadéro n'avaient suffi à lui faire regagner sa confiance. 3. Comédie de la rupture a)«J'eus tout d'un coup l'épouvante que l'idée de me quitter ne traversât son esprit [...] Albertine qui jouait son rôle sincérement et croyait devoir se préparer à partir [illisible] l'angoisse d'une séparation véritable» (16 v°). Le héros dit à Albertine qu'il serait mieux qu'ils se quittassent, et cela dès ce soir pour diminuer le chagrin. (P., p. 410). Réflexion du héros sur l'obstination qu'il montre souvent à menacer «un être», «dans sa sécurité». Indication de régie s'y rapportant: «peut-être mettre ceci un peu plus loin, parmi les raisons pour lesquelles je dis cela, mais il faudrait mieux dire d'abord: ma chère petite Albertine etc... je continue» (P., p. 423, 424). b) «Elle parut à la fois stupéfaite, comme incrédule et déjà désolée. «Comment demain? Vous le voulez?» [...] la croyance que de toutes façons je la quitterais un jour ou l'autre, croyance que ma scène de ce soir ne pourrait que fortifier» (16 v°, 17 v°, 18 v°, 19 r°). Le héros, afin qu'Albertine puisse comprendre entièrement la situation, parle du temps où ils seront séparés: Albertine devra restituer le livre de Bergotte. (P., p. 411). Dialogue où le héros fait de la personne linguistique «nous», l'agent de la séparation, ce qu'Albertine rectifie à chaque fois, en reportant sur lui seul la responsabilité de l'action: «vous». Parallèle avec les comédies qu'il pouvait jouer à sa grand-mère, indication de régie s'y rapportant: «je pense que j'ai du marquer ailleurs (sans cela le marquer ici) que cela ajoute au caractère familial de mes relations avec Albertine. Et en tous cas mettre:» c)«Et puis Albertine je vous demande en grâce une chose, c'est de ne jamais chercher à me revoir [...] aussi elle avait l'air de ne pas répondre» (20 r°). La nuit avançait et se rapprochait le moment de se dire bonsoir où il faudrait que le héros dise qu'ils ne se sépareraient pas cette fois. (P., p. 430). d)«Oh! ne pleurez pas comme cela mon chéri, non je ne chercherai pas à vous revoir» [...] quand peut-être de l'amour de l'autre, il ne resterait rien» (21 r° marge, 20 v °). Note de l'auteur (20 v°): «mettre de temps en temps (ou une fois) à la fin des phrases dans cette scène: «Mais il faut finir, il peut-être quatre heures du matin, c'est de la folie: enfin pour le dernier soir, vous aurez le temps de dormir tout le reste de la vie!» (P., p. 411). Albertine promet de ne plus revoir le héros. Thème des larmes, preuves de son grand amour, qui touchaient d'autant plus Albertine qu'elle le transposait dans le domaine de l'amitié. (P., p. 428). 4. Citation de Mme de Sévigné Indication de régie: «chaînon important. A un des moments où je dis que je veux lui proposer le mariage, ou ne pas le lui proposer, enfin je veux dire à un des moments où je retarde l'idée d'une séparation». Fragment retranscrit intégralement: «Cependant ma mère s'inquiétait de ne rien savoir, Elle finit par m'envoyer une lettre recommandée avec prière de la lui retourner par le même courrier où elle me copiait cette phrase de Mme de Sévigné: «Pour moi, je suis persuadé qu'il ne se mariera pas; mais alors pourquoi troubler cette fille qu'il n'épousera jamais? pourquoi risquer de lui faire refuser des partis qu'elle ne regarde plus qu'avec mépris; pourquoi troubler l'esprit d'une personne qu'il serait si aisé d'éviter». (21 v°), (P., p. 437 et 438). 5. Le «renouvellement de bail» «provisoires qui finissent par durer toujours» «Oh! ce que vous seriez gentil» [...] «M'aimez-vous un petit peu?» «Encore plus qu'avant» (21 r°). «En souvenir d'un renouvellement de bail», expression que le héros écrit en dédicace à Albertine sur un manuscrit de Bergotte. On a ici la fin de la réconciliation puisqu'Albertine dit au héros: «seulement alors c'est de la folie de nous être fait mal comme cela pendant des heures», sans que l'on ait assisté au déroulement de celle-ci: cette rédaction aura été déchirée (P., p. 431). 6. La tactique de la menace «Qu'est ce que c'était que cette scène que je lui avais jouée? [...] comme si à ce moment là il y eut eu au loin tel plaisir que je ne savais pas, dont sa présence chez moi la privait, et qu'elle avait envie d'aller rejoindre» (21 r°, 22 r°, 23 r°, 24 r°). Note de l'auteur: «(Et tâcher de préciser les plaisirs que je suppose voir l'Idiot)». Les réflexions au sujet de la «comédie» du héros sont intégrées à une problématique plus large. Celle des «menaces» dont il avait l'habitude à l'égard d'Albertine, et celle de la tactique choisie: comparaison avec le rôle du bluff dans une déclaration de guerre entre deux peuples (P., p. 434 et 435, 436, 437). 7. Retrouver le calme a)«Je sais que vous essayer de calmer vos que je pusse supposez communications que je n'avez pas confiance en moi je vais soupçons.» [...] si elle avait craint que par le téléphone, elle eut eu des pourrais blâmer» (24 r°, 25 r°). Selon le héros, afin d'enrayer ses soupçons, Albertine s'arrangeait pour ne jamais téléphoner seule (P., p. 438 et 439). b)«Et cette vie si cruelle pour moi [...] à l'affoller (sic) de l'idée de la surveillance à laquelle elle était soumise et que Françoise devait exagérer fort» (24 v° marges). Sur Françoise: la vie d'Albertine lui apparaissait comme une vie de «plaisirs immérités». Grande intuition grâce à laquelle elle comprenait la situation et pouvait chercher à précipiter la «chute» d'Albertine (P., p. 439, 440, 441). c)«Au dessus des regards, les sous-entendus de Françoise qui en avaient été l'orchestration perfide, avait du s'élever plus claire et plus puissante, la voix calomnieuse des Verdurin [...] le dernier mot de la sagesse était peut-être celui de mon grand-père quand se refusant à présenter Swann dans le «petit clan», au seul nom des Verdurin, il criait: à la garde!» (23 v°, 24 r° marge). Sur ceux qui apportent la brouille entre les êtres: les Verdurin, symbolisant les gens du monde (P., p. 441). Distinction à faire entre les «médicaments toxiques» et «les médicaments dangereux» que l'on peut appliquer aux gens du monde. Indication de régie: «Pour mettre probablement au verso suivant quand je parle des personnes qui excitent la rébellion. (dans ce cas sans doute avant Françoise, ou après, se suivant en un seul bloc). Si c'est après ce serait tout à la fin du verso, avant si le but d'Albertine était. Puis (et c'est cela le nouveau:» (23 v°). d)«Si le but d'Albertine était de me rendre le calme elle y réussit en partie [...] D'ailleurs la séquestration absolue qu'elle provoquait elle-même était le meilleur des calmants. En m'otant la souffrance, il m'otait le soupçon, et je pus recommencer» (25 r°, 24 v°). Deux voies possibles pour appréhender la vérité au sujet d'Albertine: celle de la raison qui se «laiss(e) guider par le désir» et qui cherche à le «guérir», celle son instinct «se laiss(ant) guider par la jalousie pour (le) rendre malade» (P., p. 442). 8. Tableau d'Albertine au pianola. Les trois thèmes principaux qui constituent cette unité de texte sont ceux de «la fille sauvage domestiquée», de la description en blason du corps d'Albertine, et des regards du héros sur Albertine. S'ils font l'objet de formulations répétées qui alternent entre elles, il s'agit d'un même fragment rédactionnel. C'est pourquoi l'on a choisi d'inventorier pour chaque thème, ses occurences (26 r°, 27 r°, 28 r°, 29 r°, 33 v°). a) «La fille sauvage» de Balbec, maintenant «domestiquée» 27 r°: «Elle que j'avais crue impossible - et étais arrivé à posséder - fille sauvage ravissante bête sauvage aujourd'hui mystérieusement domestiquée.» Image d'Albertine s'asseyant au pianola, encadrée par la bibliothèque comme par «l'enfoncement d'une niche» (P., p. 447, p. 460). 29 r°: «Et c'était pour moi quelque chose de plus mystérieux que la domestiquation (sic) d'une créature sauvage ou surnaturelle» (P., p. 460). «tout ce coin de la chambre semblait réduit à n'être plus que la sa niche, le son sanctuaire éclairé, la sa crèche, de cet ange musicien» (P., p. 462). 26 r°: Le héros pense avoir fait d'Albertine une fille «instruite et domestiquée». Peut-être était-ce une «illusion» car il y a des animaux comme la panthère dont un jour ou l'autre, «l'état premier revient». b) Description en blason du corps d'Albertine «Ses belles jambes»: «que dès le premier jour j'avais imaginées avec raison manoeuvrant pendant toute l'adolescence les pédales d'une bicyclette» qui actionnaient maintenant les pédales du pianola (27 r°, 29 r°, P., p. 460). A noter l'indication de régie: «Le dire en son temps le premier jour et marquer qu'elles étaient hautes». «Ses doigts»: «jadis familiers seulement du guidon, se posaient maintenant sur les touches comme ceux d'une sainte Cécile, d'un ange musicien.» (27 r°, P., p. 461). Note qui évoque (27 r° marge) les «épaules basses et sournoises» d'Albertine quand elle rapportait des clubs de golf, et qui «s'appuyaient maintenant naturellement à (s)es livres» (P., p. 460). «Son cou» et «son visage»: «son cou que sa robe de chambre laissait nu était rose mais moins que son visage». (27 r°). «à son visage qu'ils ne voyaient que de profil et penché comme celui d'une Ste Cécile ou d'un ange musicien.» «son cou plein et fort dont le tour vu ainsi [...] et à cette distance et sous la lumière de la lampe, paraissait plus rose, moins pourtant que son visage» (28 r°, P., p. 461). Les yeux: seulement évoqués au 28 r°, «paupières qui fermaient comme à demi les yeux». Signalés au 29 r° comme un thème à aborder puisqu'ils sont nommés; «les yeux», après un point virgule, et que cette désignation est suivie d'un espace laissé en blanc (P., p. 461). Les cheveux: «et les cheveux crespelés comme par un sculpteur sur bois qui a mis tout son art à en fouetter les mèches et semblait dépasser la variété que réalise la nature et répondre plutôt au désir d'accumuler les difficultés pour faire valoir la souplesse, la fougue, le fondu, la vie, dans son éxécution» (P., p. 461). «Et les cheveux noirs et crespelés avec leur «fouetté» si riche, si multiple faisaient ressortir davantage en l'interrompant pour la recouvrir la courbe animée et comme la rotation du visage des joues lisse mat et verni comme un bois peint celles d'un ange musicien» (P., p. 461, 462 et 25 r°). Et voir 33 v°, où l'on trouve, intégrés à la rédaction de l'unité textuelle suivante, des éléments précis pour le «tableau d'Albertine au pianola», tel qu'il apparaît, P., p. 461, 462: notes pour les images géométriques et pour la métaphore de la chaîne de montagnes. c) Les regards du héros sur Albertine 27 r°: «mes regards venant de parties si profondes de moimême, et brûlant d'un désir si fort ajoutèrent à son visage[...].» 28 r°: «auquel mes regards venant des profondeurs de moimême chargés souvenirs et brûlant de désir ajoutaient un tel brillant, un tel glissant, une telle intensité de vie, que son relief semblait s'enlever et tourner avec la même puissance presque magique que le jour à l'hôtel de Balbec où ma vue se brouillait en la regardant dans son lit;» (P., p. 461). 9. Réflexions sur la musique, à partir de Vinteuil. Cette unité de texte, qui va dans l'édition de la page 447 à la page 460 (P.), s'y trouve agrandie de réflexions sur la littérature analogues à celles faites sur la musique. Et de la question de l'association possible de la musique de Vinteuil avec Melle Vinteuil dans l'esprit du héros. a)«[...] pour qu'elle nous le fasse changer contre un autre», souvent s'il y avait pour moi, avec un morceau de musique de moins dans le monde, une vérité de plus [...] où les sonorités s'étouffent dans l'illimité des distances et le feutrage de la neige» (31 r°, 32 r°, 33 r°, 34 r°, 33 v°, 34 v°). Les premières études de Vinteuil et leur «arrière plan moëlleux de silence». Ses dernières oeuvres qui se rassemblent par «une certaine atmosphère mélodique». Les phrases fréquentes dans toute l'oeuvre d'un même musicien et qui en deviennent Les «divinités familières». Le héros compare une de ces phrases à «la seule véritable inconnue qu'il (lui) eut été donné de rencontrer. Impossibilité de communiquer la particularité de nos sensations (P., p. 450). «Le vrai bain de jouvence [...] ce serait d'avoir d'autres yeux, de voir tout d'un coup l'univers d'un autre, c'est ce prodige que l'art accomplit si bien [...]» Image d'Albertine jouant: la «coque de cheveux noirs en forme de coeur [...] comme le noeud d'une infante de Velasquez» (P., p. 448) 34 r°. Albertine exécute du Borodine et du Rameau: le pianola est alors comparé à «une lanterne magique» (P., p. 460). b)«Quand Albertine commençait à jouer du Vinteuil, une sonate du Vinteuil des dernières années [...] On se contente plus simplement de rejouer et d'écouter en soi-même le morceau» (30 r°, marge et paperole). Chaque artiste a son accent. Différence très profonde entre deux artistes, différence de pensée que le héros reconnaît «comme on reconnaîtrait un monde éclairé mais à travers le verre qui laisserait passer seulement la lumière et non point les formes.» c)«Cette musique me semblait quelque chose de plus vrai que tous les livres que j'avais lu; [...] ne suit pas forcément manque de profondeur» (31 v°). La musique, plus proche de la vérité? Le narrateur justifie cela par le fait que «la traduction littéraire» en rendant compte de nos sensations les «explique», mais ne les «recompose» pas. (P., p. 450). Et que ces «moments de la vie où nous sentons le plus profondément étant à ce moment inanalysables pour nous parce qu'ils mettent en jeu des forces dont nous ne nous sommes pas encore rendus compte, nous trouvons au charme d'une phrase musicale cette ressemblance avec de telles impressions [...]» (P., p. 459). Il faut noter que ces deux réponses à la question de la vérité de la musique, alors qu'elles se succèdent dans l'espace textuel du cahier, sont situées dans l'édition à une dizaine de pages l'une de l'autre. d)«Au fond c'était une même phrase parce que c'était fait avec la même âme [...] c'était le plus profond de notre âme qui soulevé s'unissait à l'identité» (32 v°, 33 r° marge). Présence du «même rêve» dans toutes les oeuvres de Vinteuil, «mais réfracté à travers des milieux différents». La ressemblance entre deux oeuvres différentes est bien plus «frappante» qu'entre les variations d'un même thème au sein d'une oeuvre. Exemple du quatuor et du septuor. 10. Albertine est bien autre chose qu'une oeuvre d'art. a)«les cheveux, Et pour des plus jeunes aussi, rattachant sa beauté par l'habitude qu'il avait de ses rapprochements, à telle oeuvre d'art prestigieuse [...] dans ses yeux comme dans les glaces trompeuses d'une voiture les feux innombrables inaltangibles et reflétés» (35 r°, 36 r°). L'association d'Albertine à «une idée artistique», «étendait (s)on amour, lui ajoutait des preuves. Mais ce n'était pas de là qu'il venait». (P., p. 462). Car Albertine est pour le héros «tout autre chose qu'une oeuvre d'art», «plutôt comme une grande déesse du Temps possédée». (P., p. 466). Cependant après quelques heures d'illusion il se rendait compte qu'il ne la possédait pas (P., p. 462). b)«je ne possédais pas Albertine [...] je ne me résignais à laisser mener à Albertine cette vie où malgré ses» (37 r°, 38 r°, 39 r°). Il voyait flotter sur elle «le reflet de ces spectacles intérieurs dont la contemplation la faisait ces soirs-là dissemblable de (lui)» (P., p. 463). Et quand Albertine lui parlait de ses promenades en Hollande, il souffrait de l'impossibilité de l'interpénétration des âmes». (P., 464 et 465). La solitude eut été selon lui «plus féconde et moins douloureuse», mais quelle oeuvre d'art lui aurait ouvert «ce petit chemin de communication vers [...] la vie des autres?». c) 37 v°: Plusieurs notes portant sur différents thèmes sont entourées et isolées les unes des autres par un trait. 38 v°: Deux colonnes l'une à côté de l'autre traitent chacune d'un thème différent. A côté de cette curiosité douloureuse qu'il avait de ce pssé d'Albertine, toute curiosité «artistique ou mondaine» lui semblait de «l'indifférence». («Capitalissime») (P., p. 464). Il avait d'autant plus peur chez Albertine de ce «perpétuel besoin de roman nouveau», qu'il en était lui-même «dévoré». (P., p. 465). A propos de l'église de Combray, par laquelle son imagination avait perçu «cette dimension quatrième des choses». Elle l'invitait «dans une forme pressante, cruelle et sans issue à la recherche des jours écoulés, elle était comme un grande déesse du Temps». N.B.: utilisation de cette dernière expression à propos d'Albertine, fragment A. d) Paperole collée en haut du 38 r°. Indication de régie: années où elle avait vécu face ou au verso ailleurs Capital». Proust parle en narrateur. «Pour ajouter à ces lieux, à ces qui me troublent, mettre ici ou en (ici me semble bien ou ce verso). tant qu'auteur, mais s'assimile au Note sur l'amour qui d'«extérieure» qu'elle était rend la personne que nous aimons plus «intérieure» à nous. 11. Le chant d'un oiseau inconnu. 39 r°: Note marginale en bas de page, isolée par un trait. Très proche de la version de l'édition (P., p. 467), note sur «le chant d'un oiseau inconnu» entendu de son lit par le héros et sur «la blancheur du jour» «quotidiennement accrue», dépassant du rideau. («Capital»). 12. Sortie avec Albertine à Versailles. N.B.: Absence de notes sur les circonstances du Versailles: furent-elles déchirées avec le 40 r°? mentionné le retour de Versailles. départ à Seul est a) 40 r°: quelques lignes sur le bas de page qui subsiste. Suite et fin 41 r°: «[...] à mes forces convalescentes». Évocation de la «belle saison» où notre «maison errante» vient de s'arrêter «sous un ciel clément» (P., p. 486 et 487). b)«Désir, Grâce sans doute au souvenir (sic) épars de rendez-vous oubliés que j'avais eu collégien encore, avec des femmes [...] comment la lune d'argent des anciens poètes était devenue bleue avec Victor Hugo [...] et puis redevenue jaune et métallique avec Baudelaire et Lecomte de Lisle» (42 r°). Reprise de la rédaction du thème du fragment A. N.B commentaire de l'auteur: «Dire mieux.» Thème du «jeune Adam» dans un «univers nouveau». (P., p. 487). Au retour de Versailles, dans la rue les pantalons rouges auprès des jupons de couleur signalaient les rendez-vous amoureux. Désir d'être seul de la part du héros et de pouvoir rencontrer une inconnue (P., p. 489 et 490). 13. L'odeur de pétrole d'une automobile. a)«Comme un vent qui s'enfle mais par une progression régulière, j'entendis une automobile, sous la fenêtre [...] je me les rappelais bien les feuillages déjà touffus» (43 r °). Au réveil, l'odeur de pétrole d'une automobile rappelle au héros les promenades à travers les champs de Balbec, et provoque en lui une rêverie sur la campagne et tout ce qu'il pourrait y faire (P., p. 495). b)42 v°: Trois notes éparses sur la page dont la plus importante entourée d'un trait se prolonge sur la marge du 43 r°. Note sur la «sévère loi» et citation du vers (P., p. 496). Dessin pouvant figurer un croissant de lune, des étoiles et une cathédrale (à deux clochers). Long développement à partir de l'odeur de pétrole venant de la rue, qui est très proche de celui que contient l'édition (P., p. 495 et 496). 14. Désir de Venise. a)«Mais tout d'un coup le décor changea; [...] «laissez-moi que j'ai le temps de lire cela. Je n'avais pas encore ouvert la lettre; m» (43 r°, 44 r°, 45 r°). Le héros ressent tout à coup le désir, «réveillé quelques jours auparavant par la robe bleu et or de Fortuny», de partir à Venise. Evocation du printemps. (P., p. 496). Allusion à «l'expérience de Balbec» (P., p. 499). Arrivée de Françoise dans la chambre annonçant au héros «qu'Albertine a demandé ses malles» et qu'elle est partie à 9 heures» (P., p. 499). b)«Oui, il fallait partir; [...] quelque chose de visible ne pouvait réaliser de l'ineffable, le gothique« (44 r° marge, 43 v°). C'est le moment idéal pour quitter Albertine et partir à Venise. Il projette de s'assurer qu'Albertine ne pourra aller, ni en Hollande, ni à Montjouvain, (A.D., p. 24). Le narrateur se souvient qu'il n'avait pas fait, sur le moment, le rapprochement entre le désir qu'il avait eu de Balbec, et ce désir de Venise, et qu'ainsi il ne s'était pas rappelé, que de sa visite à Balbec, il ne lui était «rien» resté (P., p. 499). 15. Le «choc» du départ d'Albertine. a)«C'était précisément ce qui j'avais cru souhaiter tout à l'heure [...] j'ai toujours eu si peur devant vous, que même en me» (45 r°, 46 r°). Indication de régie: «plutôt resserrer et mettre ici ce qui est trois ou quatre pages plus loin combien la souffrance est le meilleur psychologue». Proust avait l'intention d'amalgamer les deux unités 15 et 16 que l'on a distinguées. C'est ce qui a été fait dans la rédaction de l'édition, voir: A.D, p. 7 à 14. A ces mots «Mademoiselle Albertine est partie», le héros ressentit une douleur telle qu'«il fallait la faire cesser immédiatement.» Comparaison avec sa mère promettant à sa grandmère le remède qui calmera ses souffrances. (A.D, p. 7 et 8). Le héros construit une nouvelle «croyance»: «tout cela n'a aucune importance [...] je vais examiner les moyens mais elle sera ici ce soir». (A.D, p. 8). Lecture de la première lettre d'Albertine (A.D, p. 9 et 10) dont on ne trouve que le début à la fin du 46 r °: le recto qui suivait a du être déchiré. b) Fragment retranscrit intégralement, 45 v°: «L'avenir est ce qui n'existe pas encore, ce qui nous semble n'exister que dans notre passé. Aussi nous avons l'illusion de le tenir, d'en disposer. Seulement des forces beaucoup plus pressantes que nous agissent déjà sur lui; quand Albertine était encore à la maison je me disais: «nous verrons je la garderai». Et elle était tout de même partie? J'ouvris sa lettre» (A.D., p. 9). c)«insupportable avec elle et me décide à l'épouser. [...] et j'avais cru tout à l'heure que c'était une des choses que je ne désirais pas» (47 r°). Réflexion qui suit - suppose-t-on - la lecture de la lettre d'Albertine. L'important était qu'elle fût rentrée le soir, dûtil offrir la moitié de sa fortune à Mme Bontemps (A.D., p. 10 et 11). 16.«La souffrance va plus loin en psychologie que le meilleur psychologue». a)«En voyant comment je m'étais trompé [...] Mais cette connaissance [...] venait de m'être apportée, dure, éclatante, étrange, comme un sel cristallisé, par la brusque réaction de la douleur» (47 r°, 48 r°). Avant le départ d'Albertine le héros pensait ne plus avoir d'amour pour elle parce qu'il comparait la «médiocrité des plaisirs» qu'elle lui «procurait» à la «richesse» de ceux dont elle le «privait». Mais la «brusque réaction de la douleur» lui a apporté une connaissance que l'intelligence n'avait pu lui donner (A.D., p. 7 et 8). b)«J'avais cent fois pensé au départ d'Albertine: il me semblait alors qu'il serait souhaitable parce que je l'organisais moi-même [...] pas plus que les approches de la mort ne laissent intacte la bonne santé» (48 v°, 49 v°). Le héros pouvait concevoir le départ d'Albertine, dans le contexte de leur union, comme ceux qui, certains de leur bonne santé, n'envisagent pas désagréablement la mort (A.D., p. 14). c)«j'avais cent fois pensé au départ d'Albertine, j'aurais pu y penser pendant des siècles que toutes ces pensées mises bout à bout [...] avec la rapidité foudroyante d'un phénomène naturel» (47 v°, 48 r°). Indication de régie du 47 v° qui nous donne l'enchaînement des versos: «Ce morceau ne vient pas ici, après la douleur + mais après la douleur + vient le morceau qui commence au verso suivant continue au verso d'après et finit ici.« Indication du 49 v°: «Suivre 2 versos avant: j'avais cent fois pensé (ne pas confondre qu'à 1 verso avant il y a aussi j'avais cent fois pensé mais c'est parce que je redis 2 fois cette formule». Le héros n'avait pu imaginer ce qui se passerait réellement quand Françoise vint lui annoncer le départ d'Albertine parce que «l'intelligence emprunte au connu pour se représenter une situation». (A.D., p. 14). A une âme qui croyait garder Albertine et nourrissait d'autres désirs, s'était substituée, chez le héros, une âme inquiète de la seule possession d'Albertine. 17. Réactions secondaires. a)«Et hélas réveillées par l'inquiétude nouvelle, toutes celles que j'avais eues depuis mon enfance, accoururent la renforcer. [...] je l'avais oublié ce moi là; son arrivée fit éclater mes sanglots comme à un enterrement» (49 r°, 50 r°, 51 r°). Dans l'angoisse de son départ «étaient venues se fondre toutes celles qu'(il) avait eues dans (sa) vie», celles des «soins de Combray» par exemple. (A.D., p. 15). Renaissance de la douleur telle qu'il l'avait ressentie avant de l'enrayer par une nouvelle croyance. (A.D., p. 20). Il fallait agir, se lever, en évitant les objets qui lui redisaient le départ d'Albertine (A.D., p. 21 et 22) en avertissant ses différents «moi» de la séparation (A.D., p. 22 et 23). b) Indication de régie (50 v°): «Cette phrase (apposition au mot chagrin serait mieux ailleurs si ailleurs j'ai l'occasion de la mettre, si ailleurs je dis alors renaissant mon chagrin (le chagrin qui n'est nullement...)». Dans l'édition, cette réflexion se trouve dans ce passage (A.D., p. 22 et 23). Note retranscrite intégralement: «C'est à dire lui apprendre mon chagrin qui n'est nullement une conclusion pessimiste et abstraite tirée librement d'un ensemble de circonstances funestes, mais la reviviscence intermittente et involontaire d'une impression spécifique, venue du dehors et que nous n'avons pas choisie» (50 v°). 18. La démarche de St Loup. a) Débuts de phrases raturés et toujours recommencés. Le texte compréhensible est barré en croix et déchiré presque en entier. «Quand j'avais souhaité qu'Albertine m'aimât [...]» (52 r°). Tactique du héros qui consiste à dire à Albertine qu'il ne l'aimait pas pour s'en faire aimer, qu'il voulait la quitter pour qu'elle ne l'abandonnât pas (A.D., p. 29 et même 58). b)«je pourrais être d'autant plus énergique dans les moyens de la faire revenir, que j'aurais l'air personnellement d'avoir renoncé à elle [...] Il y a tant de choses qu'on ferait pour 30000 frcs, beaucoup plus difficiles que de dire à sa nièce de ne pas rester en Touraine» (53 r°, 54 r°). Stratégie pour faire revenir Albertine: lui écrire une lettre d'adieux et envoyer St Loup en Touraine, auprès de Madame Bontemps (A.D., p. 30 et 37). c)«Une fois les trains consultés on vit qu'il ne pourrait partir que le lendemain [...] il me fallait à nouveaux frais, avec la même douleur recommencer l'apprentissage de la séparation. Puis Ia concurrence des autres formes de» (54 r°, 55 r°, 56 r°). Persuadé du succès du St Loup, le héros retrouve l'état où il était avant qu'Albertine ne parte. (A.D., p. 41 et 43). Mais l'apparition du «moi» du coiffeur à qui il fallait dire la nouvelle, le fit sangloter «comme au lit de mort d'une personne chère l'arrivée d'un vieux serviteur ignorant de ce qui se passe. (A.D., 23 et aussi 51 r°). Recommencer toujours l'apprentissage de la séparation (A.D., p. 45). d)«qui plus tard serait chez moi un état permanent [...] et je me donnais aux yeux d'Albertine un air de tenir à elle qui ne pouvait que l'empêcher de revenir» (57 r°, 58 r°). Fin d'une réflexion sur le thème de l'oubli (A.D., p. 45, 46). S'il supportait le départ d'Albertine c'était en le pensant provisoire. Il n'en avait pas moins habitué son coeur, son corps, à vivre sans elle (A,D, p. 47). Et bientôt le souvenir de sa solitude viendrait remplacer celui de la vie commune (A.D., p. 47 et 48). Télégramme de St Loup annonçant l'échec de la démarche: fureur du héros (A.D., p. 50 et 51). e)«Mais que m'importait? [...] c'est à peine alors s'ils peuvent encore l'apercevoir devenu imperceptible dans le lointain» (57 v°). Si ce moyen là a échoué, il y en aura bien un autre. Mais souvent alors que l'on croit changer les choses selon notre désir, c'est notre désir qui change (A.D., p. 51). 19. Comment le héros réagit au désir que semble avoir Albertine de revenir. a)«Je reçus peu après [...]» (58 r°). Début déchiré du télégramme qu'envoie Albertine au héros, en réaction à la démarche faite par St Loup (A.D., p. 52, 53). b)«plus de ces démarches absurdes [...] ayant toujours été partisan de ce mariage» (59 r°). A réfléchir sur ce qu'a écrit Albertine: «J'aurais été trop heureuse de revenir», le héros se dit qu'il ne fallait pas l'en presser pour «effacer l'effet de la démarche St Loup» (A.D., p. 53). c)«Quelle joie j'aurais de la revoir, comme nous allions être heureux, me disais-je [...] tout ce qui est délivré des terribles difficultés de réalisation, tout ce qui est imaginé dans le vide, soustrait» (58 v°). Le départ d'Albertine, en introduisant la distance, l'avait faite redevenir «l'être non possédé qu'elle était à Balbec» (A.D., p. 53). d)«à peu tout ce qu'on disait par mensonge devient vrai [...] comme au moment où nous nous croyions seul le visage brusquement apparu d'un étranger» (60 r° et marges). A force de feindre l'indifférence, le héros finira par la ressentir si Albertine laisse passer plus d'un mois avant de revenir (A,D, p. 64). La souffrance constante du héros ne signifiait pas qu'il ne cessait de penser à elle à proprement parlé (A,D, p. 69). «Les images qui accompagnaient (sa) souffrance, ce n'était pas celle d'Albertine, mais celle de la gare d'Orsay [...]» (A,D, p. 70). Lettre-réponse d'Albertine annoncée dans le texte, citée dans une indication de régie («mettre avant cette lettre»), mais déchirée (voir édition p. 74). e) 61 r°: texte principal à ajoutée en partie illisible. moitié déchiré et paperole Le récit de St Loup a donné au héros des détails lui permettant de se représenter précisement la vie d'une Albertine de nouveau libre. L'espoir de son retour est annéanti (A.D., p. 79, 80). 20. Nouvelle de la mort d'Albertine. «un prétexte pour courir auprès d'elle, morte j'eus retrouvé comme disait Swann «la liberté de vivre» [...] mais ne m'étais-je pas déjà dit quelquefois qu'elle ne reviendrait peut-être pas?,je me l'étais dit; je m'apercevais que je l'avais jamais cru un instant. Comme j'avais besoin de sa présence, de» (62 r°). Réception par le héros du télégramme de Mme Bontemps qui lui annonce la mort d'Albertine: il est certain qu'Albertine ne reviendra pas. 21. Note-memento: le yacht, la rolls. Reproduite intégralement: «N.B.: Dire quand elle est partie que je me décide brusquement à tout ce devant quoi j'avais hésité jusque là, l'épouser et la commande immédiate d'un Yacht et d'une Rolls» (51 v°). 22. Une action militaire avant les négociations? «Sans doute si elle était partie comme les peuples qui préparent une négociation diplomatique [...] et alors même si je l'emportais ensuite (illisible) tout de même à jamais vaincu» (52 v°). Indication de régie: «Faire attention que j'ai fait ailleurs cette comparaison - pas ce qui suit mais négociation action militaire et la supprimer à l'un des deux endroits». (cf. unité de texte n° 6). Était-ce une action militaire afin de mener les négociations d'une vie en commun plus avantageuse? (A.D., p. 26 et 27). 23. Note sur Françoise: «Le verso sur Françoise». «De temps en temps quand il me semblait qu'on ne pouvait pas voir que j'avais pleuré, [...] puis je la priai de me laisser seul et je déchirai la lettre» (55 v°). Le héros sonnait Françoise pour lui demander de faire faire la chambre d'Albertine, afin qu'elle ne crût pas que ce départ était «de longue durée». A.D., p. 39: A la place que ce thème occupe dans le cahier i.e. pendant la période de «la démarche St Loup», que l'on désigne comme la position A. A.D., p. 65: A la place qu'indique l'indication de régie du 60 r °: «mettre avant cette lettre le verso 10 pages moins loin sur Françoise.», i.e. avant la réception de la lettre d'Albertine (son 3e et dernier message), que l'on désigne comme position B. Parler d'Albertine à Françoise permettait au héros de «remettre quelque chose d'elle dans cette chambre». (A.D., p. 65, soit la position B). Inquiétude de Françoise quand le héros cherchait l'adresse de la tante d'Albertine. (A.D., p. 73, position B, juste avant la lettre). 24. Les différents moments promenades avec Albertine. du jour rappellent au héros ses a)«grand rideau, j'étouffais un cri à la brusque déchirure que venait de faire en moi ce rayon de soleil ancien [...] où le clair de lune, dématérialisant la terre, la faisait» (83 r°, 84 r°, 85 r°). Dans sa chambre parisienne, le héros reconnut tout à coup «ce rayon de soleil ancien» «qui lui avait fait paraître belle la façade neuve de Bricqueville l'orgueilleuse», lors de son excursion là-bas avec Albertine (A.D., p. 88, 89). Le jour baissait et avec le crépuscule revenait le souvenir des retours de promenade. Traversée de la plaine de Doncières («Autre nom», écrit Proust entre parenthèses - dans l'édition il s'agit de la plaine de Cricqueville), dans la brume ou sous le clair de lune (A.D., p. 90). Courte note sur la façon qu'il avait de «recueillir un rayon de lune» dans les rues de Paris (A.D., p. 92). b)«Et alors en son temps je mettrai plutôt Nous retrouvions les champs, les coteaux par lesquels nous avions passés [...] s'élançait si légère vers lui l'astre, tout le long de la route, la vocalise éperdue des glèbes opâlisées». (84 v °). Comparaison qui n'apparaîtra pas dans le texte de l'édition, du prolongement de la terre dans le ciel, avec celui du mot par le chant: au «firmament timbré par l'énorme écu mauve de l'astre», répond «la vocalise éperdue des glèbes opalisées» (A.D., p. 90). 25. Note sur Françoise, «Quand Albertine est morte». «Françoise devait être heureuse de la mort d'Albertine [...] ... elle était trop heureuse la pauvre, elle n'a pas su connaître son bonheur» (83 v°). Régie: «Quand Albertine est morte (je choisirai le moment sans interrompre le développement)». Dans le cahier, cette scène se trouve au milieu de la rédaction de l'unité précédente, alors que dans le texte de l'édition, elle est situé juste après l'évocation des promenades avec Albertine (A.D., p. 91). Scène où Françoise surprend le héros en train de pleurer (A.D., p. 91 et 92). 26.«La lame» du petit jour. «L'élan de ces souvenirs si tendres venant se briser contre l'idée qu'elle était morte [...] sa lame [...] entrait comme un couteau dans mon coeur.» (85 bis r°, ainsi désigné parce que compris entre 85 r° et 86 r°, mais non composté). Dans le coeur du héros, déjà ému par les souvenirs auxquels il venait de se laisser aller, la «lame» du «petit jour», «au dessus des rideaux», fit l'effet d'un «couteau» (A.D., p. 93). 27. «Les bruits de la rue». «Bientôt les bruits de la rue allaient commencer [...] la même vie morne où rien de tout cela n'existait pour nous» (85 v°). «Les bruits de la rue» et «le degré de chaleur» de l'air déduit par la qualité de «leurs sonorités», n'exprimaient plus pour le héros «le désir des femmes mais l'angoisse du départ d'Albertine» (A.D., p. 93 et 94). 28. Savoir regarder. «Je savais que je ne savais pas regarder, [...]». Suite et fin dans la marge latérale (62 v°). pas écouter Indication de régie: «Kapital peut-être tout de suite avant Goncourt quand j'ouvre le volume Dire». Reférence à un autre cahier: «voir dans Babouche». Note pour le passage où le héros se dit qu'il ne savait pas regarder et ne pouvait percevoir les choses que d'un point de vue général (T.R., p. 41). 29. Le pastiche Goncourt. a) «Avant hier tombe chez moi Verdurin, l'ancien critique de la Revue Bleue. [...] mais c'est un grand écrivain Stevenson, l'égal des plus grands, mais oui, absolument des plus grands» ( 63 r°, 62 v°, 64 r°, 63 v°, 65 r°, 66 r°, 67 r°). Commentaire: «Si je ne laisse pas les développements cidessus mettre ailleurs cette phrase excellente un nom qui met dans la bouche de... cette phrase» (67 r°). A relier avec un autre commentaire sur le style artiste, à la Goncourt: «il faudra autant que possible ne pas souligner les adjectifs étranges et souligner les mines Drôlettes, le beau» (74 v°). Goncourt, qui devient le narrateur, (puisqu'il s'agit d'une page de ses «volumes») croque Verdurin en quelques mots et rapporte ses dires à propos du fumoir à décor vénitien (T.R., p. 29 et 30, p.39). Arrivée quai Conti où l'hôtel Verdurin peut donner «la sensation d'un palais de Venise» (T.R., p. 30). Énumération des personnes assemblées: Cottard, Swann, le sculpteur polonais, la grande dame russe (T.R., p. 31 et 32). Les bouquets de chrysanthèmes japonais (T.R., p. 31). Étonnement de Goncourt devant les perles noires de Mme Verdurin qui en raconte elle-même l'histoire ( T.R., p. 37: où c'est Swann qui raconte). Analogie, faite par Swann de telles altérations avec celles qui se produisent «dans le cerveau des gens» (T.R., p. 38). Intervention de Cottard à ce sujet. L'anecdote du bijou, autre objet sauvé de l'incendie, est absente de la version de l'édition. Il fut donné par Elstir à Mme Verdurin. A la suggestion de Goncourt que le récit «des existences successives» où le bijou amènerait la guigne serait «un curieux sujet de nouvelle», Mme Cottard parle de Stevenson (T.R., p. 38). Exclamation de Swann sur la grandeur de Stevenson T.R., p. 39). b) «Avant hier, dans la crainte que je n'oublie son invitation acceptée il y a quinze jours, tombe chez moi Verdurin [...] cette conspiration organisée contre nous par la Sorbonne, et apportant jusque dans l'aimable salon où je suis fêtée, la contradiction, l'hostile, d'un silence voulu» (69 r°, 70 r°, 71 r°, 72 r°). Trois rédactions du commencement du pastiche dont deux sont interrompues. La dernière est celle qui se trouve dans l'édition (T.R., p. 29). Proust y a remplacé La Revue Bleue par La Revue et les noms de Manet et de l'école de Barbizon par celui de Wisthler. Note sur les tours du Trocadéro. (T.R., p. 30). Évocation du fumoir et de «la margelle de puits» représentant «un couronnement de la vierge», «du plus beau Sansovino» (T.R., p. 30). Illusion de Venise au quai Conti (T.R., p. 30 et 31). Sur le quartier qu'il a connu et qu'il se prend à «raimer» (T.R., p. 31). Présentation de Brichot, «à la cravate [...] d'un magistrat traducteur d'Horace», qui sans cette qualification correspondrait à celle de l'édition (T.R., p. 32). c) «Lequel les religieuses d'autrefois, les Miramiones, se rendaient aux offices de Notre Dame [...] comme le sont les vagues de la mer de L'huître et Les plaideurs de La Fontaine dans l'édition des Fermiers Généraux» (73 r°). Développement du thème du quartier de son enfance que Goncourt se met à «raimer», par le biais de la boutique du «Petit Dunkerque» et du XVIIIe siècle que celle-ci évoque. d) «Nous passons à table et alors c'est un défilé extraordinnaire d'assiettes qui sont des chefs d'oeuvre de l'art de la porcelaine [...] une barbue qu'on sert non avec la colle à pâte que préparent sous le nom de sauce blanche des chefs» (73 v° et sa paperole). Rédaction du «défilé d'assiettes» (T.R., p. 31). Développement sur «les choses servies là-dedans» (T.R., p. 33). e) «Un manger finement mijoté, tout un fricot comme les parisiens il faut le dire bien haut n'en ont jamais dans les plus grands dîners [...] il y a un tas de mouvements intéressants, d'une grâce tout à fait «Léonardesque» (74 r°, 75 r°, 76 r°, 77 r°, 78 r°). Reprise de la rédaction sûr «les choses servies làdedans» (T.R., p. 33). Description des assiettes qui contiennent «cette raffinée mangeaille» dans les mêmes termes que ceux utilisés au fragment D. Note de Proust très intéressante quant à la «hiérarchie» des thèmes abordés dans le pastiche, transcrite intégralement: «N. B) peut-être cette description doit continuer je ferai bien de voir, en tous cas pendant que j'y pense je profite de placer le morceau si important sur la Normandie, quitte à mettre entre bien des choses, morceau sur la Normandie que je pourrai peut-être amener tout autrement que par la nourriture. Mais dans le cas où j'enchaîne, il faut au lieu d'un point une virgule» (75 r°). Portrait de Verdurin par sa femme (T.R., p. 34). La Normandie vue par Mme Verdurin : 1re rédaction (T.R., p. 34). Évocation de la vie de «la colonie d'artistes» et note sur la «paperole» de cette femme qui raconte (T.R., p. 35). Mme Verdurin, conseillère d'Elstir (T.R., p. 35 à 37). f) Deux notes marginales, portant sur le même sujet, précédant ce qui vient dans le texte principal (75 v°). Appartenant à l'évocation des promenades en Normandie, thème de l'oiseau qui se baigne dans «la corolle d'une rose blanche». (Notes marginales). Dans la version de l'édition, se rapporte à la vie de «la colonie d'artistes». (T.R., p. 35). Les crises d'asthme de Verdurin provoquées par l'odeur des sardineries (dans la version éditée ce passage s'intègre au tableau de la Normandie fait par Mme Verdurin, T.R., p. 34). L'occasion de la découverte de la Normandie par Verdurin qui est présentée ici comme celle d'un voyage pour accompagner un ami, professeur de faculté, n'existe pas dans la version de l'édition. g)«qui serait un immense parc anglais [...] Là-dessus l'été suivant ils revenaient, logeant dans une admirable habitation moyenâgeuse louée pour rien toute une colonie d'artistes» (75 v° paperole). Évocation de la Normandie : Rédaction la plus proche de celle de la version de l'édition non seulement dans les thèmes eux-mêmes mais dans leur agencement, c'est probablement une rédaction postérieure à celle du fragment E. Ici, il n'y a pas d'allusion à Flaubert. 30. «L'étonnement que ces gens soient célèbres». «Car le temps engloutit si vite les particularité [...] ce qui ne prend son importance, que réalisé intellectuellement par la lecture de mémoires ou d'oeuvres» (76 v°, 77 v° marges). Indication de régie: «Capitalissime: dans le morceau qui précèdera ou conclura ce pastiche quand j'explique l'étonnement que ces gens soient célèbres ajouter ces 2 raisons:» «Le temps engloutit» vite «les particularités» qui subsistent dans les mémoires, mais que les contemporains eux-mêmes ne se rappellent plus. Exemples de la situation littéraire de Verdurin et celle, mondaine, de Swann (A l'origine des p. 42 et 43, T.R.). «La vie nous fait apparaître en petit», ce qui prendra de l'importance, une fois «réalisé intellectuellement par la lecture de mémoires ou d'oeuvres». N.B. Commentaire de l'auteur à la fin de cette rédaction: «(sans doute que cette importance reprise par les gens hors de la vie, Pompadour, Verdurin etc, se rattache aussi à la conclusion de mon ouvrage, seule réalité est la réalité intellectuelle.» 31. «Pour ce qui concerne le petit Dunkerque». Note-memento pour ce qui suit le pastiche Goncourt, reproduite en entier [72 v°]: «Il faudra après ce pastiche dire pour ce qui concerne le petit Dunkerque. Que j'aurais voulu voir cette boutique. Pourvu qu'elle existât encore. Dire que je n'aurais eu qu'à le demander à Brichot. Et ce papier du 18e siècle à entête ornementée que j'aimerais avoir. J'irais sûrement revoir les Verdurin pour me le faire montrer» (72 v°). 32. Sur la conception de l'oeuvre. «La courte vue que nous avons des autres ne doit pas être celle du romancier [...] tout d'un coup la page des Goncourt, la vraie vie de Charlus, d'Albertine, le génie de Vinteuil et d'Elstir, en une accumulation foudroyante et condensée» (81 r°, 82 r°, 81 v°). Indication de régie (81 r°): «Ceci qui est Kapitalissime pourrait être mis avant ou après pastiche de Goncourt mais mieux dans la dernière partie quand je conçois l'oeuvre d'art. Je l'écris comme pour la dernière partie. Si mis après Goncourt il faut enlever la 1ere phrase». Combien la «surface» des «Etres et des faits» diffère selon le point de vue du spectateur. Et différence entre ce que nous voyons et ce qu'il y a dessous: exemples de Vinteuil, Elstir et Charlus. Commentaire de Proust dans la marge du 82 r°: «Je cite ces faits de ma vie pour servir d'exemples et faire comprendre ce que je veux dire.» L'oeuvre doit être faite d'une «histoire» suivie d'un «épilogue» qui serait une sorte de «second roman» où l'on dit ce qu'étaient les personnages «pour d'autres» ou «en eux-mêmes»; et tout cela «en une accumulation foudroyante et condensée». Est-ce à l'origine des pages 257 et 258, T.R.,: «La vie enfin découverte et éclaircie [...] c'est la littérature»? ou de la page 423? 33. L'opinion publique pendant la guerre. «Comme les diverses fractions de l'opinion publique avaient été réunies en deux blocs, au moment de l'affaire Dreyfus, [...] en réalité personne n'en savait rien. Mais les journaux» (86 r°, 87 r°). Pendant la guerre, grâce aux journaux, il réunification de l'opinion publique derrière «le y eut une drapeau du gouvernement», contre l'ennemi. Référence ponctuelle, T.R., p. 122 et 123 dans le long discours tenu par Charlus au héros. 34. Sur les articles de Bergotte pendant la guerre. «Il (Bergotte, de façon que ce soit plus que une parenthèse) faisait chaque jour dans un grand journal des articles sur la guerre [...] Il aurait pu les apprendre. Mais il savait que son public ne les connaissait pas» (87 r°). Sur les articles que Bergotte écrit quotidiennement pour un grand journal, prétendant ainsi sacrifier son talent à son devoir. Si la guerre avait été déclarée contre la Russie, il aurait pu incriminer «l'antimilitarisme de Tolstoï», «l'incohérence des personnages de Dostoïevski». Mais il n'y avait pas d'écrivains allemands qui aient fourni «une seule direction importante à la littérature contemporaine». Il n'existe pas de références directes à la version de l'édition: on ne peut qu'en rapprocher certains thèmes, p. 111: les journaux sont dits être rédigés «par des Brichot, par des Norpois, par Morel même et Legrandin.», p. 115: Charlus critique (dans son long discours au héros) les articles de Brichot, p. 120: Charlus critique les articles de Norpois, mais il n'est pas question d'articles de Bergotte. 35. Conversation avec Gilberte: La Fille aux yeux d'or. «Que lisez-vous là, oh! un volume du journal des Goncourt qui m'amuse parce qu'il y a quelque chose sur Papa... [...] Dans le je pris le journal des Goncourt» (91 r°, 92 r°, 93 r °). Note de régie: «Capital. Quand je suis à Combray» (91 r°). Discussion à Combray, du héros avec Gilberte sur l'amour entre les femmes, en référence à La Fille Aux Yeux D'Or. (T.R., p. 26). A la proposition de Gilberte de se renseigner pour savoir si la jeune femme qu'il avait aimé avait des goûts homosexuels ou non, le héros répond que cela ne l'intéresse plus. Deux indications de régie s'y rapportant: «Capital dans cette conversation qui aura sans doute lieu non à Combray, mais dans la dernière matinée Guermantes.» (93 r°). Et «Au sujet de ce qui est au haut du recto suivant (et il vaut peut-être mieux à Combray que tous ces pers à la dernière matinée car cela affaiblirait peut-être - cette causerie à bâtons rompus - mes considérations: Dire «mais j'y songe vous avez du la connaître [...]» (92 r°). 36. Conversation avec Gilberte: Roussainville. a) «On n'est pas toujours aimé, ainsi je vous aimais tant.» [...] Et voyez-vous ce n'est même pas ces caprices d'enfant que je me reproche le plus. «Confession de l'opération de son père et de son caractère» (92 v°, 93 r°). Indication de régie: «Quand je dis à Combray cccapitalissime (et ce ne sera peut-être pas à Combray car il n'y aura peut-être pas de Combray, ce sera peut-être à la matinée qui clôture l'ouvrage), je dis à Gilberte: » (92 v°). Confession entre Gilberte et le héros de leurs sentiments mutuels et passés. Et Gilberte parle de Roussainville. Dans la version de l'édition placé à Combray (Tansonville), T.R., p. 10 et 11. Le héros se souvient que plus tard, l'ayant pris Melle de L'Orgeville, il avait demandé des renseignements à Robert, son futur mari (T.R., p. 14). N.B. Notes de régie intégrées au texte rédigé du 93 r°: «(mettre là la petite image de Clary) - puis les paysannes de Méséglise (copier la femme de chambre de Mme Putbus)». b) Note de régie et élément textuel, retranscrits intégralement (93 r°): «P.S. Kapitalissimum à ce qui est au verso et ci-dessous quand je parle du Donjon de Roussainville et quand je transporte à Albertine ce que je dis de la famme de chambre de Mme Putbus. (Aussi quand j'aurais voulu qu'une paysanne). ajouter: Ainsi résumant ce que j'avais désiré dans ces PROMENADES (sic), AYANT FAILLI ME LE FAIRE GOUTER DES MON ADOLESCENCE, PLUS COMPLETEMENT ENCORE QUE JE N'AVAIS CRU ELLE ÉTAIT «DU COTÉ DE MÉSÉGLISE». (T.R., p. 14). 37. Conversation avec Gilberte: «Comment vous avez été fiancés»? «Comment vous avez été fiancés; et elle n'était pas plus reconnaissante... [...] ces paroles que nous répandions avec complaisance étaient vraies et ne pouvaient plus rendre possible, parce que Albertine était morte, cet excellent plan d'existence qu'elles lui (illisible)» (90 v°). Indications de régie: «ce verso finit au bas de ce verso, ce qu'il y a au verso suivant ne s'y rattache pas». «Capitalissime. Dans cette conversation de Combray ou chez la Pcesse de Guermantes quand je rencontre» A la question de Gilberte, le héros répond par l'expression de ce qui eut peut-être été vrai: le bonheur d'Albertine était auprès de lui. Mais elle l'a refusé (T.R., p. 26). 38. Conversation avec Gilberte: Pourquoi ne vous mariez-vous pas? «Pourquoi ne vous mariez-vous pas, cela vous ferait changer de vie [...] et si Albertine (sic) me demande ce n'est pas celle-là avec qui vous avez été fiancé je pense, je répondrai ah! non c'est une autre!» (91 v°, 92 r°). Indication de régie: «Capital. Il faudra que je dise en pendant à ce que j'ai dit (indiqué en marge au début du cahier Vénusté sur le grand rôle joué par Albertine dans ma vie) et si je mets ce pendant à Combray avec Mme de St Loup (Gilberte) cela n'ira peut-être pas avec la fille aux yeux d'or qu'il faudra peut-être supprimer ou après». Le cahier Vénusté correspond au cahier 54. Le héros parle de son occasion de mariage ratée à cause de son hésitation et de son mauvais caractère. Voir T.R., p. 26 où Gilberte lui dit à Tansonville que Robert et elle pensaient qu'il devait se marier. Au même endroit se trouvent aussi le thème de la fille aux yeux d'or, et l'aveu par le héros qu'il a été fiancé. Dans la version de l'édition, il y a donc concentration de trois éléments textuels du cahier 55 en un seul. 39. Notes sur le souvenir d'Albertine au fil des saisons. a) Indications de régie: «excellente formule même si je la fonds avec ailleurs quand je rencontre des femmes à Paris, à Venise (cahier Kerby).» «mettre quelque part dans le recto suivant ou ailleurs,» (93 v°). Fragment transcrit intégralement: «Même ces soirs glorieux où dans la poussière dorée du soir les pensionnats, les offices entrouverts, comme des chapeles (sic), à la poussière dorée du soir laissent la rue se couronner de ces demi-déesses aux délicates chevelures, mystérieuses (illisible), qui en causant non loin de nous avec leurs pareilles nous donnent la fièvre de pénétrer dans leur existence mythologique, ne me rappelaient plus que la tendresse d'Albertine qui à côté de moi, m'empêchait d'approcher d'elles» (93 v°) Voir A.D., p. 97. b) Indications de régie: «j'aime mieux faire bloc ici des thèmes imagés sur l'hiver». «ou plutôt en laissant ce qui est en face pareil il serait peut-être curieux de mettre ce qui est ici au verso ou au recto de la page suivante après espérances à moins que je». «Peut-être mettre ceci après comme une maladie c'est l'hiver ou finir (illisible) par comme une maladie c'est l'hiver» (93 v°). Sur les jours de janvier où Albertine lui rendait visite. Voir A.D., p. 96 et 97: allusion aux dimanches de mauvais temps. N.B.: à mettre en parallèle avec la note de régie du 22 v°: «En pendant aux questions que je lui pose, bien avant d'être jaloux sur ce qu'elle voulait dire, quand elle disait «ce pauvre nous» (équivalent car ce n'est pas elle qui le dit), il faudra quand je dis jaloux lui demander qui lui a appris (illisible) alors me revinrent ces mots qui m'avaient donné quelque espérance de l'embrasser un dimanche d'automne et qui maintenant ouvraient à ma jalousie de nouveaux espaces (peut-être mettre cela dans le cahier mince bleu, quand j'entendrai le calorifère, ou s'il faut dans le buc; ou si c'est dimanche) plutôt le calorifère et le dimanche sera pour après sa mort». c) Ce qui reste du 94 r°, déchiré. Bribes d'Albertine. peu compréhensibles où apparaît le prénom d) Indication de régie transcrite intégralement (94 v°): (illisible) qui se placera sans doute verso suivant, (après la fin du verso suivant) après indestructible azur et avant «comment Alberti// m'avait elle paru morte»// (Voir A.D., p. 99). e) Fragment du 95 r° déchiré transcrit intégralement: «// tour à tour à sa lumière l'anxiété de savoir Albertine au Trocadéro, peut-être avec Léa et les deux jeunes filles, puis la douceur familiale et domestique de l'attendre à mon piano (illisible) comme une épouse qui me semblait embarrassante et que Françoise allait me ramener. Com(ment) Albertine eut-elle paru morte qu//» (Voir A.D., p. 97 et 101). f) 96 r°, déchiré. Plusieurs impressions «semblaient rendre incroyable qu'Albertine fût morte». Le héros pensait que «(son) amour pour elle n'était pas simple» (A.D., p. 102). g) 96 v°. Contradiction entre une souffrance que le héros ressent toujours et sa cause: des soupçons à l'égard d'une personne morte (A.D., p. 103). ANEXO B – Fólios do caderno 55 utilizados na tese (transcrição feita por Yuzawa e Nathalie Mauriac Dyer) Brichot me demanda où j’allais, je lui dis répondis : « chez moi. » « Cela c’est bien me dit-il de finir sagement votre soirée dès cette heure ci. » Il ignorait que pour moi, elle allait seulement commencer qui en avais seulement un peu retardé le moment en allant chez les Verdurin, elle allait seulement commencer, et qu’une jeune fille, prête à m’offrir son corps, m’attendait un corps auquel que même loin d’elle tous mes sens ne cessaient d’envelopper, m’attendait patiemment, à la lumière de la lampe dans cette chamb cet appartement que le vieux professeur s’imaginait vide et que remplissaient pour moi, inconnues insoupçonnées de lui chaudes et brillantes comme les ondes de clarté de la chambre d’Albertine, les insou les promesses d’un plaisir que j’étais pressé d’ aller goûter. Conversation avec Brichot. Pour le morceau ci dessous il vaudrait mieux insister sur l’ennui et laisser le/a plaisi douceur ; la richesse de sensations pour quand elle est morte. sur ce verso et ce recto Ceci est le morceau définitif (quoique la forme soit à changer) Ma qui annule les pages suivantes ( mais non pas q. q. pages avant quand Brichot me demande l’adresse.) Mais regar der dans les pages suivantes où je disais moins bien la même chose si je n’ai rien oublié Nous étions arrivés devant ma porte. Ce fut Je descendis de voiture et donnai au cocher l’adresse de Brichot. D’en bas je voyais le à travers les volets les rayons de la lampe de d’Albertine. Pour d’autres ils n’eussent peut’être été qu’ une lumière superficielle, mais moi sous leur éclat, je savais toute la plénitude de vie qui m’attendait paisiblement là haut en laquelle et où mon corps et ma pensée allaient se perdre, se confondre ennui, sans se reposer Ce n’était pourtant pas sans regret que je voyais m’attendre, me rappeler ces reflets dorés du ces rayons m’attirer, me* me dire qu’on m’attendait (dire aussi aussi cela mieux) Ces reflets du trésor, insoupçonné de Brichot, ,orgueil secret de ma vie, qui rempl qu’il était des amis qui venaient me voir et que je reconduisais dans le couloir sans qu’e ils rien trahit la présence d’Albertine, mais en échange duquel il me semblait que j’avais vendu la liberté, la pensée, la solitude. Si Albertine pour n’avait pas été là haut, pour avoir un plaisir sensuel, pour ce que j’aurais fait c’eût été sinon prendre un train, tout au moins faire dans le Paris nocturne de ces promenades qui sont presque un voyage, aller dans cette maison q dont m’avait parlé Robert et qui comme un était un plaisir doux, ennuyeux de flatteur et humilié, sensuel et familial, mêlé musée eut rassemblé auprès de moi dispensé d’un voyage en en rassem flatteur pour mon amour propre blant les trésors auprès de moi ; avoir du plaisir c’eut été sinon partir, déprimant pour mon intelligence, ennuyeux comme ce qui nous prive de la du moins sortir, rechercher des êtres inconnus, tâcher de me nouveauté, doux comme ce que nous apporte l’habitude. faire des aimer d’eux, au lieu de retrouver une femme qui était comme une autre partie de moi-même et qui ne m’offrait plus et à qui je savais ne plus pouvoir offrir de nouveauté, qui me donnait au lieu des inquiétudes exaltantes du dépaysement, la douceur profonde, nécessaire, mais abêtissante de l’habitude ; si je n’ quand j’ avais quitté mon piano au coup de sonnette d’ Albertine ramenée pour moi du Trocadéro, un peu plus tard quand je l’avais sortie assise à côté de moi en voiture, ou quand elle avait descendu devant moi passant devant moi elle était rentrée sous la voûte, c’ était le plaisir de sentir ma vie remplie par une personne qui ne* ét qui/e m’ empêchait de je rester avec moi-même, c’ avais pas connu Albe Albertine n’avait pas été là haut pour avoir du plaisir c’eût été partir, ou du moins sortir ; maintenant c’était au contraire rentrer. Et non pas rentrer comme celui qui dans sa maison ayant quitté les autres se trouve enfin seul, c’était et n’ayant plus d’aliment étranger fourni par du dehors à sa pensée et est enfin contraint d’entrer en commerce avec soi-même. Pour Rentrer c’était retrouver non seulement ma maison mais la personne dont ces lumières que je voyais d’en bas étaient comme l’émanation douce, vivante, humaine, trop humaine, un être relativement auquel, quand j’étais avec les autres, comme chez les Verdurin par exemple, j’étais seul, tandis qu’auprès de lui j’abdiquais enfin complètement comme un pet enfant dans les bras de sa mère. Cet appartement comme il le remplissait de toute la plénitude de sensations qu’il y tenait à me Le plaisir que j’avais à voir d’en bas ces rayons qui ne où je sentais circuler qui remplissaient la chambre et où je sentais circuler toute la richesses de sensations qui étaient là haut à ma disposition (dire mieux) c’était, comme cet après midi musée, mettant les fruits de voyage auprès de moi et voir aussi dans le Voir dans ce verso et le suivant qui mince cahier bleu au recto ne comptent plus s’il n’y a rien que j’aie et verso oublié de mettre dans appelés page le verso et le Hurlus et qui recto précédent sont supprimées si j’ ai bien mis ici tout Brichot me quitta au pont. J’étais ennuyé de rentrer. Je ce qu’il y a dans pensais à tous les plaisirs inconnus que j’aurais pu aller goûter, cette Page Hurlus si je m’étais promené seul, si j’étais allé dans cette maison Et en pensant pour qui je à rentrais la raison pour laquelle + bertine, puis quand je l’avais eue à côté de moi dans la voiture, et quand passant devant moi elle était rentrée à la maison. avec celle qui m’ avait jusque là attendu paisiblement dans sa chambre. J’ éprouvais à y penser ce même sentiment de bien être, d’ orgueil, d’ égoïsme et de renoncement à toute eff curiosité nouvelle, ce même sentiment à la fois doux, ennuyeux, flatteur, humiliant, sensuel et familial que j’avais éprouvé cet après midi même quand j’avais entendu Albertine quitté mon piano au coup de sonnette d’Al + que m’avait indiqué Robert Brichot me demanda quelle adresse je il devait donner au cocher et je lui dis la mienne. Il me « Ça c’est très bien dit-il. » Pas plus que les amis qui venaient me voir et que je faisais passer dans le couloir sans qu’ils rencontrassent Albertine, il ne soupçonnait pas qu’en rentrant j’allais trouver justement commencer ma soirée, que le temps que j’avais passé chez les Verdurin n’avait été pour moi qu’un court intervalle pendant lequel m’attendait paisiblement dans sa chambre celle que j’avais hâte de retrouver. Et pourtant nouveaux j’étais ennuyé de rentrer, je pensais à tous les plaisirs inconnus dont à la recherche desquels j’aurais pu aller si je m’ étais promené seul, si j’avais été dans la maison que m’avait indiqué Robert. Avec L’espoir La pénétration d’une vie inconnue, l’espoir de me faire aimer d’un être qui ne me connaissait pas, tout cela n’existait plus avec Albien connu bertine. C’était là même plaisir sensuel, familial et même, domestique, goûté cet après midi que je revenais chercher auprès d’elle auprès d’elle, dans cet appartement où sa soigneusement cachée à Brichot présence, ignorée de Brichot mettait comme une plénitude une tré richesse insoupçonné, qui faisait qu’au moment où j’ Bric Brichot me quitta au pont J’aurais La nuit ciel qu’avait rafraîchi Com Je n’avais que de l’ennui de rentrer car je n’avais plus de jalousie à l’endroit d’une rencontre possible de’Albertine avec Mlle Vinteuil. Alber Mlle Vinteuil n’était pas venue à Paris. Albertine devait le savoir par Me Verdurin. Et si au contraire elle le savait Me Verdurin l’avait trompée en lui disant le contraire, en tous cas elle n’avait pas hésité à me sacrifier sa s Mlle Vinteuil, ce qui prouvait que je resterais maître d’elle comme je voulais. Aussi la vue du rectangle de la lumière que sa fenêtre d’Albertine faisait sur l’avenue me allais rentrer dans mon appartement à une moment où les autres se fussent trouvés seuls. J’allais au en fleurs contraire cesser complètement de l’être. Une jeune fille qui n’était pas seulement pour moi visible mais qui perçue par tous mes sens était comme richement couverte d’une carapace de baisers, dont je voyais n’y était-elle pas qui pour moi n’était pas seulement visible revêtu en lignes et en couleurs, visible couverte de couleurs, du visi mais de visible tant d’autres sensations, de tant de baisers dont j’écartais la richesse et retrouvais l’odeur pour seulement apercevoir de teinte de ses joues que pour seulement voir dans ma pensée le tant de ses joues il me fallait écarter, plaisir, ce n’ét au cont au contraire retrouver un être connu, pas devenu un complément de mon organisme, hors de la présence duquel je ne pouvais m’aventurer que peu de temps, avoir du avoir du al allait entrer dans mon appartement en*les autres à ce exfolier les pétales d’innomblables baisers dont je retrouvais l’odeur, comme si son visage moment où les un autre s les autres se fussent trouvés seuls avait été une rose aux innomblables pétales. Et de ce que cette rose avait j’allais au contraire cesser complètement de l’être, homme été cueillie à la treille. (voir petit cahier bonne femme* je crois), ce mystère matérialisé me trouvant à ma disposition dès le moment où j’aurais dev que je trouverais à ma dispositon matérialisé devant moi dès le moment où j’aurais f ouvert ma porte la personne qui remplissait le ouvert ma porte, s’il nourissait tous mes sens vidait mon imagination la dispensait plus complètement la mienne dans laquelle se perdait la de le recréer. N’aurez N’aurez-je pas à ma disposition rien qu’en ouvrant ma porte la personne plus complètement la mienne, devant laquelle j’abdiquais plaisir ce n’était pas partir en voyage, ce n’était même pas sortir, c’était le plus entièrement, me remettant tout entier à elle, comme un enfant sur les genoux, de de sa mère. C’était chez les Verdurin que j’étais seul, un moment privé de cette riche Et Par- Albertine rentrer. Encore d’ailleurs tir ce n’était même pas pour moi comme pour les autres, me retrouver seul, pouvoir descendre avoir besoin d’un aliment que les autres jusqu’à ce moment là vous fournissaient et qu’après les avoir quittés on trouve en soi- même. C’ était rejoindre à cet me qui était devenu le complément de mon organisme et hors de laquelle je ne m’aventurais qu’un moment, pressé d’aller me rejoindre et m’unir à elle. D’ La voiture s’ était arrêtée devant ma porte. D’en bas je voyais le grand carré de lumière qui faisait à travers les volets la lumière de la fenêtre d’Albertine, comme les rayons de ce si soigneusement caché à Brichot, à Robert, insoupçonné de tous trésor qui m’attenda insoupçonné des autres qui m’attendait, que j’étais si pressé de retrouver mais en échange duquel il que j’étais si pressé de retrouver, mais en échange duquel être loin duquel même me semblait que j’avais vendu la liberté chez les Verdurin je m’étais j’avais vendu la liberté de ma vie et la possibilité senti relativement seul, car pour avoir chez auprès des autres je n’ d’être seul ! Si je n’ Albertine n’avait pas été là, j’aurais avais pas une ç’aurait si entièrement été à défaut de partir en voyage des parties presque étrangèresde Paris absorption de du plaisir pu me promener seul dans Paris, aller dans cette maison que moi-même, cet être par lequel et sollicité pa que , pour me dispenser m’avait indiquée Robert, même si aller à la rechercher de songer même une minute à moi, j’allais du plai d’es êtres inconnus, tâcher de pénétrer leur vie et être reçu dès que j’aurais tandis que maintenant c’était ouvert ma porte et dans de me faire aimer d’eux./, Mais maintenant que pour avoir la personne duquel se+ ++ du plaisir ce qui Mais maintenant pour moi avoir du perdait le plus + + + + le plus + complètement la mienne, cet être dans lequel j’abdiquais avec un sentiment aussi complèt entièrement qu’un enfant sur les genoux de sa mère. J’avais hâte de me décharger auprès de lui de moi-même, d’ entrer dans cette chambre dont la lumière d’ici me semblait humaine, trop humaine, car elle [ill.] mystérieuse parce que Brichot ignorait ce qui y veillait et douce parce qu’elle était le signe de la vie jadis si désirée, du corps charmant qui m’y attendait. causa-t-il un sentiment de plénitude, de douceur et d’ennui. Je sentais que dans le demeure où je rentrais, où j’étais obligé de rentrer comme un mari, « Devinez d’où je viens, Albertine ? de chez les Verdurin. Ah Ah ! vous avez Je n’avais pas cru déplaire à Albertine en all lui disant que j’étais allé chez les Verdurin. Mais embrasser quand, venu la’ chercher dans sa chambre, je l’eus emmenée* préoccupé et mécontent dans la mienne, je vis sur son visage une crispé par un mécontentement intérieur./, Il me semblait dont je je lui eus sur dit d’où je venais, je vis aussitôt son visage boulever un de ces changements que je dont je croyais que les pensées qu’il traduisait ne fussent : « C’est cela ; il sans me le dire, il se méfiait que de l’intérieur les pensées produisent, et des dehors Ceci vient tout de suite après la fenêtre éclairée. C’ est par là que commence tout ce qui est se passe dans la maison Certes Albertine ne m’avait jamais dit qu’elle me crut épris d’elle et jamoux d’elle, préoccupé de tout ce qu’elle faisait. Les seuls mots que nous avions échangés au sujet de l’un très anciens, il est vrai la jalousie, assez anciens il est vrai, avaient été un des premiers soirs où je lui avais proposé de la reconduire jusqu’à sa tante et où comme j’avais ajouté : « Ce n’est pas par jalousie vous savez, si vous avez quelque chose à faire » et en effet je n’étais pas jalo Les paroles fort anc assez ancien il est vrai seuls mots que nous avions eussions échangé relativement à la jalousie par semblaient prouver le contraire. Les unes C’était un soir de clair reconduite de lune, o un des premières fois où je l’avais ramenée chez elle. Comme je la je lui proposais de la ramener jusqu’à chez elle, je lui avais dit en riant : « Nous savez, ce n’est pas par jalousie, je si vous avez q. q. chose à faire je m’éloigne discrètement. » Et elle m’avait répondu : « Mais je/Je sais bien, mais je n’ai rien à faire qu’à être avec vous. » Et préoccupa le moins. Même si Albertine avait eu rendez-vous avec elle chez lez Verdurin, elle m’avait aisément sacrifié ce rendez-vous. Il m’était facile d’e e continuer à empêcher Albertine de la voir, jétais maître de ses actions tant qu’elle était chez moi. Ce qu’il fallait c’est qu’elle y restât. Or pour la pre se mière fois je venais de voir dans son visage comme j’avais vu sur superposer au visage la figure d’Albertine au moment où je lui avais dit que je revenais de chez les Verdurin, une apparence de ces masques Capital Certes Albertine ne m’avait jamais dit qu’elle crut que je fusse épris et jaloux d’elle. « Depuis les soirs lointains de clair de lune où je lui disais ce n’est pas par jalousie que je vous propose de vous reconduire me énigmatique qui ne sont que la synthèse mêlée d’ idées transformées, et que nous cherchons à notre tour à remener par l’analyse à ses éléménts intellectuels afin de nous rendre compte de l’état d’esprit de notre la personne qui est avec nous. Celui Celui d’Albertine semblait pour la 1re fois trahir une sorte mélange de colère et de découragement qui pouvait se traduire ainsi : « Naturellement, il avait des soupçons, cela ne lui a pas suffi de empêcher d’aller chez les Verdurin, il a fallu qu’il y tout aille en cachette pour se rendre compte. » Et Alors j’eus tout d’un coup l’effroi que’ la pensée d la pensée de me qui quitter ne traversât son esprit, soit qu’innocente même d’intentions elle se décourageât de voir que depuis Balbec où elle avait même évité de rester jamais seul avec la petite poupine elle jusqu’à aujourd’hui où elle n’était ni allée chez les Verdurin ni restée au Trocadéro, elle n’avait réussi à Ce qui est en marge est Capitalissime, surtout l’enclave du milieu il pourra peut’être y avoir intervalle où je mettrai autre chose avant +Et puis chaque : Mais quoique habitué à ces sortes de scènes fois que je manaçais un être, Françoise, ma gd’mère, Albertine dans sa sécurité, j’eus tout d’un coup l’épouvante que l’idée de me quitter comme je n’e allais pas ne réaliserais pas ma ne traversât son esprit. » Aussi, désespéré, mais d’une voix menace, pour ne chère pas faire croire que calme, je lui dis : « Ma petite Albertine, voyez-vous la vie que c’était une parole vous menez ici est ennuyeuse pour vous, il vaut mieux nous quitter, et en l’air j’allais assez comme les séparations les meilleures sont les plus courtes, je vous loin dans les apparences de la réalisation et demande pour abréger le grand chagrin que je vais avoir de me ne me repliais que partir quand l’adversaire, dire adieu ce soir et de me quitter demain matin. » pendant que vraiment convaincu, je dormirai. » Je lui dis cela pour bien des raisons. Je sentais que ou du moins ébranlé dans sa Quand je la sentais fâchée la seule sécurité avait tremblé pour de bon pas puisque je ne songeais pas à la quitter. N’importe cette mise Peut’être mettre ceci un peu plus loin, parmi les en scène, cette fiction, que j’interromprais quand je le voudrais portait raisons pour lesquelles en elle un peu de l’angoisse d’une séparation vér mais où Albertine était une actrice sincère et telle qu’elle eût été si cela je dis cela mais il vaudrait mieux dire d’abord : Ma avait été vra portait en elle – peut’être parce que elle était telle pour un des deux acteurs Albertine qui croyait jouait son rôle sincèrement et croyait chère petite Albertine devoir se préparer à partir, un peu de l’angoisse d’une séparation etc Je continue véritable et Aussi Mais quoique habitué à ces sortes de scènes, je tout en les sachant mensongères, elles me faisaient la fois stupéfaite, encore incrédule et déjà désolée éprouver un peu de la à demi incrédule, à demi désolée tristesse que j’aurais Elle parut bouleversée « Comment demain ? vous le voulez ? » eues si elles avaient été vraies. J’aurais eu J’eus le sentiment de de reprendre de nouveau l’avantage sur une peine infinie elle que j’avais eu à Balbec le jour de la visite de Me de de quitter Albertine Cambremer, quand Albertine m’avait demandé des explications Il n’importait + sur ma dureté. Pour qu’elle ne pût pas croire que je mentais ++ navré, plutôt que de se faire couper un doigt, puis un autre, j’ai pensait : « il dit cela, mais ce n’est pas possible, il sera fatigué, il restera couché comme les autres jours. » Et l’ instinct* la/e sentiment de son incrédulité augmentait la machiavélisme de ma persuasion. j’aime mieux donner la tête tout de suite. » Elle dit cela d’un air navré qui m’aurait ravi, si la nécessité d’imaginer les choses quie je lui disais, ne m’avait fait leur ajouter cette demi croyance qu’on accorde par exemple aux fictions d’une tragédie et qui suffit pour faire pleurer. Peut’être la fatigue de ses traits due à l’heure tardive Quant à elle me croyait sans, même si la fatigue de l’heure indue, par le fléchissement qu’elle imposait à ses traits ajoutait à son air de tristesse, elle me croyait sans doute, comme elle m’avait cru l’après-midi Je pense quand je lui avais dit que j’avais reçu des nouvelles de la femme que j’avais tant aimée. Elle me croyait elle qui que j’ai dû marquer si souvent semblait se défier de moi, ne pas ajouter foi à mes ailleurs (sans cela marquer paroles, se défier de moi. Et si elle me croyait en ce moment c’ ici) que cela ajoute au était sans doute parce que j’étais habile comédien mais et savais caractère familial rendre vraisemblable mon projet de la quitter, comme autrefois je de mes relations avec Albertine. savais rendre vraisemblable à ma grand’mère telle décision qui Et en tous cas mettre : Et pouvait l’ennuyer et qu’en réalité je n’avais nullement prise; peut’être était-ce en ce moment n’était même plus fort avec mais de plus la crédulité d’Albertine venait peut’être en ce de ma gd mère qu’avec Albertine car qu’avec ma gd mère. Car ce qui défiance qu’une conséquence partielle de sa défiance générale me faisait feindre avec cettesa persévérance une chose qui pouvait être désagréable c’était la pensée que l’autre en doutait, pensait que c’était une menace vaine. Alors pour qu’e elle ne triomphât pas en se disant il ne ma gd mère fera pas, je disais avec calme tout ce qui semblait impliquer que mon projet était irrévocable. Or ce doute dans la pensée de l’autre qui m’enrageait, était forcément plus grand pour Albertine parce que ma santé, la vie que je menais faisaien rendaient plus improbable encore improbable le moindre projet que j’ annonçais. Si pour qu’Albertine ne pût faire de projets je disais je’ irai sans doute demain me promener avec vous, je sentais qu’elle ++ Chaînon important A un des moments où je dis que je veux lui proposer le mariage, ou ne pas le lui proposer, enfin je veux dire à un des moments où je retarde l’idée d’ une séparation : « Cependant ma mère s’inquiétait de ne rien savoir. Elle finit par m’envoyer une lettre recommandée avec prière de la lui renvo retourner par le même courrier où copiait elle me citait cette phrase de Me de Sévigné : « Pour moi je suis persuadé qu’il ne se mariera pas ; mais alors pourquoi troubler cette fille qu’il n’épousera jamais ? pourquoi la risquer de lui faire refuser des partis qu’elle ne regardera plus qu’avec mépris ; pourquoi troubler l’esprit d’une personne qu’il serait si aisé d’éviter ? En pendant aux questions que je lui pose, bien avant d’être jaloux sur ce qu’elle voulait dire, quand elle disait « ce pauvre vieux » (équivalant car ce n’est pas elle qui le dit), il faudra qd je suis jaloux lui demander qui lui a appris sélections mousmé, : Alors me revinrent ces mots qui m’avaient donné quelque espérance de l’embrasser un dimanche d’automne et qui maintenant ouvraient à ma jalousie de nouveaux espaces (peut’être mettre cela dans le cahier mince bleu qd j’entendai le calorifère, ou s’il fait de la brume, ou si c’est dimanche) plutôt le calorifère et le dimanche sera pour après sa mort. Capitalissime Ajouter encore au verso en face tout à la fin de l’ajoutage mince. Et peut’être n’ est-ce pas seulement vrai de certaines personnes mais de certains milieux où les paroles qui nous ont semblé le plus naturelles éveillent à notre insu le plus singulier, le plus interminable écho, où les choses les plus simples prêtent donnent matière non seulement à des commentaires, mais à des démarches, à des incidents où se complaisent les prét que croient se devoir à euxmêmes alinéa un peu marqué sur sa tête et ne pouvoir être évité écarté que pour être repris dans quelques semaines. Pour Pourtant dans la suite je n’ai jamais menacé Albertine de la quitter que pour prévenir répondre à une idée semblable qu’elle ne m’exprimait pas mais que/i me semblait résulter mecontentement incom de sa/on mauvaise humeur inexplicable, de sa refus mystérieuse de s’expliquer. Et encore bien souvent je la constatai sans parler de séparation, espérant que c’était la mauvaise humeur d’un jour. Mais souvent cela durait des semaines de suite et semblait vouloir provoquer un conflit, comme si à ce moment là il y eût eu au loin telle cause* tel plaisir que je ne savais pas, dont sa présence chez moi la privait, et qu’elle avait envie d’ aller rejoindre (dire cela autrement) (et tâcher de préciser les plaisirs auxquels que je suppose. Voir l’Idiot) m’avait jamais A partir de ce jour Albertine ne me dit pas (elle ne m’avait jamais dit avant non plus) « je sais que vous n’avez pas confiance en moi je vais essayer de calmer de créer en vos soupçons.» Mais toutes ses actions pouvaient être inter vertu de prétendu principes des gens prêtées A partir de ce jour Elle a conti A partir de ce jour qui consi trouvent que les amis ne peuvent « laisser A partir de ce jour l’idée que je n’avais pas confiance passer » les choses les plus naturelles. en Albertine elle n’expri Elle continua à jama ne jamais exTout cela pour la distraction sans doute primer une telle idée. Mais celle-ci parut, à partir de ce de ceux qui s’y livrent mais jour, pouvoir être une des explications de ses moindres abolissent au malheur ceux qui en sont l’objet si bien actes. Non seulement elle s’arrangeait à ne jamais être qu’au fond mon g le dernier réjouit encore mot de la sagesse était peut’être celui mon gd plusde d’avoir quipère quand se refusant à présenter Swann dans joue avec nous dans notre le « petit clan », au seul nom chambre, une petite des Verdurin panthère un jeune il criait : sanglier. Mais les a la garde ! » naturalistes prétendent qu’elles ne sont nullement domestiquées et qu’un jour ou l’ autre l’état 1er revient. + Bien rarement me offrait de me jouer quelquechose. Si à cause de l’ quoique bien souvent j’éprouvasse heure je manifestais la crainte de mécontenter ; à cause de l’heure tardive, la Duchesse de Guermantes qui pouvait très bien nous entendre, le visage d’Albertine s’ Qd je dis assombrissait, prenait ce même air froid qu’avait sa que je l’ai domestiquée tante quand on parlait de gens brillants. Car les dire : Cette le visage d’Albertine se voilait un instant, tout rayon Car alors le fille qui à s’y éteignait il devenait sombre, froid. C’est que Balbec me fleuriss germaient semblait aussi les riches qualités qui fructifiaient en elle la faisaient lointaine, à cependant dans l’enveloppe qu’elle avait héritée de ses qui il me paraîssait parents bourgeois, de sa tante qui perdait sa pétulance presque aussi et sa gaîté quand on parlait de gens brillants dans sa peur vain d’adresser d’avoir l’air de souscrire à leur éclat ou dans son la parole qu’ mécontentement qu’on pût se parer de quelque chose qu’ à un animal sauvage , je elle n’avait pas. A Tout Tout cela Tout cela juxtaposé chez l’avais ins- Albertine se présentait tour à tour, tantô et elle en elle truite et parlait successivement l’artiste naîssante et le bourge domestiqué. Les dons remarquables qu’elle développait n’avaient pu Du moins j’en expulser d’elle ces mesquineries qu’elle avait héritées et avais le un instant plaisir et après avoir vu la manifestation éclatante des premiers quand peut’être l’illusion. Car il y reparaissaient les secondes restées intactes, à côté d’eux, a des bêtes qui je me disais combien peu l’es êtres même supérieurs son libres, deviennent domesti- et combien leurs plus beaux élans sont obligés de compter ques comme le chien et le chat. Et d’autres qu’on se avec des entraves dont ils ne vivantes dont ils ne + petit alinéa peuvent se débarrasser. Elle a Adossée à ma bibliothèque pour Vinteuil à mettre dans ce développement (je ne dis pas à cette pageci mais faute de place je le mets là, c’est pour ces pages-ci) Quand Albertine commençait à jouer du Vinteuil, surtout du Vinteuil des dernières années où il était devenu tt à ft lui-même) quelque chose même que je ne connaissais pas ; je reconnaissais tout de suite que c’était que c’ét que c’ lui de comme quand était lui qui parlait on hésit on hésite, comme* on enfant quand j’ de même que hésitais à entrer dire bon Swann quand rent il hésitait à entrer au salon dir dans le salon de sa femme écoutait un instant le bruits des voix afin de savoir qui était là, et se disant, c’est M. Cottard, c’est Palamède. Car chaque artiste véritable a son accent qui n’ est qu’à lui comme chaque personne. Bien plus que chaque personne. Entre Il n’y a pas entre le discours de Vinteuil et celui d’un autre artiste, que la petite différence qui Ajouter encore à ce qui est ci dessous. D’ailleurs si une même phrase apparaissait tantôt brisée comme le matin qui se suspend aux chèvrefeuilles (voir ci dessous) tantôt comme le matin brillant sur la mer, il y avait aussi plusieurs phrases, plus fines*, car l’esprit ne contient pas une seule personne mais est un salon où il y en a de diverses. (prélude variation et fugues) Ajouter à ce que je dis des œuvres diverses et pareilles de Vinteuil (pareilles les autre chose le forçaient à se 2 motifs questionneurs et virginal de la Sonate, ressembler, c’était la parenté des idées du Quintette de Franck, différents préludes l’unité de l’esprit qui créait. fugue et variations). Au fond c’était une même phrase Voir la fin de ceci en face parce que c’était fait avec la même âme, cheren marge. chant le même rêve. C’était le même rêve devenue vrai mais réfracté à travers les milieux différents de remplis de recherches, de jours autres et, de pensées autres, qui ici brisaient, diversifier une même phrase, en la rappelant sans cesse, de sorte qu’on en reconnût les fréquentes brisées, ici multipliées de vitesse, là se recomposant plus larges et plus lentes. derrière Mais ces ressemblances que l’artiste avait soigneusement cherchées au sein de ces œuvres, l’ amateur en apercevait d’autres involontaires celles-là, inconnues de l’ artiste et qui même quand il croyait faire là liaient certaines lignes, et donnaient par exemple à une certaine caresse virginale comme celle du matin le charme de l’aube du matin, tantôt quand il brille uni sur il se suspend dans un jardin aux flexibles* chèvrefeuilles, tantôt quand il brille uni sur la mer. Aussi le si la ressemblance nous pouvions comme le chimiste extraire la même substance, il est bien certain que pour l’artiste il y avait eu création entièrement autre. Et précisément leur analogie, d’être faite avec la même âme ajoutait encore à la richesse de cette diversité. Car la surprise miraculeuse pour l’auditeur c’était justement que de nouveau univers* pût naître, c’est à dire que la même chose pût être recréée tout autrement, s’incarner en une créature toute différente comme étaient sa sonate et son quatuor. D’ailleurs dans le sein même de l’œuvre l’effort de l’artiste avait été de+ l’évocation de ces promenades insinuait dans ses traits le même mystérieux sourire qui m’avait séduit en elle le premier jour, quand je ne la connaissais pas encore à Balbec. Elle me parlait aussi de ces promenades que’ elle avait faites avec des amies dans la campagne hollandaise, de ses retours à Amsterdam à des heures très où quand tardives, dans ces rues où une foule compacte et joyeuse de gens qu’elle connaissait presque tous emplissait les rues dont je croyais voir reflétés dans les yeux brillants d’Albertine. Comme dans les glaces d’une trompeuses incertaines d’une voiture rapide les feux innomblables et fuyants. Alors sous ce visage rose je sentais se creuser, se réserver l’ se creuser comme espace des jours un gouffre l’inexhaustible espace des jours où je ne l’avais pas connue. Alors Combien je souffrais alors de cette position où nous a réduits le caprice de la nature quand en instituant la division des corps, elle nous rendu impossible l’interpénêtration a donné la cupidité et l’impossibilité aux âmes le désir n’a pas songé à rendre possible l’interpénétration des âmes. pas même Et je me rendais compte qu’Albertine n’était pour moi ni une œuvre d’art, ni même pour moi une merveilleuse captive dont/e la présence de qui pos gardée à l’insu de tous et que ceux qui venaient me voir ne mettre en meilleure forme que javais su devinaient pas plus enrichir ma demeure qu de sa présence que mystérieuse que cet homme qui personnag dont le personnage dont personne ne devinait qu’il gard possé avant dans une tenait enfermée Capitalissimus Non plutôt elle me rendait sensible, mais sensible pour ajouter au verso précédent, sans doute après à mon cette dimension quatrième les baisers qu’elle avait des choses que mon reçus. « Ah ! sans doute je imagination avait perçues/e dans l’église de Combray, doute perpétuel n’aurais pas eu cette souffrance elle la rendait sensible en la déchirant selon elle, elle la rendait si ce désir infini et curieux que je soupçonnais en elle, ce perpétuel besoin sensible à mon cœur ; elle était m’e invi de roman nouveau, de plaire, de connaître, pressait sous m’ invitait sous une forme pressante, cruelle, et sans issue à la recherche des jours écoulés que elle était comme une Grande Déesse du Temps. de plaire, d’aimer, je ne’en avais pas été dévoué moi-même. Il n’est Je savais reconnais me rappelais mes regards en allant au bois sur les cyclistes attablées et le même soir dans les casse croûtes de la rive gauche, mon amour pour Gilberte, pour Mlle de Silaria, pour Me de Guermantes, ma curiosité de chaque fille qui paraissait sur les routes de Balbec ; et il il n’est de connaissance que de soi-même ; ce n’est l’observation de bien peu pénétre ne sert à rien, on ne connaît que plaisirs ce/les qu’on a sentis, et on ne souffre reçoit de souffrance il n’y a que cela qui se change en savoir ou en souffrance. qui se cicatrisait assez vite mais que le le petit heurt avec elle et les indifférents inconsciemment maladroits, et à défaut de personne d’autre moi même savaient si bien reouvrir* et maintenir* + privé mais qui donne sur la route où tout le monde passe la je me réjouissais de la « sévères loi » qui me cachait aux « timides mortels » et me permettait d’achever ma rêverie. Au fond de mon palais une majesté terrible Affecte à mes sujets de me rendre invisible Et la mort est le prix Et la mort est le prix d Il faudra en son temps mettre la phrase sur les bleuets non dans les promenades avec de Me Ville parisis mais dans la promenade en Auto allant de q ’Albertine et comme une chose* qui se Les penseurs qui croient Je sentais son odeur de pétrole. Elle peut sembler regrettable à deux sortes de personnes aux délicats qui sont toujours des matérialistes et à qui elle gâte la campagne, et à certains penseurs qui croyant à l’importance du fait s’imaginent que l’homme serait plus heureux, serait capable de poésies plus hautes, s’e il ses yeux étaient susceptibles de voir plus de couleurs, ses narines de sentir plus de parfums, travestissement philosophique de l’idée de ceux qui croient que la vie était plus belle quand on était en fraise et en costume qu’avec l’habit noir. Mais cette odeur de pétrole qui avec la fumée qui s’échappait s’était évanouie dans la pâle azur des après midis d’été [à] Balbec, la comme elle m’avait suivi dans toutes mes promenades elle semait de [chaque] côté maintenant de chaque côté de moi les trèf coquelicots, les bleuets, les trèfles incarnats ; elle enivrante odeur de campagne, elle n’était même pas une odeur limitée immobile comme eût été celle de l’aubépine attachée une haie, mais devant elle fuyait la route, pâlissait le ciel, avançait le soleil, se décuplaient les forces. Elle était le symbole de la puissance, de bondissement, et j’ai elle surexcitait dans la bondissante cage de cristal et d’acier mon désir de monter comme*alors à Balbec. Mais cette fois pour aller vers une femme nouvelle, vers de belles campagnes où je pourrais + dit elle d’un air embarrassé Je ne savais pas ce que je devais faire Ce matin à 8 heures m’ Mademoiselle Albertine a demandé ses malles ce matin de bonne heure. Elle est partie. Elle a Je’ n’osais pas y refuser, j’osais pas venir réveiller Monsieur,/. Elle est partie à donné 9 heures, elle m’a laissé cette lettre pour Monsieur. Je répondis à Françoise à Françoise : « Très bien, vous avez très bien fait. Il fait beau n’est-ce pas ? Laissez-moi que j’aie le temps de lire cela. Je n’avais pas encore ouvert la lettre, M Plutôt resserrer et mettre ici ce qui est trois ou 4 pages plus loin combien la souffrance est le meilleur psychologue C’était précisément ce que j’avais cru souhaiter tout à l’heure. Or je sentis ce mots : « Mademoiselle Albertine est partie » comme un moule brûlant et d’une forme sans pareille, imprimèrent dans mon cœur douleur jamais une souffrance que je n’avais connu et s ; je sentis plus longtemps que je ne pourrais y résister un instant de plus ; il fallait la faire cesser immédiatement ; maternal tendre je me disais Maman à sa ma grand mère pour moi-même, comme ma mère dans la dernière mourante maladie de sa mère se lui disait : « on on va te trouver quelque chose, nous ne te laisserons pas souffrir cela » qu’on a à ne pas vouloir et avec la bonne volonté de ceux qui ne ne voulant pas laisser souffrir ce qu’on aime, je me disais à moi-même, comme Maman à ma grand’mère mourante, « Un inst Aie un instant de patience, on va te trouver un remède on ne va pas te laisser souffir comme cela. » Cependant mon amour n’oubliant pas qu’il lui importait Ce morceau ne vient pas ici, après douleur + mais après douleur + vient le morceau qui commence au verso suivante, continue au verso d’après et finit ici. L’intelligence Après douleur petit alinéa. Et cette douleur comment aurais-je pu la connaître par l’intelligence. L’intelligence supporte le connu construit l’inconnu avec des connus, pour se représenter donne donne emprunte des éléments au connu, c’est à dire ne se le représenté pas Mais la sensibilité, hélas, le corps, ne peut Mais la sensibilité hélas, le corps, reçoivent, comme le sillon la du/e foudre, la signature originale, longtemps indélébile, de l’évènement nouveau. J’avais cent fois préparé dans mon esprit raté calculé les posit pensé à à finir* au départ d’Albertine, et ce que j’avais j’aurais pu y penser pendant des siècles que toutes ces pensées mises bout à bout n’auraient à pas égalé ni n’auraient pas eu la moindre ressemblance avec ce départ tel que me l’avait dévoilé Françoise en me disant : « Mademoiselle Albertine est partie. L’intelligence emprunte des éléments au connu pour se représenter une situation inconnue nouvelle et donc ne se la représente pas ; mais la sensibilité et le corps, reçoivent hélas, comme le sillon de la foudre, la signature originale, longtemps indélébile de l’évènement nouveau. Une fois de plus je voyais le rôle immense, comme celui de la pression atmosphérique ou de la grav pesanteur, de ces croyances dont ne que nous f voyons de mon nous apercevons pas mais qui soutiennent tout l’équilibre de notre âme. J’étais sûr de garder Albertine q si je le voulais quand je me rep disais que son départ si désirable. Cette croyance me permettait à mes désirs mille désirs d’occuper le premier plan à la de mon âme, que la brusque suppression de cette croyance ils avaient les éléments qui le composent premiers qui le composent et restent insoupçonnables tant que de l’état volatil où le plu ils qui le plupart de temps restent invisible ils existent le plupart de temps, un phénomène qui les isole ne leur restent en nous à l’état volatil, insaisissables insoupçonnables tant qu’un a pas fait subir un commencement de solidification Je m’étais trompé en croyant voir clair dans le fond co de mon cœur. Mais cette connaissance que m’auraient pu me donner les plus fines perceptions de l’intelligence, elle le faisant apparaître venait de m’être apportée, – dure, éclatante, étrange, dure fixe, comme un sel cristalisé – , par la brusque réac- + tion de la douleur. Et aussi bien n’était-ce pas avec phénomènes de la nature la rapidité foudroyante d’/es une substitution chimique, que la certitude de voir Albertine si je le voulais, certitude qui maintenant mes anxiétés loin de moi, me permettait de à tant de désirs, de plaisirs d’occuper le premier plan de mon en dis âme et de m’y paraître si grands, que cette certitude en disparaissant a substitué à cette âme fonctionnant nor dire mieux (ce dire mieux peut’être dit plusieurs fois dans ce qui précède) calmée, à cette âme fonctionnant normalement, les avait une âme anxieuse [illi] remplie d’un seul* souci* anéantis anéantis et avait substitués à l’âme calmée où il y avait place pour leur fonctionnement normal fonctionnement. calmée été chassés avec la rapidité disparu ; à une âme où il y avait place pour que cette croyance calmait et où il y une âme anxieuse qui ne avait place pour leur fon jeu normal, s’était substitué tenait pas qu’à une seule chose à la posséssion à jamais d’Albertine, même laide, même malade, même vieille avec, avec la rapidité foudroyante d’un phénomène naturel. s’était substitué dirais pas que le calme – pas plus qu’eux ne se disent que la bonne santé – ne sont pas des milieux inaltérables, mais au contraire fort sensibles, sensibles surtout au dép au contact et que ce n’est pas avec le calme apporté par la certitude de la présence d’Albertine que je pourrais ressentir son départ, pas plus que le/es contact des a approches de la mort ne laissent intacte la bonne santé. Je Suivre 2 versos avant : J’avais cent fois pensé (ne pas confondre qu’à 1 verso avant il y a aussi J’avais cent fois pensé mais c’est parce que je redis 2 fois cette formule. C’est 1 verso avant qui vient d’abord, puis ce verso-ci, puis, 2 versos avant) + c’est à dire lui apprendre mon chagrin, le chagrin qui n’est nullement une conclusion pessimiste et abstraite tirée librement d’un circonstances funestes ensemble de faits fâcheux, mais la réminiscence intermittante et involontaire d’une impression spécifique, venue du dehors, et que nous n’avons pas choisie. Cette phrase (apposition au mot chagrin serait mieux ailleurs si ailleurs j’ai l’occasion de la mettre, si ailleurs je dis alors ramassant* mon chagrin (le chagrin qui n’est nullement etc) N.B. Dire quand elle est partie que je me décide brusquement à tout ce devant quoi j’avais hésité jusque là, l’épouser et l’a ach commande immédiate d’un yacht et d’une Rolls. Dire quelque part là : Sans doute si elle n’était partie comme les peuples qui préparent une négociation diplomatique pour une action militaire (faire attention que j’ai fait ailleurs cette comparaison – pas ce qui suit mais négociation action militaire et le supprimer à l’un des 2 endroits) si que pour obtenir de moi de meilleures conditions de lib liberté, de confort, si elle reve au retour, celui qui l’apporterait de nous deux ce serait moi, si je savais attendre et comme on dit au temps de guerre « tenir ». Mais on peut résister à un bluff aux cartes, à la guerre, parce que la seule chose qui importe est la victoire finale. Mais dans l’amour et dans la jalousie sans pqrler de la souffrance, que m’imp le but poursuivi pendant près d’une année c’était qu’elle ne fût pas libre une heure. Or si pour attendre [illi] je la laissais loin de moi, une semaine, qui sait un mois, deux peut’être jusqu’à ce qu’elle eût prît* peur et se rendît, toutes mes précautions étaient anéanties elle avait le temps la facilité de me tromper tant qu’elle voulait, et alors même si je l’ emportais en* suite* je serais ce serait tout de même à jamais vaincu. Ces moyens avaient d’autant plus de ch[ance de réussir que Je ne sais si je dis plus haut que en effet que son départ a refait pour moi ce qu’elle était pour moi à Balbec mais bien le redire en effet. La suppression de l’habitude me força brusquemant à penser à ce qu’elle était à me rappeler l’heure de vie interne* (c’est horrible mais le dire bien ces heures si rares où la vie ne compte plus pour moi) la boîte* coquillage qui rendrait* boîte* sa coquillage au moment où on s’en Co Quelle joie j’aurais de la revoir./, Comme/comme nous allions sépare pour le être heureux./, Car s me disais-je. Car si son départ donner à q. q. un avait refait pour moi d’Albertine l’être non possédé, l’ tandis que depuis être presq le rêve qu’elle avait été pour moi à Balbec, si longtemps comme la ville de Balbec même, pa et ce que Balbec elle était même avait été longtemps pour moi, un nom, un rêve ; s’il plus que avait réuni entre elle et moi les distances de l’imagination qui vide poches la rendaient plus désirable, il avait aussi refait de la vie + de m où elle répondait en commun avec elle, ce quelque chose d’aisé, de tout facile à toutes mes questions ferait ce que je voudrais, tout ce que cette vie qu’elle n’avait pas été mais que j’étais persuadé qu’elle serait, comme j’étais persuadé que le serait la vie de travail, tout ce qui comme semble devoir l’être tout ce qui n’existe pas actuellement, tout ce qui est délaissé dans terribles difficultés de réalisation, tout ce qui est soustrait aux tensions* imaginé dans le vide, soustrait aux tous les jours Sauf sans si des choses plus profondes que l’extérieur, de Kapital sorte que si arrivant dans ce dîner je n’écoutais ni ce qu’on me disait, Peut’être tout de suite Avant Goncourt ni je ne voyais ce qui était devant moi, en revanche une similitude quand j’ouvre le volume Dire. Je savais que (comme l’identité de salon Verdurin) je ne savais pas regarder (voir dans Babouche) pas faisait de moi un écouter, qu’il fallait les choses ne fussent permis d’ instant un abord par l’imagination, je savais que les peintres* ont pour autre homme qui goûtait artistes avec une joie qui donnent les plus gds visions d’élégance le prennent chez leurs pure au Général amis (voir Babouche) que les gdes élégantes se font peindre par Cotte, par Chaplin, et que ce qui fera concurrence àux gds ce qui évoquera le beau moderne portraits de la Renaissance, ce n’est pas celui de la Pcesse de Sagan par par Cotte, mais celui que Renoir a fait de la femme de l’éditeur Charpantier. Pourtant je savais Mais tout cela, et bien d’autres expériences encore ne m’ que la connaissance empêchèrent pas d’éprouver de Vinteuil, d’Elstir et de Bergotte un vif sentiment à m’avaient fournies* la fois du regret pour tant de fil en aiguille, car c’est vraiment un érudit en tout de désirs genre que ce Verdurin l’amène dont je n’ Ce qui l’amène, en parlant du brun que cette cendre met à avais pas son grand regret dans l’albâtre de la vasque, à me parler de su marquées voir ces taches sombres imprimées sur le papier les livres ayant près de appartenu à Napoléon 1er, taches ayant fait croire que l’ moi la empereur chiquait, alors que selon Verdurin elles proviendraient réalisation de l’habitude qu’il avait pour calmer ses douleurs de foie d’ et de désillusions devant les rêves avoir toujours dans la main des pastilles de réglisse, dont même que nous donnent dans ses plus grands batailles il faisait un incessant usage. Eh les tableaux et le nous voilà livres quand je lus la page suivante Suit la pastiche. Et après la pastiche ces simples mots : Verdurin le Duc de Guermantes, Me Cottard, le petit Cottard, le Dr Cottard ......... Cottard Et que tout cela fasse un astre dans la nuit ! Verdurin a déclare superstitieusement qu’elle s s’être rendait le renvoy défaite au plus vite de la pierre maléfique et ignorer à Elstir. Et demande sur la question question que pos faite par quelq un des convives, si la pierre avait conservé son pouvoir maléfique, la maîtresse de maison a cette jolie réponse : « Jugez-en. Deux jours après il a connu la femme à cause de laquelle il se br s’est brouillé avec moi. il Et Depuis il ne m’a jamais revue et ne fait plus que ce qu’elle est devenue. Sur le remarque que je fais qu’il y avait là un curieux sujet de nouvelle où seraient imaginées l’existence successives où le bijou a pu depuis amener des catastrophes, Madame Cottard dit que rait cette nouvelle existerai dans les « Nouvelles Mille et Une Nuits de Stevenson » , un auteur anglais que Swann égale aux plus grands. A un pâté de crevettes un nom d’auteur anglais mettant da qui met dans la bouche de Swann cette phrase : « Mais c’est un grand écrivain Stevenson, l’égal des plus grands, mais oui, absolument des plus grands » Si je ne laisse pas les développements de la mauveise ci dessus mettre ailleurs cette phrase peinture excellente un nom qui met dans la bouche de ...... cette phrase : Mettre : « il faut le déclarer » il faudra autant que possible ne pas souligner les adjectifs étranges et souligner les mines drôlettes, le beau rub ou que noue sur l’à plat, de sur le crémeux de et galant la pâte sans pareille, le délicat relief d’un ruban d’ or. (N.B.) Peut’être cette description doit continuer je ferai bien de voir, en tous cas pendant que j’y pense je profite du morceau de placer le morceau si important sur la Normandie, quitte à mettre entre bien des choses, et que je pourrai morceau sur la Normandie que je pourrai peut’être amener tout autrement que par la nourriture. Mais dans le cas où j’enchaîne, il Et Sur le plaisir Comme je faut au lieu d’un point une virgule après ruban d’or. n’en a derrière ses vitrines d’un ruban d’or « On voit bien que vous ne le connaissez pas me jette mélancolieusemant la maîtresse de maison. » Et elle parle des son mari comme fantaisies de son mari pour qui tout cela ne vaudrait pas l’appétit passa ger instantané d’une bouteille de cidre bue dans la lux frais comme d’un homme original maniaque, un maniaque indifférent au fond à toutes ces jolités, un maniaque ayant tout d’un coup à l’appétit au contraire musta d’une au contraire un maniaque oui dit-elle absolument cela bouteille de cidre bue dans l’a encanaillé d’une un maniaque à l’appétit tourelle la fraîcheur un peu encanaillée d’une ferme à la parole clos normande. Et la charmante femme, de en une vraiment amoureuse des colorations d’une contrée langue avec des mots qui piquent, nous parle de avec enthousiasme débordant ils ont cette Normandie qu’elle a longtemps habitée, une Nor- Suite du verso précédent : ne se rappellent plus, Verdurin est vraiment inconnu (Brancovan me demandant si Joubert le penseur est parent de celui de Me Hochon) l’instruction étati une lutte contre l’oubli, contre le temps perdu, mais si partielle, coulant* à peine un oubli sur mille, comme les sous marins allemands. Q. q. part là. Maintenant il faut dire bien D’autre part cela tient aussi à ce haut (ne pas dire bien haut, mais c’est le sens) que la vie nous de tous les jours fait apparaître en petit ce qui ne prend son importance, que réalisé intellectuellement par la lecture de mémoires ou d’ œuvres (de sorte que cette importance reprise par les gens hors de la vie, Pompadour, Guer Verdurin etc, se rattache Dire le duc d’Haussonville le duc La Rochefoucauld aussi à la Swann et le Docteur Cottard, le conclusion de Docteur Cottard, à la finesse à mon ouvrage, seule réalité est la réalité intellectuelle. la fois scrutatrice et bonne, de l’œil du regard Ceci qui est Kapitalissime pourrait être mis avant ou après pastiche de Goncourt mais mieux dans la dernière partie quand je conçois l’œuvre d’art. Je l’ écris comme pour la Dernière partie. Si mis après Goncourt il faut enlever la 1er phrase. A plusieurs reprises dans ma vie je m’étais rendu compte autres de la co La courte vue que nous avons des gens et des évè ne doit pas être celle du romancier, mais donner par comparais rendre ce que cette vue a de court par en montrant des parties qui lui sont cachées peut être un des objets du m’étais romancier. J’e avais dans bien des circonstances de ma vie rendu compte combien nous allons peu au delà de la surface des êtres et des faits, et combien cette surface même diffère Entre bien d’autres découvertes selon le spectateur. Un mot de Bloch m’avait fait comun prendre le mensonge de Me Swann et la continuation de son inconduite, une conversation de Charlus m’avait donné la clef de bien des choses obscures pour moi, les récits qu’on m’ avait faits du salon Verdurin m’avaient montré E un Elstir où je n’aurais pu soupçonner l’homme de génie que j’avais connu, de même qu’inversement je n’avais pas soupçonné à Combray dans le bonhomme Vinteuil le sublime auteur de la Sonate en et du Quatuor, ni qu’en fréquentant les Verdurin je n’avais vu ce que m’en apprenait le journal de Goncourt qui d’ nous pénétrons comparativet à un qui est ... Et Peut’être cette fin depuis en somme brusquement un second roman serait placée tout de suite après écorce de profondeur à laquelle + de l’histoire, mais où l’on dirait ce qu’ils étaient pour d’autres, ou ce qu’ils étaient en eux-mêmes pendant le cours de cette même histoire, un second roman, si je suppose l’histoire racontée ici comme un roman, où ce qui est y apparaît ça et là, serait au contraire réserré, en et au lecteur qui n’en soupçonnerait pas plus que moi accumulation inattendue foudroyante et condensée tout d’un coup la page de Goncourt, les/a vraie vie de Charlus, d’ Albertine, la génie de Vinteuil et d’Elstir, en une souvenir foudroyante accumulation foudroyante et condensée grands rideaux, et laissant entrer un rayon de soleil, je il j’e étouffais un sanglot cri se je retenais un cri à la brusque déchirure que venait contenais étouffais ancien de faire en moi ce cou rayon de soleil que brûlait que nous avions admiré Albertine et moi m’avait fait paraître belle neuve celle la façade de Bricqueville l’orgueilleuse quand Alber tine m’avait dit : « Elle est restaurée ». Françoise Ne sachant comment expliquer mon soupir à Françoise, je disais j’ai soif. Elle m’apportait du cire sortait, re mais je me détournais violemment, sous la décharge doulouà tout moment reuse d’un des mille souvenirs invisibles qui éclatèrent autour de moi dans l’ombre, quand je voyais qu’elle m’avait qu’ apporté du cidre et des cerises, – ce cidre et ces cerises que que qu’on/un nous avait ap garçon de ferme nous avait apportées dans la voiture à Alb et qui jadis eussent été les, espèces sous lesquelles j’aurais communié jadis le plus parfaitement avec l’arc en ciel des salles à manger obscures par les jours brûlants,/. F Je disais à Françoise po de refermer les rideaux pour ne plus voir ce rayon de soleil. Mais il continuait à dans ma filtrer à la mémoire. « Elle ne me plaît pas elle est restaurée, mais nous irons demain à St Martin le vêtu, après demain à Demain, après demain, c’était un avenir de vie commune peut’être pour toujours, qui commençait, mon cœur s’élance vers lui, mais il n’est plus là, Albertine est morte. Cela me à Françoise f Petit alinéa. Cela Ce Je demandais l’heure. Six heures. Enfin je me Dieu merci allait disparaître cette lourde chaleur dont nous avec Albertine av et autrefois nous plaignions/ais tous deux à Bricqueville mais que nous aimons tant ce Ce verso finit au bas du/e verso, ce Mlle de Forcheville. Mais alors c’est peut’être un peu tôt qu’il y a au verso suivant ne s’y Capitalissime rattache pas. Dans A propos de cette conversation de Combray. ou chez la Dsse de Guermantes qd je rencontre En Comment vous avez été fiancés ; et elle s’est car n’était pas plus reconnaissante./, En somme elle sortirent la simi Mon amour était assez mort pour que la conduite d’Albertine m’ apparût comme celle d’une personne indiffé vous a fait du mal et du tort. » Alors, ayant entendu analogues telles que Alor dire des phrases du genre de celles comme j’eusse* à tant d’autres que j’avais entendu prononcer par Me Swann, par la Dsse de Guermantes, par Me Verdurin, quand il s’agissait de critiquer la conduite d’un indifférent « Je vous dirai qu’elle s’est surtout fait du tort et du mal à elle-même répondis-je. Elle pouvait être tout ce qu’il y a de plus heureuse. Elle n’a pas su garder son bonheur. Elle a été au fond très bête. » Ces pl Telles, pareilles à tant d’une abondante sincérité, d’un bon du même genre que j’av ces phrases sortirent de mes sens qui imposait et me rendait sympathique à Gilberte sortirent de ma bouche, lèvres, pareilles à tant du/e même genre que j’avais entendu si aisément phrases du si prononcer par Me Swann, par la Dsse de Guermantes, par elles avaient à juger la conduite passionée de Me Verdurin quand il s’agissait d’e critiquer une personnes qui leur étaient Seulement les paroles de Gilberte et les miennes avaient beau me donner raison, agi autrement mais tout la était du passé et et et or me l’était indifférente./; C’est que Albertine en était devenue une pour moi, le similitude des circonstances facilitait les réflexes de ma mémoire, Seulement ces paroles étaient vaines ; tout le monde me donnent raison , et je parlais avec cette abondante sincérité, ce bon sens qui impose les circonstances me donnent raison, si Albertine avait pu les prévoir elle et nous rend si sympathiques, et qui sont si aisés quand il s’ agit de juger des circonstances qui ne nous touchent pas. prouver qu’Albertine avait eu tort, que son bonheur était auprès de moi, ces paroles que nous répandîmes avec complaisance étaient vaines et ne pouvaient plus rien rendre possible, puisque Albertine était morte, l’excellent plan d’existence qu’elles lui traçaient rétrospectivement Capital Quand je suis à Combray Que lisez- vous là, oh ! un volume du journal de Goncourt qui m’amuse parce qu’il y a quelque chose sur Capital Dans ce dialogue dire dans une incidente : le temps Papa et sur des gens qu’il a connus autrefois. Pourriez-vous me le prêter ? » « Je ne l’a vous Quand je l’aurai fini je vous le laisserai, vous Je peux vous le laisser, vous le lirez dans le train. » « Merci. Et l’autre L’autre est un vieux Balzac sépare comme l’ e sépare, indécision l’empêchant espace, de se résoudre aau son étendue, mariage,sesson distances. caractère Elleseffrayant Celles qui m’ Il Elles avaient sa fiancée pour l’ illi* d’ avoir. Mais peut’ éloigné Alêtre cel Mais avaient était-cediminué et parce que c’est de différent bertine moi. de ce queSon le lecteur image a Je ne vo n’ lu en son temps était-ce dit inexact. Simplement apercevais plus maintenantElle je l’avais ne image racontéson du dedans, séparée de moi Elle ne maintenant à distance ne m’apparaisje l’apercevais sait plusduque dehors. Tous bien les diminuée touteapprenons petite ; jajours nous mais je ne des fi mariages pourrais la fiançailles rompues, rejoindre des divorces, des lui rend adultè qui nous semblent la la de simples incidents tout aussi* de la l’ que je pioche pour me mettre à la hauteur de mon oncle Guermantes. Du reste C’est très Ne regardez pas ce que je vais lire est très inconvenant. Cela s’appelle la Fille aux yeux d’or. » « C’est admirable » « Ah ! vous le connaissez. Mais je ne crois pas que ce soit vrai. Je crois que ces femmes là ne sont c’est la même chose pour jalouses que des femmes, » comme les hommes « Quelquefois mais pour d’autres l’homme est l’ennemi, il est celui qui apporte la mauvaise caresse, qu’ell la seule chose qu’elle ne permet pas donner. Je La réciproque du reste est vraie. J’ai seraient des amis qui ne seront pas jaloux si féroces si leur maîtresse avait un autre amant et qui restent indifférents si elle a des relations avec une femme. Moi c’est le contraire. J’ une femme ai été très malheureux quand j’ai su que des femmes que j’ aimais aimaient un autre homme, mais jamais aut il n’ tant est cela ne m’a jamais causé la même souffrance que si une femme que si elle aimait les femmes. » « Cela vous est arrivé ? de la vie bourgeoise parce que vie bourgeoise tout aussi simples que le résumé que je faisais à Albertine, parce que et qui avait été pour moi, « celle celle qui Toi seule un rôle exceptionnel ceux là aussi nous les voyons pour parus ce qu’on cherche toujours. » Il y avait sans doute une grande différence du dehors ; si nous les et peut’être la vérité était-elle entre les deux) entre ces premières paroles et celles que je avions vus comme le lui tenais maintenant. et où mes rapports avec Alber Le lecteur qui a connu à leur + lecteur a vu en son époque mes relations avec Albertine pense peut’être que la vérité était entre les deux et temps l mes relations avec que c’étaitpar un résumé un peu trop simple de mes relations avec Albertine que d’y voir seulement Albertine, le un projet mariage qui n’avait pas abouti à cause de caractère indécis et jaloux du jeune homme, son dedans, telde qu’ils apparaistracassier Capital Il faudra que je dise en pendant de ce que j’ai dit (indiqué en marge au début du cahier Vénusté sur le gd rôle joué par Albertine dans ma vie) et si je mets ce pendant à Combray avec Me de St Loup (Gilberte) cela n’ira peut’être pas avec la fille aux yeux d’or qu’il faudra peut’être supprimer ou après. « Pourquoi ne vous marriez-vous pas ? » Pourquoi ne vous mariez vous pas, cela vous ferait changer de vie. Vous n’en avez jamais eu l’intention » « Si, mais j’ai trop mauvais caractère. » « Je suis sûre que non. » « Je vous assure, j’ai été presque bien fiancé, et c’était avec et j’avais tant de scènes avec ma fiancée que je ne n’ai pas pu me décider à l’épouser et qu’elle y a renoncé d’elle-même. La vie aurait été un enfer. » On part A quelque A quelque temps de distance mes rapports avec Al Cette manière de résumer mes relations avec Albertine contrarié comme un projet de mariage abandonné à cause abandonné à cause de mon indécision et de la crainte que mon mauvais devant caractère J’avais parlé une fois à Gilberte de mes rapports avec + Albertine comme d’avec une femme qui avait joué dans ma vie Capital Dans cette conversation qui aura sans doute lieu non à Combray mais dans la dernière matinée Guermantes, Gilberte me dira : Si il y a une personne comme cela qui m’a raconté toute sa vie Mlle Vinteuil – Hé bien, elle a peut’être connu mon amie. Voulez-vous que je lui demande ? ……Oh ! non il y a bien longtemps. Cela n’a plus d’intérêt. Ce serait trop compliqué à vous expliquer qui c’était elle ne se rappellera près d’ ici, j’aurais peut’être pu le savoir et même en faisant appel à vos souvenirs d’enfance, vous auriez pu vous-même m’aider aussi. » « Hé bien ! » « Oh ! non c’est trop ancien. Cela n’a plus d’intérêt. » « P.S. KapitalisTenez je crois que j’ai une photographie d’elle dis-je et je sortis de sime à ce qui est mon porte cartes la petit ph dernière photographie d’Albertine. au verso et ci dessous quand Elle parut Gilberte celle que j’avais montrée à Robert. je parle du Ah ! c’est donjon de RousGilberte parut aussi étonnée que lui. « C’est ça la jeune sainville et quand je transporte à fille que vous aimiez et elle ajoute d’un air inquiet : Alors Albertine ce que je dis de la fem. de j’étais comme ça moi. » « Mais non vous êtes mille fois ch. de Me Putbus. mieux et puis la photographie ne la rend pas du tout. » (Aussi quand j’ aurais voulu qu’une Dans le train je pris le Journal des Goncourt. paysanne) ajouter Ainsi elle était encore plus « du côté résumant ce que j’avais désiré dans ces PROMENADES, AYANT FAILLI ME LE FAIRE GOUTER DES MON ADOLESCENCE, PLUS COMPLETEMENT ENCORE QUE JE N’AVAIS CRU ELLE ETAIT « DU COTE DE MESEGLISE. » Toujours KKKKapitalissime Tansonville avais la même envie exactement qu’à Combray vous aviez si peu changé étiez au fond resté tellement le même Ainsi (mettre là la petite image Clary) – puis les paysannes de Méséglise (copier la femme de chambre de Me Putbus) Puis : Enfin ce jour où je l’avais rencontrée, bien qu’elle ne fût pas Mlle de l’Orgeville, comme j celle que Robert avait connue dans la maison de passe, (et quelle drôle de chose que ce fut juste à son futur mari que j’en eusse demandé l’éclaircissement) tout de même je ne m’étais tout à fait trompé ni sur la signification de son regard, ni sur l’espèce de femme qu’elle était, qu’elle n’avait maintenant avoir été. « Tout cela est bien loin me dit-elle, je n’ ni plus jamais aimé que Robert une fois que je l’ai épousé. Et voyez-vous ce n’est même pas ces caprices d’enfant que je me reproche le plus. Confession de l’opération de son père de son caractère.