Tese CR-Sumário e Introdução - Estudo Geral
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Tese CR-Sumário e Introdução - Estudo Geral
Carlos Ruão «O Eupalinos Moderno» Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 1550-1640 Volume I Da «Ordinatio» ao «Decorum» Faculdade de Letras Universidade de Coimbra 2006 Dissertação de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade em História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor Pedro Dias Era de Mégara e chamava-se Eupalinos. De bom grado me falava da sua arte, de todas as diligências e conhecimentos que requeria, até que compreendesse tudo quanto, a seu lado, ia observando. Via, sobretudo, o seu assombroso engenho. Através dele parecia falar o poder de Orfeu. Aos montes de pedras e vigas que nos rodeavam, precedia-os o seu destino monumental e, a um comando seu, os materiais pareciam destinados ao local singular que lhe tinha sido assinalado pelo destino favorável aos deuses! Que maravilha o seu discurso aos oficiais. Dava-lhes ordens e números, guardando para si os despojos das suas meditações nocturnas. O discurso de um e os actos de outros ajustavam-se tão felizmente como se aqueles homens fossem os seus próprios braços. Não acreditarias, ó Sócrates, se te descrevesse o prazer que sentia na minha alma conhecer coisa tão bem regrada. Agora já não separo a ideia de um templo da ideia da sua construção. Quando observo um, vejo uma acção admirável e bem contrária à mísera natureza. Destruir e construir são de igual importância, e fazem mesmo falta a uma e a outra, mas construir é bem mais grato ao espírito. Oh, afortunado Eupalinos. Paul Valéry, «Eupalinos ou acerca do arquitecto» Carlos Ruão «O Eupalinos Moderno» Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 1550-1640 Volume II Da «Corte» à «Província» Faculdade de Letras Universidade de Coimbra 2006 Carlos Ruão «O Eupalinos Moderno» Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 1550-1640 Volume III Faculdade de Letras Universidade de Coimbra 2006 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Índice do Volume I Introdução ____________________________________ pág. III 1. HISTORIOGRAFIA ARTÍSTICA, PERIODIZAÇÃO E PROBLEMÁTICA ESTILÍSTICA _________________ pág. 1 1.1. 1.1.1. 1.1.2. 1.1.3. 1.2. 1.2.1. 1.2.2. 1.3. 1.3.1. 1.3.2. 1.3.3. 1.3.4. A problemática em torno da periodização _________ pág. 3 O paradigma renascentista O nascimento da consciência maneirista O «estilo chão» e a sua rama Os conceitos de Classicismo e Maneirismo: vantagens e desvantagens na sua aplicação conceptual _________ pág. 16 «Clássico» e Classicismo «Maniera» e Maneirismo Maneirismo, «Classicismo» e a circunstância portuguesa _____________________________________________ pág. 22 O «estado da arte» entre 1550-1650 A «opção maneirista», «italianismo» e «flamenguismo» O «classicismo» nacional Da utilidade do conceito de «estilo chão» como supra-estilo 2. DE PEDREIRO A ARQUITECTO ____________________ pág. 34 2.1. O conceito de Arquitecto da Antiguidade à Idade Moderna 2.1.1. A Antiguidade Clássica __________________________ pág. 35 2.1.1.1. A origem do étimo «arquitecto» 2.1.1.2. O «Kánon» da Arte e da Arquitectura 2.1.1.3. A posição social do arquitecto e o «mito do artista» 2.1.1.4. A Arquitectura segundo Vitrúvio 2.1.2. A Idade Média _________________________________ pág. 42 2.1.2.1. A herança do mundo antigo 2.1.2.2. A anonímia artística medieval 2.1.2.3. O Gótico e o «mestre construtor» baixo-medievo 2.1.2.4. A «geometria como saber»: de Villard de Honnecourt às vistorias à Catedral de Milão 2.1.2.5. A «literatura de oficina» 2.1.2.6. O desenho medieval e as suas modalidades 2.1.2.7. A posição social do mestre construtor e os grémios medievais 2.1.3. O Renascimento e Maneirismo ____________________ pág. 55 2.1.3.1. O caso italiano 2.1.3.1.1. O conceito de arquitecto no «Quattrocento» 519 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 2.1.3.1.2. O conceito vitruviano de arquitecto 2.1.3.1.3. O «arquitecto humanista» segundo Leon Battista Alberti 2.1.3.1.4. A posição social do arquitecto 2.1.3.1.5. O «paradigma do arquitecto» no «Cinquecento» 2.1.3.1.6. A síntese vazariana e as artes do «disegno» 2.1.3.1.7. As Academias da Arte 2.1.3.2. O caso francês 2.1.3.3. O caso espanhol 2.1.3.3.1. O conceito de arquitecto e a consciência da modernidade 2.1.3.3.2. O ensino da arquitectura 2.1.3.3.3. A «traça» e o desenho arquitectónico 2.1.3.3.4. A Academia Real Matemática 2.2. A realidade portuguesa entre 1550 e 1640 __________ pág. 80 2.2.1. O Pedreiro ____________________________________ pág. 80 2.2.1.1. Aprendizagem 2.2.1.2. Examinação 2.2.1.3. O Regimento dos Pedreiros 2.2.1.4. Juiz do Ofício de Pedreiro 2.2.1.5. A Oficina de Pedraria e a organização do trabalho 2.2.2. Do Mestre de Pedraria a Arquitecto ________________ pág. 98 2.2.2.1. O mestre de pedraria «vestido» de arquitecto 2.2.2.1.1. Conceito, estatuto e posição social do mestre de pedraria 2.2.2.1.2. A prática do «debuxo» na primeira metade do século XVI 2.2.2.1.3. O conhecimento técnico-prático do mestre de pedraria 2.2.2.2. A hierarquização régia dos cargos de «mestre de pedraria» 2.2.2.2.1. O «Mestre de Obras dos Paços Régios» 2.2.2.2.2. O «Mestre de Obras da Comarca do Alentejo» 2.2.2.2.3. O «Mestre de Obras» de Patrocínio Régio 2.2.2.2.4. O antecedente do «Mestre de Todas as Obras Régias» 2.2.3. O Arquitecto __________________________________ pág. 114 2.2.3.1. O conceito de arquitecto e a «consciência de modernidade» 2.2.3.2. A prática do «debuxo» na segunda metade de Quinhentos 2.2.3.2.1. Definições terminológicas da representação do projecto arquitectónico 2.2.3.2.2. A «praxis» do desenho arquitectónico na segunda metade do século XVI 2.2.3.3. A hierarquia dos mestres arquitectos portugueses 2.2.3.3.1. O «arquitecto/engenheiro-mor» do reino de Portugal 2.2.3.3.2. O «Mestre das Ordens Militares» 2.2.3.3.3. O «Mestre de Obras» de Patrocínio Régio 520 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 3. A TRATADÍSTICA E O ENSINO DA ARQUITECTURA _______________________________________________ pág. 129 3.1. Tratados e Teóricos da Arquitectura _____________ pág. 131 3.1.1. O Vitruvianismo _______________________________ pág. 131 3.1.1.1. O significado do Vitruvianismo 3.1.1.2. As edições e traduções modernas de Vitrúvio 3.1.1.3. Os tratados de arquitectura quatrocentistas 3.1.1.4. Filologismo, Arqueologia e a Academia Vitruviana 3.1.1.5. Para além de Vitrúvio: a procura da «ordem» nos tratados quinhentistas italianos 3.1.2. O «Serlianismo» _______________________________ pág. 144 3.1.2.1. O restrito significado de «serlianismo» 3.1.2.2. Sebastiano Serlio 3.1.2.2.1. Dados biográficos e obra prática 3.1.2.2.2. A fortuna crítica a Serlio e o Classicismo 3.1.2.2.3. A produção teórica 3.1.2.2.4. O «Cânone» das cinco ordens da arquitectura 3.1.2.2.5. O carácter alegórico e iconológico das ordens arquitectónicas 3.1.2.2.6. A autoridade vitruviana e a «ellettione del bello» 3.1.2.2.7. «Licença» e «Modestia» 3.1.2.3. Breve nota sobre o «serlianismo» em França e Espanha 3.2. A Tratadística, o Ensino e a Aprendizagem em Portugal _____________________________________________ pág. 162 3.2.1. A divulgação dos tratados de arquitectura __________ pág. 162 3.2.1.1. Os tratados de arquitectura nas bibliotecas portuguesas 3.2.1.1.1. Um exemplo: a livraria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra 3.2.2. O Humanismo e a cultura vitruviana ______________ pág. 168 3.2.2.1. A tradição filológica humanista portuguesa e a literatura vitruviana 3.2.2.1.1. O «não-vitruvianismo» em Portugal 3.2.3. De Sagredo a Serlio: a influência da tratadística em Portugal _____________________________________________ pág. 175 3.2.3.1. O «Medidas del Romano» de Diego de Sagredo 3.2.3.2. Sagredo em Portugal e o entendimento do «ao romano» 3.2.3.2.1. As edições portuguesas do «Medidas del Romano» 521 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 3.2.3.2.2. Sagredo e a realidade da arquitectura portuguesa no virar da primeira para a segunda metade do século XVI 3.2.3.3. O «ao romano» como declinação do nosso «Primeiro Renascimento» 3.2.3.4. A «revolução serliana». A segunda metade do século XVI e a teoria praticada como modernidade 3.2.3.4.1. O conhecimento teórico de Serlio 3.2.3.4.2. O conhecimento prático de Serlio 3.2.4. O ensino da arquitectura em Portugal: da aprendizagem do «antigo» à «aula de arquitectura» _________________ pág. 193 3.2.4.1. A aprendizagem do «antigo» 3.2.4.1.1. A vinda de artistas estrangeiros para Portugal 3.2.4.1.2. Realidade e quimera na problemática das viagens de aprendizagem a Itália 3.2.4.2. O ensino teórico da arquitectura: da tradição à «aula de arquitectura» do Paço da Ribeira 3.2.4.2.1. A tradição do ensino «científico» e a «aula de matemática» do Cosmógrafo-mor do reino 3.2.4.2.2. Da «lição dos moços fidalgos» à «aula de esfera» de Santo Antão 3.2.4.2.3. A «aula de arquitectura» do Paço da Ribeira 3.2.5. A produção teórica portuguesa ___________________ pág. 219 3.2.5.1. O «vanguardismo» de Francisco de Holanda ______ pág. 222 3.2.5.1.1. Dados biográficos 3.2.5.1.1. As «ciências do pintor» e o paradigma vitruviano 3.2.5.1.2. «Da pintura arquitecta» 3.2.5.1.3. Francisco de Holanda e Sebastiano Serlio 3.2.5.1.4. O «Da fabrica que falece à cidade de Lisboa» 3.2.5.1.5. Conclusão 3.2.5.2. Dois anónimos manuscritos da segunda metade do século XVI ___________________________________________ pág. 234 3.2.5.2.1. O manuscrito da Biblioteca Nacional 3.2.5.2.1.1. A razão da «autoria» 3.2.5.2.1.2. Influências teóricas 3.2.5.2.1.3. Análise descritiva da obra 3.2.5.2.1.4. O «paradigma vitruviano» 3.2.5.2.1.5. Conclusão 3.2.5.2.2. «Proposiçois mathematicas» 3.2.5.2.2.1. Dedicatória e interlocução ao leitor 522 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 3.2.5.2.2.2. Influências teóricas 3.2.5.2.2.3. A «razão da geometria» e uma invenção 3.2.5.2.2.4. Conclusão 3.2.5.3. O «manual vignolesco» de Filippo Terzi __________ pág. 258 3.2.5.3.1. Introdução 3.2.5.3.1. A ordem arquitectónica «vignolesca» 3.2.5.3.2. Ornatos e modelos alternativos 3.2.5.4. O «Livro Primeiro da Architectura Naval» de João Baptista Lavanha ____________________________________ pág. 264 3.2.5.4.1. Dados biográficos e cargos profissionais 3.2.5.4.2. Fernando Oliveira e João Baptista Lavanha: a teoria ao serviço da arquitectura naval 3.2.5.4.3. A definição vitruviana da arquitectura segundo Lavanha 3.2.5.4.4. O modelo vitruviano aplicado à arquitectura naval 3.2.5.4.5. Conclusão 3.2.5.5. O Tratado de Arquitectura de Mateus do Couto _____ pág. 281 3.2.5.5.1. Introdução 3.2.5.5.2. Influências teóricas 3.2.5.5.3. Análise descritiva da obra 3.2.5.5.4. Teoria da Beleza como «mimesis» 3.2.5.5.5. O «Tractado de Prospectiva» 3.2.5.5.6. Conclusão 3.2.5.6. A produção teórica fora da Corte ________________ pág. 301 3.2.5.6.1. O «manual de arquitectura» de Pedro de Araújo 3.2.5.6.2. A «Fabrica e uso da Ratio latino» de Pero Vaz Pereira 4. A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA: O MODELO NACIONAL DA «IGREJA-SALÃO» _________________________________ pág. 311 4.1. Origem e perenidade do modelo «hallenkirche» ____ pág. 313 4.2. A tradição «hispânica» e as teorias estereotómicas __ pág. 315 4.3. Caracterização estilística e valor de «modernidade» _ pág. 317 4.4. Miguel de Arruda e as Sés Quinhentistas __________ pág. 318 4.4.1. Sé de Miranda do Douro 4.4.2. Sé de Portalegre 4.4.3. Sé de Leiria 4.5. Os modelos regionais ___________________________ pág. 327 4.5.1. Santo Antão de Évora 4.5.2. Santa Maria do Castelo de Estremoz 523 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 4.5.3. Misericórdia de Beja 4.5.4. Misericórdia de Santarém 4.6. Conclusão ____________________________________ pág. 332 5. A CONTRA-REFORMA E A ARQUITECTURA _________ pág. 337 5.1. A Contra-Reforma, a Arte e a Arquitectura _______ pág. 339 5.1.1. O novo moralismo tridentino ________________________ pág. 339 5.1.2. A imagética tridentina e a teoria do «decorum» _________ pág. 341 5.1.3. A Contra-Reforma e a Arquitectura __________________ pág. 344 5.1.3.1. A arquitectura sacra segundo Carlo Borromeo 5.1.3.2. O templo cristão segundo Pietro Cataneo 5.1.3.3. Neo-medievalismo arquitectónico 5.1.4. A Companhia de Jesus _____________________________ pág. 351 5.1.4.1. O «modo nostro» contra o «estilo jesuítico» 5.1.4.2. A «casa-mãe» jesuíta: Vignola e o «Gesù» de Roma 5.2. Portugal e a Contra-Reforma ___________________ pág. 355 5.2.1. O contexto nacional da Reforma Católica _____________ pág. 355 5.2.2. A Companhia de Jesus em Portugal __________________ pág. 359 5.2.2.1. A arquitectura jesuítica portuguesa: da «church-box» ao modelo romano 5.2.2.1.1. Colégio do Espírito Santo de Évora 5.2.2.1.2. Igreja de São Roque de Lisboa 5.2.2.1.3. Colégio de São Paulo de Braga 5.2.2.1.4. Colégio de Santarém 5.2.2.1.5. Colégio de Jesus de Coimbra 5.2.2.1.6. Colégio de Santo Antão-o-Novo de Lisboa 5.2.2.1.7. Colégio de São Lourenço do Porto 6. A ARQUITECTURA E ENGENHARIA MILITAR _______ pág. 425 6.1. A figura do «engenheiro» ou arquitecto militar ____ pág. 427 6.2. Um tratado ibérico de engenharia militar _________ pág. 431 6.3. A realidade portuguesa entre 1550 e 1650 _________ pág. 436 6.3.1. A criação do cargo de «mestre das obras dos muros e fortalezas» ________________________________________________ pág. 438 6.3.2. Fortificadores portugueses em meados de Quinhentos ________________________________________________ pág. 441 6.2.3.Os mestres italianos ___________________________ pág. 443 6.2.3.1. Tomaso Benedetto da Pesaro 6.2.3.2.Filippo Terzi 6.2.3.3.Giacomo Palearo 524 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 6.2.3.4.Giovanni Battista Cairati 6.2.3.5.Tiburzio Spannocchi 6.2.3.6.Giovanni Vicenzo Casale 6.2.3.7.Leonardo Turriani 6.2.4. A «aula de arquitectura» e a arquitectura militar _________ pág. 464 6.2.4.1.Francisco de Frias 6.2.4.2.António Simões 6.2.4.3.Henrique de França 6.2.4.4.Diogo Paes 7. UM VEÍCULO-OUTRO: A GRAVURA E A ARQUITECTURA DE PENDOR «FLAMENGO» ____________________________ pág. 471 7.1. 7.1.1. 7.1.2. 7.1.3. 7.1.4. A Gravura como veículo de modernidade: do «grottesche» italiano à «cartela» flamenga ____________________ pág. 473 O «grottesche» italiano O «grottesche» reinventado: a «cartela flamenga» Os conceitos de grotesco e «brutesco» português A penetração dos sistemas decorativos em Portugal 7.2. A Arquitectura de pendor flamengo ______________ pág. 481 7.2.1. Hans Vredeman de Vries e a estampa flamenga como motivo arquitectónico 7.2.2. O «flamenguismo» e a arquitectura maneirista portuguesa 7.3. A «arquitectura efémera» e a divulgação da estética nórdica _____________________________________________ pág. 486 8. A CIRCUNSTÂNCIA DO PORTUGAL «FILIPINO» ______ pág. 491 8.1. O Classicismo à «maneira espanhola» ____________ pág. 493 8.1.1. O nascimento do «estilo severo» ou «desornamentado» 8.1.2. «Herrerianismo», Trento e experimentalismo maneirista 8.2. Impactos e influência espanhola na arquitectura portuguesa _____________________________________________ pág. 500 8.2.1. Os arquitectos régios castelhanos em Portugal 8.2.2. Breve nota acerca das influências escurialenses na arquitectura portuguesa 8.2.3. A Arquitectura Carmelita: a «importação de um modelo» 8.2.3.1. As directivas «carmelitas» 8.2.3.2. Os modelos castelhanos 8.2.3.3. Os modelos portugueses 8.2.3.3.1. Convento de Nossa Senhora dos Remédios de Lisboa 8.2.3.3.2. Convento de Nossa Senhora dos Rémédios de Évora 525 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 8.2.3.3.3. Colégio de São José dos Marianos de Coimbra 8.2.3.3.4. Convento do Carmo de Aveiro 8.2.3.3.5. Convento do Carmo do Porto 8.2.4. Uma «excepção à regra»: Juan Moreno e a fachada monumental da Sé de Viseu 526 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Índice do Volume II 1. O CÍRCULO RÉGIO ______________________________ pág. 1 1.1. O «estado da arte» entre 1550 e 1640 ______________ pág. 3 1.2. As obras-paradigma da arquitectura de patrocínio régio ______________________________________________ pág. 23 1.2.1. O Claustro Nobre do Convento de Cristo de Tomar ____ pág. 23 1.2.2. O Paço Real da Ribeira de Lisboa __________________ pág. 39 1.2.3. A igreja de São Vicente de Fora ____________________ pág. 52 1.3. Os arquitectos régios ____________________________ pág. 66 1.3.1 Do «mestre» ao arquitecto: o período de transição ____ pág. 66 1.3.1.1. Miguel de Arruda _____________________________ pág. 67 1.3.1.2. Diogo de Torralva ____________________________ pág. 84 1.3.1.3. Afonso Álvares _____________________________ pág. 96 1.3.1.4. António Rodrigues __________________________ pág. 107 1.3.1.5. Jerónimo de Ruão ___________________________ pág. 116 1.3.2. Os «mestres» arquitectos ________________________ pág. 128 1.3.2.1. Filippo Terzi ________________________________ pág. 129 1.3.2.2. Nicolau de Frias _____________________________ pág. 171 1.3.2.3. Teodósio de Frias ____________________________ pág. 207 1.3.2.4. Luís de Frias ________________________________ pág. 235 1.3.3. A «escola» régia _______________________________ pág. 240 1.3.3.1. Baltasar Álvares ____________________________ pág. 241 1.3.3.2. Pedro Fernandes de Torres ____________________ pág. 279 1.3.3.3. Diogo Marques Lucas ________________________ pág. 284 1.3.3.4. Pedro Nunes Tinoco _________________________ pág. 307 1.3.3.5. Mateus do Couto ____________________________ pág. 334 2. O CÍRCULO DO GRANITO ________________________ pág. 359 2.1. O Vértice Dureense ____________________________ pág. 361 2.1.1. O Porto arquitectónico entre 1550 e 1640 ____________ pág. 361 763 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 2.1.2. O paradigma do «gosto»: o Colégio de São Lourenço do Porto _____________________________________________ pág. 380 2.1.3. O «anacronismo» planimétrico da igreja conventual de Santo Agostinho ____________________________________ pág. 385 2.1.4. Os Mestres Dureenses ___________________________ pág. 389 2.1.4.1. Manuel Luís ________________________________ pág. 390 2.1.4.2. Jerónimo Luís ______________________________ pág. 419 2.1.4.3. Gregório Lourenço __________________________ pág. 426 2.1.4.4. Gonçalo Vaz _______________________________ pág. 440 2.1.4.5. Francisco Carvalho __________________________ pág. 456 2.1.4.6. Valentim Carvalho ___________________________ pág. 461 2.1.4.7. Pantaleão Pereira ___________________________ pág. 484 2.1.5. A igreja de São João Baptista e a resistência do modelo arquitectónico maneirista______________________________ pág. 496 2.2. O Vértice Minhoto _____________________________ pág. 501 2.2.1. Os Lopes e a arquitectura minhota entre 1550-1560 ___ pág. 501 2.2.2. O nascimento de um modelo «familiar»: de São Domingos de Viana a São Gonçalo de Amarante ________________ pág. 504 2.2.3. A arquitectura baixo-minhota de ressonâncias «flamenguistas» _____________________________________________ pág. 514 2.2.3.1. A igreja conventual de Santa Marinha da Costa de Guimarães: um problema cronológico de uma capela-mor «flamenguista» 2.2.3.2. A «igreja-túnel» de Santa Cruz de Braga e o arquitecto Geraldo Álvares 2.2.4. Os Mestres Minhotos ___________________________ pág. 518 2.2.4.1. João Lopes-o-Moço __________________________ pág. 519 2.2.4.2. Gonçalo Lopes ______________________________ pág. 529 2.2.4.3. Mateus Lopes _______________________________ pág. 537 2.2.4.4. Pedro Afonso de Amorim _____________________ pág. 558 2.2.4.5. João Lopes de Amorim ________________________ pág. 564 2.2.4.6. Domingos Coelho ____________________________ pág. 579 3. O CÍRCULO DO CALCÁRIO ______________________ pág. 585 3.1. Coimbra _____________________________________ pág. 587 3.1.1. O «estado da arte» entre 1550-1640 ________________ pág. 587 3.1.2. Diogo de Castilho e o sereno nascimento de um modelo arquitectónico humanista ________________________ pág. 606 3.1.3. «Joã de Ruã archyteto» __________________________ pág. 612 3.1.4. O «risco italiano»: Terzi, Casale e os Jesuítas ________ pág. 641 764 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal 3.1.4.1. Colégio de Santo Agostinho (da Sapiência) _______ pág. 641 3.1.4.2. Convento de São Francisco ___________________ pág. 648 3.1.4.3. Igreja do Colégio de Jesus ____________________ pág. 651 3.1.5. Os Colégios Universitários de Coimbra _____________ pág. 652 3.1.5.1. Colégio de São Jerónimo _____________________ pág. 653 3.1.5.2. Real Colégio das Artes (dito da Alta) ____________ pág. 655 3.1.5.3. Colégio da Santíssima Trindade ________________ pág. 658 3.1.5.4. Colégio de Nossa Senhora da Conceição _________ pág. 660 3.1.5.5. Colégio do Carmo ___________________________ pág. 661 3.1.5.6. Colégio de São Bento ________________________ pág. 666 3.1.5.7. Colégio das Ordens Militares __________________ pág. 670 3.1.5.8. Colégio de São Pedro dos Religiosos Terceiros ____ pág. 675 3.1.6. Os Mestres de Pedraria __________________________ pág. 677 3.1.6.1. Jerónimo Francisco _________________________ pág. 678 3.1.6.2. Francisco Fernandes ________________________ pág. 693 3.1.6.3. Manuel João _______________________________ pág. 703 3.1.6.4. António Tavares ____________________________ pág. 708 3.1.7. Os modelos regionais «maneiristas» _______________ pág. 715 3.1.7.1. Capelas de planta centrada de influência «ruanesca» ___________________________________________ pág. 716 3.1.7.2. A «maneira ruanesca» de reconstruir templos e capelas ___________________________________________ pág. 719 3.1.7.3. Perenidade tipológica e ornamental da arquitectura coimbrã regional seiscentista _________________________ pág. 723 Conclusão ___________________________________________ pág. 727 Breve Resumo ________________________________________ pág. 761 765 «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Introdução Desde os últimos anos da licenciatura em História da Arte que as questões relacionadas com a teoria artística em geral nos moveram a iniciar uma investigação histórico-artística que se direccionasse para um entendimento das razões essenciais que conduzem a uma produção artística consciente de um determinado autor e de seu tempo. O nosso período de eleição situa-se entre duas épocas áureas da Arte Portuguesa – o reinado de D. Manuel e o Barroco português, jóias artísticas por excelência da arte nacional. O período do Renascimento e do Maneirismo, não obstante a atenção que tem merecido nas últimas duas décadas pela historiografia portuguesa – e salvo raras excepções – revela ainda a necessidade de preencher grandes lacunas no que concerne ao estudo concreto da realidade histórico-artística, monográfica e biográfica, de arquitecturas e arquitectos. Quando nos propusemos desenvolver em Doutoramento o desejado estudo sobre a cultura arquitectónica portuguesa entre o reinado de D. João III e a Restauração, este objectivo centrar-se-ia no eixo principal e vanguardista da cultura arquitectónica nacional, a arquitectura régia. Esta dissertação pretende ser um contributo para dirimir esta realidade. A História da Arte é uma disciplina da História. A História nasce com o documento escrito, isto é, nasce com o desenvolvimento de uma forma específica de linguagem seja qual for a sua forma, imagética ou gráfica. Esta é a raiz mais profunda da cultura de um povo. A língua e a imagem fornecem-nos a oportunidade de conhecer um «tempo» e um «ser». O nosso entendimento pode ser mais ou menos aprofundado e conforme ao nível interpretativo que se queira ou possa desenvolver, seja ele arqueológico, antropológico, sociológico ou filosófico. Em todo o caso, histórico. Todavia, a História da Arte tem, dir-se-ia, uma vantagem a seu favor. Radicando na fonte gráfica, o seu objectivo último é a compreensão da produção imagética de um edifício, uma pintura, uma escultura ou um ornato e das razões do seu produtor, tendo em conta as suas circunstâncias e limitações. «A arte é filha do seu tempo», afirmou um dos criadores da Arte Abstrata contemporânea, Vassily Kandinsky, no seu manifesto «Do Espiritual na Arte». Quando uma das duas fontes é inexistente, ainda assim pode e deve ser objecto de análise, mesmo que se pense – muitas vezes erradamente – em última instância, que a «obra de arte» possa valer por si mesma. Assim, é imperiosa a mais ampla reconstituição histórica do «sujeito» e do «objecto». III «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal O processo de trabalho metodológico no campo específico da História da Arte abrange esta dupla raiz. Inicia-se, por um lado, com a recolha gráfica de toda a obra arquitectónica em análise e, por outro, com um estudo das fontes escritas a ele respeitantes descendo na escala – partindo dos estudos gerais, passando pelos retratos monográficos e biográficos, até chegar à fonte primária escrita, o documento contratual entre arquitecto e encomendante. A partir daqui deve iniciar-se uma isenta reconstituição da matéria de facto com objectivo de comprovar, complementar, corrigir ou mesmo negar a realidade exposta como cientificamente verdadeira. Em simples palavras, distinguir o trigo do joio. Foi este o caminho que se tentou traçar, iniciando-se com a interpretação do documento contratual ou qualquer escrito periférico que diga respeito a determinado edifício ou autoria. Como tantas vezes se repete na nossa contemporaneidade, não se deve tomar como dado adquirido a simples existência de um contrato de uma obra e a intepretação que outrém dele fez. Por uma simples razão. A História não é estanque, tal como não é definitiva em si mesma. Os objectivos da História da Arte actual são substancialmente diferentes do que eram, por exemplo, há três décadas atrás. Os conhecimentos actuais da realidade artística portuguesa quinhentista e seiscentista, alimentados com novos estudos de síntese e novas perspectivas, permitem-nos um conhecimento que não existia quando Vergílio Correia ou George Kubler se interessaram por este período, mesmo tomando em linha de conta que se tenham perdido qualidades dos mestre de antanho. A partir de uma leitura concreta da documentação arquivística podemos, então, perfazer o caminho inverso. Recuperar todo o trabalho científico realizado anteriormente e chegar a uma primeira fase analítica do arquitecto ou do edifício. Este trabalho específico deve ser acompanhado por uma experimentação, in loco, da arquitectura e por um estudo de carácter generalista que nos permita perceber as circunstâncias históricas em que determinada obra arquitectónica foi realizada. Os condicionalismos culturais, políticos, geográficos ou económicos podem dizer-nos muito acerca da natureza da obra em análise. De outra forma, a pesquisa bibliográfica deve também incidir, dado que se trata de uma dissertação em História, no entendimento do período artístico em que se insere. Neste particular, tendo como matriz o «longo» Renascimento e como objectivo um trabalho com uma forte componente teórica, para além da consulta dos autores consagrados da História da Arte europeia e das teses gerais sobre as problemáticas estilísticas conhecidas, procedeu-se a uma leitura, com alguma profundidade, dos escritos teóricos quinhentistas italianos, franceses e castelhanos acerca da arquitectura. IV «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal A terceira fase metodológica diz respeito à construção da dissertação propriamente dita. Depois de relida a documentação existente, os trabalhos monográficos e as sínteses histórico-artísticas, iniciou-se uma reconstituição particular de cada edifício ou de cada biografia. Como sempre, as limitações do próprio trabalho conduzem a uma selecção – sempre à custa de alguma angústia pessoal do investigador – das matérias consideradas como mais representativas da realidade histórico-artística estudada. E, como sempre, a necessidade de tornar objectivo um texto escrito por essência longo, deixa de parte muita da matéria analisada que apenas subliminarmente poderá estar presente. Um exemplo claro desta limitação foi o facto de ter sido absolutamente necessário excluir do segundo volume um «Círculo do Mármore» previamente planeado, levando à inclusão da informação mais relevante dentro do estudo da arquitectura régia. Só depois de se ter fixado o texto de carácter analítico se pode, concretamente, iniciar um estudo teórico partindo do contexto geral da realidade histórico-artística europeia para o particular. Também nesta circunstância, a necessidade de objectivar conteúdos conduziu à selecção de matérias consideradas incontornáveis, ostracizando perspectivas que podem ser dispensadas pelo seu carácter particularizante ou pela sua extensa complexidade. O primeiro volume dedicado a um estudo das linhas essenciais para uma compreensão mais conceptual e teórica não poderia incluir, como aconteceu na dissertação de Mestrado, um estudo específico sobre as ordens arquitectónicas tal como estava planeado inicialmente. Por si só, o desenvolvimento de tal matéria comportaria um trabalho-outro. Propôs-se como título «O Eupalinos Moderno. Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal (1550-1640)» e dividiram-se as matérias em dois volumes distintos – Teoria: Da Ordinatio ao Decorum e Prática: Da Corte à Província. Interessa, desde logo, chamar a atenção para o facto de a cronologia apresentada apenas surgir aqui como mera imposição académica na medida em que este período não constitui, por si mesmo, uma realidade históricoartística homogénea. Com esta dissertação pretende-se responder a uma questão «simplesmente complicada», citando uma célebre obra dramática de Thomas Bernhard. Como e quando adquiriu, conscientemente, o arquitecto português uma cultura arquitectónica de raiz moderna ? Para se encontrar uma resposta convincente teremos que recuar aos últimos anos do reinado de D. João III e ao início da obra nova do claustro nobre do Convento de Cristo de Tomar – quando se percebem os primeiros traços de um verdadeiro entendimento «moderno» da arquitectura – e estender o período até, V «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal verdadeiramente, se ver justificada essa realidade, quer sob o ponto de vista teórico, quer na obra arquitectónica propriamente dita. Neste particular, bastar-nos-ia limitar a nossa investigação ao «Tratado de Arquitectura» de Mateus do Couto (1631). No primeiro volume, o primeiro capítulo é dedicado à questão da historiografia artística, periodização e problemática estilística. Está ainda por fazer um trabalho profundo sobre a História da História da Arte, tal como tem sido realizado nas últimas décadas para o campo generalista da História. Ou seja, discorrer sobre como o historiador da arte se viu a si mesmo e interpretou o seu trabalho e como a disciplina foi evoluindo de acordo com a visão da sua própria época. Neste contexto, procedeu-se a uma síntese das principais linhas teóricas em torno da periodização histórico-artística da realidade nacional. Partindo da historiografia portuguesa do século XX, historia-se o nascimento da consciência de um período renascentista em Portugal – centrado em autores como Vergílio Correia, Jorge Segurado ou Rafael Moreira – a defesa de uma vertente maneirista, tal como a concebeu originariamente Pais da Silva e, por último, o conceito de longa duração conhecido por «estilo chão», definido por George Kubler, recorrentemente aceite pela historiografia nacional, pese embora com ténues laivos de revisionismo crítico nos últimos anos. Partindo do pressuposto de que o conceito de Renascimento apenas pode ser utilizado de duas formas – definindo um longo período histórico não homogéneo entre a Baixa-Idade Média e o Barroco ou, de forma restrita, definindo uma conjuntura específica como a de Florença nos meados do século XV, inícios do século XVI – optou-se por, dentro da definição estrutural, analisar os conceitos de «clássico» e Classicismo e de «maniera» e Maneirismo, terminologias muito comuns mas demasiado abrangentes e usadas por vezes anarquicamente. Por último, apresentam-se os propósitos conceptuais nos quais assenta este estudo específico. Declara-se a nossa visão do «estado da arte» do período histórico em questão e os conceitos que seguimos – a «opção maneirista» e as suas declinações («italianismo» e «flamenguismo»), aquilo que é e quando é que podemos falar de um «classicismo» nacional e, por fim, da utilidade ou não da utilização de um conceito supra-estilístico como o «estilo chão» kubleriano, optando-se por uma visão crítica do mesmo. O segundo capítulo, designado genericamente «Do Pedreiro a Arquitecto», pretende, por um lado, historiar a tomada de consciência do paradigma vitruviano de «arquitecto» e, por outro, tentar compreender a VI «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal evolução do estatuto social partindo da base da hierarquia até ao vértice da pirâmide. Foi assim, necessário, antes de nos centramos na realidade portuguesa, definir o conceito de «arquitecto» desde a Antiguidade Clássica até à Época Moderna. Partiu-se da origem etimológica de «arquitecto» e do significante «cânone» da Arte e da Arquitectura Antiga, sem esquecer os importantes aspectos da posição social do arquitecto e do «mito do artista» que nos levam até ao Helenismo, encerrando-se com uma análise aprofundada do conceito de «arquitecto» e de «arquitectura» segundo Vitrúvio, a «autoridade» por excelência para a Tratadística Moderna. Como é sabido, a queda do Império Romano do Ocidente trouxe, sob o ponto de vista específico da Antiguidade Clássica – que não da cultura em geral – um retrocesso a um ideal artístico se se quiser «icónico» e já não de natureza «antropomórfica». A valorização do Divino sob o Terreno, se nos concedeu a consciência de uma «alma» – tal como a Antiguidade nos tinha dado a consciência de um «corpo» – trouxe consigo a (re)integração do Homem no total da Criação, ainda como a forma mais perfeita criada à semelhança de Deus mas despojado da qualitas individual. Daí advém a anonímia artística medieval, o trabalho em grupo, a valorização da obra-de-arte e do seu significado sobre o seu produtor e o redimensionar da escala, agora divina. Todavia, o mundo medievo não esqueceu, por um lado, o legado da Antiguidade Clássica, por outro, o sonho de uma «herança perdida». Se a necessidade onírica nos conduziu aos memorabilia e a uma visão irreal desse passado dourado, a vigília necessita sempre de uma visão racionalista para viver e construir o mundo. O saber medieval soube conservar, à sua maneira, os autores antigos e utilizar o seu conhecimento em proveito próprio. Nesta condição, não há arquitectura sem cálculo matemático e geométrico. Com a mudança de uma visão teológica agustiniana para uma visão tomista do mundo, com o franciscanismo e a nova valorização do homem como «filho de Deus», renasce pouco a pouco a consciência social do mestre construtor. Estámos, obviamente, na Baixa Idade Média, período áureo da arquitectura – o Gótico – e da «geometria como saber» de natureza mística e transmissível a um grupo de eleitos, como reza o mito. Sem estas e outras permissas, nunca se teriam criado tão cedo condições para uma verdadeira renascità. Com o Renascimento italiano inicia-se o nosso próprio «mundo». O homem renascentista não pretende fazer simplesmente renascer a antiquità, pretende superá-la, aculturando-a com a mais valia do Cristianismo. Partindo desta ideia, sintetizam-se os grandes passos do Quattrocento, como a defesa da autoritas vitruviana, o papel desempenhado pelo Humanismo e a recuperação do estatuto social do arquitecto. No Cinquecento transalpino VII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal estão já criadas as condições para que o próprio Miguel Ângelo, um génio humano, tenha como atributo il divino, bem como da arte como idea mentale – seja ela como a concebeu Leonardo, Rafael ou Pontormo. Em última instância, será a própria defesa do «sujeito» artístico propagada pelo Maneirismo que irá promover o «regresso à ordem» – como defendia o manifesto Purista assinado por Le Corbusier e Ozenfrant nos escombros da Primeira Guerra Mundial – com o nascimento das academias da arte. Dado que a península transalpina é foco irradiador durante este período artístico, damos atenção, numa última alínea, a realidades receptoras bem próximas da portuguesa como o «caso francês» e, especialmente, o «caso espanhol», com o qual iremos conviver politicamente durante sessenta anos. O segundo ponto do segundo capítulo é dedicado à realidade nacional. Tomando em linha de conta a sua designação, procede-se a um estudo a partir da base da pirâmide – o «Pedreiro» – analisando a sua aprendizagem em torno de um mestre, a importância da examinação para o exercício da sua profissão e do papel do «juiz do ofício de pedreiro» dentro da estrutura gremial, o seu estatuto social e o «regimento» que define as suas competências. A importância deste sub-capítulo é essencial na medida em que esta estrutura profissional e laboral de características familiares se manteve praticamente inalterada até meados do século XX. O ponto mais alto na carreira de um profissional de pedraria ou cantaria era comandar um estaleiro de obras, primeiro como «aparelhador» e depois como «mestremor». Ora, na circunstância portuguesa, existiu de facto uma transição entre o mestre de pedraria tradicional e o arquitecto moderno que dedica grande parte do seu tempo e saber a questões externas à fábrica propriamente dita. Esta mutação inicia-se em meados do século XVI. Pese embora não seja acompanhada com a mudança de nomeclatura – plagiando uma célebre frase de Sylvie Deswarte, mas não o seu significado contextual – surgem já mestres de pedraria «vestidos» de arquitecto. Foi então necessário definir o conceito, estatuto e posição social do mestre de pedraria, o seu conhecimento técnico-prático e, restritamente, a prática do «debuxo» como marca de água da razão de arquitecto. Mas também os seus cargos dentro da hierarquia régia – o «Mestre das Obras dos Paços Régios», o «Mestre de Obras da Comarca do Alentejo», o temporário «mestre de obras» de patrocínio régio e o antecedente do arquitecto plenipotenciário, o «Mestre de Todas as Obras régias». Com a entrada na segunda metade do século XVI, o conceito de arquitecto, tal como o definiam os padrões vitruvianos, e a «consciência de modernidade» são já uma realidade embora na sua fase de juventude. A VIII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal prática do «debuxo» torna-se mais corrente como prova o uso de novas definições terminológicas da representação do projecto arquitectónico. Cabe, a partir daqui, tomar em atenção a efectiva mudança da nomeclatura régia que é acompanhada com uma reforma da pirâmide hierárquica. Surge nos finais da centúria, por razões que se apontará de seguida, o cargo de «arquitecto/engenheiro-mor» do reino, o de «Mestre das Ordens Militares» e o ocasional «mestre de obras» de patrocínio régio. Contrariamente ao que aconteceu na realidade italiana, onde o arquitecto nasce por si mesmo e vai ocupar o vértice da arte da arquitectura, com estatuto social autónomo e uma consciência de si mesmo aparte de todo o mundo mecânico em que reside o pedreiro, aparelhador ou mestre de pedraria e das suas associações gremiais, em França, Castela ou Portugal, a consciência de arquitecto – nascendo igualmente num ambiente cortesão influenciado pela cultura humanista – surgirá de um modo transitório dentro da hierarquia tradicional dos construtores régios. O terceiro capítulo é dedicado às questões teóricas por excelência, a produção literária e o ensino da arquitectura. Numa sintética introdução desenvolvem-se dois conceitos importantes para entender a realidade arquitectónica da época, tendo como pano de fundo a circunstância nacional analisada posteriormente: o «vitruvianismo» e o «serlianismo». O abuso do termo «vitruvianismo» ou de cultura vitruviana aplicados a realidades fora de Itália é o ponto de partida que justifica esta chamada de atenção. Assim, apresenta-se o seu significado, a procura das sua consubstanciação através dos estudos filológicos humanistas, dos levantamentos arqueológicos promovidos pelos maiores arquitectos italianos e, em última instância, a sua cristalização com a criação de uma efémera academia para o seu estudo. Listam-se igualmente os tratados de arquitectura quatrocentistas que tinham por razão o fundamento «autoritário» vitruviano e depois a sua inevitável superação, com a procura de uma «ordem» partindo das sínteses estilísticas do próprio Renascimento – Serlio, Vignola e Palladio. Se o «vitruvianismo» português não passou certamente de um sonho de historiador menos avisado, os escritos teóricos de Sebastiano Serlio foram em tudo fundamentais para a criação e amadurecimento da modernidade arquitectónica portuguesa. Tão fundamentais para o mestre canteiro que copia um motivo retirado de uma prancha serliana como para o arquitecto-mor que lecciona a «aula régia» da arquitectura para uma ilustre nata de profissionais plenamente formados. Nesta medida, define-se restritamente o conceito de «serlianismo» e apresenta-se um retrato abrangente do teórico e arquitecto bolonhês através IX «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal não só de uma nota biográfica e da sua obra arquitectónica mas, essencialmente, da sua produção teórica, da sua fortuna crítica e da relação entre os seus textos e o Classicismo. Relevam-se as características fundamentais do seu trabalho – o «cânone» das cinco ordens da arquitectura e o seu carácter alegórico e iconológico, a difícil estabilidade entre a defesa da autoritas vitruviana e a ellettione del bello e, enfim, as noções de «Licença» e «Modestia». Numa nota final definem-se em traços gerais as influências visíveis do «serlianismo» em França e Espanha. A parte umbilical do tomo primeiro – aquela para a qual foi direccionada toda a razão de ser das matérias expostas anteriormente – surge com o sub-capítulo «Tratadística, o Ensino e a Aprendizagem». Como em qualquer trabalho no campo da história, surge como necessário perceber a realidade anterior para definir o momento de viragem. Após uma breve exposição do espólio dos tratados de arquitectura ainda existentes nas bibliotecas portuguesas – por si mesmo outro tema pouco explorado – inicia-se a procura de uma resposta para a questão essencial exposta neste trabalho, acima citada. Em Portugal, o conceito vitruviano de arquitecto e de uma nova profissão surge através da cultura humanista. Tentaremos provar que o interesse pelos textos de Vitrúvio e Alberti, e suas respectivas traduções, surge dentro do ambiente humanista e numa perspectiva filológica e cultural que incorpora um interesse específico pela literatura e cultura antigas. Embora existam exemplos isolados do uso limitado em arquitectura dos textos vitruvianos, não foi através deles que a arquitectura portuguesa se modernizou nem existiu em Portugal qualquer tendência «vitruvianista» de transpor para um edifício as suas regras, por vezes contraditórias, através das próprias ilustrações das várias edições conhecidas. Aquilo que de substancial Vitrúvio poderia trazer à cultura do mestre régio português foi, por interposta pessoa, diga-se os humanistas, a consciência do paradigma vitruviano de arquitecto. De seguida dar-se-á relevo aquela que foi a verdadeira cartilha do período proto-renascentista português – o Medidas del Romano do castelhano Diego de Sagredo. Este manual redigido à maneira de diálogo clássico, o primeiro texto a ser editado fora de Itália sobre as questões da arquitectura moderna – limitado na sua própria visão do «ao antigo» – é sintomático e caracterizador da realidade arquitectónica portuguesa, grosso modo, da primeira metade do século XVI. Equaciona-se o texto com o uso do «ao romano» como declinação do nosso «Primeiro Renascimento». Esta matéria é essencial para percebermos o salto qualitativo que representará X «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal aquilo que se designa por «revolução serliana», omnipresente durante todo este período quer nos textos teóricos quer na arquitectura moderna nacional. Antes de referenciar a produção teórica portuguesa, é absolutamente necessário considerar de que forma se verificou, em primeira instância, a aprendizagem da linguagem renascentista até chegarmos à introdução de um verdadeiro ensino teórico ao mais alto nível. As problemáticas em análise são conhecidas. Mais do que a literatura artística, a vinda de artistas estrangeiros para Portugal foi fundamental para a viragem estilística, da mesma forma que as míticas bolsas régias para estudo de mestres portugueses no estrangeiro pouco ou nada contaram para a evolução interna da arte portuguesa em geral e muito menos da arquitectura em Portugal. O exemplo de Francisco de Holanda é, neste contexto, edificante. Num outro nível, equaciona-se a possibilidade de o ensino de raiz «científica» e de uma «aula de matemática» leccionada pelo cosmógrafo-mor do reino, dentro do panorama das Descobertas, poder ou não ter sido importante para a formação no campo específico da arquitectura. Se quanto à existência de uma «lição de moços fidalgos» proposta por Rafael Moreira nos coibimos de nos pronunciar – por falta de elementos documentais concretos – provar-se-á que a «aula de esfera» do Colégio de Santo Antão só depois do período aqui em estudo se interessa especificamente por questões específicas relacionadas com a arquitectura. O ponto de viragem, ao mais alto nível, foi a criação da «aula de arquitectura» do Paço da Ribeira para três mestres «aprendizes» na última década do século XVI, numa altura em que – tal como as condições de acesso à «aula» indicam e o texto teórico de Mateus do Couto prova – a arquitectura moderna se tinha imposto definitivamente e a profissão de arquitecto está interiorizada pela nova geração que fará uma espécie de estágio ou pós-graduação na «aula», proporcionando ao mesmo tempo uma equipa especializada de profissionais a soldo régio que auxiliam o arquitecto-mor e/ou engenheiro-mor e que vão preenchendo os cargos inferiores dentro da hierarquia de mestres régios. O último ponto do terceiro capítulo é dedicado à produção teórica portuguesa. À excepção dos manuscritos anónimos adiante referidos, não existem estudos dedicados a esta matéria para a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII. Parecia que, para além da especificidade dos manuais quinhentistas, não existiria nenhum tratado de arquitectura redigido por um teórico português durante este período. Tal realidade é completamente falsa. Com o objectivo de acompanhar as lições da «aula de arquitectura», Mateus do Couto redigiu em 1631 um autêntico XI «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal tratado de arquitectura que permaneceu manuscrito e incompleto. Embora, como é sabido, o «espírito» nacional seja pouco dado a especulações teóricas, é possível analisar a evolução e amadurecimento das ideias modernas acerca da arquitectura através de textos mais ou menos periféricos ou marginais. Em primeiro lugar, o vanguardista e teórico da pintura Francisco de Holanda. Exemplarmente estudado durante décadas por Sylvie Deswarte, os seus textos são úteis no contexto desta dissertação sob vários pontos de vista. Tornam visíveis o forte e incontornável impacto teórico da cultura vitruviana em Portugal, revelam a influência directa dos textos de Sebastiano Serlio – raiando o plágio – e fornecem-nos um curioso e «invertido» conceito pouco tido em conta dentro da sua profusa teoria – «a pintura arquitecta». Por sua vez, o seu manuscrito «Da fabrica que falece à cidade de Lisboa» dá-nos um retrato cruel e desolador da realidade da arquitectura régia dos tempos sebásticos. Enfim, neste particular, Holanda fornece-nos uma visão exacta das valências que a cultura humanista trouxe para a arte portuguesa. O segundo texto em análise foi já objecto de dissertação de Mestrado por parte de Rafael Moreira. Atribuído a António Rodrigues, não se trata de um tratado de arquitectura nem de um único manuscrito. Reúne dois textos anónimos, o primeiro designado pelo referido historiador como «manual de fortificação» e a segunda versão, com dedicatória e prólogo ao leitor – portanto, pronta para publicação – intitulada «preposiçois mathematicas». A conclusão a que neste estudo se alcança é, por razões que o próprio exporá, substancialmente diferente da perspectiva defendida pelo historiador citado. Denunciando por todos os poros a sua base humanística, o primeiro manuscrito é importante substancialmente porque prova a consciência plena do paradigma vitruviano. Contudo, apesar de ter em apenso belos desenhos de baluartes «à italiana», de recorrer a fontes como Pietro Cataneo e de o texto ostensivamente substituir a palavra «arquitecto» por «fortificador», pouco tem a ver com a arquitectura militar moderna. Por sua vez, o «preposiçois mathematicas» abandona toda e qualquer teoria acerca da fortificação ficando-se, na generalidade, por uma exposição dos princípios teóricos de natureza euclidiana tal como foram enunciados por Sebastiano Serlio. Este segundo texto não deixa de ser útil quando revela abertamente, na sua parte introdutória, o desinteresse por parte dos mestres portugueses pelas questões teóricas e pela transmissão do seu saber. Foram redigidos na década de 70 do século XVI mas a sua autoria ainda não foi cabalmente confirmada. XII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal De seguida, dedica-se atenção a um texto manuscrito de 1578 da autoria do arquitecto italiano Filippo Terzi. Trata-se, muito simplesmente, de um caderno que resume a teoria das ordens arquitectónicas segundo Vignola. Como complemento apresenta, no essencial, alguns apontamentos avulsos de capitéis, entablamentos e molduras arquitectónicas e pouco mais. É essencialmente um caderno privado do arquitecto mas de difícil articulação com os modelos arquitectónicos que Terzi pratica, dentro das tipologias do Maneirismo italiano expostas teoricamente por Serlio. Um texto que, segundo cremos, nunca foi citado pela historiografia artística é o Livro Primeiro da Architectura Naval do cosmógrafo-mor João Baptista Lavanha. O grande erudito português redigiu-o com o objectivo de dividir a arquitectura em três campos específicos – a arquitectura «política» ou «civil», a arquitectura militar e, num terceiro campo do qual se vê como fundador teórico, a arquitectura naval. Tendo em conta a importância da personalidade em questão, não deixa de ser maximamente relevante entender como Lavanha – que, como se sabe, foi uma das primeiras escolhas para leccionar na Academia Real Matemática de Madrid – consegue adaptar para a arquitectura naval os conceitos mais complexos da teoria vitruviana. Com este texto temos em português uma verdadeira reflexão sobre o âmago do saber de raiz vitruviana de nível europeu. Datado de 1631, o «Tratado de Arquitectura» do arquitecto régio Mateus do Couto é a síntese não só das matérias apresentadas na «aula de arquitectura» régia – pois foi para isso que o arquitecto o redigiu – como a prova do amadurecimento do arquitecto português ao nível teórico. O seu texto é, a todos os níveis, revelador. Mateus do Couto prova que o estudo das ordens arquitectónicas era uma realidade no ambiente régio, prova que ainda na década de 30 do século XVI Sebastiano Serlio era entendido como o grande teórico italiano a seguir – embora cite e conheça Palladio, Vignola ou Scamozzi – prova o longevidade da autoritas vitruviana exercitando as suas máximas – um saber multidisciplinar e a união entre o conhecimento teórico e prático da arquitectura – desenvolve a teoria do Belo e, entre muitos aspectos, continua a denunciar a pouca importância dada em Portugal ao projecto arquitectónico com isto revelando que compreende o âmago da natureza do arquitecto. O seu escrito, inacabado, enuncia os conceitos de arquitecto e arquitectura, define as cinco ordens arquitectónicas, desenvolve toda uma série de problemas técnico-construtivos, trata dos modelos ideais do templo religioso e do palácio nobre, é interrompido para aprofundar as questões do desenho arquitectónico através de um tractado de prospectiva – que não é outra coisa senão uma transcrição serliana – e não deixa de XIII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal apontar que se propunha a escrever um livro dedicada à arquitectura e engenharia militar. Não se conclui este capítulo sem referir que, fora da Corte, pelo menos nas primeiras décadas do século XVII, os mestres de pedraria dominavam já os textos serlianos ao ponto de fabricarem pequenos «manuais de arquitectura» como se compreende pelo índice de um escrito que pertenceu ao mestre de obras da cidade de Aveiro, Pedro de Araújo. O quarto capítulo do primeiro volume trata de um dos mais belos momentos da arquitectura portuguesa quinhentista. Antes da introdução em Portugal da planta de cruz latina «tridentina» e mesmo depois das pequenas experiências com o ideal renascentista por excelência – a planta centralizada – no trânsito da primeira para a segunda metade do século XVI, a criação de três novos bispados em Miranda do Douro, Portalegre e Leiria desencadeou na Corte joanina uma discussão sobre o modelo planimétrico a utilizar. No centro decisório estiveram, com toda a certeza, dois intervenientes, D. João III e Miguel de Arruda, o primaz dos mestres construtores portugueses. Duas matrizes surgiram como incontornáveis: o carácter monumental para corresponder à dignitas do edifício e a questão estilística. A tipologia escolhida foi a da grande obra-prima da arquitectura portuguesa de então, a hallenkirche ou «igreja-salão» de Santa Maria de Belém, pérola do período manuelino e da mundividência portuguesa. Todavia, face ao arrebatamento dimensional e à profusão ornamental do templo hieronimita, preferiu-se «modernizar» o modelo sesquiáltero em dois aspectos essenciais – «humanizar» a escala sem descurar a monumentalidade e imprimir uma marca estilística de raiz «antiga», de acordo com a nova arquitectura. O resultado foi uma interpretação tipológica única no mundo, profundamente harmoniosa e de grande clareza de composição, um autêntico modelo nacional que alcançou, para além das catedrais de Miranda do Douro, Portalegre e Leiria, um absoluto sucesso essencialmente a Sul, na região mais influenciada pela arquitectura régia, entre as décadas de 50 e 80. As variantes alentejanas revelaram-se autênticas jóias da arquitectura nacional como demonstram Santo Antão de Évora ou Santa Maria do Castelo de Estremoz que, por sua vez, foram repetidas em modelos ainda mais periféricos. Todavia, muito dificilmente um arquitecto italiano contemporâneo poderia ver nestas maravilhosas construções algo mais que o fascínio que lhe provocava uma «obra bárbara». XIV «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal O quinto capítulo é dedicado à Contra-Reforma e às suas influências directas na arte e na arquitectura. As directivas tridentinas são a superestrutura que inevitavelmente marca, directa e indirectamente, a arte e arquitectura a partir da segunda metade do século XVI. Nesta medida, atenta-se às substâncias do novo moralismo, da imagética tridentina e à teoria do decorum. As suas repercussões no campo específico da arquitectura foram enumeradas pelas «instruções» de Carlo Borromeo, mas a própria tratadística italiana reagiu de imediato à nova ordem, sendo o tratado de Pietro Cataneo uma evidência. O regresso às origens da cristandade e a uma época sem condescendências com o paganismo levou, inclusive, a que se discutisse um retorno a ideias neo-medievalistas sob o ponto de vista arquitectónico. Como é sabido, o Concílio de Trento promoveu três grandes armas em resposta à reforma protestante e aos novos tempos humanistas – o Index, o Tribunal do Santo Ofício e a Companhia de Jesus. A milícia tridentina, ortodoxa nos princípios teológicos mas moderna na sua visão do mundo, tratou de definir, não propriamente um estilo, mas um modo nostro que teve na casa-mãe jesuíta romana projectada por Vignola um modelo inspirador para o templo cristão. Em Portugal, a Companhia de Jesus ficou intrinsecamente ligada a dois modelos arquitectónicos diversos – a uma nova experiência de modernização da arquitectura nacional e à imposição definitiva da planta de cruz latina. Pese embora se conheçam as regras impostas a partir do Geral romano e a necessidade de aprovação de qualquer planimetria, os jesuítas sempre tiveram a capacidade, e daí a sua fortuna, de se adaptaram ao «gosto» ou «maneira» locais. Patrocinados essencialmente por D. Henrique, as primeiras igrejas inacianas a serem efectivamente construídas em Portugal foram a igreja do Colégio do Espírito Santo de Évora, projectada por Diogo de Torralva, e a igreja da casa professa de São Roque de Lisboa, de Afonso Álvares. Os dois templos baseam-se numa planta definida por George Kubler por church-box repetida, embora com a imposição de uma profunda capela-mor, na igreja do Colégio de São Paulo em Braga e, muitos anos depois, recuperada por Mateus do Couto na híbrida planimetria do templo do Colégio de Santarém. Não obstante, São Vicente de Fora virá impor definitivamente, a partir da década de 80, o modelo «romano» e os jesuítas desenvolverão nas três principais cidades do país templos memoráveis – no Colégio de Jesus de Coimbra, no Colégio de São Lourenço do Porto e no Colégio de Santo Antão-o-Novo em Lisboa, a mais esplendorosa e monumental igreja edificada pelos religiosos em território nacional e a única que pereceu com o tempo. XV «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Um dos aspectos incontornáveis quando se fala na arquitectura do período moderno é a importância da fortificação, numa época de constantes convulsões políticas em todo o volátil mapa geográfico europeu, de conquistas ultramarinas e de formação e queda de impérios. A historiografia artística portuguesa tem dedicado especial atenção ao estudo da arquitectura e engenharia militar. Pese embora tratemos essencialmente da arquitectura religiosa, muitos dos mestres construtores e arquitectos deste período dedicaram-se à fortificação. Foi opção consciente não entrar em considerações teóricas sobre a suposta influência da prática da arquitectura militar na modelação estilística da arquitectura portuguesa religiosa. Pese embora as limitações espaciais deste estudo e a subliminar opinião que está presente no texto, era inevitável redigir uma pequena súmula, sintética quanto possível. Nesta medida, um sexto capítulo é dedicado à arquitectura e engenharia militar, definindo-se a figura em causa e traçando em linhas gerais a realidade portuguesa, desde a criação do cargo de «mestre das obras dos muros e fortalezas», passando pelo domínio dos mestres italianos, desde a plenipotência de Filippo Terzi como engenheiro e arquitecto-mor do reino português até à divisão dos cargos com o seu sucessor, Leonardo Turriani. De facto, Miguel de Arruda, Filippo Terzi e Leonardo Turriani detinham a mais elevada posição na hierarquia régia dos profissionais da arquitectura pelas suas funções relacionadas com a fortificação. Todavia, Miguel de Arruda e Filippo Terzi foram essenciais para a renovação da arquitectura portuguesa a um nível que sobrepassa as questões do foro militar. Dado que este primeiro tomo é dedicado a uma visão teorética da arquitectura, não nos coibimos de recuperar um tratado de engenharia militar que muito facilmente poderia ter sido redigido por um arquitecto português «filho» da «aula de arquitectura» – o Teorica y practica de fortificación de Cristobal de Rojas, editado em Madrid em 1598, aluno da Real Academia das Matemáticas. Na realidade, a «aula» régia portuguesa formou especialistas na área da arquitectura militar como António Simões, Henrique de França, Diogo Paes e especialmente o grande Francisco de Frias, com vastíssima e importante obra em terras brasileiras. O penúltimo capítulo é respeitante ao veículo alternativo na procura de modernizar estruturas arquitectónicas – o uso da gravura, neste período essencialmente da gravura «nórdica». Se o dito de Pevsner de que a estampa avulsa internacionalizou a modernidade pode ser considerado excessivo, o certo é que desde os inícios de Quinhentos foi através do ornato avulso que os primeiros laivos renascentistas se fizeram sentir na arquitectura nacional. Tendo em conta os objectivos deste estudo, define-se em longa estrutura a XVI «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal origem e características do grottesche italiano, a sua reinvenção nórdica e plantarização no mercado através da «cartela flamenga» e a degenerescência linguística e formal no brutesco português. A um outro nível mais relevante, sob o ponto de vista específico, os motivos retirados da estampa flamenga, essencialmente dos trabalhos de Hans Vredeman de Vries, tiveram um enorme sucesso na arquitectura noroestina levando à criação de um subestilo maneirista, tal como o definimos na nossa dissertação de Mestrado, a um «flamenguismo» que está já presente como ornato na arquitectura de Jerónimo de Ruão mas que atingirá a Norte – mas também em algumas obras arquitectónicas da região coimbrã – a partir das obras de Manuel Luís, sobre uma estrutura arquitectónica italianizante, uma imagem de marca estética incontornável. Por fim, uma última palavra cabe à «arquitectura efémera». O gosto «filipino» pela estética nórdica leva-nos a considerar a hipótese de a célebre entrada triunfal de 1619 poder ter tido como figura principal Teodósio de Frias, estagiário na Corte madrilena e, à época, no topo da hierarquia dos arquitectos régios. Num período que abrange a «união ibérica» e o domínio dos Filipes do reino português era incontornável a questão acerca da influência da arquitectura castelhana na realidade nacional. Trata-se, como é bem visível, de um problema que merece um estudo ainda não realizado quer pela historiografia portuguesa, quer pela historiografia espanhola. Não obstante, tudo aponta para que a promessa de não ingerência nos assuntos internos do reino que Filipe II seguiu politicamente a partir de então se estenda à realidade artística. Existem, de facto, pontos de contacto inevitáveis em várias circunstâncias – não falando, evidentemente, das relações interregionais sempre existentes entre o Minho e a Galiza ou a Beira interior e a Estremadura castelhana – mas tudo aponta para que nada de profundamente fundamental se tenha verificado mesmo com a presença circunstancial em Portugal de Juan de Herrera, Francisco de Mora ou Juan Gomez de Mora. De facto, a análise da realidade castelhana e do nascimento do designado «estilo severo» ou «desornamentado», que está na base do classicismo espanhol fruto do génio de Juan de Herrera, tem bases completamente diversas da realidade portuguesa. Pistas comparativas podem ser encontradas em regiões fora do crivo «herreriano» onde os ideais de Trento e o experimentalismo maneirista conduziram a arquitectura a modelos bem mais próximos da realidade portuguesa. Não obstante, existisse ou não esta realidade política, certamente a importação do modelo carmelita seria um traço inevitável. A reforma carmelita promovida por Santa Teresa de Ávila conduziu à repetição de uma tipologia quer em território castelhano quer em XVII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal território português. Os carmelitas descalços em Lisboa, Évora, Coimbra, Aveiro ou Porto replicaram sempre o mesmo tipo de igreja, tomando como modelo, acima de tudo, a igreja da Encarnação de Madrid. Apenas as relações trans-fronteiriças centenárias trouxeram para Portugal, por razões de mercado, um verso de «herrerianismo» plasmado na fachada retabular da Sé de Viseu, projectada pelo mestre castelhano Juan Moreno. O segundo volume, sub-intitulado «Prática. Da Corte à Província» tem como objectivo traçar um retrato documental actualizado dos três mais importantes polos de irradiação da arquitectura moderna – o Círculo Régio, o Círculo do Granito e o Círculo do Calcário. A extensão deste tomo deve-se ao facto de ter sido necessário proceder a um estudo analítico, biográfico e monográfico, dos arquitectos e sua obra arquitectónica. Na realidade, tem sido um dos maiores desafios da historiografia artística reconstituir analiticamente as biografias de pintores, escultores e arquitectos com vista a actualizar os seus retratos, aproveitando as novas e recentes descobertas acompanhadas de uma releitura da bibliografia directa e indirecta já existente. Nesta medida, em cada um dos módulos apresentados, procedeuse a um trabalho neste sentido, concentrando essencialmente a atenção na obra de cariz religioso, tendo em conta o objectivo traçado. O mais importante polo irradiador da modernidade foi, como bem se compreende, o Círculo Régio. Inicia-se este módulo com a escolha de três obras-paradigma do período em questão, o Claustro Nobre do Convento de Cristo de Tomar – onde se tenta uma nova abordagem sobre o papel que Diogo de Torralva e Filippo Terzi desempenharam na sua edificação – os novos Paços Reais da Ribeira e a igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, edifícios projectados garantidamente pelo arquitecto italiano e modelos de excelência da nova arquitectura palatina e religiosa. Na medida em que, salvo raras excepções – como o estudo biográfico de Pedro Nunes Tinoco de Vítor Serrão – grande parte dos arquitectos régios nunca tinham sido objecto de estudo particular, optou-se por uma organização da informação recolhida tratada em biografias pessoalizadas. O primeiro núcleo foi designado «Do Mestre ao Arquitecto: o período de transição» e reúne sintéticos retratos biográficos de Miguel de Arruda, Diogo de Torralva, Afonso Álvares, António Rodrigues e Jerónimo de Ruão, mestres que moldaram a arquitectura nacional entre as décadas de 1550 a 1580. Até 1563 Miguel de Arruda é o grande nome da arquitectura portuguesa. Embora tenha sido o primeiro «mestre dos muros e fortalezas» XVIII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal do reino e um especialista em questões de arquitectura militar, deu um contributo essencial para a arquitectura religiosa com a concepção geral das «igrejas-salão» renascentistas, sabendo-se do seu envolvimento com a igreja de Santo Antão de Évora, com a «Sala dos Reis» de Alcobaça e, principalmente, do risco que deu para a Misericórdia de Santarém. Diogo de Torralva, activo entre 1528 e 1566, foi o mestre escolhido para substituir a obra castilhiana do claustro nobre nabantino e, por isso mesmo, merece um lugar de destaque pelo arrojado plano que traçou em Tomar. Não obstante, uma outra virtude deve ser-lhe assacada – o projecto da primeira «churchbox» portuguesa, a igreja colegial do Espírito Santo de Évora, edificada por Jerónimo Torres. No que diz respeito a Afonso Álvares, falecido em 1575, procede-se a uma redefinição do seu papel à luz da nova documentação, destacando-se a sua integração na tradição nacional construtiva dos Arruda e Castilho mas desmistificando o retrato que a antiga historiografia dele fazia. Exaltando-se a sua grande capacidade de trabalho, a sua obra prima foi, como prova a nem sempre bem citada documentação jesuíta, a magnífica igreja de São Roque em Lisboa que aprima o modelo da «church-box» eborense. António Rodrigues foi o sucessor de Miguel de Arruda como «mestre de todas as obras régias» e, desde grupo, foi o único a merecer estudo por Rafael Moreira – atribuindo-lhe obra teórica e a Capela das Onze Mil Virgens, em Alcácer do Sal. Mestre ainda controverso e não menos enigmático, procede-se a uma releitura crítica da sua biografia. At last but not least, Jerónimo de Ruão é a única figura que não suscita qualquer dúvida sob a sua obra, estilo e modernidade. O filho de João de Ruão, protegido da rainha D. Catarina e da Infanta D. Maria, com os seus trabalhos em Belém e Carnide destacou-se pela prática de um estilo pessoal e moderno facilmente identificável. Pese embora fosse um outsider dentro da hierarquia régia – foi tão só «mestre de obras» do convento hieronimita – poderá ter desempenhado um papel bem mais relevante durante as décadas imediatamente anteriores à chegada de Terzi e à nova circunstância política que futuros estudos, mais aprofundados e direccionados, poderão vir a provar. Com o segundo núcleo – «Os Mestres Arquitectos» – inicia-se, em boa verdade, o aprofundamento das matérias que se pretendem concretizar, centradas nos títulares da docência da «aula de arquitectura» e nos mestres régios que ocupam, segundo tudo leva a crer, o cargo de «arquitecto-mor» – Filippo Terzi, Nicolau de Frias, Teodósio de Frias e Luís de Frias. Nenhum dos referidos arquitectos fora objecto de estudo biográfico – uma vez mais descontando pequenas sínteses dos inícios do século XX – pese embora XIX «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal exista informação suficiente que indicie a sua máxima contribuição para a evolução da arquitectura nacional. O arquitecto italiano Filippo Terzi, nascido em 1520 e falecido em 1597, discípulo do célebre Girolamo Genga, foi o grande impulsionador da arquitectura de carácter italianizante em Portugal. As viagens que realizámos a Pesaro e Urbino permitiram-nos reconstituir abreviadamente – por razões de espaço – o seu período formativo e a sua «obra italiana» como arquitecto e engenheiro dos Della Rovere, duques de Urbino. Ainda hoje, os palácios ducais de Pesaro e Urbino revelam a sua marca e a sua importância. Quando em 1576 chega a Portugal, contratado por D. Sebastião pela sua valia como arquitecto militar, o mestre bolonhês estaria longe de pensar que até 1597 e sob um outro poder, contribuiria para alterar definitivamente o rosto da arquitectura nacional. Não obstante o seu trabalho incidir sob o campo da engenharia militar, o célebre Torreão da Ribeira, a igreja de São Vicente de Fora, o Colégio de Santo Agostinho e o Convento de Nossa Senhora do Desterro – que neste trabalho se reconstitui – bastam para dizer muito sobre o seu papel central na realidade arquitectónica nacional dos finais de Quinhentos. Seu contemporâneo e sucessor como mestre da «aula de arquitectura» e dos paços régios lisboetas, Nicolau de Frias representa, por seu turno, a evolução natural e «nativa» da modernidade. Autêntico «artista-arquitecto», com uma biografia que não se restringe à própria obra arquitectónica, nota-se, passo a passo, a sua maturação estilística tendo no Convento de Santa Clara de Alcântara, em Lisboa – concluído pelo filho – e na reforma do Paço Ducal de Vila Viçosa os momentos mais altos da sua carreira como grande «tracista», qualidade directamente apreciada pelo próprio Filipe II. Teodósio de Frias foi um digno sucessor do pai e o único arquitecto, segundo se sabe, a completar a sua formação junto da Corte madrilena. É já o protótipo do arquitecto moderno na sua definição restrita, um profissional de gabinete apartado do estaleiro. A sua biografia demonstra a sua mais valia e os contactos que manteve ao mais alto nível com as grandes personalidades políticas e religiosas de então. Com uma obra arquitectónica centrada na capital do reino, se a Portaria Nova do mosteiro hieronimita de Belém é prova do seu estilo refinado, os conventos do Santíssimo Sacramento de Alcântara e de São Domingos de Benfica – que neste estudo se lhe atribuem – poderão coroar a sua figura de proa, entre 1610 e 1634, dentro da hierarquia régia. Por último, num breve apontamento, refere-se o seu sucessor, o filho Luís de Frias. Desempenhará as mesmas funções do pai e do avô, mas pouco se conhece da sua obra arquitectónica, devendo ter contribuído para esta circunstância o período político conturbado em que exerceu o seu cargo (1534-1642). XX «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal O terceiro núcleo – designado por «A Escola Régia» – arrola os mais importantes arquitectos a trabalhar durante este período dentro da hierarquia régia em cargos imediatamente inferiores ao de «arquiteto-mor»: Baltasar Álvares, Pedro Fernandes de Torres, Diogo Marques Lucas, Pedro Nunes Tinoco e Mateus do Couto. Representam, por um lado, a prova da maturação da nova linguagem e cultura arquitectónicas e, por outro, a síntese que a arquitectura régia fará a partir da assimilação e interpretação das regras da tratadística italiana com algumas características de natureza técnicoconstrutiva e de «gosto» nacionais. Dos profissionais acima citados, só Baltasar Álvares e Pedro Fernades de Torres estão já formados aquando da criação da «aula de arquitectura» e perfeitamente integrados na nova estética. Com a excepção de Torres e de Tinoco, este estudo procede a uma primeva síntese biográfica da importante obra arquitectónica de Baltasar Álvares, Diogo Marques e Mateus do Couto à luz da obra e documentação existentes. Quando Terzi chega a Portugal e projecta para Filipe II a igreja de São Vicente de Fora, será o experimentado mestre português Baltasar Álvares o responsável por concretizar em pedra viva o projecto do arquitecto italiano, sucedendo-lhe depois no cargo de Mestre das Ordens Militares até 1624. A influência «terziana» foi fulcral na sua obra arquitectónica. De facto – e contrariamente à «lenda» que a historiografia artística nacional criou em torno de Afonso e Baltasar Álvares – este último saberá contribuir para a concretização de novos modelos arquitectónicos nos monumentais projectos para São Bento da Saúde e Santos-o-Novo. A existirem ainda hoje – tal como Nossa Senhora da Assunção – a imagem que teriamos da arquitectura da primeira metade do século XVII seria substancialmente diferente. Com uma vida longa, um espírito e uma natureza propensa a projectar construções megalómanas e uma capacidade de trabalho acima da média, Baltasar Álvares deixará a sua marca pessoal de Santarém a Avis e será um dos principais protagonistas da arquitectura nacional durante este período. Por sua vez, Pedro Fernandes de Torres nunca alcançou o impacto e protagonismo dos seus contemporâneos aqui retratados, mas merece uma curta entrada biográfica por ter ocupado o cargo de mestre das obras conventuais de Tomar, sucedendo a Terzi, com quem deve ter colaborado intimamente. Impressionante é a biografia de Diogo Marques Lucas, um dos arquitectos régios a quem a historiografia tem dado pouco relevo. Foi certamente o arquitecto português mais influenciado por Filippo Terzi e é dele o projecto do mais magnífico templo jesuíta em território nacional – a destruída igreja de Santo Antão-o-Novo. Se o projecto para São Bento da XXI «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Vitória, no Porto, foi modificado no que diz respeito ao espaço do templo – conservando-se o claustro, na linha de influência das obras nabantina e crúzia – e se os trabalhos como o retrocoro da igreja da Luz, em Carnide, ou da Portaria Nova do Convento de Cristo em Tomar poderiam dar-nos apenas uma imagem muito parcial da sua mais valia, conserva-se na totalidade uma das suas arquitecturas mais relevantes, até agora nunca citada, a igreja conventual de Nossa Senhora de Jesus, actual igreja das Mercês, em Lisboa. Biografado por Vítor Serrão, Pedro Nunes Tinoco, activo entre 1604 e 1640, chegou a ocupar o cargo de «mestre de obras» de São Vicente de Fora e desenvolveu uma vasta obra arquitectónica na cidade de Lisboa que passa por Santa Clara, Santa Marta, Salvador e Nossa Senhora de Jesus mas também por algumas das mais importantes igrejas paroquiais como a destruída igreja de São Nicolau. Todavia, a sua obra-prima é fruto de um compromisso entre o seu risco erudito e o gosto ornamentalista da região – a sacristia nova de Santa Cruz de Coimbra. Nesta cidade, para onde trabalhou amiúde, deve ter sido o responsável pelo aspecto final da igreja colegial crúzia. Pouco resta da sua obra lisboeta, mas mantém-se intacto o Convento de Santa Marta onde desenvolve um tipo de claustro inspirado no modelo de Santos-o-Novo, que se repete em Nossa Senhora de Jesus. O último arquitecto sujeito a retrato biográfico é Mateus do Couto, discípulo de Baltasar Álvares. Para além do importante e inédito «tratado» de 1631 – trabalho teórico que resume a diversidade de matérias ministradas na «aula» régia – da sua obra arquitectónica destaca-se a igreja do Colégio de Santarém, uma híbrida e tardia «church-box» que releva o apego do mestre a uma «maneira» muito particular que está presente no seu texto teórico. Acompanhou durante longos anos algumas das mais importantes fábricas edificadas para as Ordens Militares, sendo certo que projectou o Convento da Encarnação, em Lisboa, e a reforma da igreja-mãe da Ordem de Avis que a documentação identifica como do seu tempo. Falecendo apenas no longínquo ano de 1664, Mateus do Couto revela traços idênticos aos de seu mestre, tendo uma obra arquitectónica desigual fruto das responsabilidades construtivas advindas dos cargos que desempenhou. Seria, porventura, dos mestres arquitectos aqui retratados, aquele de quem menos se esperaria um trabalho teórico como o que realizou. Todavia, esta circunstância não deixa de nos dizer muito sobre a capacidade e conhecimentos teóricos destas duas gerações de arquitectos que laboraram entre a década de 80 do século XVI e os alvores da Restauração. XXII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal Aparte da arquitectura régia, com maior ou menor contacto com a evolução centralista, o Norte e o Centro do país tiveram a capacidade de desenvolver um estilo arquitectónico que apresenta características bem distintas fruto de uma evolução periférica e regional que enriqueceu o panorama da arquitectura portuguesa durante este período. Tal como em Espanha se encontram polos regionais que pouco ou nada absorveram do designado severo «estilo herreriano», em Portugal, essencialmente a Norte, a arquitectura encontrou formulários alternativos às propostas régias mas não menos relevantes sob o ponto de vista estilístico de forma que, eles próprios, criaram a sua própria «escola». Na sua quase totalidade, o Círculo do Granito foi objecto de análise e construção na nossa dissertação de Mestrado, A Arquitectura Maneirista no Noroeste de Portugal. Italianismo e Flamenguismo. Surge como necessário continuar a relevar uma região tão pouco (re)conhecida pela historiografia nacional, o seu valor e originalidade intrínsecas da sua arquitectura. Novas informações conduziram a que se tornasse incontornável escolher este polo como o mais importante a partir do último quartel do século XVI logo depois da arquitectura régia. A primeira parte é dedicada ao «Vértice Dureense». Antes da recensão biográfica dos mestres de pedraria salientam-se alguns tópicos importantes do trabalho arquitectónico da cidade do Porto – as empresas do bispo D. Gonçalo de Morais na Sé do Porto, das quais faz parte a edificação da monumental obra da capela-mor ; a problemática em torno da fábrica de São Bento da Vitória, traçada inicialmente por Diogo Marques Lucas mas remodelada profundamente nos finais do século XVII e inícios do século XVIII ; a obra-paradigma da igreja jesuíta de São Lourenço e o anacronismo planimétrico de Santo Agostinho, dois templos que plasmam o «gosto» e a estética locais. A materialização de uma arquitectura de raiz moderna, adstrita a uma tendência ornamentalista que se designou por «flamenguista», encontra-se na obra de Manuel Luís. Formado na cidade do Porto mas com importantes contactos com João e Jerónimo de Ruão, a sua biografia revela-o como um mestre que, de alguma maneira, acompanha a vanguarda nacional desde os inícios da segunda metade do século XVI, trabalhando em obras de carácter «polido» e de carácter militar. A sua obra-prima do período portuense é a capela-mor da Misericórdia do Porto, autêntica citação da obra hironimita de Jerónimo de Ruão, à qual o mestre nortenho aplica uma profusão ornamental que marcará, a partir daí, toda a arquitectura da região. O importante contributo biográfico de José Ferrão Afonso veio revelar o seu trabalho XXIII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal como «mestre de obras do arcebispado de Braga». Aqui, pouco antes de falecer, projecta o Convento de Nossa Senhora do Pópulo onde ainda se conserva o espaço interno do monumental templo. Jerónimo Luís é igualmente objecto de análise biográfica. Provavelmente seu irmão mais novo – levantando-se a hipótese de ter trabalhado como aparelhador na obra da Misericórdia de Lisboa, sob a batuta de Jerónimo de Ruão – foi um dos responsáveis pela edificação do claustro circular de São Salvador/Santo Agostinho, em Gaia, certamente projectado por João de Ruão. O pouco que se conhece da sua obra arquitectónica não é, contudo, descartável. Trabalhou no Convento do Espírito Santo de Santa Maria da Feira, onde ergueu a capela-mor, e em 1600 era «mestre de obras do Mosteiro de Pombeiro». Com a morte de Manuel Luís, Gregório Lourenço é o mais importante profissional a trabalhar na região de influência dureense, activo entre 1576 e 1629. Será um dos mais representativos mestres do que se pode definir por cultura «flamenguista» arquitectónica e legou-nos duas obras maiores – o Convento de São Salvador de Moreira da Maia e a Misericórdia de Aveiro. Para além da obra já conhecida através do estudo acima citado, deve ter trabalhado para o bispo D. Marcos de Lisboa (1582-1591), que fez construir nos claustros da sé portuense a Capela de Nossa Senhora da Saúde – ou de São Vicente como é actualmente conhecida – que se integra no seu estilo arquitectónico. O discípulo dileto de Manuel Luís foi, contudo, Gonçalo Vaz, activo entre 1589 e 1621. Casado com uma das suas filhas, encontra-se ligado a uma das mais magníficas fábricas desta época, o Convento de São Salvador de Grijó, expoente da cultura «flamenguista». Foi ele que projectou o importante edifício «filipino» da Cadeira e Relação do Porto – sendo as suas traças revistas na Corte por Teodósio de Frias – e, como «mestre de obras», esteve na fundação dos conventos de São Bento da Vitória e de São João-o-Novo. Depois de uma curta viagem pela obra de Francisco Carvalho – o primeiro mestre a trabalhar no corpo da igreja do Espírito Santo de Vila da Feira – procede-se, pela primeira vez, à resenha biográfica de um dos mais consagrados mestres a trabalhar no Porto na primeira metade do século XVII, Valentim Carvalho. Sendo quase certo que foi trazido para a cidade invicta pelo bispo D. Gonçalo de Morais para projectar a nova capela-mor da catedral, a partir daí desenvolverá uma obra dentro dos «cânones» locais. Tido como «mestre de pedraria», «imaginario» e mesmo «entalhador», tudo aponta para que se tratasse de um arquitecto no sentido moderno do termo. Da sua obra arquitectónica cumpre destacar as duas magníficas capelas com portais retabulares pétreos que edificou no corpo da igreja da Misericórdia e a monumental reforma dos paços condais de Santa Maria da Feira, sendo provável que o projecto da igreja do Espírito Santo da dita vila XXIV «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal – da qual ficará responsável depois da morte de Francisco Carvalho – seja de sua autoria. Não obstante a longa cronologia construtiva, um dos seus trabalhos que ainda hoje se podem apreciar na cidade do Porto é o claustro conventual de São João-o-Novo. Um último olhar vai para a obra de Pantaleão Pereira, sobrinho de Gregório Lourenço, activo entre 1601 e 1649, produto de terceira geração da «escola» dureense. A conclusão deste subcapítulo fornecer-nos-á um exemplo da perenidade do modelo arquitectónico maneirista, de estrutura italianizante e ornato geométrico de raiz «nórdica», representado pela igreja de São João-o-Novo, obra dos finais da segunda metade do século XVII e que se prolonga pela centúria seguinte. Desenvolvendo um estilo arquitectónico muito próprio, o «Vértice Minhoto» é quase integralmente caracterizado pela designada «escola dos Lopes». Com o muito provável e avisado conselho de frei Bartolomeu dos Mártires, nasceu em Viana do Castelo um dos primeiros modelos «tridentinos» de todo o país, a igreja de São Domingos que, décadas depois, será redesenhado e apurado por Mateus Lopes na igreja de São Gonçalo de Amarante. Embora os Lopes tenham dominado o mercado arquitectónico desde João Lopes-o-Velho a João Lopes de Amorim, como é sabido, na década de 90 Manuel Luís instala-se em Braga e a cidade evoluirá para um formulário diverso. Fruto deste caminho-outro é a igreja de Santa Cruz do arquitecto Geraldo Álvares, o grande nome da arquitectura bracarense durante a primeira metade do século XVII. Em síntese final, atende-se à problemática em torno da cronologia da igreja de Santa Marinha da Costa, que apresenta uma capela-mor «flamenguista», alinhando por uma estética que pouco teve a ver com os Lopes, com a excepção do redesenhar da fachada da Misericórdia de Guimarães promovida por João Lopes de Amorim. A recensão biográfica inicia-se com os três filhos de João Lopes-oVelho. João Lopes-o-Moço foi certamente o mestre de pedraria responsável pela edificação conventual dominicana em Viana, vila onde seguirá as pisadas paternas. Teve uma evolução importante a partir dos meados da década de 80 com a célebre e muito discutida varanda do Hospital da Misericórdia, na capital alto-minhota, e no belo projecto do chafariz de Ponte de Lima, um leimotiv familiar. Gonçalo Lopes fixar-se-á em Guimarães, abrindo um novo polo de influência e chegando ao cargo de «mestre de obras da vila». São da sua lavra a igreja da Misericórdia e o arquitravado claustro de São Francisco. O mais bem sucedido será, todavia, Mateus Lopes que abrirá oficinas em Pontevedra e depois em Santiago. A sua imensa obra arquitectónica encontra na igreja de São Martinho Pinário, XXV «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal em Compostela, uma síntese da sua evolução linguística e das características marcadamente «escolares» que nunca abandona. A partir dos finais do século XVI, Guimarães substituirá definitivamente Viana do Castelo como polo irradiador minhoto. Pedro Afonso de Amorim – que tinha sido «aparelhador» da fábrica amarantina debuxada por Mateus Lopes – fixa-se em Guimarães, acompanhando e apoiando a obra da Misericórdia e os últimos anos de vida do sogro, Gonçalo. Todavia, João Lopes de Amorim encarregar-se-á de prosseguir o trabalho de Gonçalo Lopes enquanto Pedro Afonso se ocupa da reforma do claustro de Santa Marinha da Costa e da obra conventual de Santa Clara. A grande evolução sob o ponto de vista estilístico atinge-se com a vigência de João Lopes de Amorim, activo entre 1604 e 1656. O último dos grandes mestres de pedraria da «escola dos Lopes» atingirá um estatuto social e profissional sem precedentes. Como acontece com os seus contemporâneos dureenses, é já um verdadeiro arquitecto, limitando o seu trabalho ao projecto arquitectónico e supervisão dos estaleiros. Influenciado pelo estilo «luisino», redesenhou para a Misericórdia uma das mais belas fachadas de recorte maneirista de toda a região Norte, sendo também responsável pelo debuxo da casa do despacho e do hospital vimaranenses. Fora da vila fundadora da nacionalidade, foi contratado para erguer um lanço do dormitório do Convento de Santa Maria do Pombeiro e, pelo início da década de 20 de Seiscentos, dava quitação dos trabalhos de edificação do convento franciscano de Santo António, em Viana. Enfim, dos vários discípulos de João Lopes, optou-se por um breve apontamento acerca do até agora desconhecido Domingos Coelho, autor da capela-mor «flamenguista» de São Dâmaso de Guimarães. O «Círculo do Calcário» diz respeito a Coimbra e sua região de influência. O ponto de partida é a viragem da primeira para a segunda metade do século XVI e a sua organização é parente aos módulos anteriores mas diversa fruto das circunstâncias que se pretendem relevar. O primeiro ponto introdutório permite-nos traçar um breve apontamento acerca das empresas do bispo D. Afonso de Castelo Branco para a Sé Velha e Paços Episcopais, obras cuja autoria ainda não foi identificada com suporte documental – alinhando no mesmo diapasão a fábrica do Convento de Santa Ana, apoiada pelo emérito prelado. Aproveitar-se-á esta introdução para repensar a questão em torno da autoria do projecto da igreja de São Domingos. Dado que o âmbito cronológico deste trabalho científico apresenta já consubstanciada a tipologia de Diogo de Castilho para a igreja e claustro colegiais, faz-se uma breve alusão às suas opções arquitectónicas. Se o XXVI «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal mestre régio se encontra particularmente bem estudado, o capítulo «Joã de Ruã archyteto» pretende contribuir para uma nova visão da obra artística do célebre escultor normando. De facto, para além da sua influência sob o ponto de vista ornamental e escultórico, durante mais de um século, serão soluções «ruanescas» que terão igual fortuna na região de influência coimbrã – das capelas centradas do Santíssimo Sacramento até à solução arquitectónica do arco de volta perfeita e coluna no intradorso aplicada em muitas igrejas e capelas. Tentaremos demonstrar que o mercado de João de Ruão passou substancialmente por obras no campo da arquitectura, chegando mesmo a traçar importantes edifícios como São Salvador, em Gaia, e o Colégio das Artes – onde trabalhará Diogo de Castilho como responsável pela sua edificação. Com o falecimento dos dois mestres, em 1575 e 1580, Coimbra parece começar a depender, no que diz respeito à sua renovação e modernidade arquitectónica, do círculo régio. Três exemplos paradigmáticos do novo «risco italiano» são o Colégio de Santo Agostinho, projectado por Filippo Terzi, o Convento de São Francisco, debuxado pelo frade Vicenzo Casale e a monumental fábrica jesuíta, ainda sem autoria definida. Face a esta realidade, prossegue durante o último quartel do século XVI e as primeiras décadas de Seiscentos a edificação de grande parte dos colégios universitários, alguns ainda próximos das tipologias «castilhianas», outros mais avançados sob o ponto de vista estilístico. Nesta perspectiva, seleccionaram-se os edifícios mais representativos – os «castilhianos» colégios das Artes (da Alta) e de São Jerónimo, o Colégio da Santíssima Trindade, o Colégio de Nossa Senhora da Conceição, o Colégio do Carmo, o Colégio de São Bento, o Colégio das Ordens Militares e o Colégio de São Pedro dos Religiosos Terceiros. Um dos problemas que ainda se colocam à realidade coimbrã, durante este período cronológico, reside no facto de os principais «Mestres de Pedraria» da cidade, pese embora se ocupem das fábricas em construção, não surgirem identificados pelos arquivos como autores do seu projecto arquitectónico. No capítulo dedicado aos profissionais citadinos, a questão até se coloca ao contrário no que se refere a Jerónimo Francisco, o sucessor de Diogo de Castilho como «mestre de obras dos paços régios». Documentado como «tracista» do Convento de Nossa Senhora da Natividade, em Tentúgal, e de um projecto para a Misericórdia de Coimbra, nenhum dos edifícios chegou até nós. Pelo contrário, as fábricas onde participa – seja em São Bernardo ou na igreja de Ancião – revelam ainda uma fragilidade estilística e um apego à tradição coimbrã que, no limite, o poderiam colocar como o mestre preferido de D. Afonso de Castelo Branco. XXVII «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal O primeiro «mestre de obras da cidade de Coimbra» será Francisco Fernandes, activo entre 1562 e 1623. Com uma capacidade de trabalho acima da média e grande experiência à frente de um estaleiro de obras, a sua biografia é muito bem conhecida. Responsabilizar-se-á pela construção do Colégio do Carmo, pelo levantamento dos alicerces do Colégio de Jesus e, com grande probabilidade, desempenhou igual função no que diz respeito ao Colégio de São Bento, projecto ligado à arquitectura régia. Por sua vez, o seu discípulo Manuel João, com um currículo em tudo semelhante, estará ligado às fábricas da sacristia nova e à igreja do colégio novo de Santa Cruz – obras nas quais Pedro Nunes Tinoco estará envolvido. O derradeiro dos mestres biografados, António Tavares, embora pouco conhecido no que diz respeito à sua biografia, sintetiza uma época e um estilo no debuxo da designada «Porta Férrea» da Universidade de Coimbra. Activo entre 1624 e 1656, mantendo um traço erudito de arquitecto, não deixa de pré-anunciar o esgotamento formal característico da segunda metade do século XVII. Um último olhar é dedicado aos «Modelos Regionais Maneiristas», equacionando a questão das capelas de planta centralizada de influência «ruanesca», a «maneira ruanesca» de reconstruir templos e capelas como sistema de actualização da linguagem arquitectónica na região de influência coimbrã e a perenidade tipológica e ornamental que caracterizará todo o Seiscentos na região litoral beirã. XXVIII