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PESQUISA SOBRE DIFERENDOS E CONFLITOS DE TERRAS E AS
FORMAS DA SUA RESOLUÇÃO
Qual é a situação actual dos conflitos de terra nos meios peri-urbano e rural?
Qual é a tipologia e quais são as características dos actuais conflitos de terra?
Quem são os principais actores, mecanismos e procedimentos de resolução de conflitos
que têm sido adoptados?
Províncias e municípios:
Benguela (Balombo, Caibambo e Lobito); Huíla (Chipindo, Gambos e Matala); Kwanza Sul (Conda,
Cassongue, Sumbe)
País: Angola
Organizações: Rede Terra, Consórcio Terra da Huíla, Fórum Terra do Kwanza Sul
Liderança institucional, técnica e metodológica: ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e
Ambiente
Financiamento: APN – Ajuda Popular da Noruega
Elaborado por Guilherme Santos e Inácio Zacarias
Luanda, Março de 2010
PESQUISA SOBRE DIFERENDOS E CONFLITOS DE TERRAS E AS
FORMAS DA SUA RESOLUÇÃO
Qual é a situação actual dos conflitos de terra nos meios peri-urbano e rural?
Qual é a tipologia e quais são as características dos actuais conflitos de terra?
Quem são os principais actores, mecanismos e procedimentos de resolução de conflitos
que têm sido adoptados?
1
Agradecimentos
Agradecemos a todas as organizações que apoiaram de forma directa esta pesquisa: na
Huíla, a Associação Juvenil de Apoio às Famílias Desfavorecidas de Angola
(AJAFDA); a Antena da ADRA; o Centro de Estudos para o Desenvolvimento (CED); a
Associação dos Amigos, Naturais e Descendentes de Galangue e Chipindo e a
Administração Municipal do Chipindo; em Benguela, a Associação dos Naturais e
Amigos do Balombo (ANAB), a Antena da ADRA, a OMUNGA, a Organização
Humanitária Internacional (OHI) e a ARDSA; no Kwanza Sul, a ACM, a ASBC e APN
e Administração Municipal do Cassongue.
2
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................ 2
SIGLAS, ACRÓNIMOS E ABREVIATURAS ................................................................................................. 5
SITUAÇÃO GEOGRÁFICA E DEMOGRÁFICA DE ANGOLA ......................................................................... 7
SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................ 7
0.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 15
0.1.
CONTEXTO .................................................................................................................................. 15
0.2.
METODOLOGIA ............................................................................................................................ 18
0.3.
DEFINIÇÃO DO FOCO DO ESTUDO ..................................................................................................... 20
0.4.
FONTES DE INFORMAÇÃO ............................................................................................................... 22
0.5.
DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA ............................................................................................................ 23
0.6.
LIMITAÇÕES DA METODOLOGIA ....................................................................................................... 24
0.7.
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................. 25
a)
Conceito de conflito ................................................................................................................. 25
b)
Análise de conflito ................................................................................................................... 25
C) Efeitos de conflito ......................................................................................................................... 25
d)
Alternativas ao conflito ........................................................................................................... 26
d)
Resolução de conflitos na Lei de Terras ................................................................................... 27
1.
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO FUNDIÁRIA ................................................................................... 27
A)
TERRAS – UMA ABORDAGEM GENÉRICA ................................................................................................. 27
TERRAS RURAIS ................................................................................................................................. 28
TERRAS URBANAS .............................................................................................................................. 29
TERRAS E AGRICULTURA...................................................................................................................... 29
TERRA, OS PASTORES E OS AGRO-PASTORES ............................................................................................ 30
B)
C)
D)
E)
2.
A EVOLUÇÃO FUNDIÁRIA E DA LEGISLAÇÃO EM ANGOLA ........................................................... 33
A)
O PRIMEIRO “CHOQUE” SIMBÓLICO SOBRE TERRAS ENTRE O COLONO E O AUTÓCTONE .................................... 33
A RESISTÊNCIA À PENETRAÇÃO E OCUPAÇÃO COLONIAL ............................................................................. 33
AS TENTATIVAS DE ADAPTAÇÃO DA OCUPAÇÃO E A DOMINAÇÃO COLONIAL ................................................... 33
AS TENTATIVAS QUE SURGIRAM PARA RESOLVER O PROBLEMA.................................................................... 34
A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO NA COLÓNIA ..................................................................... 35
A INDEPENDÊNCIA, A GUERRA E O SOCIALISMO ........................................................................................ 35
A QUEDA DO MODELO SOCIALISTA E A ECONOMIA DE MERCADO ................................................................. 35
A EFECTIVAÇÃO DA PRIVATIZAÇÃO DE TERRAS ......................................................................................... 35
O RESSURGIMENTO DE CONFLITOS DE TERRAS ......................................................................................... 36
A NOVA LEI DE TERRAS ....................................................................................................................... 36
B)
C)
D)
E)
F)
G)
H)
I)
J)
3.
AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E A CONSTITUIÇÃO DE ANGOLA .......................................... 37
4.
RESULTADOS DA PESQUISA ........................................................................................................ 38
4.1.
4.1.1.
a)
b)
c)
4.1.2.
a)
b)
c)
4.1.3.
a)
b)
c)
CARACTERIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ANGOLA ............................................................................ 38
CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DE BENGUELA .................................................................... 40
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO BALOMBO ................................................................... 42
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO CAIMBAMBO .............................................................. 48
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO LOBITO ........................................................................ 54
CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DA HUÍLA ........................................................................... 61
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO CHIPINDO.................................................................... 64
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO GAMBOS ..................................................................... 76
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DA MATALA ...................................................................... 88
CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DO KWANZA SUL ............................................................... 99
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CASSONGUE .............................................................. 102
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DA CONDA ...................................................................... 107
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO SUMBE ...................................................................... 113
3
d)
CASOS DO MUNICÍPIO DA GABELA ........................................................................................ 117
5.
ANÁLISE DOS ACTORES ............................................................................................................. 119
6.
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES EM RELAÇÃO AOS DIFERENTES AMBIENTES FUNDIÁRIOS .. 120
A)
B)
C)
7.
TERRAS NO MEIO URBANO ................................................................................................................ 120
TERRAS NO SISTEMA AGRÍCOLA .......................................................................................................... 123
TERRAS NO SISTEMA PASTORIL E AGRO-PASTORIL ................................................................................... 124
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES POR NATUREZA DE DIFERENDOS OU CONFLITOS ............... 125
A)
CONCLUSÕES E OU RECOMENDAÇÕES GERAIS........................................................................................ 125
DIFERENDOS OU CONFLITOS DE NATUREZA INTRA-FAMILIAR ..................................................................... 126
C)
DIFERENDOS OU CONFLITOS DE NATUREZA INTRA-COMUNITÁRIO .............................................................. 127
D)
DIFERENDOS OU CONFLITOS DE NATUREZA INTER-COMUNITÁRIO .............................................................. 127
E)
DIFERENDOS OU CONFLITOS DE NATUREZA EXTRA-COMUNITÁRIO.............................................................. 128
F)
DIFERENDOS OU CONFLITOS ENTRE INTERESSES PRIVADOS ....................................................................... 129
G)
DIFERENDOS OU CONFLITOS COM A LEI ................................................................................................ 129
H)
DIFERENDOS OU CONFLITOS DE NATUREZA JURÍDICO-LEGAL ..................................................................... 130
7.1.
AS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS .......................................................................... 130
A)
CASOS DE DIFERENDOS E CONFLITOS DE TERRAS ..................................................................................... 130
7.2.
RECOMENDAÇÕES POR ACTORES ENVOLVIDOS .................................................................... 131
A)
A NÍVEL DAS COMUNIDADES .............................................................................................................. 131
B)
A NÍVEL DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ................................................................................. 132
C)
A NÍVEL DAS INSTITUIÇÕES DO GOVERNO NAS PROVÍNCIAS ...................................................................... 132
D)
A NÍVEL DAS ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS ......................................................................................... 132
E)
A NÍVEL DOS DADORES E FINANCIADORES............................................................................................. 133
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 134
ANEXO ................................................................................................................................................... 137
B)
4
Siglas, Acrónimos e Abreviaturas
AAA
AAD
ACC
ACM
ACORD
ADER
ADRA
AICEF
AJAFDA
ALSSA
AMI
ANAB
ANDAGC
APCIL
APN
ARDSA
ARV
ASBC
ASD
CACS
CDI
CED
CFB
CFM
CRS
CTH
DESC
DPADER
DPUA
DRP
DW
EDA
FAA
FAO
FTKS
GAHCC
GDH
GTZ
GVC
HELLO
TRUST
IDF
IECA
IESA
IGCA
Acção Agrária Alemã
Acção Agrária para o Desenvolvimento ?
Associação Construindo Comunidades
Associação Cristã para a Mocidade
Agência de Cooperação e Pesquisa para o Desenvolvimento
Associação para o Desenvolvimento Rural
Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente
Acção contra Fome
Associação Juvenil .......
Associação Leonardo Sikufinde Shalon Angola
Acção Medica Internacional
Associação dos Naturais e Amigos do Balombo
Associação dos Naturais, Descedentes e Amigos do Galangue e
Chipindo
Associação Provincial de Comércio e Industria do Lubango
Ajuda Popular da Noroega
Associação de Reabilitaçãi e Desenvolvimento Social de Angola
Agentes Rurais de Veterinária
Associação Samuel Brace Coles
Acção de Solidariedade e Desenvolvimento
Conselho de Auscultação e Concertação Social
Centro de Documentação e Informação
Centro de Estudos para o Desenvolvimento
Caminho de Ferro de Benguela
Caminho de Ferro de Moçamedes
Cristian Relief Services
Consorcio de Terras da Huíla
Direitos Económicos, Sociais e Culturais
Direcção Provincial de Agricultura e do Desenvolvimento Rural
Direcção Provincial do Urbanismo e Ambiente
Diagnóstico Rural Participativo
Development Workshop
Estação de Desenvolvimento Agrário
Forças Armadas Angolanas
Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
Forum Terras do Kwanza Sul
Gabinete de Aproveitamento Hidrico de Catumbela e Cavaco
Grupo de Direitos Humanos (Matala)
Agência Alemã de Cooperação
ONG Italiana
ONG de Desminagem
Instituto de Desenvolvimento Florestal
Igreja Evangélica Concregacional em Angola
Igreja Evangélica Sinodal de Angola
Instituto de Geodésia e Cartografia de Angola
5
INOT
MINADER
MINAGRI
MPLA
ODA
OHI
OMUNGA
ONG
ONU
OSC
PAM
PDIC
PGDR
PIB
PIDESC
PRESILD
PROCANA
REMPE
RT
SODMAT
SOPIR – SA
UNACA
UEE
UNICEF
ZOA
Instituto Nacional do Ordenamento do Território
Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural
Ministério da Agricultura
Movimento Popular de Libertação de Angola
Organização de Desenvolvimento de Área
Organização Humanitária Internacional
ONG de defesa de Direitos Humanos
Organização Não Governamental
Organização das Nações Unidas
Organização da Sociedade Civil
Programa Mundial de Alimentação
Pólo de Desenvolvimento Industrial da Catumbela
Programa Geral de Desenvolvimento e Reintegração de Ex-Militares
Produto Interno Bruto
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais
Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e de
Distribuição de Produtos Essenciais à População
Projecto de produção de biocombustíveis
Registo de Empresas
Rede Terras
Sociedade de Desenvolvimento da Matala
Sociedade de Desenvolvimento dos Perímetros Irrigados
União Nacional dos Camponeses Angolanos
Unidade Económica Estatal
Fundo das Nações Unidas para a Infância
ONG Holandesa para os Refugiados
6
SITUAÇÃO GEOGRÁFICA E DEMOGRÁFICA DE ANGOLA
Angola está situada na costa ocidental da África Austral, entre a República do Congo,
ao norte; a República Democrática do Congo, ao nordeste; a República da Zâmbia, a
este; e a República da Namíbia, a sul; com uma superfície total de 1, 246, 700 km ². O
país está dividido administrativamente em 18 províncias, 163 municipalidades e 547
comunas. A população de Angola está estimada em 16,526, 000 de habitantes, com uma
densidade demográfica de 13,2 habitantes por km ².
SUMÁRIO EXECUTIVO
Angola está situada na costa ocidental da África Austral, com uma superfície total de 1,
246, 700 km ², dividido, administrativamente, em 18 províncias, 163 municipalidades e
547 comunas, com 16.526.000 habitantes e uma densidade demográfica de 13,2
habitantes por km ².
A situação fundiária, em Angola, passa por transformações, e os principais factores são:
demográficos, em termos de movimento e crescimento da população; socioeconómicos,
com investimento na agricultura empresarial, investimento turístico, o mercado
imobiliário, a expansão e crescimento urbano desorganizado; a ocupação desenfreada de
terras das comunidades no meio rural e urbano; as políticas públicas, com a
implementação de políticas na agricultura familiar e habitacional; factores legais, com a
aprovação de leis que regulam as questões fundiárias; institucionais, com a criação de
empresas e institutos sobre a questão fundiária e infra estrutural por causa do grande
investimento nas estradas, pontes e imóveis sociais, que requerem terras.
Ressalta-se também o Programa Nacional de Urbanização para a Promoção
Habitacional, que prevê construir, até ao ano 2012, cerca de 1.000.000 de fogos para
alojar 6 milhões de pessoas, cujo processo implica a existência da terra. Adiciona-se
ainda a expansão urbana e desorganizada, com uma inadequação predial e problemas de
regularização da propriedade urbana; a fragmentação e desqualificação do tecido urbano
e dos espaços suburbanos; a ineficiente planificação da utilização dos solos e das
instalações humanas e uma gestão urbana que apresenta distorções.
A pesquisa visou diagnosticar os principais focos de conflito de terra no meio rural e
urbano, bem como aos diferentes níveis: nas famílias, entre famílias, entre
comunidades, entre interesses privados e interesses das comunidades, entre os interesses
públicos e as comunidades, entre interesses privados, entre interesses privados e
públicos e conflitos jurídico-legais na perspectiva social. Os espaços socioculturais
abrangeram os grupos étnico linguísticos Ovinbundu, Ambundu, Nhaneca Nkumbi,
Nganguela e Tchokwe. Os sistemas de produção cingiram-se sobre os pastores e agro
pastores - criadores de gado bovino e animais de pequeno porte, agricultores e
agricultores recolectores.
O objectivo geral é contribuir para criar uma consciência pública actualizada sobre
a questão da terra, inventariando casos de conflito e capacitando as comunidades
para lidar com estes problemas através da formação e advocacia social. Os
resultados previstos são: mapeados e conhecidos os principais focos de conflitos de
terra, sua natureza e magnitude; identificados os factores que dificultam o processo de
7
uso, gestão e posse de terra, em Angola; identificadas algumas estratégias para
influenciar sobre o acesso, uso, posse e registo de terras a favor das comunidades rurais
e suburbanas; identificadas algumas medidas a adoptar para influenciar e/ou solucionar
os problemas levantados a partir deste diagnóstico.
A metodologia da pesquisa foi essencialmente a qualitativa e o enfoque participativo,
baseado nas seguintes abordagens e métodos: a revisão da literatura, a pesquisa
bibliográfica e documental, as entrevistas com informantes – chave, as entrevistas semiestruturadas, o trabalho com grupos focais, as fotografias como fonte de informação e
imagem, os inquéritos e a observação. As principais limitações da pesquisa foram as
dificuldades de acesso à informação e dados oficiais; a incompatibilidade de agendas
entre os consultores e as organizações envolvidas nesta pesquisa; a falta de
disponibilidade de algumas entidades em conceder entrevista aos pesquisadores; as
cartas topográficas que chegaram tarde; as desconfianças por ser um assunto politizado
e, por via disso, sensível; o não preenchimento dos formulários de inquérito.
As fases da pesquisa foram i) a revisão bibliográfica, ii) a programação, iii) a recolha de
informação, iv) a sistematização e análise, v) a redacção, vi) a validação dos resultados
e vii) a advocacia de casos de conflitos. As fontes de informação foram as pessoas
conhecedoras da questão terra, pesquisadores sociais, activistas e líderes de OSC;
informantes-chave das instituições do Estado e Governo; organizações comunitárias;
autoridades tradicionais.
A pesquisa é das Redes Sociais de Terras, em Angola – Rede Terra, Consórcio Terras
da Huíla e Fórum Terras, do Kwanza Sul. Foi realizada entre Dezembro de 2009 a
Março de 2010. A preparação da pesquisa foi animada pela ADRA e pela DW,
conduzida por aquela primeira (a ADRA) e teve lugar nas províncias de Benguela,
municípios de Balombo, Caimbambo e Lobito; província da Huíla, municípios do
Chipindo, Gambos e Matala; província do Kwanza Sul, municípios de Cassongue,
Conda e Sumbe. O município da Gabela no Kwanza Sul e o Lubango na Huíla foram
incluídos já no meio da pesquisa somente em termos de identificação de casos.
Os conflitos fazem parte da natureza humana e consistem na luta de populações ou
grupos diferentes por objetivos que são de difícil conciliação, podendo ser uma situação
social, cultural, econômica ou política que emerge quando actores encaram interesses
mutuamente incompatíveis. Neste relatório, procede-se a análise de conflitos que dão
ênfase às causas e raízes, às causas remotas e imediatas e aos factores intervenientes que
afetam a conflitualidade. Os efeitos de conflito podem ser destrutivo, mas também têm
funções integrativas.
As modalidades de resolução de litígios previstas na lei são: a livre negociação entra as
partes, a arbitragem, a justiça comunitária e os tribunais, na base da lei de Angola.
O conceito de terra designa não apenas o solo, que serve para manter e nutrir as plantas,
mas também as forças que a natureza oferece de maneira mais ou menos espontânea. Em
termos agro-económico, as terras dividem-se em dois grandes grupos: terras agricolamente
produtivas e terras agricolamente improdutivas.
8
As terras rurais podem ser classificadas quanto aos fins a que se destinam e quanto ao
regime jurídico, sendo terras do Estado concedíveis e não concedíveis. Os terrenos
concedíveis classificam-se em terrenos urbanos e em terrenos rurais.
Os terrenos rurais, quanto ao regime jurídico a que estão sujeitos, classificam-se em
terrenos rurais comunitários, terrenos agrários, terrenos florestais, terras de instalação e
terrenos viários. As terras rurais comunitárias são as ocupadas por famílias das
comunidades rurais locais para sua habitação, exercício da sua actividade ou para outros
fins reconhecidos pelo costume e pela legislação vigente. As terras urbanas são
classificadas em função dos fins urbanísticos, em terrenos urbanizados, terras de
construção e terras urbanizáveis. São urbanizados os terrenos cujos fins concretos estão
definidos pelos planos urbanísticos ou como tal classificados por decisão das
autoridades competentes, contanto que neles estejam implementadas infra-estruturas de
urbanização.
A terra e a agricultura, em termos de economia agrária, podem ser classificadas em duas
lógicas: a preocupação de produzir, sobretudo para o consumo próprio, e o outro que
predomina é a preocupação de produzir excedentes para colocação no exterior. Pode-se
identificar sete modalidades fundamentais de organização económica da agricultura,
agrupadas da seguinte forma: a) agricultura de subsistência; b) agricultura de tráfico; c)
agricultura de dependência fundiária; d) agricultura camponesa; e) agricultura a tempo
parcial; f) agricultura capitalista ou empresarial; g) e agricultura colectiva. As quatro
primeiras modalidades podem ser consideradas fórmulas de agricultura tradicional, embora
que nelas se enquadram diferentes variáveis quanto aos termos que se procura a produção
de excedentes. As duas últimas representam fórmulas da agricultura muito racionalizada,
visando, em regra, contínua melhoria técnica, embora com resultados práticos de desigual
interesse.
Os sistemas de produção e uso e usufruto da terra no meio rural é também baseado na
pastorícia – pastores e agro pastores. Existem duas grandes correntes que marcam o
pensamento e a prática sobre os pastores. A dos anti pastores, que se fundamenta na
teoria do evolucionismo; a dos pró pastores, que defende potenciar o sistema de
produção pastoril por via da mobilidade ao invés da sedentarização.
Na base destas correntes se desenvolveram paradigmas, tipos de intervenção, programas
e objectivos em relação aos pastores da seguinte forma: O paradigma que está centrado
na abordagem de direitos humanos e da preservação da sua cultura endógena. O
paradigma que defende que a cultura não é algo isolado e enfatiza a importância de ver
as questões pastoris, não somente em termos de cultura e da terra ancestral, mas
também, e sobretudo, em termos dos factores económicos e políticos da sua situação,
numa sociedade pluralista mais ampla. O paradigma do gado que defende ser o sistema
de produção dos pastores irracional e sublinha a necessidade de uma mudança
tecnológica profunda na gestão do gado. O paradigma da racionalidade do uso da terra,
dos pastos, tendo em conta e os seu sistema de produção. Os pastores precisam de
desenvolvimento de sistemas locais muito específicos de uso da terra e da produção. Há
estudos feitos em contextos de ecologia frágil que demonstram a validade destes
sistemas dos pastores. O paradigma do desenvolvimento social, que foi desenvolvido
com base no paradigma racional, que segue a via multi sectorial mais amplo de
desenvolvimento em direcção à integração dos povos pastores na sociedade nacional. É
também designado de eco – racionalidade.
9
Em Angola, as sociedades de pastores e agro-pastores estão inseridas no contexto sócio
económico, também chamadas de complexo de ordenha do Sul de Angola. Há
estudiosos que, em Angola, têm obras sobre as questões dos pastores. São eles: Rui
Duarte de Carvalho, na sua obra “Aviso à Navegação” sobre os povos Kuvale, um povo
pastor do Sul de Angola; as obras de Joaquim Gonçalves, nas suas pesquisas hidro
pastoris, no Sul de Angola; e a de Júlio de Morais e José Correia, de 1993 - “A Região
Agro Pastoril do Sul de Angola”.
A evolução fundiária e da legislação, em Angola, tem várias características que podem
ser definidas da seguinte maneira: a) o primeiro “choque” simbólico sobre terras entre o
colono e o autóctone; b) a resistência à penetração e ocupação colonial; c) as tentativas
de adaptação da ocupação e a dominação colonial; d) As tentativas que surgiram para
resolver o problema; e) a evolução do processo de modernização na colónia; f) a
independência, a guerra e o socialismo; g) a queda do modelo socialista e a economia de
mercado; h) a efectivação da privatização de terras; i) o ressurgimento de conflitos de
terras; j) a nova lei de terras.
Quanto às convenções internacionais e à Constituição de Angola, ressalta-se, entre
outros, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), ratificado pelo Estado Angolano, em 1992. À luz deste tratado, as
demolições e os desalojamentos forçados são incompatíveis com requisitos do pacto
Internacional dos DESC. Em 1976, a Conferência das nações Unidas para os
Assentamentos Humanos definiu que só se deveria iniciar operações importantes de
evacuação quando as medidas de conservação e de reabilitação não são viáveis e se
adoptem medidas de recolocação. A Estratégia Mundial de Habitação até ao ano 2000,
aprovada pelas Assembleia-Geral da ONU, na sua resolução 43/181, de 1988,
estabelece a obrigação fundamental dos governos de proteger e melhorar as casas e os
bairros em lugar de prejudicá-los ou destruí-los.
O Artigo 15º da Constituição de Angola defende, no ponto 2, que são reconhecidas às
comunidades locais o acesso e uso das terras nos termos da lei. No artigo 37.º, no seu
ponto 2, diz-se que a todos é garantida a propriedade privada e sua transmissão. O
Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais das pessoas singulares,
colectivas e das comunidades locais, só sendo permitida a requisição civil temporária ou
expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da
Constituição e da lei.
No contexto de Angola, há várias formas de classificação fundiária, ou seja: em termos
de sistema de usufruto da terra e do território, quanto ao critério de regime propriedade
da terra; em termos de posse e ocupação da terra pelas comunidades, na base do critério
de grupos técnicos – económicos; do ponto de vista dos eixos de conflitualidade; quanto
à função da representação social da terra; em termos económicos, de maior ou menor
pressão demográfica sobre a terra e sobre os recursos; quanto ao tipo de gestão de terras
(informal e formal); em relação ao tipo de ocupação (habitações precárias ou de
construção definitiva); quanto ao tipo de construção na periferia (tipologia de
musseque); em termos económicos, etc.
As características das províncias, municípios e localidades onde foi feita a pesquisas são
bastante diversas, para representar uma amostra significativa e representativa das zonas
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mais problemáticas da questão fundiária em Angola e ao longo de muitos anos. Assim,
foram incluídos municípios e localidades de forte tendência e fraco crescimento
demográfico suburbano e urbano; maior e menor densidade populacional; forte e faca
pressão sobre os recursos naturais; maior e menor actividade económica e comercial
(formal e informal); diferentes zonas agro-ecológicas e zonas agrícolas; diferentes
sistemas de produção, litoral e interior; diferentes grupos sócio culturais ou grupos
étnico linguísticos; diferença entre forte e fraca componente de agricultura familiar;
potencial de actividades do agro negócio, com maior ou menor actividade de agricultura
em, regime de fazenda; com fazendas demarcadas e cedidas, mas sem actividades;
municípios pouco pesquisados, distantes e próximos; ou mesmo capitais de províncias
quanto às assimetrias de diferentes categorias, em termos de complexidade institucional,
social, económica, definida por lei, ou seja, de categorias A, B e C, em termos de
legislação sobre descentralização administrativa, prevista na lei 7/07.
Os actores que abordam a questão fundiária, em Angola, são diversos e aos diferentes
níveis, mas a evolução da situação fundiária é volátil e complexa. Esta evolução e
complexidade deveriam ser seguidas de reformas institucionais, a corresponder com a
situação actual em termos de papéis, funções, competências. Ou seja, há uma
“instabilidade” ou mesmo confusão quanto aos papéis e actuação multi sectorial.
Nas terras urbanas, os principais factores que geram conflitos e potenciais conflitos são
as reservas fundiárias para fins habitacionais e as deficiências técnicas, as políticas
inadequadas ou inexistente, os recursos humanos no sistema de governação e gestão
fundiária, onde coabitam mecanismos formais e informais. As leis e as instituições que
lidam com a questão deveriam estar articulados e em sincronia.
Está a aumentar insegurança fundiária das comunidades locais menos informadas e mais
pobres em termos económicos, e isto está a configurar uma situação de exclusão social
em que as famílias não sabem onde se queixar ou se dirigir para pôr os seus casos. Para
além disso, configura uma situação em que o Estado e a sociedade em geral devem
trabalhar juntos para evitar situações mais difíceis, acções conducentes a situações
estáveis, legais e de justiça e direitos para todos. Não se deve prescindir, nem da
agricultura empresarial, nem da agricultura familiar, mas sim equidade em
circunstâncias iguais. Recomenda-se estudos, desenvolvimento comunitário, influenciar
políticas e decisões.
A predominância e tendência metodológica de cima para baixo é, a todos os níveis, um
problema. Há queixas a todos os níveis da administração pública de orientações que
vêm de cima sem consulta ou sem terem em conta as realidades locais. Há também uma
tendência de “criminalização” da população quando construiu; por exemplo, em lugares
inapropriados, embora tenha sido a administração pública que permitiu ou autorizou. Há
decisões que devem ser transferidas cada vez mais ao nível local, ou seja, mesmo que a
autoridade sobre as decisões finais são do nível provincial, deveriam ser tomadas no
espaço sócio político municipal. Há mesmo situações em que as administrações
municipais estão em conflito entre o ser defensor dos interesses das comunidades e o
cumprir com as orientações de cima.
Uma planificação que respeita a lógica de Planos Municipais de Ordenamento do
Território, Planos Directores Municipais, Planos de Urbanização e Planos de InfraEstruturas é ainda um défice. O mesmo é válido quanto à avaliação do impacto
11
ambiental e social das estratégias ou programas previstos no domínio habitacional ou
agro-pecuário. Neste sentido, ao nível local dever-se-ia promover formação e
capacitação nos domínios afins da gestão de terras urbanas, que inclui a dimensão
ambiental.
Nas terras do sistema agrícola, os conflitos dependem de vários factores. Todavia, os
mais preocupantes e frequentes são entre os interesses das comunidades e o sector
privado, isto é, os ditos fazendeiros. Os conflitos menos frequentes são entre
comunidades. Mas estão a ser criadas condições para a emergência e desenvolvimento
deste tipo de conflitos de terras, na medida em que as terras serão menos disponíveis e
as alterações das regras de gestão, posse, uso e usufruto da terra sejam as regras formais,
como as do direito costumeiro. Vai ser necessário monitorar e pesquisar os focos e
tendências de conflitos.
Há mais concessão de terras para o sector privado do que delimitação de terras
comunitárias; em consequência, há exígua concessão de títulos de reconhecimento pelo
Governo, de acordo com a lei de terras. Por outro lado, não se conhecem estudos de
viabilidade e de capacidade técnica, financeira, gestão das fazendas que estão a ser
cedidas. Neste âmbito, recomenda-se estudos de viabilidade, revisão do cadastro, bem
como influenciar para retomada da experiência de delimitação de terras das
comunidades. Recomenda-se ainda a revisão imediata dos casos em que dentro das
concessões existam aldeias de comunidades e ou sobreposições.
A conflitualidade nos sistemas de pastores e agro-pastores é provocada quando o
sistema ranching choca com o sistema de maneio, por causa dos cercos de arame; são
choques entre os dois sistemas que se baseiam em lógicas, interesses, objectivos e
métodos incompatíveis, aliados aos problemas de identidade, dignidade, disputa pelos
espaços e recursos, bem como à crise de adaptação aos novos sistema. Há também
agressões simbólicas contra os bens culturais das comunidades. Recomenda-se, neste
sentido, advogar por políticas públicas e estratégias para a especificidade da questão dos
pastores e agro pastores.
Destacam-se, essencialmente, dois tipos de diferendos ou conflitos de natureza intrafamiliar: a herança para os sobrinhos e os filhos e a herança entre os filhos homens e
mulheres. Os conflitos relacionados com desestruturação social e inversão de valores; os
jovens das cidades quando, chegam na aldeia, vendem as terras de herança sem prévia
consulta aos familiares. Há evidências do direito de utilização geral, direito de utilização
específica da terra, o vínculo à terra. É importante aprofundar o conhecimento da
realidade (pesquisa- acção) no nível familiar.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário constituem um tipo de
conflitualidades mais frequentes a nível das comunidades. A maior ou menor incidência
destes conflitos ou diferendos depende, essencialmente, da densidade populacional.
Outra natureza de conflitualidade é a problemática dos vientes e as formas de acesso à
terra (terras cedidas, entregues ou emprestadas), principalmente quando os cedentes já
morreram e há falta de testemunhas ou de informação sobre as modalidades usadas na
altura da cedência.
A exploração de lenha, recolecção, caça e produção de mel não é problemática; o
mesmo não se pode dizer em relação ao carvão, cuja exploração é altamente
12
problemática; quanto mais nas proximidades das cidades, mais sensível é o assunto nas
comunidades.
Os diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitários não são frequentes, mas a sua
tendência é de aumentar.
Os diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitários mais evidentes nesta
categoria têm a ver com as expropriações de terras das comunidades pelos fazendeiros
ou pelo governo, por interesses públicos, quer no meio rural, quer no urbano. As
vedações das fazendas interferem nos sistemas não só de maneio do gado para pastores,
mas também para os agricultores. Os conflitos entre as comunidades e os agentes
externos tendem não só a aumentar, mas também a agudizar-se, a serem cada vez mais
complexos, a aumentarem de amplitude quanto aos actores envolvidos e à abrangência
territorial (generalização) aumenta cada dia que passa o número de casos, de tal forma
que as evidências e as possibilidades de um dia ocorrerem revoltas organizadas são
muito visíveis. Deve-se considerar esta dimensão de conflito como um problema de
emergência pelas proporções que está assumindo. Abertura, diálogo, pesquisas,
informação são recomendáveis.
Os diferendos ou conflitos entre interesses privados situam-se nas ilegalidades de
ocupação e de insegurança de posse de terras, principalmente de privado com fraca
capacidade de investimento. As vendas, os transpasses de fazendas de forma informal,
sem actualização das respectivas documentações constituem um potencial de conflitos
entre os interesses privados. Estabelecer regras de jogo, a clarificação de poderes,
papéis e responsabilidades entre as instituições do estado, principalmente diante de um
quadro de mudanças institucionais constantes são recomendáveis.
Os diferendos ou conflitos com a lei são generalizados, ou seja, não há cumprimento do
estabelecido pela Lei em todas as áreas inerentes à gestão das terras, quer pelos
tomadores de decisões, quer pelos utilizadores destas, com a excepção das comunidades
rurais que se regem pelo Direito Costumeiro.
Os diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal prendem-se, sobretudo, ao
estabelecimento de reservas fundiárias em todas as províncias e respectivos municípios.
Algumas destas reservas têm estatuto legal e outras não. A maior parte destas reservas
incluem, nas suas áreas, residências de comunidades, incluindo, às vezes, as suas lavras
ou outras benfeitorias. Há insatisfação das comunidades sobre estas reservas, por várias
razões, tais como a ausência de mecanismos de diálogo e auscultação das comunidades,
a falta de indemnizações das pessoas afectadas, para além de declarados abusos de
poder de algumas autoridades administrativas aos vários níveis. Estes actos de
desrespeito à lei estão na base de vários conflitos e descontentamentos de populações.
Existem formas específicas de resolução de conflitos, quer seja do ponto de vista
informal (livre negociação), quer seja do ponto de vista formal (recurso à mediação,
intervenção de autoridades ou até tribunais). Também podem ser resolvidos recorrendo
aos direitos positivo e costumeiro. No plano comunitário, as formas dominantes de
resolução de conflitos baseiam-se no uso costumeiro das terras, quer sejam resolvidos
formal ou informalmente. Noutros níveis, predomina uma mistura de modalidades de
conflitos, de acordo com as circunstâncias e tipos de diferendos. No entanto, o que se
13
pode concluir é que as resoluções destes conflitos tendem mais a remediar os efeitos do
que a atacar as causas de tais conflitos.
Os casos de diferendos e conflitos de terras que foram inventariados e constatados são
de vários tipos, que podem ser potenciais e alguns podem despoletar a qualquer
momento. Existem os conflitos patentes, aqueles cujas disputas já são objectivamente
verificáveis; os e latentes, aqueles que já deram sinais, entretanto, ainda estão
“adormecidos”. Mas também foram identificados os que podemos chamar de casos de
sucesso ou casos positivos, que podem servir de lição e de exemplo para situações
similares, não só em termos de soluções encontradas, como também em termos de
convivência pacífica de interesses. No total, são apresentados, neste relatório, 24 casos
descritos.
Foram definidas recomendações específicas por cada actor, designadamente: ao nível
comunitário, por exemplo, o acesso à informação, conhecimento, trocas de experiência,
ocupar os espaços nos CACS sobre a questão terra e assistência jurídica, pedir
delimitação de terras ao governo; ao nível das OSC, compreender melhor a
complexidade fundiária actual, estimular a acção colectiva, incluindo, entre
comunidades, sistemas de monitoria de conflitos, informação e comunicação (sit) sobre
as questões de conflito, aprendizagem pela acção, influenciar políticas e decisões; ao
nível das instituições do Governo nas províncias, o recadastramento, criar espaços
institucionais intersectoriais, clarificação de papéis e responsabilidades; ao nível das
Administrações Municipais, reflexões e debates sobre a questão da terra, potenciar o
CACS com este tema; ao nível dos doadores e financiadores, concertação entre os
doadores e financiadores, influenciar os seus governos para terem uma atitude positiva
em relação à questão da terra, entre outras.
14
0. INTRODUÇÃO
O presente documento é o resultado de uma pesquisa que teve como finalidade
diagnosticar a situação de conflitos de terras e as formas da sua resolução no meio rural
e urbano em diferentes níveis: nas famílias, entre famílias da mesma comunidade, entre
comunidades diferentes, entre interesses privados e as comunidades, entre interesses
privados com outros interesses privados, entre interesses públicos e interesses das
comunidades e, finalmente, com a lei.
Em termos metodológicos e institucionais, a pesquisa foi conduzida pela ADRA e na
parte da preparação envolveu a DW. Ela faz parte de um processo mais amplo, cujos
donos são as redes sociais de terras em Angola, nomeadamente, a Rede Terra (RT), o
Consórcio Terras da Huíla (CTH) e o Fórum Terra do Kwanza Sul (FTKS).
A pesquisa ocorreu durante os meses de Dezembro de 2009 a Março de 2010, nas
províncias de Benguela, nos municípios do Balombo, Caimbambo e Lobito; na Huíla,
nos municípios de Chipindo, Gambos, Matala; no Kwanza Sul, nos municípios de
Cassongue, Conda, e Sumbe. O município da Gabela no Kwanza Sul e o Lubango na
Huíla foram incluídos no meio da pesquisa por causa do contexto conflituoso que
permitia identificar casos.
A abordagem metodológica foi principalmente qualitativa, usando métodos como a
pesquisa bibliográfica e documental, os questionários, as entrevistas semi-estruturadas,
os grupos focais, a observação e o uso das fotografias como fonte de registo de
informação e imagem.
Em termos estratégicos, a pesquisa previu ser efectivada em duas fases, ou seja, uma
fase de pesquisa para o conhecimento da realidade fundiária descrita, e a segunda fase
de advocacia social em torno dos casos de conflitos identificados.
Este documento é composto por quatros partes: a primeira é a síntese em forma de
sumário executivo. A segunda parte é a introdutória, que inclui a análise do contexto. A
terceira parte é o enquadramento conceitual sobre as questões de conflitos fundiários,
incluindo os de âmbito legal. A quarta parte reflecte os resultados da pesquisa nos
diferentes eixos e níveis de conflitualidade, incluindo as conclusões e recomendações.
0.1.
Contexto
A situação fundiária em Angola tem passado por profundas transformações ao longo
dos tempos, e, com o fim do conflito armado, estas mudanças foram ganhando um ritmo
mais acelerado, com novas dinâmicas, por causa dos factores demográficos, sócio
económicos, jurídico-legais e institucionais, políticos públicos e infra-estruturais.
15
Os factores demográficos mais influentes são o reassentamento de milhões de
deslocados internos e o regresso a casa de refugiados dos países vizinhos. Uma parte da
população foi para o meio rural exercer essencialmente agricultura, e outras foram para
os centros urbanos. Este movimento, certamente está a influenciar sobremaneira a
configuração fundiária do país no meio rural, nas vilas e nas cidades. Há também
movimentos temporários – a mobilidade das populações do campo para as cidades e
vice-versa. Para além disso, os índices de urbanização acelerados no país são altos.
Mesmo que a migração interna tenha reduzido com o fim da guerra, as áreas urbanas
continuam a crescer, devido ao seu perfil demográfico dominante por população
maioritariamente jovem e aos altos níveis de fertilidade.
Em termos sócio-económicos e no domínio agrário, as famílias camponesas1, os
agricultores de nível médio2 e os fazendeiros3 têm aumentado os níveis de produção e
de produtividade. Por via disso, aumentam os circuitos mercantis, o consumo de bens,
serviços e energia que provêem da terra. Tudo isso influencia a estrutura fundiária.
O Relatório Económico da Universidade Católica de Angola 2007 refere que a
contribuição da agricultura na economia - Produto Interno Bruto (PIB) ainda é pouca
face ao potencial e aos dados históricos do tempo colonial e aponta que em 2006 foi de
9,8 %. De acordo com o Registo de Empresas (REMPE), realizado em 2002, existiam
no país, nessa data, 724 empresas agropecuárias e florestais (muitas com actividade
suspensa) com 12. 095 trabalhadores. A maior parte delas estava concentrada no
Kwanza Sul (43%), Benguela (14%), Bié e Bengo (8% cada), Luanda e Moxico (6%
cada) e, finalmente, Huíla e Uíge (4% cada). Certamente que, com os progressos actuais
de Angola, estes números devem estar alterados. Esta tendência mostrava que havia
novas ocupações e concessões de terras, seja com base no cadastro do tempo colonial ou
outro. Tudo isso tem um peso forte nas mudanças da estrutura fundiária.
As políticas públicas com influência directa na questão fundiária são os programas, as
estratégias e os projectos no domínio agrário e habitacional, bem como no turismo. Por
exemplo, A Estratégia de Segurança Alimentar e Nutrição, aprovada o ano passado; a
Estratégia de Desenvolvimento Rural do Povo e Combate à Pobreza e seu Programa
Executivo; o Programa de Apoio à Mulher Rural; o Programa de Extensão e
Desenvolvimento Rural, o Programa Geral de Desenvolvimento e Reintegração de ExMilitares (PGDR), que já foi implementado; o Projecto4 Terras FAO/CE
GCP/ANG/036/EC – FOOD/2005/115136, MANAGRI em parceria com a FAO –
Fundo das Nações Unidas para Alimentação; o Programa de Desenvolvimento
Comunitário; o Programa de Combate à Desertificação; o Projecto Aldeia Nova; os
Perímetros irrigados; os Pólos de Desenvolvimento Agro-Industrial5; o Programa de
Comercialização Rural; o Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e de
Distribuição de Produtos Essenciais à População (PRESILD) e outros.
1
Um número considerável de produtores familiares, por volta de 1,8 milhões de famílias camponesas rurais contra
dois (2) milhões apontados pelo MINADER no ano anterior.
2
Algumas centenas.
3
Algumas poucas dezenas de empresários.
4
Projecto com objectivo de apoiar as comunidades rurais a delimitarem as suas terras e obter títulos de
reconhecimento do Governo.
5
Por exemplo, o Pólo agro-industrial de Kapanda em Malanje”, da Matala na Huíla, de Catumbela em Benguela.
16
Existem planos e projectos implementados ou ainda em curso com influência na questão
fundiária, como a empresas PROCANA, que previa plantar cerca de 44 mil hectares e
iniciar em 2009, com previsão de se expandir para outras províncias: Bengo, Benguela,
Bié Cabinda, Huambo, Lunda Norte, Malanje, Moxico, Uíge e Zaire. A conclusão dos
projectos de regadio no Caxito, nas Ganjelas (Huíla), no Missombo (Kuando Kubango),
na Quiminha (Bengo), no Calueque (Cunene), na Caála e Bom Jesus (Huambo e
Bengo), na Matumbo (Waku Kungo), no Luena, na Humpata (Huíla), no Kikuxi
(Luanda), na Matala (Huíla), na Kapuepua (Lunda Sul), etc. Acrescenta-se ainda a
existência do pólo Agro Industrial e de Kapanda com os seus projectos da fazenda
Punga Adongo e da companhia Angolana dos Biocombustíveis. Estes projectos têm
uma forte influência na transformação fundiária, em Angola.
Angola está em franca época de edificação de infra-estruturas em todo o país, com
investimento público, público/privado e privado. Vários cidadãos estão a construir
casas, porque há esperança, comparando com o tempo do conflito armado. Os
rendimentos de algumas famílias aumentaram por causa dos salários com maior valor
económico. Tudo isso implica terra, água, areia, pedra, madeira, etc., e estes recursos
vêem do solo. Logo, contribui para a reconfiguração fundiária. Apesar de o país estar
em plena reconstrução objectivamente verificável, tais infra-estruturas urbanas e os
equipamentos sociais colectivos mostram ainda carências quantitativas e qualitativas,
assim como a falta de articulação e o desfasamento das redes infra-estruturais,
comparado às dinâmicas de ocupação desorganizada do território e da evolução
demográfica, económica e social.
Mesmo em espaços que têm uma certa ordem urbana, constata-se a existência de
especulação sobre os preços durante a transmissão dos terrenos. Este estado das coisas
começou durante o conflito armado e criou uma “confusão” no seio da população e das
pessoas nas instituições, que foi contrariada pela adopção de medidas legais e
regulamentares pelo Governo. Estas medidas não são adequadamente informadas à
população, nem entendidas e, às vezes, não são aceites pelas populações, o que tem
provocado conflitos. As medidas que o Governo toma nem sempre são as mais
adequadas mas acompanhadas de excessos, como, por exemplo, o desalojamento de
pessoas sem alternativas de abrigo condigno e, na maioria das vezes, essas pessoas
ficam ao relento, incluindo crianças e outros vulneráveis, violando, deste modo, os
direitos mais elementares do homem.
Contrariamente ao que acontece com a maioria da população dos centros urbanos, as
empresas privadas que dispõem de terrenos viabilizados privilegiam a classe média e
alta, enquanto a especulação continua em matéria dos preços dos alojamentos, devido ao
aumento constante da procura.
A resolução dos problemas de habitação ainda está centrada no alojamento de uma
minoria de trabalhadores das grandes empresas públicas e privadas sem que este factor
influencie a situação das classes económicas baixas.
Em Angola, constata-se uma expansão urbana desorganizada e com uma inadequação
predial e problemas de regularização da propriedade urbana, assim como os efeitos
subsequentes de fragmentação e de desqualificação do tecido urbano e dos espaços
suburbanos. Existe uma fraca ou mesmo ineficiente planificação da utilização dos solos
e das instalações humanas, bem como uma gestão urbana que apresenta distorções.
17
No domínio habitacional, o Governo de Angola aprovou o Programa Nacional de
Urbanização para a Promoção Habitacional, que prevê construir, até ao ano 2012, cerca
de 1.000.000 de fogos para alojar 6 milhões de pessoas, sendo 150.000 a cargo do sector
público, 120.000 a cargo do sector privado, 80.000 a cargo do sector das cooperativas,
685.000 para beneficiar os auto-construtores (rurais e urbanos). O programa também
prevê a implantação de 88 projectos, de constituição e demarcação de terrenos como
reservas fundiárias do Estado, nas 18 províncias, com 100.000 hectares disponíveis;
dezoito (18) projectos urbanos (redes de infra-estruturas e equipamentos colectivos), em
dezoito cidades capitais de províncias; Cento e sessenta e quatro (164) projectos
urbanos (redes de infra-estruturas e equipamentos em todos os municípios. Além disso,
já estão a surgir por todo país novas centralidades urbanas. Todo este investimento
requer terras e implica aumento da pressão sobre os recursos e, por via disso, as
transformações fundiárias.
Em termos legais, foram aprovadas a Lei de Terras6, a Lei das Florestas, o Regulamento
Geral de Concessão de Terrenos7, a Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo8,
a Lei das Águas, a Lei das Sementes, a Lei sobre os Biocombustíveis e outra legislação
afim. Tudo isso tem em vista a governação, gestão e administração da terra e do solo.
No plano institucional e de investimentos, para além dos institutos públicos no domínio
agrário, foram criadas empresas públicas como a Sociedade de Desenvolvimento dos
Perímetros Irrigados (SOPIR, SA), de capitais públicos, cujo objectivo social é a gestão
e supervisão dos perímetros irrigados do Estado, exercendo todos os direitos de
propriedade sobre as infra-estruturas decorrentes do investimento público; é a
concessionária geral dos direitos fundiários sobre os terrenos situados nos perímetros
irrigados. Com base nisso, foi constituída a SODEMAT – Sociedade de
Desenvolvimento da Matala S.A, de capitais mistos para promover a parceria
público/privada.
Existem programas no domínio do apoio à agricultura, financiados por instituições
internacionais multilaterais9, bilaterais10; por ONG's11 e por Bancos12. O ano passado, o
Governo de Angola aprovou um fundo de USD 350.000.000 (trezentos e cinquenta
milhões de dólares), para financiar o sector agrícola através de bancos.
Finalmente, enquanto uma tendência mundial, há sinais de países que começaram a
empreender a estratégia de alugar território noutros países, para produzir alimentos e/ou
biocombustíveis, como é o caso da China que alugou terras na R.D. do Congo.
0.2.
Metodologia
Abordagem geral
6
Lei de Terras (Lei nº/2004, de 9 de Novembro.
Decreto nº 58/2007, de 13 de Julho.
8
Lei nº 3/2004, de 25 de Junho.
9
FIDA (instituição das Nações Unidas sobre agricultura) e BAD (Banco Africano de Desenvolvimento).
10
Cooperação Espanhola.
11
ADRA, Wold Vision, CLUSA
12
Banco Sol, BDA (Banco de Desenvolvimento Angolano)
7
18
A metodologia da pesquisa foi essencialmente qualitativa, com base no enfoque
participativo, tendo em conta as seguintes abordagens e métodos: a revisão da literatura
existente e disponível sobre as questões em análise, a pesquisa bibliográfica e
documental, as entrevistas com informantes-chave, as entrevistas semi-estruturadas, o
trabalho com grupos focais, as fotografias como fonte de informação e imagem, os
inquéritos e a observação.
A revisão da literatura serviu principalmente para analisar o contexto actual sobre as
questões fundiárias em termos dos principais factores que as influenciam.
A pesquisa bibliográfica e documental, para analisar e citar aspectos dos estudos que já
foram realizados neste domínio, bem como fazer referências bibliográficas de várias
obras sobre o assunto da terra e de outras questões conexas. Neste sentido, a primeira
parte do documento é essencialmente uma busca do que já existe na literatura e reflecte
uma tentativa de cruzar estes conceitos e quadros de referência com a realidade
constatada.
As entrevistas foram feita principalmente a pessoas que estão por dentro do assunto,
sejam pesquisadores, sejam líderes e activistas das OSC. Também incluíram pessoas das
instituições do Estado e do Governo, das Igrejas e das autoridades tradicionais. No total
a pesquisa envolveu, três províncias, 11, dezenas de localidades, 85 processos, sendo 23
OSC, 26 instituições do Estado e Governo, 14 líderes locais e autoridades tradicionais,
21 grupos focais e 1 fazendeiro.
Os inquéritos foram feitos através de um questionário, para serem respondidos por
escrito. Os mesmos foram direccionados às OSC que trabalham no domínio das
questões de terras.
Os grupos focais foram realizados nas comunidades, e sempre que possível, procurou-se
uma abordagem sensível ao género e à idade. Os grupos focais foram usados através de
encontros e do recurso a outras técnicas: mapeamento, perfil histórico,
problematização… No total, foram constituídos vinte e quatro (24) grupos focais que
envolveram entre 5 a 20 pessoas por cada encontro.
A observação foi realizada em todos os lugares aonde se fez o estudo, seja de forma
espontânea, seja deforma orientada, dirigida especificamente a determinados lugares
para observar coisas concretas e outras. Foi um instrumento que privilegiou, sempre que
possível, o contacto directo com as realidades e questões constatadas. Em todos os
lugares visitados, foram feitos outros movimentos complementares, como caminhadas
transversais, para captar e perceber o ambiente físico e não só. A combinação entre a
entrevista e a observação directa foram os métodos mais utilizados em todo o processo
de recolha de informação, procurando, para os diferentes actores, a triangulação da
informação (o que se diz, o que se observa e o que as pessoas transmitem em termos de
expressão não verbal ou facial).
A fotografia como elemento complementar de informação e imagem foi útil para
reportar os resultados da pesquisa, bem como para verificar o trabalho de terreno.
Etapas e momentos
19
O estudo foi realizado em vários momentos e em algumas ocasiões aconteceram em
simultâneo, como a seguir se descreve:
1ª Etapa: Planeamento.
Nesta fase foi feita a escolha do tema, a formulação do problema e a justificação, a
definição dos objectivos e a elaboração dos Termos de Referência, envolvendo e
consultando várias partes interessadas, desde profissionais de desenvolvimento,
organizações que trabalham nas questões fundiárias, doadores e financiadores e outros.
Outrossim, foi a elaboração da proposta metodológica, os roteiros de recolha de
informação, as fichas de inquéritos e o cronograma de actividades.
2ª Etapa: Execução.
Nesta etapa foi realizada a sensibilização para engajar todos os actores envolvidos,
fornecer a informação relevante às organizações e instituições directamente envolvidas,
proceder a revisão da literatura, fazer a recolha da informação e começar as análises da
informação. O trabalho foi feito município por município, em que os pesquisadores
apresentavam primeiro as cartas formais às Administrações Municipais, e, depois,
faziam-se as entrevistas e o trabalho com grupos focais aos diferentes níveis, em função
da disponibilidade dos mesmos. No final de cada dia, era feita uma avaliação e síntese
do trabalho realizado e eram introduzidas correcções. Aproveitava-se, também, a
elaborar o plano para o dia seguinte.
3ª Etapa: Redacção.
Nesta etapa foi feita a análise final e a redacção do relatório, bem como a apresentação
dos resultados da pesquisa aos donos da mesma.
4ª e 5ª Etapas.
A ser feita na segunda fase desta pesquisa e prevê escolher dez (10) casos
representativos de conflito de terras identificados na pesquisa, para serem analisados
com as comunidades envolvidas, como um processo de formação e capacitação centrada
na solução dos problemas que envolvem os casos.
0.3.
Definição do foco do estudo
Durante o ano transacto, as redes sociais de terras – Consórcio Terras da Huíla (CTH),
Rede Terra, em Luanda, e o Fórum Terras do Kwanza Sul, realizaram encontros de
reflexão no Kwanza Sul e em Luanda e concordaram que a actual situação fundiária, no
país, apresentava novos elementos; que havia novos casos de ocupação ilegal de terras
das comunidades e ocorriam as conhecidas demolições de casas em alguns centros
urbanos do país. É neste âmbito que surge a ideia de se fazer um estudo para
diagnosticar casos de conflitos de terras e formas de resolução. Na base disso, foram
elaborados os Termos de Referência que definiram os assuntos da pesquisa em forma de
perguntas, nomeadamente:
i) Qual é a situação actual em termos de conflitos de terras nos diferentes
ambientes fundiários de Angola?
20
ii) Qual é a tipologia e quais são as características dos conflitos actuais de terras?
iii) Quais são os actores, mecanismos e procedimentos de resolução dos conflitos de
terras existentes?
iv) É possível apoiar as comunidades no sentido de melhorar a capacidade de lidar
com estas situações?
Quanto aos tipos, natureza e características de conflitos (urbano e rural) foram definidos
por níveis, a saber:
i) Intra-familiar (entre membros da mesma família);
ii) Intra-comunitários (entre membros da mesma comunidade);
iii) Inter-comunitários (entre membros ou comunidades diferentes);
iv) Extra-comunitários (comunidade e agentes externos);
v) Jurídico-legais (interesses públicos ou governamentais).
Na primeira fase do trabalho de terreno e como consequência da avaliação e revisão,
foram tidos em conta os níveis acima e foram, também, considerados outros critérios,
nomeadamente:
i) Intra-familiar (entre membros da mesma família;
ii) Intra-comunitários (entre membros da mesma comunidade);
iii) Inter-comunitários (entre membros ou comunidades diferentes);
iv) Extra-comunitários (comunidade e agentes externos);
v) Entre interesses privados contra interesses privados;
vi) Entre interesses privados e interesses públicos;
vii) Entre interesses das comunidades e interesses públicos;
viii) Conflitos com a lei.
Quanto às formas de resolução de conflitos, as questões foram formuladas da seguinte
maneira:
• Famílias afectadas (pastores, agricultores, agro-pastores, recolectores, habitantes
dos subúrbios);
• Características do conflito em relação à sua actividade económica (sistemas de
produção, formas de escoamento da produção, acesso aos factores de produção e
outras;
• Principais actores envolvidos em cada tipo de conflitos identificados acima (a
nível da comunidade, das comunidades vizinhas, agentes externos, instituições
do Governo);
• As formas utilizadas para a resolução de tais conflitos (livre negociação entre as
partes, arbitragem, autoridades tradicionais, Autoridades tradicionais e
governamentais, tribunais);
• A base legal na resolução dos conflitos de terras (lei costumeira, lei formal,
fusão das duas leis, orientações e decisões previamente tomadas…);
• As principais formas de acesso à terra (oferta, venda, transpasse, aluguer,
herança, indicação pela autoridade tradicional, requerimento às instituições afins
do Governo, delimitação comunitária, outras);
• Conhecimento e aplicabilidade da Lei de Terras.
21
0.4.
Fontes de informação
As fontes de informação foram bastante diversificadas e feitas aos diferentes níveis e
sensibilidades, nomeadamente com pessoas conhecedoras desta abordagem e
pesquisadores das questões fundiárias e de desenvolvimento; activistas e líderes de OSC
que abordam este tema; informantes-chave das instituições do Estado e do Governo,
ligadas às questões fundiárias ao nível provincial e local; e organizações comunitárias e
autoridades tradicionais. A sequência da recolha de informação era feita da seguinte
maneira: primeiro, fazer a entrevista às autoridades administrativas, a seguir às OSC,
depois às autoridades tradicionais, aos Grupos Focais e, na parte final, voltava-se às
autoridades administrativas para fazer o retorno e classificar eventuais questões que
surgiram nas entrevistas com os outros actores. O mesmo era feito com as autoridades
políticas do nível provincial. Em cada município fazia-se, em média, três dias de
trabalho; perfazendo, em média, dez dias em cada província.
Número de Entrevistas
Províncias
e
Município
s
Localidade
s
Organizaçõe
s da SC
Instituiçõe
s do
Governo
Huíla
- Matala
Matala
sede,
Calumbo,
Bairro 1º de
Maio,
Castanheira
de Pera
Chiange,
Muntiavula,
Chibemba,
Chimbolelo
Vale,
Macova
Chipindo
sede,
Vissamba
Chipindo,
Cahala,
Calopa,
Chimoma,
Sanje
e
Musssungo.
3
- Gambos
- Chipindo
- Lubango
Benguela
- Lobito
- Balombo
Catumbela,
Damba
Maria,
Luongo,
Cabaia,
Alto
Lobito.
Balombo
sede,
Cayengue e
Ginga
Grupo
s
Focais
Fazendeiro
s
Tota
l
4
Líderes
locais e
autoridades
Tradicionai
s
1
2
-
10
2
3
3
2
-
10
2
2
3
6
-
13
4
1
1
1
-
1
7
4
3
2
2
-
11
22
Caimbamb
o
- Benguela
Kwanza
Sul
Cassongue
- Conda
- Gabela
- Sumbe
Total
Culai.
Caimbambo
sede,
Wiangombe
,
Evala,
Catala
Longongo,
Cahululo.
Casssongue
sede,
Salomão e
Cahumbi e
vale
ou
anhare do
Mombolo
Conda sede
e Cumbira
II
Gabela sede
Kicombo
sede, bairro
Candumba,
Bambi,
Wambele,
Chingo,
Baovida e
bairro
do
aeroporto
1
2
-
3
-
6
2
1
4
-
2
1
1
9
2
3
2
2
-
9
1
2
2
2
1
-
-
1
6
23
26
14
21
1
85
OBS: Em quase todos grupos focais, com excepção nas cidades, estiveram presentes as
autoridades tradicionais. No Lubango foram feitas incontáveis entrevistas informais.
0.5.
Delimitação geográfica
Para proceder a selecção das áreas a pesquisar, foram, tomados em conta os recursos
financeiros e humanos disponíveis, o tempo e a estratégia de se fazer uma pesquisa que
servisse, a posterior, de experiência a replicar noutros espaços. Concordou-se que a
unidade de pesquisa deveria ser o município. Assim, para que a pesquisa fosse
representativa, foram definidos os seguintes critérios de selecção: municípios com forte
tendência de crescimento demográfico e urbanístico; com fraca tendência de
crescimento demográfico e urbanístico; com pouca densidade populacional; com maior
densidade populacional; com forte pressão sobre os recursos naturais; com pouca
pressão sobre os recursos naturais; com pouca actividade económica e comercial
(incluindo o mercado informal); que cobrem diferentes zonas agrícolas; que cobrem
diferentes sistemas de produção e modos de vidas como: agricultores, pastores, agro pastores e recolectores; com uma forte componente de agricultura familiar; com
potencial em actividades ligadas ao agro negócio; com actividade de agricultura em
regime de fazendas; com fazendas demarcadas e cedidas, mas sem actividades; pouco
estudados em termos fundiários; isolados e ou distantes das sedes provinciais e em
termos de assimetrias; municípios de categorias A, B e C definidos pelo Paradigma
Orgânico dos Governos Provinciais e Administrações Municipais, no âmbito da
23
legislação sobre descentralização administrativa, prevista na lei 7/07, que envolvem
novas centralidades urbanas significativas.
Com base nestes critérios, foram seleccionadas três províncias, e em cada província
foram, de igual modo, seleccionados três municípios, para fazer um levantamento
exaustivo e analítico da situação, de casos de conflitos e formas de resolução nos
seguintes municípios:
i) Benguela, nos municípios do Balombo, Caibambo e Lobito;
ii) Huíla, nos municípios de Chipindo, Gambos e Matala;
iii) Kwanza Sul, nos municípios do Conda, Cassongue e Sumbe.
Durante a reprogramação do trabalho de campo, no Kwanza Sul, os actores que
trabalham naquela província sugeriram mais um município, ou seja, o Amboim e sua
sede, a Gabela, para fazer o registo de casos de conflitos. Já no final de elaboração do
relatório surgiu o conflito na cidade do Lubango que envolveu violência pela demolição
de mais de mil casas ao longo do ramal do Caminho de Ferro de Moçamedes (CFM).
Assim, foi incluído este caso.
Em ternos de grupos focais, em cada município eram escolhidos bairros ou aldeias em
função da disponibilidade, acesso, características representativas do município, para se
fazer um trabalho mais exaustivo no plano comunitário.
0.6.
Limitações da metodologia
As principais limitações da metodologia, que se reflectiram na pesquisa, foram as
dificuldades de acesso à informação e aos dados oficiais sobre a questão fundiária a
partir das entidades do Governo, nos níveis provinciais e municipais. A outra limitação
foi a incompatibilidade de agendas entre os consultores e as organizações envolvidas
nesta pesquisa, bem como a falta de disponibilidade de algumas entidades em conceder
entrevista aos pesquisadores. As cartas topográficas para a localização e identificação
das áreas de pesquisa foram adquiridas a meio da pesquisa. Durante a mesma, em
alguns lugares, os trabalhos com Grupos Focais foram feitos na presença de entidades
administrativas e, de certo modo, isto inibiu as comunidades. Outrossim, é o facto do
assunto terra ser bastante sensível e politizado no actual contexto de Angola; isto é,
numa fase em que se estão a acelerar e a consolidar as privatizações de terras com base
no modelo colonial, criando tenções e/ou conflitos com as comunidades nos lugares já
ocupadas por estas, cujo ambiente inibe o diálogo sobre este assunto e gera muita
desconfiança. Por outro lado, a presença de pessoas estranhas numa comunidade, que
fazem perguntas sobre terras, cria muitas suspeitas da parte dos membros da mesma,
que, à primeira vista, conotam essas pessoas estranhas como aquelas que estão a
“farejar”, a “caçar”, a procurar ocupar ou assaltar terras. Estas limitações foram
superadas fundamentalmente através da triangulação da informação e do uso de técnicas
de animação comutaria que descongestionavam o ambiente. Por outro lado, quando as
comunidades percebiam o conteúdo e a relevância da pesquisa por via das perguntas
que eram feitas, eles respondiam positivamente. A outra limitação prendeu-se com os
inquéritos direccionados às organizações membros das três (3) redes sociais de terras
em Angola, que não foram respondidos.
24
0.7.
Glossário
Este ponto tem como objectivo conceptualizar o termo chave desta abordagem - o
conflito, e outros conceitos subjacentes usados nesta pesquisa como: análise de conflito,
efeitos de conflito, alternativas ao conflito e a resolução de conflitos na Lei de Terras.
a) Conceito de conflito
O conflito é o processo de procurar obter recompensas pela eliminação ou
enfraquecimento dos competidores. Consiste na luta de populações ou grupos diferentes
por objetivos que são de difícil conciliação. Trata-se de uma ‘situação’- seja social,
cultural, econômica ou política – que emerge quando actores encaram interesses
mutuamente incompatíveis. Resulta de processos e dinâmicas diferentes que
determinam sua natureza, tipo, evolução ou escala. Pode ser fruto de uma disputa
quanto a relações de poder, valores culturais, riquezas ou recursos naturais ou
ambientais. Até mesmo a luta quotidiana por parte de indivíduos ou de grupos e a
interacção entre eles com o objetivo de satisfazer uma necessidade específica pode, às
vezes, representar uma fonte de tensão e conflito. Estas situações podem ser potenciais
diferendos entre as partes, diferendos patentes entre as partes, potencial de conflito entre
as partes, conflito latente entre as partes, conflito patente entre as partes e conflito que
descambou em violência entre as partes.13
b) Análise de conflito
Na análise de conflitos, a ênfase deve ser dada às causas raízes, às causas imediatas e
aos factores intervenientes que afectam o conflito, ao invés de meramente focalizar as
consequências. Enquanto as causas e raízes constituem factores necessários que criam
oportunidades para a ocorrência de conflito, são os factores imediatos que levam ao
conflito violento. A análise de conflito é um processo que envolve várias etapas práticas
para desenvolver um entendimento multi-dimensional do conflito (causas raízes, causas
imediatas e factores intervenientes). Trata-se de um processo para compreender a
história/realidade que fundamenta o conflito, identificar os atores envolvidos, entender
as perspectivas dos atores e os modos como eles se relacionam uns com os outros,
extrair lições dos sucessos/fracassos, e fornecer bases para planear o trabalho
diretamente no conflito e sobre as questões do conflito.14
C) Efeitos de conflito
Frequentemente, o conflito social é custoso e destrutivo, todavia, também tem funções
integrativas como: o conflito, geramente, ajuda a definir questões e a promover um
novo equilíbrio das forças litigantes; o conflito leva à resolução de questões, aumenta a
coesão grupal, leva à aliança com outros grupos e mantém os grupos alertas para os
interesses dos membros. Os efeitos desintegradores do conflito podem ser o
13
ACORD - Agência de Co-operação e Pesquisa para o Desenvolvimento (2003). TEMÁTICA DO CONFLITO DA
ACORD. Nairobi, Kénia.
14
ACORD - Agência de Co-operação e Pesquisa para o Desenvolvimento (2003). TEMÁTICA DO CONFLITO DA
ACORD. Nairobi, Kénia.
25
ressentimento, pode levar a destruição, leva a tensão entre grupos, destroi os canais
normais de cooperação e desvia a atenção dos membros dos objectivos grupais15.
d) Alternativas ao conflito
O livro de Sociologia de Paul B. Horton e Chester L. Hunt oferece uma abordagem
interessante sobre alternativas ao conflito. Diz que o conflito pode cumprir funções
úteis, mas a um custo tão elevado que muitas vezes se procura evitá-lo. Assim, o
conflito também é evitado através de processos de acomodação, deslocamento,
superordenação, compromisso, assimilação e tolerância.
A acomodação é um processo que consiste em criar acordos temporários que funcionam
entre indivíduos ou grupos em conflitos. Ela se desenvolve quando pessoas ou grupos
julgam necessário agir em conjunto, apesar de suas hostilidades e diferenças. Um
teórico chamou-a de “cooperação antagónica”. A acomodação pode ter vida curta ou
perdurar séculos. Não se alcança qualquer resolução da questão; cada grupo retém suas
próprias metas e pontos de vista, mas chega a um “acordo para discordar” sem lutar.
O deslocamento é o processo que consiste em suspender um conflito e substituí-lo por
outro. Por exemplo, o uso da guerra ou da ameaça de guerra para liquidar conflitos
internos e promover unidade nacional. A técnica principal do deslocamento é a teoria do
bode expiatório, ou seja, arranjar um culpado.
A superordenação é a dominação total e impiedosa em relação aos demais. O conflito
entre duas partes, pode, às vezes, acabar pela submissão forçada a terceiros e o mundo
está cheio de exemplos. O grupo ou povo pode aceitar a derrota, submeter-se e fazer
disso o melhor que poder. Mas também pode haver uma situação em que, depois da
derrota, os grupos optam por fazer resistência através de sabotagem, guerrilha ou
assassinatos.
O compromisso é quando todas as partes são suficientemente poderosas, de modo que
nenhuma aprecia a perspectiva de conflito. Normalmente, cada um faz concessões de
acordo com o seu poder relativo; a parte mais fraca é que faz menos concessões. O
compromisso, regra geral, deixa sempre as partes insatisfeitas, e os acordos somente são
cumpridos enquanto se mantiver o equilíbrio. Os conciliadores, mediadores,
facilitadores e árbitros muitas vezes auxiliam na obtenção de compromissos. Quando o
compromisso é inaceitável e o acordo não é absolutamente necessário, os grupos podem
usar a tolerância como alternativa para o conflito.
A assimilação é quando se dá um certo intercâmbio ou difusão cultural. Mesmo os
grupos que procuram evitar tal difusão, efectivamente não conseguem fazê-lo. É sempre
um processo bilateral em que cada grupo contribui de várias formas com o que possui,
dependendo de vários factores como o tamanho, o prestígio de cada grupo e outros
factores. Portanto, a assimilação reduz os conflitos de grupos por mesclar diferentes
grupos em outros maiores e culturalmente homogéneos. A assimilação cultural elimina
muitos estímulos para o conflito, mesmo quando existe diferenças físicas visíveis.
15
Cfr. HORTON, Paul B. HUNT, L. Chester (1981). SOCIOLOGIA.
26
A tolerância ocorre quando, em certos conflitos, a vitória é impossível, ou
insuportavelmente custosa e o compromisso não é duradouro. Nestas circunstâncias,
alguns participantes descobrem que talvez não seja absolutamente necessário um
acordo. A tolerância é um acordo para discordar pacificamente.16.
d) Resolução de conflitos na Lei de Terras
O artigo 77º da Lei de Terras consagra as questões de litígios relativos aos direitos
fundiários que são obrigatoriamente submetidos à tentativa de mediação e conciliação
antes da propositura da acção do tribunal competente. Estabelece os princípios que
devem guiar a mediação e conciliação de conflitos, nomeadamente: a imparcialidade, a
celeridade e a gratuitidade. Define presupostos funamentais para a resolução destes
conflitos: A Lei de Terras reconhece e atribui o poder de resolução de conflitos de terras
às Instituições do poder tradicional. A Lei de Terras (alínea c) do artigo 1) ao definir
comunidades rurais reconhece às mesmas os princípios da auto-administração e da
autogestão das suas terras. A Lei de Terras reconhece às comunidades rurais
personalidade e capacidade judiciária, ou seja, estão em altura de tratar das suas terras,
mesmo perante os tribunais, sem qualquer impedimento. A personalidade Judiciária das
comunidades rurais é o reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos e obrigações,
ou seja, reconhecer a dignidade das comunidades rurais como iguais a outras pessoas,
embora actuem de forma colectiva. A capacidade judiciária das comunidades rurais é a
aptidão de intentar uma acção em tribunal ou ser intentado directamente contra si uma
acção, ou ainda escolher livremente quem possa representá-lo num processo.
As modalidades de resolução de litígios são: primeiro, a livre negociação entre as partes
- tem a ver com o diálogo e com os consensos entre as partes envolvidas. A segunda é a
arbitragem, isto é, fazer recurso a um Tribunal Arbitral, que se rege pela lei angolana,
constituída por três pessoas e deve dirimir os casos em não mais de 6 meses, para sair a
decisão. A terceira é a Justiça comunitária, os casos decididos no interior das
comunidades rurais e em harmonia com o costume vigente. A quarta é o tribunal (área
civel) que se rege pela lei da Angola.
1. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO FUNDIÁRIA
a) Terras – uma abordagem genérica
Num texto sobre terras, escrito por João, Augusto Caetano17, é designado, geralmente, por
terra, não apenas o solo que serve para manter e nutrir as plantas, como também as forças
que a natureza oferece de maneira mais ou menos espontânea. Ele aponta que esta
conceptualização passa por clarificação de princípios fundamentais respeitantes à
classificação das terras em termos agro-económico, isto é, as terras dividem-se em dois
grandes grupos: terras agricolamente produtivas e agricolamente improdutivas. As terras
16
Cfr. HORTON, Paul B e HUNT, L. Chester, (1981). SOCIOLOGIA.
Cfr. JOÃO, Augusto Caetano (2003) O FACTOR TERRA NA PERSPECTIVA DO COMBATE A POBREZA E
DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO. p: 1, Huambo.
17
27
agrícolas produtivas são aquelas que rendem alguma riqueza vegetal, capaz de
transformar-se num bem económico, por exemplo as hortas, as terras chamadas de grande
cultivo, os bosques, as plantações, os pomares, etc. Pelo contrário, as terras agrícolas
improdutivas são aquelas que não produzem nenhum rendimento vegetal, por exemplo, as
terras que constituem as estradas, as praças ou largos das cidades e vilas, as ruas e as linhas
férreas e aquelas que não possuem qualquer tipo de vegetação, as praias, as salinas, etc.
Neste sentido, o grupo de terras agricolamente improdutivas é constituído por terrenos de
muito valor diversificado, desde aqueles que alcançam cotações elevadas como são os
terrenos urbanos, até aos que têm um preço nulo ou quase nulo, como são os cimos das
montanhas, algumas cobertas de neve, etc. Destes dois grandes grupos, o primeiro, o das
terras agricolamente produtivas subdivide-se em dois sub - grupos: terras cultivadas e
terras não cultivadas. As terras cultivadas são aquelas que são trabalhadas com as alfaias,
tais como as hortas, campos de cereais, pomares, plantações, etc. E, por sua vez, são terras
não cultivadas, ou incultas, aquelas que não são trabalhadas com nenhum instrumento,
como são os bosques, os pastos naturais. Logo, não é o mesmo, como foi visto, a terra
improdutiva e a terra não cultivada ou inculta. Uma terra pode estar sem cultivo – florestas
de eucaliptos ou outras, e, não obstante a isso, é agricolamente produtiva, quer dizer, dános directamente rendimento em produtos do campo ou por meio da sua transformação,
através da pecuária.
b) Terras rurais
A legislação angolana classifica as terras em função de vários critérios. Quanto aos fins
a que se destinam e do regime jurídico, são terras do Estado as concedíveis e as não
concedíveis. Os terrenos concedíveis classificam-se em terrenos urbanos18 e em terrenos
rurais19. Segundo a Lei de Terras, é havido como terra rural o prédio rústico situado fora
da área delimitada por um foral ou da área de um aglomerado urbano e que
designadamente se destine a fins de exploração agrícola, pecuária, silvícola e mineira.
As terras integradas no domínio público do Estado e as terras comunitárias são terras
não concedíveis. São concedíveis as terras de que o Estado tenha a propriedade
originária, contanto que não tenham entrado definitivamente na propriedade privada de
outrem.
As terras rurais são classificadas em função dos fins a que se destinam e do regime
jurídico a que estão sujeitos, em terrenos rurais comunitários, terrenos agrários, terrenos
florestais, terras de instalação e terras viárias. As terras rurais comunitárias são as
ocupadas por famílias das comunidades rurais locais para a sua habitação, exercício da
sua actividade ou para outros fins reconhecidos pelo costume e pela legislação vigente.
As terras agrárias são os terrenos aptos para a cultura, designadamente para o exercício
de actividade agrícola e pecuária. As terras florestais são os terrenos aptos para o
exercício da actividade silvícola, designadamente para a exploração e utilização racional
de florestas naturais ou artificiais, nos termos dos planos de ordenamento rural e da
respectiva legislação especial. As terras de instalação, os terrenos destinados à
implantação de instalações mineiras, industriais ou agro-industriais, nos termos da
18
Segundo a Lei de Terras, entende-se por terreno urbano o prédio rústico situado na área delimitada por um foral ou
na área delimitada de um aglomerado urbano e que se destine a fins de edificação urbana.
19
Segundo a Lei de Terras, é terreno rural o prédio rústico situado fora da área delimitada por um foral ou da área de
um aglomerado urbano e que designadamente se destine a fins de exploração agrícola, pecuária, silvícola e mineira.
28
legislação de terras e aplicável ao exercício de actividades mineiras e petrolíferas e aos
parques industriais. São terras viários os terrenos afectos à implantação de vias
terrestres de comunicação, de redes de abastecimento de água e de electricidade, assim
como de redes de drenagem pluvial e de esgotos.
São terras rurais comunitárias os terrenos utilizados por uma comunidade rural segundo
o costume relativo ao uso da terra, abrangendo, conforme o caso, as áreas
complementares para a agricultura itinerante, os corredores de transumância para o
acesso do gado a fontes de água e a pastagens e os atravessadouros, sujeitos ou não ao
regime de servidão, utilizados para aceder à água ou às estradas ou caminhos de acesso
aos aglomerados urbanos. A delimitação dos terrenos rurais comunitários será precedida
da audição das famílias que integram as comunidades rurais e das instituições do Poder
Tradicional existentes no lugar da situação daqueles terrenos.
As terras agrárias são classificadas em função do tipo de cultura predominante, em
terrenos de regadio, arvenses ou hortícolas, e terrenos de sequeiro. São regulamentadas
por normas próprias. São terrenos de instalação os que têm contiguidade com as minas,
fontes de matéria-prima ou eixos viários que aconselhem a implantação de uma
instalação mineira ou industrial.
Ainda existe o conceito de terreno vário e terrenos reservados ou reservas os terrenos
excluídos do regime geral de ocupação, uso ou fruição por pessoas singulares ou
colectivas, em função da sua afectação, total ou parcial, à realização de fins especiais
que determinaram a sua constituição.
c) Terras urbanas
Conforme foi referido acima, em termos da Lei de Terras em Angola, quanto aos fins a
que se destinam e do regime jurídico, são terras do Estado as concedíveis e as não
concedíveis. Os terrenos concedíveis classificam-se em terrenos urbanos e em terrenos
rurais. As terras urbanas são classificadas em função dos fins urbanísticos em terrenos
urbanizados, terras de construção e terras urbanizáveis. São urbanizadas as terras cujos
fins concretos estão definidos pelos planos urbanísticos ou como tal classificados por
decisão das autoridades competentes, contanto que nelas estejam implementadas infraestruturas de urbanização. São terras de construção as urbanizadas que, estando
abrangidas por uma operação de loteamento devidamente aprovada, se destinem à
construção de edifício, contanto que esta haja sido licenciada pela autoridade local
competente. São terrenos urbanizáveis os terrenos que, embora abrangidos na área
delimitada por foral ou no perímetro urbano equivalente, hajam sido classificados, por
plano urbanístico ou plano equivalente, como reserva urbana de expansão.
d) Terras e agricultura
Os sistemas de organização da economia agrícola apresentam diferenciação que se
fundamentam em duas lógicas: a preocupação de produzir, sobretudo para o consumo
próprio, e o outro em que predomina a preocupação de produzir excedentes para colocação
no exterior.
29
A análise feita por Henriques de Barros20 citado por Óscar Soares Barata, com base na
lógica acima, individualiza sete modalidades fundamentais de organização económica da
agricultura, agrupadas da seguinte forma: a) agricultura de subsistência, representa o
regime de produção mais precária, práticas de cultura simples, o produtor procura obter o
necessário para a subsistência da unidade familiar, embora possa utilizar eventuais
excedentes para troca com outros bens; b) agricultura de tráfico, aquela que traduz a
expansão do círculo da agricultura de subsistência, um tipo intermédio que resulta da
penetração de uma área da agricultura de subsistência por traficante, que procura vender
certos artigos trazidos de fora, por exemplo, panos, ornamentos, ferramentas, aceitando
pagamento por produtos agrícolas, e também vende o excedente da sua própria produção;
c) agricultura de dependência fundiária, aquela que o agricultor cultiva terra pertencente
a outrem, a quem está ligado por relação de subordinação pessoal. Do produto obtido, o
agricultor é obrigado a entregar uma parte ao dono da terra; d) agricultura camponesa; é
caracterizada por uma produção de base familiar e técnica tradicional, mas também, na sua
forma mais avançada, tem forte motivação para a produção de excedentes para a venda. O
camponês produz para as necessidades de auto-consumo da família, mas visa obter maior
benefício monetário possível da sua produção; e) agricultura a tempo parcial, a
actividade agrícola representa a fonte de apenas parte dos rendimentos do agricultor. É o
caso do assalariado rural, agricultor ou criador, o artesão – camponês, o operário camponês e o funcionário público camponês ou pastor; f) agricultura capitalista ou
empresarial, o tipo de agricultura governado por uma racionalidade que visa a
maximização do rendimento e do lucro e usa, geralmente, trabalhadores assalariados e
meios mecânicos e químicos para fazer altas produções; g) agricultura colectiva, que
inclui as associações e cooperativas.
As quatro primeiras modalidades podem ser consideradas fórmulas de agricultura
tradicional, embora nela se enquadrem diferentes variáveis quanto aos termos que se
procura a produção de excedentes. As duas últimas representam fórmulas da agricultura
muito racionalizada, visando em regra contínua melhoria técnica, embora com resultados
práticos de desigual interesse.
e) Terra, os pastores e os agro-pastores
Os sistemas de produção e uso e usufruto da terra no meio rural é também baseado na
pastorícia – pastores e agro pastores, - em função das características agro ecológicas e
outros factores. A mobilidade é a estratégia e característica – chave deste sistema de
produção e de vida, não somente a procura de pastagem e água, mas também um
mecanismo de maneio secularmente desenvolvido com base em factores ambientais,
sócio culturais, produtivos e económicos.
Um texto de Bem Haagsna e Jan Hardeman, sobre Desenvolvimento Pastoril na África
do Este – Factores e descobertas - escrito em Agosto de 1998, apresenta um interessante
quadro de referência e conceptual sobre a questão pastoril. Na sua abordagem, duas
grandes correntes marcam o pensamento e a prática sobre os pastores. A dos antipastores e dos pró pastores. A primeira fundamenta-se na teoria do evolucionismo, em
20
Cfr. BARATA, Óscar Soares (2002) Introdução às Ciências Sociais. p:139 - 141. 6ª Edição. Volume II. Editora
Bertrand. Chiado. Portugal.
30
que a sociedade de pastorícia de nómadas evolui naturalmente para sedentários
agricultores, isto é, passa de uma vida primitiva para outra moderna, algo inevitável e
desejável. Logo, pessoas nómadas não podem ser desenvolvidas e o sistema dos
pastores é uma forma de resistência à mudança. Para esta corrente, a sedentarização é a
condição - chave para o desenvolvimento. Por via disso, existe um preconceito e
estigma em relação aos pastores, quer nos sistemas formais e oficiais dos estados, quer
no processo de socialização nas instituições sociais e na sociedade, que são veiculadas
ideias sobre pastores em como eles são indígenas, minorias étnicas, o que resulta numa
posição de marginalidade e exclusão destes.
A segunda corrente, a dos pró pastores, defende potenciar o sistema de produção
pastoril por via da mobilidade ao invés da sedentarização. Para eles, as necessidades
expressas e o conhecimento detalhado dos pastores e do seu meio ambiente, o gado e as
condições de pastos constituem a base de qualquer intervenção. O conhecimento
externo científico e a perícia têm, quanto muito, uma função complementar.
Estas concepções determinam o tipo de intervenções, de programas e de objectivos de
desenvolvimento nos sistemas pastoris. Nesta perspectiva, existe uma abordagem
defendida por instituições multilaterais e bilaterais das Nações Unidas acerca dos
pastores, que enfatiza os aspectos da cultura dos povos indígenas, dando ênfase aos
direitos humanos, para eles prosseguirem o seu modo de vida e o seu lugar específico
dentro do domínio cultural mais diversificado e amplo. Nesta abordagem, a preservação
da sua cultura endógena, dos seus direitos territoriais ancestrais, são tidas em conta.
Esta visão foi questionada por se focalizar na questão da terra e da sua cultura e desligálo do sistema de produção dos pastores e, de igual forma, dos outros grupos. Desta feita,
esta visão reduz a questão dos pastores a um fenómeno estático e isolado.
Há uma outra concepção e prática que deriva da anterior, e parte do pressuposto de que
o aspecto cultural não é algo isolado, mas também depende de factores ambientais e do
sistema de produção dominante. Ou seja, a cultura difere em função das características
físicas e ecológicas distintas das áreas em que estas pessoas vivem. Assim, esta visão
enfatiza a importância de ver as questões pastoris, não somente do ponto de vista da
cultura e da terra ancestral, mas também dos factores económicos e políticos da sua
situação numa sociedade pluralista mais ampla. Este foco reconhece a sua situação de
exclusão e marginalização do seu modo de vida e ausência de auto determinação para
decidir os seus próprios caminhos de desenvolvimento.
Ainda há outros pensadores que desenvolveram critérios de classificação por
paradigmas e sistemas de produção, a saber: o primeiro paradigma é o da
modernização, semelhante a visão evolucionista acima referida.
O segundo é o paradigma do gado, como parte do anterior, mas defende que o sistema
de produção dos pastores é irracional e sublinha a necessidade de uma mudança
tecnológica profunda na gestão do gado – melhoramento do gado, melhor gestão do
espaço, produção de forragem, água, vacinação, ou seja, uma visão mono sectorial de
desenvolvimento e modernização. A sedentarização e os regimes de propriedade
privada são pré-condições importantes para a implementação destes paradigmas.
Todavia, a sua implantação teve sucessos selectivos em lugares ecologicamente estáveis
e houve grandes fracassos na aplicação deste paradigma, em regiões áridas semi-áridas.
Em Angola, no tempo colonial, já houve correntes de pensamento que tinham chegado a
31
esta conclusão, basta consultar as obras de Joaquim Santos, que cita Cruz de Carvalho
nas suas obras sobre terras e a questão hidro pastoril nos Gambos e Sul de Angola, sob a
égide da ADRA/ACORD21.
O terceiro é o paradigma da racionalidade, que beneficiou do influxo da ciência
ecológica, com auge nos anos oitenta, em termos de conhecimento dos sistemas de
produção pastoril e das estratégias de sobrevivência baseado na racionalidade do uso da
terra, dos pastos e no seu sistema de produção. Este conhecimento mostra cada vez mais
que os ambientes áridos e semi-áridos em que vivem os pastores são “cavidades”
ambientais particulares que precisam de desenvolvimento de sistemas locais muito
específicos de uso da terra e da produção. Estes estudos, em contextos ecologicamente
frágeis, demonstraram com base da cientificidade, a validade destes sistemas de uso e
usufruto e maneio da terra pelos pastores e, até agora, não existem melhores alternativas
cientificamente comprovadas para substituí-los.
O quarto paradigma é o do desenvolvimento social, que foi concebido com base no
paradigma racional, defendido sobretudo por actores das Organizações Não
Governamentais (ONG's), académicos, que embora não estejam totalmente despidos de
certos preconceitos da suposta irracionalidades dos sistemas de pastores, eles seguem a
via multi-sectorial mais ampla de desenvolvimento, em direcção à integração dos povos
pastores na sociedade nacional como sendo seu principal foco. Esta nova racionalidade
é também designada de eco – racionalidade, que liga melhor os valores intrínsecos do
sistema de produção dos pontos de vista apoiados pelos próprios pastores e oferece
melhores oportunidades para restaurar e adoptar o sistema de produção pastoril na sua
constante procura de desenvolvimento e melhoria. Todavia, deve-se ter em conta que o
novo eco paradigma também tem as suas limitações. Por exemplo, não se deve descurar
o ambiente político, ideológico e económico mais amplo, que pode ser hostil ou
desfavorável aos pastores.
Em Angola, as sociedades de pastores e agro-pastores estão inseridos no contexto sócio
económico e também chamado de complexo de ordenha do Sul de Angola. Este sistema
se estende desde o Sudeste de Angola até à região de Benguela e tem como principal
fonte de rende a criação de gado bovino e caprino. Quanto mais à Sul do país em
direcção ao deserto, maior é a fragilidade ecológica e maior é a predominância de
populações de feição eminentemente pastoril.
Na literatura do nosso país, há uma obra-prima e inédita sobre os pastores em Angola,
escrita por Rui Duarte de Carvalho -“Aviso à Navegação”, - que aborda a questão
pastoril a partir dum estudo sobre os povos Kuvale, um povo pastor do Sul de Angola.
Neste livro, o autor chama atenção à questão pastoril em relação a concepções e práticas
que defendem a mera, simplista e errada política de sedentarização destas populações,
tal como já foi criticado por autores do tempo colonial, como, por exemplo, nas obras
de Cruz de Carvalho, citado por Joaquim Gonçalves como já acima referido, cujo
pensamento é ainda retomado por Júlio de Morais e José Correia, na sua obra de 1993
“A Região Agro Pastoril do Sul de Angola, ACORD – ADRA, Lubango”. Adicionamse ainda vários trabalhos de Joaquim Santos, um eminente estudioso das questões hidro
pastoris do Sul de Angola.
21
Cfr. ADRA/ACORD (1996) Relatório do Workshop sobre “a Terra e o Poder”; Maneamento – (Range
Management) dos espaços pastoris Lubango/Angola.
32
2. A EVOLUÇÃO FUNDIÁRIA E DA LEGISLAÇÃO EM
ANGOLA
a) O primeiro “choque” simbólico sobre terras entre o colono e o
autóctone
Quando chegaram os colonos, deu-se o primeiro “choque” de paradigma, de sistema, de
filosofia, entre os valores e as visões do mundo europeu e os valores e as visões dos
africanos. Por um lado, a noção de espaço que parte duma construção interna, “a dos de
dentro” realizada em função das suas necessidades. Por outro lado, a noção de espaço e
a visão “romana”, “ a dos de fora”, dos europeus, que privilegiava um paradigma de
limites e de superfície, contrário ao sistema dos africanos. Um confronto entre os
direitos individuais e dos direitos colectivos, cujos efeitos e lógicas ainda são
confrontados até hoje, passados cinco séculos22.
b) A resistência à penetração e ocupação colonial
As populações autóctones resistiram à ocupação e à penetração colonial através dos
Estados e suas chefias políticas africanas. Os historiadores angolanos defendem que o
período entre finais do século XIX e princípio do XX, corresponde à fase de efectivação
da ocupação colonial, resultados das campanhas militares e consolidação do poder
colonial. Nesta altura, estabeleceram-se os procedimentos e mecanismos de regulação
da terra - distinção entre as terras indígenas e as terras do Estado. Neste ambiente, dá-se
a ocupação abusiva de terras das populações locais, gerando conflitos de terras entre as
populações e a administração portuguesa.23
c) As tentativas de adaptação da ocupação e a dominação
colonial
Como forma de adaptação da ocupação e da dominação colonial, em 1919, se
estabelece, em Angola, uma legislação que reconhecia a existência de terras para uso
exclusivo das populações autóctones. Uma suposta pseudo protecção dos interesses das
populações locais. A esse respeito, Pacheco (2001) afirma que
...a legislação portuguesa reconhecia desde as primeiras décadas do século XX o
direito dos “indígenas” desfrutarem de terras para agricultura e habitação de
acordo com os seus usos e costumes, mas não lhes reconhecia o direito de
propriedade.
José Negrão (2002) aborda esta questão na seguinte perspectiva:
22
Textos avulsos de Paulo Grop da FAO, citado por SANTOS, Guilherme (2006). A Experiência da ACORD nas
Questões de Terra em Angola.
23
Cfr. PACHECO, Fernando. (2002). A QUESTÃO DA TERRA PARA FINS AGRÍCOLAS EM ANGOLA. Texto
elaborado para a FAO Angola.
33
as administrações coloniais caracterizaram-se, numa determinada época, pela
adopção de paradigmas de modernização e seus modelos dualistas de divisão da
terra entre grandes empresas orientadas para o mercado e as reservas indígenas
para a produção de alimentos que garantiam a produção da força de trabalho.
Apesar da legislação acima referida, como a natureza do regime colonial baseava-se na
discriminação com base na raça, no status e na dimensão sociológica - negros e brancos,
assimilados e indígenas, tradicional e moderno, rico e pobre, cristão e pagão, uma visão
apoiada ideologicamente ao darwinismo social, o processo de espoliação forçada de
terras dos agricultores autóctones continuou, estimulado pelo surgimento dum ambiente
favorável de prática das culturas de rendimento - café, sisal, algodão, cujos preços no
mercado internacional eram altos.24 O surgimento de conflitos violentos no século
dezanove e vinte entre camponeses e o sistema empresarial dos colonos pela posse da
terra, tinha como desfecho o recurso à força, a repressão seguida de actos
administrativos, a lei por parte da administração do Estado, que terminava com a
acomodação sob forma de coerção – submissão.25
d) As tentativas que surgiram para resolver o problema
Em 1961, sob pressão interna, através da eclosão da luta de libertação nacional e
pressão externa por outros países e organizações internacionais, por causa da sua
política colonial - de repressão, de racismo e de exclusão, o Governo português
estabelece o Regulamento da Ocupação e Concessão de Terras nas Províncias
Ultramarinas, aprovado em Setembro de 1961. Essa legislação distinguia três classes
das chamadas terras “vagas”: as da 1a classe, povoações incluindo subúrbios; as da 2a
classe, ocupadas pelos camponeses africanos; as da 3a, consideradas vagas, podendo ser
concedias. A legislação, que tinha por objecto a protecção dos interesses das populações
autóctones, acabou por favorecer os interesses económicos dominantes da colonização
em detrimento das populações.
A luta de libertação nacional acima referida, entre outras, assentava na mobilização
política dos angolanos em torno da retórica revolucionária e da ideologia da reforma
agrária. Neste sentido, a expropriação de terras e outras formas de exploração do mundo
rural angolano estiveram entre as principais razões de ressentimento contra o poder
colonial26.
24
Cfr. PACHECO, Fernando. (2002). A QUESTÃO DA TERRA PARA FINS AGRÍCOLAS EM
ANGOLA. Texto elaborado para a FAO Angola.
25
Artigo Sobre questões de conflitos de terras de CEBOLA, António (2004) publicado no Jornal Amigo
do Fundo de Apoio Social (FAS) citado por SANTOS, Guilherme (2006). A Experiência da ACORD nas
Questões de Terra em Angola.
26
Cfr. NETO, Maria da Conceição (2003). PODER LOCAL E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS, "O
PODER LOCAL E A PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES NA GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS
(SOLO E SUBSOLO) – NOTAS PARA REFLEXÃO". Workshop organizado pela REDE TERRA – Luanda, 08 de
Julho de 2003.
34
e) A evolução do processo de modernização na colónia
A redução das graves e profundas assimetrias geradas pela colonização, iniciadas em
1961 pelo regime português - corrida às terras por parte dos colonos - e em detrimento
das populações locais, o crescimento económico,.. provocaram uma nova configuração
fundiária que determinou o surgimento da Lei de Terras do Ultramar (Lei nº 6/73).
f) A independência, a guerra e o socialismo
Em 1975, dá-se a independência num ambiente de conflito armado, instaura-se o
sistema político socialista, os camponeses recuperam uma parte das suas antigas terras
com a retirada precipitada e em debandada dos portugueses. A outra parte das terras foi
integrada nas empresas do Estado por via de confisco ou de nacionalização e também
constituídas em cooperativas. A independência de Angola e o sistema político que se
estabeleceu em Angola naquela altura não estabeleceu uma lei de terras específica e,
naquele contexto, não se colocavam problemas de conflitos ou disputas de terras.
g) A queda do modelo socialista e a economia de mercado
Em final dos anos 80 e começo de 90 dá-se a mudança de natureza política para o
multipartidarismo e orientação económica de economia de mercado. São feitas reformas
profundas para adaptar ao novo sistema político e económico, num contexto de fim da
guerra civil, em 1990. É neste ambiente que é aprovada a Lei 21-C/92, a primeira Lei de
Terras de Angola independente, que dava direito aos angolanos de obter títulos de
concessão do uso e usufruto de terras para fins agrícolas, desde que tais terras não
fizessem parte do território pertencente às “comunidades”27. Dá-se então o começo da
privatização das propriedades do Estado, incluindo as fazendas agro-pecuárias
abandonadas pelos colonos, mesmo as que tinham sido retomadas pelas populações
depois da fuga dos colonos portugueses, em 1975.
h) A efectivação da privatização de terras
Tal processo de cedência e/ou privatização ocorre na base do mesmo modelo colonial
de concessão, registo e cadastro, agora para os “novos donos”, sobretudo a elite
“urbana”, seja política, económica e militar, ou ainda aqueles que gravitam à volta
destes. Dá-se, então, uma verdadeira corrida às terras, surgiram os “caçadores de terras”
no dizer de Joaquim Russo, citado por Katiavala.28
O fim do conflito armado, em 2002, aguçou os apetites e a ambição desmedida, sem
ética, nem responsabilidade social e humana na usurpação de terras. Primeiro farejavam
terras, depois começaram a caçar terras e agora estão assaltar terras, algumas vezes de
forma impiedosa e feudal. Passaram a ter muito mais terra do que a necessária e viraram
27
Cfr. PACHECO, Fernando. (2002). A QUESTÃO DA TERRA PARA FINS AGRÍCOLAS EM ANGOLA. Texto
elaborado para a FAO Angola.
28
Cfr. CESD – Centro de Estudos Sociais e Desenvolvimento (2005) A Questão da Terra – Ontem e
Hoje. Luanda.
35
latifundiários improdutivos. Para além de “empresários agrícolas ausentes”, emergem
agora os fazendeiros de fim-de-semana, os fazendeiros de “Páscoa’’ ou de “fim do ano”
ou aqueles que têm fazendas como coutadas de caça.
No meio desta agressividade e concentração fundiária na mão de uns poucos e
precariedade fundiária por parte da maioria esmagadora dos angolanos, ainda há aqueles
que se preocupam com a legalidade e com a responsabilidade social.
i) O ressurgimento de conflitos de terras
É na conjuntura acima referida que surgiram os primeiros conflitos entre os camponeses
e os “novos donos”. Ironia da história! A repetição do passado e o ressurgimento de
novos “colonos”. Um pouco por todo lado, sobretudo nas regiões sensíveis quanto à
presença de antigas fazendas entregues aos “novos donos”, ocorrem tensões e conflitos.
O caso mais mediático foi na região dos Gambos, na província da Huíla, conflito entre
fazendeiros e comunidades de pastores e agro - pastores criadores de gado. Mas houve
outros conhecidos e desconhecidos pelo país adentro.
Neste mesmo período, desenvolve-se, em Angola, o terceiro sector ou as Organizações
da Sociedade Civil, que se propunham contribuir para o desenvolvimento das
comunidades e com as comunidades, incorporaram uma abordagem sócio política de
questionar o staus coo. Notabilizam-se na sensibilização das comunidades rurais e
urbanas, na defesa dos seus interesses fundiários, promoveram organização comunitária,
a educação jurídica, a pesquisa sobre terras, o debate e a advocacia social em favor das
comunidades, chamando atenção a quem de direito sobre os riscos da actual tendência
de concentração fundiária na mãos de poucos e repetição do erros cometidos no tempo
colonial. Estas novas formas de trabalhar o social e as evidências de conflitos que
ocorriam, levaram o Governo de Angola a propor uma nova Lei de Terras, que veio a
ser aprovada em 2004, com a participação das Organizações da Sociedade Civil.
j) A nova Lei de Terras
Finalmente, a nova lei é aprovada e a discussão teve grande envolvimento da Sociedade
Civil, mas sem garantias de que as suas propostas seriam tidas em conta como
aconteceu no final. Algumas propostas que foram feitas pela Sociedade Civil não foram
incluídas na nova lei, mas as outras sim. Há um consenso em como a nova lei é
claramente melhor do que a anterior e consagra os seguintes princípios: propriedade
originária da terra pelo Estado; transmissibilidade de terrenos integrados no domínio
privado do Estado; aproveitamento útil e efectivo da terra; taxatividade; respeito pelos
direitos fundiários das comunidades rurais; propriedade dos recursos naturais pelo
Estado e reversibilidade das nacionalizações e dos confiscos. Os tipos de propriedade
previstos na lei são: o Direito de propriedade privada (é o direito mais forte, se o
governo precisar construir uma estrada pode retirar a população porque os interesses
públicos sobrepõem-se aos individuais; o Domínio útil consuetudinário (tem uma
particularidade porque é gratuito e é perpétuo, salvo se as comunidades, por sua livre
vontade, se retirarem das suas terras, perdendo este direito; o prazo da delimitação vai
até o ano 2010; Domínio útil civil; Direito de superfície (pode usar e fruir, mas não
pode dispor, pode alugar, mas não pode vender, paga uma taxa ao Estado num espaço
36
de tempo não superior a 60 anos); Direito de ocupação precária (não pode fazer obras
definitivas, estaleiro temporário e ao sair de um espaço, deve ser deixado nas condições
em que foi encontrado.
3. AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E A CONSTITUIÇÃO
DE ANGOLA
Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais prevêem que os Estados são as entidades
que ratificam os tratados legais a nível internacional. Por isso, são estes que têm a
obrigação de respeitar e fazer cumprir os Direitos Humanos. Angola ratificou o Pacto
Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), em 1992.
Esse Pacto define o que são os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (DESC), o que
constitui uma violação e o que são as obrigações dos Estados membros.
Angola deve respeitar, proteger, promover e cumprir os DESC, de uma maneira
progressiva. Isso quer dizer que Angola não pode violar esses direitos sem justificações
ou fugindo às regras, devendo, sim, proteger os cidadãos contra violações dos seus
direitos por outras partes, assim como criar os mecanismos jurídicos que permitam às
pessoas protegerem-se. O Estado deve também organizar os planos necessários para, a
nível local e nacional, melhorar o acesso à água potável, à alimentação, à habitação
condigna, a serviços de saúde satisfatórios29. Nos DESC, a dimensão dos direitos
económicos incluem os direitos fundiários de pessoas individuais, colectivas e
comunidades locais.
As demolições e os desalojamentos forçados são incompatíveis com requisitos do pacto
Internacional dos DESC. Em 1976, a Conferência das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos definiu que só se deveria iniciar operações importantes de
evacuação quando as medidas de conservação e de reabilitação não são viáveis e se
adoptem medidas de recolocação.
A Estratégia Mundial de Habitação até o ano 2000, aprovado pela Assembleia-Geral da
ONU, na sua resolução 43/181, de 1988, estabelece a obrigação fundamental dos
governos de proteger e melhorar as casas e os bairros em lugar de prejudicá-los ou
destruí-los.
O Artigo 15º da Constituição de Angola aborda a questão da terra nos seguintes termos,
no seu ponto 1: A terra, que constitui propriedade original do Estado, pode ser
transmitida para pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e
efectivo aproveitamento, nos termos da Constituição e da Lei. 2. São reconhecidas às
comunidades locais o acesso e uso das terras nos termos da lei. No artigo 37.º, referente
ao Direito de propriedade, requisição e expropriação, a Constituição de Angola refere
no seu ponto 2 o seguinte: A todos é garantida a propriedade privada e sua transmissão.
O Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais das pessoas singulares,
colectivas e das comunidades locais só sendo permitida a requisição civil temporária ou
29
Cfr. Murielle Mignot, Francisco Pedro e Bernardino Cuteta. Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais: Direitos
do dia–a–dia. Revisão Ana Maria faria, Com base nos textos oficiais de Direito Internacional sobre os DESC. OSISA,
Open Society Initiative for Southern Africa. Concepção e elaboração no quadro do Projecto RECI-DESC. Apoio da
Embaixada dos Países Baixos. 2008. Angola.
37
expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da
Constituição e da lei.
4. RESULTADOS DA PESQUISA
Neste capítulo, é feita a caracterização das províncias e dos municípios na base da
pesquisa documental e das respostas dos questionados, bem como nas constatações,
percepções e observações feitas no terreno, começando, a prior, pela caracterização
fundiária do país.
A descrição e análise são feitas em função da realidade de cada província e município e
até referências de localidades que serviram de amostras dos municípios. Primeiro, é
feita uma caracterização de cada província. Segundo, uma caracterização também de
cada município em diferentes aspectos. Terceiro, um breve enquadramento das
localidades onde foram realizadas as entrevistas, os grupos focais e as observações. Em
quarto lugar, são descritos e analisados os níveis de conflitualidades já referidos e uma
análise das formas de resolução destes conflitos.
Os conceitos de eixos de conflitualidade são usados em diferentes níveis, ou seja,
diferendos ou conflitos na família, entre famílias na mesma comunidade, entre
comunidades, entre interesses privados e interesses das comunidades, entre interesses
públicos e interesses das comunidades, entre interesses de privados e entre interesses
privados e interesses públicos.
4.1.
CARACTERIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ANGOLA
No contexto de Angola, há várias formas de classificação fundiária, e aqui pretende-se
dar uma imagem acerca de alguns destes critérios. Na classificação feita por Júlio de
Morais,30 podemos identificar, em termos de sistema de usufruto da terra e do território,
os seguintes:
O primeiro é o sistema agrário, com base em culturas anuais, em rotação com pousios
mais ou menos longos para a recuperação natural do fundo de fertilidade através da
regeneração do coberto vegetal e integrando ou não culturas permanentes. Nesta
categoria, encontramos as características da maioria parte ou mesmo toda região do
Planalto Central de Angola.
O segundo é o sistema agro pastoril, de sócio economia assente no gado, sendo a
produção agrícola de cereais voltada, principalmente, para o auto consumo, mas, em
alguns casos aparecendo também a comercialização importante de excedentes. Nesta
categoria estão as regiões do Sudoeste de Angola, que englobam as províncias da Huíla,
Namibe, Cunene e Sul de Benguela.
30
Cfr. MORAIS, Júlio. Os ante-projectos de leis de terras e do ordenamento do território na perspectiva do meio
rural, Seminário sobre as Terras e o Direito, Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Setembro de
2002.
38
O terceiro é o sistema com a socioeconomia apoiada na agricultura para auto
consumo e forte participação da recolecção. Neste último, estão enquadradas as
regiões do Leste, Sudoeste e Nordeste de Angola.
Quanto ao critério de regime de propriedade da terra, podemos encontrar características
gerais e, nelas, uma complexidade de situações específicas e peculiares, determinadas
por factores da mudança social. Por exemplo, existe o direito geral de utilização da terra
e o direito específico de utilização da terra. O regime de propriedade comunitária da
terra e o regime da terra privatizada. Neste último, a terra aluga-se, empresta-se, herdase, hipoteca-se, enfim, a terra é um mercado. Há ainda o regime de transição, em que
prevalece tanto a propriedade comunitária, como a privada. Em cada uma destas
encontramos casos que os distinguem e os diferenciam.
Em termos de posse e ocupação da terra pelas comunidades, podemos encontrar
diversas situações, como as comunidades que permaneceram nas suas áreas de origem,
as populações deslocadas que regressaram às suas terras de origem, as populações que
se fixam e organizam as suas vidas em novas áreas, as populações que se estabelecem
em comunidades diferentes daquelas de sua área de origem e as populações que
permanecem nas áreas onde procuraram refúgio no passado.31
Há, ainda, aqueles que, em termos fundiários, obtiveram títulos de propriedade de terra
no tempo colonial por via da lei positiva, possuindo, hoje, o direito de posse e
propriedade, aqueles cujas terras são regidas pelo direito costumeiro há séculos, nunca
abandonaram o país, e os seus direitos de propriedade não são reconhecidos pela lei
positiva. Outrossim é a questão dos retornados nas diferentes categorias, isto é,
agregados sem terra, retornados extremamente vulneráveis, retornados pobres e sem
terra; retornados sem terra capazes de construir suas residências no espaço de dois anos
32
.
Na base do critério de grupos técnico - económicos, ou de sistemas de produção,
existem, no Sul de Angola, os pastores com mais de 90% dos rendimentos provindos da
criação do gado (bovino e caprino) e os agro-pastores, que combinam os dois sistemas
de produção acima. Tanto os primeiros como os últimos são nómadas, semi-nómadas ou
os que praticam a transumância em forma circular, ou linear de curta, média e longa
duração e distância, dependendo da estiagem ou secas cíclicas. O maneio não é feito
somente em busca de pasto e água, mas sim, um mecanismo de mobilidade virtual, cujo
critério é eminentemente social, cultural e ambiental, adaptado à fragilidade ecológica.
Além destes pastores e agro-pastores, existem os grupos de agricultores, diferenciados
em várias categorias, níveis e lógicas de produção, rendimento e consumo, que vão
desde uma agricultura aberta ao mercado, a uma prática virada mais para o auto
consumo. Por fim, o grupo que combina diferentes sistemas de produção, a agricultura
de pequena escala, a pesca, a recolecção e a caça etc.
31
Cfr. MORAIS, Júlio.- Os ante-projectos de leis de terras e do ordenamento do território na perspectiva do meio
rural, Seminário sobre as Terras e o Direito, Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Setembro de
2002.
32
Cfr. Jesuit Refugee Services (2007) Estudo Sobre a Terra e Reintegração Social dos Retornados: o Caso do
Moxico.
39
Do ponto de vista dos eixos de conflitualidade, na questão fundiária, podemos
identificar situações de conflitos entre os fazendeiros e os agricultores; entre os
fazendeiros e os pastores ou agro pastores que vêm as suas rotas de transumância, as
linhas de travessia, os pontos de abastecimento de água, os seus espaços virtuais de
pastagem a serem usurpados ou desvirtuados; os conflitos entre os sistemas de produção
de comunidades de pastores ou agro pastores e os sistemas de produção dos
agricultores, em lugares onde os dois sistemas se cruzaram em busca de segurança por
força da guerra. Esse choque e incompatibilidade de sistemas de produção antagónicos
gerou conflitos de terras; os conflitos de terras intra familiares e inter comunitários, os
conflitos de terras na óptica do género, sobretudo a herança pela mulher; os conflitos
entre cidadãos e os interesses públicos ou ainda a violação de direitos feitos pela
administração do Estado à revelia da lei e por violação simbólica.
A caracterização fundiária pode ser vista também em função da representação social da
terra, quando se refere ao saber do senso comum das populações, que permite
compreender as relações que o homem estabelece com a terra e que condicionam os
sistemas de produção e os modos de vida.33 A representação social, sendo a imagem ou
o conceito que o habitante, o agricultor, o agro pastor, o pastor ou o
agricultor/pastor/recolector tem da terra e sua atitude para com ela. Assim, existem
distinções e diferenciações de representação social da terra nos diferentes contextos e
realidades fundiárias ou sistemas de produção acima referidas; os pastores, os
agricultores, os recolectores/agricultores, no meio urbano e suburbano, etc. Mesmo nos
sistemas agrícolas ou de pastores, os factores relacionados, os sistemas de posse, uso e
usufruto da terra, os tipos de propriedade dominantes, a maior ou menor pressão
demográfica sobre a terra e outros recursos naturais, a fertilidade dos solos e o seu valor
económico determinam as representações sociais da terra.
Em termos económicos, quanto às terras agrícolas, os estudiosos concordam como
sendo as qualidades que determinam conjuntamente o valor da terra, principalmente a
fertilidade e a localização.
4.1.1. CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DE BENGUELA
A província de Benguela divide-se em nove (9) municípios e 27 comunas. É habitada
por cerca de 2 milhões de pessoas, dos quais cerca de 46% têm menos de 15 anos. A
população do Lobito representa 38% do total da população da província e a de Benguela
representa 24% da população total da província. A província abrange uma área de
39.826,83 Km2, o que corresponde 3.19% do território nacional. Situa-se na zona
centro/oeste do país e confinado, a Norte, com a província do Kwanza Sul; a Leste, com
a do Huambo; a Sudeste com a da Huíla; a Sudoeste com a do Namibe e a Oeste com o
Oceano Atlântico. A densidade populacional é de 48.4 habitantes por Km2. O clima da
província varia bastante: é quente e seco na faixa litoral e de tipo mesotérmico, na faixa
interior subplanáltica, com regime hídrico moderadamente chuvoso. A temperatura
máxima é de 34.0º, a média é de 24.2º e a mínima é de 10.4º. A humidade relativa
média é de 79% e a precipitação média anual é de 268 mm.
33
Cfr. PACHECO, Fernando. (2002). A QUESTÃO DA TERRA PARA FINS AGRÍCOLAS EM ANGOLA. Texto
elaborado para a FAO Angola.
40
Em termos de zonas agrícolas, a província de Benguela integra várias zonas: A zona
agrícola 22 e 29, Litoral Sul, que abrange a faixa litoral. Esta zona agrícola se situa à
Sul e Sudoeste do território angolano, compreende a orla baixa costeira de vasta
superfície interior. No extremo fronteiriço inflecte para Leste, ao longo do rio Cunene.
Os seus limites são em quase toda a sua extensão naturalmente bem definidos. Os solos
predominantes são os Arídicos Pardos. No aspecto agrícola há a atender que as áreas de
possível utilização agrícola são muito restritas, confinadas as manchas aluvionais dos
rios que somente se definem expressivamente em plena orla costeira. Estes lugares são
privilegiados e sobre o seu potencial agrícola são oásis verdes, susceptíveis a
proporcionar elevadas produções unitárias, desde que a exploração agrícola possa
apoiar-se no regadio. Tem abundantes aquíferos que ocorrem na maior ou menor
profundidade. Alguns dos mais importantes núcleos de culturas regadas do território
angolano estão estabelecidos nesta zona agrícola: cana-de-açúcar nas baixas de aluviões
(no tempo colonial) no vale de Catumbela, Cavaco e Coporolo. Palmeira e dendém no
vale do Balombo, Cubal da Anha e Coporolo. Bananeira no vale do Cavaco e Cubal da
Anha.
A zona agrícola 23, transição Planalto e Oeste, que abrange parte do município do
Cubal do Lumbo, a Norte, e flectindo para Sul, passando por Monte Belo, Tumbulo,
Cubal, Caimbambo, Ganda até a Hanha, a Sudeste, ou seja, é a zona da faixa intermédia
entre o litoral e o Planalto Central. Na medida em que se desce do Norte da zona para
Sul, a região é cada vez mais de feição pastoril. No tempo colonial, a zona foi marcada
por um desenvolvimento da pecuária mais a Sul e também agricultura empresarial em
toda área, com base na cultura do sisal, que dava bons rendimentos no mercado
internacional. Nos anos seguintes, com a queda no preço desta fibra - o sisal, o sector
procurou adaptar-se às culturas de algodão, tabaco, girassol e ananás. As culturas de
rendimento foram a fonte de usurpação violenta de terras das populações que as
recuperam depois da independência. A guerra paralisou o tecido produtivo do país e a
recuperação começou efectivamente em 2002, com o fim do conflito armado, em que se
verificam disputas de terras entre as comunidades e os novos fazendeiros, cujas terras
têm sido cedidas àqueles últimos pelo Governo, no modelo e cadastro do tempo
colonial. Hoje, as populações praticam agricultura de subsistência e excedentes para o
mercado, sobretudo de culturas alimentares – milho, feijão, hortícolas, amendoim e
ananás. Na parte mais a Norte desta região, aumentam os efectivos bovinos para tracção
e reprodução.
A Zona Agrícola 24, Planalto Central, em Benguela, abrange o município do Balombo,
habitada maioritariamente pelo grupo étnico linguístico Ovimbundu, cuja actividade
principal é agricultura condicionada aos reduzidos níveis de fertilidade pouco favoráveis
às culturas usualmente praticadas. Esta situação foi agravada ao longo dos anos por
excesso de uso das terras, derivada, entre outras, da elevada densidade e pressão
demográfica sobre os recursos como a terra e as florestas, o aumento das áreas de
cultivo pela introdução da tracção animal. É por isso que até o sector camponês familiar
usa bastante os fertilizantes químicos, na agricultura, para fertilizar os solos.
A Zona Agrícola 27, Quilengues, que abrange parte do município do Chongoroi, com
duas feições agrárias: a pastoril, praticada pelas populações locais; a agricultura de
subsistência que, no passado colonial, foi marcada pela presença de fazendas de tabaco.
41
O grupo sócio linguístico dominante é o Nhaneka Nkumbi, e o povo mais expressivo é
o Muquilengue.
Os solos apresentam índices de fertilidade variáveis com algumas reservas minerais na
faixa litoral que vai diminuindo à medida em que se avança para o interior, sobretudo
para a zona mais oriental, dominada pelas formações planáticas. São maioritariamente
solos aluvionais, calcários, barros e solos fersialíticos tropicais. A potencialidade
agrícola é devido à estrutura não somente dos solos, mas também das condições
hidrográficas do seu território. Dos 39.826,83 Km2 de área total, cerca de 1 milhão de
hectares são terras favoráveis ao desenvolvimento de actividade agrícola. As principais
culturas são: banana, milho, sorgo, bata rena, bata doce e, antigamente, sisal, café,
algodão, palmares, abacaxis, ananás, feijão, mandioca, hortícolas, citrinos, manga,
tabaco e cana-de-açúcar.
Na campanha agrícola 2006 e 2007 foram cultivados cerca de 280 mil hectares de terra
em toda província, sendo predominantes as culturas de milho, sorgo, feijão amendoim
tubérculos, raízes, hortícolas e banana. Desta área, aproximadamente 270 mil hectares
foram lavradas por agricultores tradicionais, designadamente 220.662 famílias, mais
25.652 comparativamente à campanha agrícola anterior. A restante área foi trabalhada
por 44 pequenos agricultores do sector empresarial.
Em termos fundiários do Programa Nacional de Habitação para a província de
Benguela, foram aprovadas pelo Governo as Reservas Fundiárias da Graça, em
Benguela, e do Alto Lobito (também conhecida por Alto Liro), Baixo Lobito, também
conhecida por Cabaia, e da Catumbela - situada no Luongo, todas no Lobito. A
definição das reservas tem como objectivos materializar a política do Estado de
melhorar as condições de habitabilidade e de diminuir o défice de habitações que
respondam às necessidades dos cidadãos de vários estratos sociais. Com isso, pretendese contribuir para a satisfação das necessidades de habitação para as populações que
vivem em habitações precárias ou em zonas de risco e das populações que estão em
zonas de requalificação urbana. As reservas são áreas para construção imobiliária
dotadas de infra-estruturas sociais, económicas e administrativas do Estado, e ainda para
dar cobertura às solicitações na área do turismo, do comércio e de oferta de serviços.
a) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO BALOMBO
Características gerais
O município do Balombo situa-se a 182 Km da cidade Capital de Benguela, na parte
Nordeste da província. Faz fronteira com o município de Cassongue (Kwanza Sul) a
Norte; com o município de Londuibali (Huambo) a Este, com o município da Ganda
(Benguela) e Tchinjenje (Huambo) a Sul; e a Oeste com o município do Bocoio.
Balombo tem uma superfície de 2.665 Km2 e uma população estimada em 108.527
habitantes, representando uma densidade populacional estimada em 38,86 habitantes
por Km2. O município divide-se em 4 Comunas, sendo: Comuna Sede, Comuna de
Chidumbo, Comuna de Chigongo e a Comuna de Maka-Mombolo.
42
O município é atravessado por uma estrada principal (asfaltada) que liga as províncias
de Benguela e Huambo, que é de maior relevância na vida socio-económica das
populações locais.
De acordo com a classificação mesológica de Angola34, o Balombo faz parte da Zona
agrícola 24 e apresenta um relevo bastante acidentado, com predominância de serras
e/ou montanhas. O clima é húmido de transição, e a média das precipitações varia entre
1100 a 1400 mm por ano, com duas estações chuvosas (8 meses) e seca / cacimbo (4
meses). As médias anuais de temperaturas máximas oscilam entre os 25ºC e 27ºC, com
valores mais elevados no período seco e as médias das temperaturas mínimas anuais
variam entre 11ºC e 13ºC, com valores mais baixos no tempo seco.
O município é predominantemente habitado pelas populações do grupo etnicolinguístico Umbundu, cuja actividade principal é a agricultura e pecuária, ligada
essencialmente à agricultura (gado de tracção e caprino). A pecuária é feita em regime
extensivo e tem vindo nos últimos anos a tomar certa expressão, principalmente no
sector empresarial, com maior incidência na Comuna de Maka-Mombolo.
Características sócio-económicas
A principal actividade económica da população é a agricultura, sendo que as principais
culturas para a sobrevivência são o milho, o feijão, a batata-doce e a mandioca.
Actualmente, o feijão, o ananás, a ginguba e a mandioca constituem as culturas de
maior rendimento, cujos potenciais mercados são Lobito e Luanda. Devido ao conflito
armado, os rebanhos estão em fase de reconstituição, pelo que já é visível a existência
de currais e gado nas aldeias. As lavouras são feitas, na maior dos casos, com tracção
animal e, portanto, as áreas das lavras tendem a aumentar. Segundo a EDA, no
município, a média das extensões das lavras no sector camponês aumentou de 1 hectare
para 3 hectares.
Ainda de acordo com a EDA e a UNACA, o município controla cerca de 250 fazendas,
das quais 125 datam desde a era colonial. Do número total de fazendas, apenas 20 estão
legalizadas e em pleno funcionamento. A fazenda mais pequena tem uma área de cerca
de 30 hectares, enquanto a maior com uma área entre 5 a 6 mil hectares. Existe, no
município, 41 associações de camponeses e 9 cooperativas agrícolas. A comuna de
Maka-Mombolo é que apresenta maior potencial para o sector empresarial, dedicado à
pecuária em sistema de pastorícia, dadas as características fisiográficas (anharas) que
apresenta, favoráveis à prática de pastorícia extensiva.
O município é rico em paisagens naturais atractivas, com um futuro turístico promissor,
apesar dos investimentos neste domínio serem ainda bastante incipientes. As águas do
Kota-kota35, já exploradas desde a era colonial, apesar do estado de degradação da infra
estrutura, constituem um dos maiores atractivos dos banhistas do município e não só.
Sistemas de produção
34
Cfr. DINIZ, A. Castanheira. (1973). CARACTERÍSTICAS MESOLOGICAS DE ANGOLA. Nova
Lisboa, Angola.
35
Águas térmicas – quente.
43
Como acima referenciado, a agricultura é a principal actividade económica do
município, sendo exercida de forma individual (famílias camponesas), colectiva
(associações e cooperativas de camponeses) e empresarial (fazendas). As terras
apresentam um reduzido nível de fertilidade intrínseca aos solos e aos condicionalismos
ecológicos pouco favoráveis às culturas usualmente praticadas. Diante destes
condicionalismos, as famílias camponesas exploram, ao longo do ano, três tipos de
lavras, sendo as lavras do alto, “ongongo”, as dos fundos dos vales ou baixas “onaka” e
as da bordadura das baixas “ombanda”. Para além destas, exploram ainda os locais das
antigas residências “elunda” e os espaços à volta da habitação, cujos solos estão
enriquecidos pelas acumulações orgânicas “o otchumbo”.
O movimento associativo e cooperativo, apesar de ainda incipiente em termos de
volumes de produção e nível organizativo, gravita, em geral, à volta de terrenos
colectivos talhados ou não por famílias. Este modelo, não tem ajudado bastante o
rendimento das famílias, servindo principalmente como oportunidade para ter acesso à
imputes agrícolas.
No sector empresarial, as potencialidades agrícolas apontam principalmente para a
produção de hortícolas, com maior relevância para o ananás, cujo potencial mercado,
como já referido, é Luanda.
A actividade pecuária a nível familiar é considerada de complementar à produção
agrícola, traduzindo-se na criação de gado bovino para tracção animal e reprodução,
caprino, suíno e galináceas. No nível empresarial, a actividade pecuária é basicamente
embrionária, traduzindo-se em pequenos rebanhos em crescimento e afirmação.
A exploração do carvão pela população local, principalmente aquela que se localiza ao
longo da estrada principal, assume também grandes dimensões. São visíveis, ao longo
da via, grandes quantidades de sacos de carvão que são vendidos localmente ou
transportados para a cidade do Lobito.
Caracterização institucional
O município do Balombo faz parte da Categoria C, de acordo o Decreto nº. 9/08 de 25
de Abril36, que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. Tem constituído o Conselho de Auscultação e
Concertação Social (CACS), onde estão representadas várias instituições como Igrejas,
ONG’s, sector empresarial, associações, dentre outras.
Em termos de ONG’s internacionais e nacionais, já intervieram no município a HELLO
TRUST, uma ONG britânica de desminagem; a GVA, uma ONG italiana; a Acção
Agrária Alemã (AAA); a Visão Mundial, Cristion Relief Service (CRS); a Associação
das Irmãs de Caridade (Vicentinas); a Organização Humanitária Internacional (OHI).
Recentemente foi criada a Associação dos Amigos e Naturais do Balombo (ANAB). As
principais Igrejas representadas no Município são a Católica, a Igreja Evangélica
Congregacional de Angola (IECA), a Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA) e a
Igreja do 7º Dia, para além de outras.
36
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das
atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais.
44
O poder tradicional (autoridades tradicionais) é constituído por 167 sobas e igual
número de seculos, distribuídos por 33 “Ombalas” e 134 aldeias. Destaca-se nesta
estrutura o Regedor Municipal e Regedores Comunais, os Sobas Gerais, também
chamados de “Soba Grande”, os Sobas de Embalas e os Sobas de Aldeias.
As localidades e instituições de trabalho
No município do Balombo foram mantidos encontros com a Administração Municipal
(Administradora Adjunta) e respectivas repartições, nomeadamente a Área Produtiva e
o CDI, a EDA, e a UNACA. Foram realizados 2 encontros com as Organizações da
Sociedade Civil e uma Igreja (CRS, ANAB e sacerdotes da Igreja Católica), um (1)
encontro com as autoridades tradicionais (o regedor e o soba geral) e dois (2) encontros
com grupos focais nas aldeias de Cayengue e Ginga Culai.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
Os sistemas de produção, a organização social e do poder, as características fisiológicas
e a grau de disponibilidade dos recursos naturais, dentre outros factores, são, em geral,
os que determinam o tipo de conflitos existentes à volta das questões fundiárias. A nível
do município do Balombo e segundo os nossos respondentes, podem destacar-se cinco
(5) eixos de conflitualidade, tais como: intra-familiar, intra-comunitários, intercomunitários, extra-comunitários e os jurídico-legais.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiar (entre membros da mesma família)
Fazem parte desta natureza de conflitos as questões de herança, que assume duas
dimensões: a herança entre os filhos e sobrinhos e a herança entre os filhos da mesma
família (homens e mulheres). As opiniões em relação ao direito de herança entre filhos e
sobrinhos diferem. Os mais velhos defendem ainda que os sobrinhos gozam de primazia
quanto à herança, e este tipo de herança designa-se de “okulembika olomai” – o que
significa “enterrar os pés”, ou seja, em geral, quem enterra os tios por altura da morte
são os sobrinhos. A herança pelos filhos é chamada pelos mais velhos de
“olonguendalena”37 – os que andam sempre com a mãe. Para estes, esta herança
significa entregar as suas terras para outras famílias (em termos de linhagens
matrilineares). As novas gerações defendem a herança pelos filhos, enquanto razão de
existência dos pais. No entanto, esta transição cultural é pacífica na maior parte dos
casos, dada a influência da Igreja e da escolaridade.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário (entre membros da mesma
comunidade)
Neste campo, destacam-se principalmente as disputas pelos espaços agricultáveis, que
têm a ver com os limites das lavras, considerando que as famílias cresceram bastante e
as reservas de terras a nível das famílias começam a escassear, assistindo-se
frequentemente transposições dos limites de lavras “ovililo” ou ainda “olongave”.
37
Normalmente, os filhos vão sempre viver com a mãe e, por isso, são chamados de “olonguendalena”.
Mesmo do ponto de vista de linhagem, os filhos são mais da mulher do que do homem, daí a herança feita
pelos filhos ter sido atribuída este nome.
45
Outro tipo de conflitos desta natureza está relacionado com a herança de terras cedidas
aos amigos ou familiares não próximos em tempos idos. Actualmente, assiste-se
disputas entre os herdeiros dos que haviam sido cedidas as terras e dos que haviam
cedido essas terras. Estes últimos defendem que as terras lhes pertencem, porque aos
outros só lhes tinha sido cedida; os primeiros, por sua vez, defendem terem nascido
nessas aldeias e que viram os seus pais sempre trabalhando essas terras como sendo
deles. Este tipo de diferendos agudizam-se principalmente quando os “vientes” (aqueles
que vieram) manifestarem comportamentos menos dignos da boa convivência nas
aldeias, tais como transpor limites, tentativas de venda ou cedência a terceiros. As terras
cedidas a “vientes” dão direito a usufruição, mas não à venda ou a outro tipo de as
dispor.
Ainda em relação à herança, há aqueles herdeiros que cresceram nas cidades e
pretendem regressar às terras dos seus familiares. Às vezes, não conhecem os
verdadeiros limites das terras de seus familiares. Vêm apenas por indicação de outros
parentes ou familiares. Ao demarcarem as terras de sua herança transpõem os limites,
abrangendo casas ou aldeias, criando conflitos entre estes e os encontrados. Outros,
depois de demarcadas, vendem-nas e desaparecem, fixando residência em Luanda.
Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitário (entre comunidades diferentes)
Este tipo de conflitos não é generalizado. Entretanto, no encontro com o grupo focal de
Cayengue, foram levantados entre comunidades vizinhas. Em geral, as aldeias onde
existem “ombalas”, reconhecidas ou não, tendem a subestimar as outras aldeias, ditando
regras até de limites das aldeias e, consequentemente, das lavras. Alguns moradores de
Cayengue, por exemplo, foram impedidos de implantar lavras fora dos limites da sua
aldeia, mesmo que estes se intitulem donos daquelas terras. O mesmo acontece com os
exploradores de carvão..
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitário (comunidades e agentes
externos)
Os conflitos extra-comunidades referem-se sobretudo à relação entre os fazendeiros ou
empresários e as comunidades locais. Este tipo de diferendos assume várias
características, que vão desde as demarcações (iniciais ou definitivas), até aos
procedimentos legais de obtenção de títulos de concessão. As demarcações,
normalmente, ou chocam com o sistema de produção e “modus vivendus” das
comunidades encontradas, ou envolvem aldeias dentro dos croquises apresentados, o
que cria grandes conflitos com as comunidades. Por exemplo, na área do Pinto
(Chidumbo), um fazendeiro tem conflitos com a comunidade por causa da vedação que
limitou o acesso da população à água. No Balombo, a Administração, sob pedido de um
empresário, mandou vedar a área das águas do Kota-kota, proibindo a população de
tomar banho e fazer lavras nos arredores.
Em termos de conflitos que decorrem dos procedimentos legais, salienta-se os
procedimentos ilícitos de obtenção das assinaturas dos sobas. Há sobas que são
aliciados com bens, bebidas ou dinheiro, para emitirem pareceres favoráveis ou
assinarem documentos de legalização, muitas vezes sem o conhecimento da população
local. Noutros casos, por via de influências de poder, os sobas são obrigados a assinar e
emitir pareceres, sob o pretexto de perderem o poder. Nestes casos, fazem-no sem
46
prévia consulta aos seus liderados. Todos estes procedimentos têm criado animosidades,
sentimentos de revolta e angustias nas comunidades, quer com os seus líderes, quer com
os fazendeiros ou empresários.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
Enquadram-se neste tipo de diferendos, a questão das reservas fundiárias. No
município, foram implantadas 2 reservas fundiárias. A primeira não tem dentro
residências, mas somente lavras. Do ponto de vista das reacções das comunidades, esta
reserva não é muito polémica. A segunda inclui, na sua área, um bairro e alguns
empreendimentos sociais, tais como escolas (de adobe) e um projecto de construção da
Igreja Católica. O conflito é ainda potencial, considerando que as comunidades
aguardam pela implementação dos projectos definidos para estas reservas. Entretanto, já
questionam sobre quem vai se beneficiar com estas reservas.
As formas de resolução de conflitos
Os conflitos ou diferendos intra e inter-comunitários, em geral são resolvidos,
dependendo da sua natureza, a nível familiar (através de mais velhos da “epata”), dos
seculos ou sobas das aldeias ou embalas, quando assumem dimensões que ultrapassam
as famílias e quanto menos, são encaminhados às regedorias, que podem ou não pedir
auxílio da Polícia Nacional da sua circunscrição. São raras as vezes em que conflitos de
natureza comunitária vão parar em tribunais. Exceptuam-se, nestes casos, as vendas a
terceiros, externos à comunidade, que, normalmente, têm intervenção da Polícia.
Os conflitos com fazendeiros, em geral são encaminhados para as respectivas
Administrações, desde o nível Comunal ao Municipal, que inclui as repartições afins.
Em muitos casos, as comunidades levam muito tempo para obterem o retorno das
decisões à volta destes diferendos e, às vezes, transformam-se em “assuntos sobre os
quais não se pode falar”, deixando um certo cepticismo por parte das comunidades.
O acesso à informação constitui, de algum modo, um atenuante do impacto dos
diferendos ou conflitos. Em alguns casos, como da implantação das reservas fundiárias,
tem havido diálogo entre as autoridades administrativas e as comunidades, no sentido de
sensibilizá-las para os efeitos e consequências que daí podem resultar e como o
Governo Local pensa lidar com a situação. Ora, mesmo que isto não resolva a situação,
pelo menos a informação passou e dá um certo conforto. Como por exemplo alguns dos
nossos interlocutores disseram: “... não sabemos como vai ser, mas pelo menos houve
um encontro para nos informar...”. Este procedimento dá a sensação de que pode haver
alguma abertura para negociação ou, pelo menos, para as pessoas serem ouvidas.
Casos de diferendos ou conflitos de terras
Caso das águas do Kota-kota
O município do Balombo é também conhecido pela existência de águas térmicas do Kota-kota. A
nascente destas águas térmicas fica logo na entrada da vila, a cerca de 500 metros de quem vem do
Lobito. Na era colonial, havia uma empresa a explorar estas águas, fazendo o seu engarrafamento. Não
obstante a esta exploração, havia um recinto próprio que a empresa construiu, onde as pessoas (nativas,
residentes e visitantes) tomavam banho, desfrutando deste bem natural. Há quem dizia mesmo que aquela
água era medicinal. Depois da independência, este local ainda esteve ao serviço público. Durante a
47
guerra, o local foi se degradando, e, nos últimos tempos (tempo de paz), a Administração fez uma
pequena reabilitação no local, que permitiu os munícipes retomarem os banhos naquelas águas.
Recentemente, as pessoas foram surpreendidas pela vedação do local e proibidas de fazer os banhos
habituais. Esta vedação incluiu algumas lavras de comunidades que vivem nos arredores daquele local.
Estas também foram proibidas de voltar a cultivar tais lavras. Segundo os nossos interlocutores, a
Administração Municipal foi solicitada por um empresário, que, eventualmente, terá requerido o local e a
antiga fábrica de enchimento de água, para vedar o local e, consequentemente, proibir a prática de banhos
e cultivo de lavras nestas imediações. A população está muito indignada com esta atitude da
Administração, a de proteger os interesses privados a ponto de prestar-lhes serviços. Por outro lado,
questiona-se a proibição de tomar banho, uma vez que tal prática sempre aconteceu, desde a era colonial.
Instaurou-se, no município, um diferendo patente, sobre o qual a Administração ainda não se pronunciou.
Caso de Ginga Culai
Na comunidade de Ginga Culai existe uma fazenda, que fica mesmo na encosta da Aldeia. Na era
colonial, o soba da aldeia cedeu esta terra a um alemão (missionário católico), que implantou nela a sua
fazenda. Passado todo este período de independência e de guerra, o Alemão abandonou a fazenda e foi
viver no Huambo, de onde saiu para a sua terra natal. Entretanto, um dos seus filhos nunca saiu do país e,
depois dos conflitos, voltou a viver no Huambo. Dois angolanos requereram a fazenda, tendo sido
dividida a meio para os dois requerentes. Até aqui, os novos proprietários disputam a titularidade
completa da fazenda. Entretanto, o filho do antigo proprietário apareceu na aldeia para ver se retomasse a
fazenda de seu pai. Quando se apercebeu da disputa, preferiu dispensar a fazenda, porque não queria
qualquer tipo de confusão e conflito com os requerentes e com a comunidade. Pediu ao soba que lhe
cedesse um pequeno terreno na aldeia onde pudesse construir sua residência e viver naquela comunidade.
Assim aconteceu e até a data presente o Sr. vive na aldeia, numa boa relação com a comunidade,
assistindo os “novos requerentes” a disputar o que devia ser sua propriedade. É de facto uma atitude
mercê de orgulho e de lições.
b) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO CAIMBAMBO
Características gerais
O município de Caimbambo situa-se na parte Sudeste da Província de Benguela, tem
como sede uma pequena Vila com o mesmo nome e dista cerca de 120 Km da cidade de
Benguela. Faz limites, a Norte, com o município do Bocoio; a Sul, com Chongoroi; a
Este, com o Cubal e a Oeste com Baia Farta e Benguela.
O município tem quatro (4) comunas, sendo: Kanhamela, Katengue, Kayave e
Wiyagombe, com uma extensão de cerca de 3.265 Km2 e uma população estimada em
75.362 habitantes, o que corresponde a uma densidade populacional de 23.08 pessoas
por quilómetro quadrado.
Pelo município passa a estrada principal que liga a província de Benguela com a do
Huambo, passando pelos municípios de Cubal e Ganda. O Caminho de Ferro de
Benguela (CFB) é também outra via de comunicação que passa pelo município, cuja
influência económica e social é maior na vida das populações locais.
O município é habitado maioritariamente pelo grupo étnico linguístico Umbundu, com
as variantes Hanhas, na parte sul do corredor centro e Tchissange, Mbelekete, Lumbu e
Va Sele, na parte norte, praticamente divididos pelo Caminho de Ferro.
Características sócio-económicas
48
O município de Caibambo é caracterizado por dois sistemas de produção: a produção
agrícola, com maior pendor para o milho e a massambala; e a criação de gado bovino e
caprino. À medida que se vai do Este para Oeste, a produção agrícola vai perdendo
expressão e se intensifica a actividade pastoril. Desde o tempo colonial que, no
município, se instalaram grandes fazendas de produção de sisal para a industria sisalera
em vigor na altura. Com a independência e saída dos colonos, esta cultura declinou-se e,
actualmente, praticamente não tem expressão. As actuais e antigas fazendas são
maioritariamente de produção pecuária e ainda maior parte delas não estão a ser
exploradas. Para além do milho e da massambala que constituem a base principal de
alimentação, é também produzido, em algumas áreas do município, o gergelím, o feijão,
a ginguba e a mandioca como culturas de rendimento.
A exploração da lenha e do carvão constitui uma das principais actividades geradoras de
rendimento, a julgar pelo mercado de Benguela e Lobito, cujo escoamento é facilitado
pela linha férrea.
Sistemas de produção
Como referido anteriormente, a população do município de Caimbambo é
eminentemente agro-pastoril. A pastorícia é que assume maior dimensão,
principalmente na parte Sul e Oeste, que a liga aos pastores dos grupos etinicoliguísticos Ovahanha e os Vandombe. O sistema de pastorícia dominante é o pastoreio
extensivo, sem quaisquer limitações em termos de propriedade de pastos. Em épocas de
crise (seca) as populações transladam o gado (pequenas transumâncias) para o leito do
rio Cubal (a Norte) ou para o rio Cuporolo (a Sul).
A agricultura é feita basicamente em dois tipos de lavras (Ombanda e Ongongo). Existe
muito poucas “Nakas”, pois os rios são maioritariamente secos e intermitentes. As
primeiras sementeiras, depois do inicio das chuvas, são feitas nas baixas (Ombanda),
desenvolvendo-se até ao alto (Ongongo), também chamados “Tchicalas”. A cultura de
consorciação é bastante predominante, principalmente entre o milho e as leguminosas
(feijão e feijão frade) ou com as curcubitáceas (cabaças e abóboras). O gergelím
também é feito em consorciação com o milho, tal como, em alguns casos, com a
massambala.
O sector empresarial, apesar de ocupar uma grande área do município, como
consequência de cedência de fazendas nas mesmas dimensões que as anteriores (de
sisal), tem ainda menor expressão. Segundo a DPADER, de todas a fazendas cedidas,
99 % não estão a ser exploradas.
Se a pastorícia é feita de forma livre e comunitária em toda a extensão do município,
com excepção de fazendas vedadas, o mesmo não pode ser dito para a produção de
carvão e lenha. Estes devem ser produzidos somente em terras próprias. Segundo os
nossos respondentes, já é visível a disputa de recursos naturais (matas) para a
exploração da lenha e do carvão, principalmente ao nível das famílias.
Caracterização institucional
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O município do Caimbambo faz parte da Categoria C, de acordo com o Decreto nº. 9/08
de 25 de Abril38 que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. Tem constituído o Conselho de Auscultação e
Concertação Social (CACS), mas ainda é incipiente o seu funcionamento. No
município, actuam presentemente duas ONG´s: a Acção Agrária Alemã e a ARDSA
(ONG Local), num projecto conjunto de Segurança Alimentar. A primeira fase deste
projecto já terminou, estando em curso apenas a componente de Doença das Aves “New
Castle”.
As igrejas mais representativas no município são a Igreja Católica (maioritária) e a
Igreja Evangélica Sinodal em Angola (IESA). Para além destas, existem outras, tais
como a Igreja do Sétimo Dia e a Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA).
Embora estejam a emergir outras, que, geralmente, não têm expressão.
As localidades e instituições de trabalho
Neste município, foram realizados 1 encontro com o Administrador Municipal e outro
com a Administração Comunal de Wiangombe; 3 encontros com grupos focais, nas
aldeias de Evala, Catala Longongo e Cahululo. Por razões alheias à nossa vontade, não
foi possível contactar os serviços de Agricultura, tais como a EDA. O mesmo se diz em
relação a UNACA.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
As questões fundiárias no município de Caimbambo, têm a ver essencialmente com o
“modus vivendus” das populações que nele habitam, dos sistemas de produção
dominante e da pressão que a ocupação das fazendas exerce sobre os espaços das
populações. O sistema agro-pastoril semi-sedentário, com características próprias de
organização social das comunidades e as concessões de fazendas nos mesmos moldes
que na era colonial determinam a natureza e os tipos de conflitos ou diferendos de terras
mais frequentes neste município. São notáveis dois eixos principais de conflitualidade:
Os intra-familiares (diferendos ou conflitos entre familiares), intra-comunitários
(conflitos ou diferendos entre membros da mesma comunidade) e extra-comunitários
(comunidades e agentes externos). Não existem, praticamente, conflitos intercomunitários (diferendos ou conflitos entre comunidades). Os diferendos ou conflitos
jurídico-legais podem ser considerados apenas potenciais e, em alguns casos, latentes,
dependendo da evolução das coisas.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiar (entre membros da mesma família)
Este tipo de conflitos ou diferendos podem ser entendidos em 2 níveis, designadamente:
a nível da herança entre os membros da família, a nível da herança entre os filhos
(homens e mulheres).
A nível da herança entre os membros da família, ela é de pertença dos filhos, quer sejam
bens ou terras, ao contrário do que acontecia anteriormente em que eram os sobrinhos
38
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das
atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais.
50
considerados herdeiros directos. Em alguns casos, os sobrinhos têm sempre uma
herança simbólica (um bem), como preservação da tradição ancestral. Apesar das
mudanças, actualmente esta postura é pacífica. Entretanto, os conflitos acontecem, em
geral, entre herdeiros, que disputam os espaços entre eles, transpondo os limites pelos
quais foram divididos.
Outro nível de diferendos ou conflitos de herança acontece entre os filhos e filhas de
uma mesma família, onde os primeiros (os filhos) têm sempre vantagens sobre os
segundos (as filhas). O argumento é de que as filhas depois vão casar e terão terra junto
dos seus maridos. Os filhos são tidos como os guardas das terras. Os conflitos surgem
quando há divórcios ou morte do marido. As mulheres nestas condições recorrem aos
irmãos que lhes cedem pequenas parcelas para trabalhar, como se não fossem também
herdeiras por direito. Os filhos destas filhas não têm o direito de herdar as terras que
suas mães receberam dos seus irmãos. Em geral, são obrigados a herdar o que é do pai
deles. Estas questões criam animosidades e ressentimentos de exclusão no seio das
famílias.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário (entre membros da mesma
comunidade)
Os conflitos desta natureza mais frequentes são entre herdeiros de famílias amigas, isto
é, há quem no passado veio viver na aldeia e lhe foi cedida/dada/entregue uma terra
(okuetcha). Volvidos vários anos e depois de terem gerado também seus filhos, estes
passam a ser seus herdeiros direitos. Vezes há em que os progenitores já não existem
nas duas famílias. Os herdeiros daquele que havia cedido as terras têm tendência a
reaver as terras antes cedidas. No entanto, isto só se efectiva se houver algum
comportamento tido de “mau”, por parte desses herdeiros ou se tentarem transpor os
limites, lesando, desta forma, os herdeiros de quem havia cedido. Retiram-lhes as terras
e dizem “ide procurar as origens do vosso pai”. O argumento de auto defesa é: “se nós
nascemos aqui, para onde havemos de ir? Estes tipos de conflito em geral são
encaminhados às autoridades tradicionais locais, que têm encontrado soluções
adequadas para cada situação. Raramente dão razão total aos que reclamam a terra.
Outro nível de diferendos ou conflitos desta natureza tem a ver com a disputa dos
recursos naturais, principalmente para a produção do carvão. Nos últimos tempos, com
o crescimento das famílias e, consequentemente, das comunidades, os espaços livres
(matas) tendem a escassear e as disputas destas matas para o fabrico de carvão tendem a
aumentar. Já não é permitido o fabrico de carvão em qualquer mata, senão de sua
pertença ou ainda na base de negociações entre os fabricantes e os detentores de matas.
51
Imagem 1: Escassez de espaços livres (matas), em consequência do crescimento das
comunidades.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitário (entre comunidades
diferentes)
Nesta categoria, os principais conflitos prendem-se com a relação entre as comunidades
e os fazendeiros. As antigas fazendas foram ocupadas pelos colonos por via da repulsa
das comunidades das suas terras para zonas montanhosas. A independência significou
para as comunidades o reaver das suas terras. Os actuais requerentes de fazendas fazemno nos mesmos moldes e extensões que na era colonial, expulsando novamente as
populações para fora dos limites das fazendas. Este facto tem limitado os espaços
disponíveis, principalmente para as pastagens. À diferença da realidade colonial, as
antigas fazendas não tinham vedações, por serem de sisal e o gado da população era
permitido pastar nestas áreas. Actualmente, os novos requerentes tendem a vedar as suas
fazendas, o que contrasta com o sistema de maneio da população. Mesmo os que não
vedaram, não permitem que o gado da população paste dentro das suas fazendas.
Os conflitos mais patentes nesta altura ocorrem principalmente em duas fazendas: a
Fazenda Calondo e a Portelas. Em todas elas, as comunidades foram obrigadas a retirarse do perímetro das fazendas, onde tinham as suas casas e haveres. Houve tentativas de
resolução dos conflitos, entretanto sem êxito, considerando que há uma forte tendência
da Administração defender os interesses dos fazendeiros em detrimento das
comunidades, tendo em conta o poder político, militar ou governativo que tais
fazendeiros ostentam. Nas outras fazendas, a situação pode ser considerada de potencial
conflito ou latente. Primeiro, porque a maior parte delas ainda não estão em plena
actividade; segundo, porque o tipo de relacionamento entre estes e as comunidades
depende de cada fazendeiro e do sistema de produção ou maneio que adopta.
Diferendos ou conflitos de natureza juridico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
52
Como nos referimos anteriormente, este tipo de conflitos ainda não são patentes, sendo
por isso potenciais e em alguns casos latentes. Trata-se de diferendos à volta das
reservas fundiárias do Estado que, embora ainda não aprovadas oficialmente, incluem
algumas casas e pequenas lavras no seu croquis. Não se sabe concretamente quando é
que se vai efectivar a retirada destas pessoas das referidas áreas e até que ponto serão
cumpridos os pressupostos da lei sobre a justa indemnização. No Caimbambo, havia
perspectivas de se construir as chamadas “aldeias rurais”, onde poderiam instalar as
comunidades periféricas destas áreas. Apesar de ainda não se efectivar, questiona-se o
modelo de casas ou de aldeia, considerando o “modus vivendus” das comunidades e
seus sistemas de produção. O que, de certo modo, poderá criar outro tipo de diferendos
de terras.
As formas de resolução de conflitos
A nível dos conflitos intra-comunitários, em geral os conflitos são resolvidos, primeiro,
em fóruns familiares próprios. Em caso de não haver entendimento, o assunto passa
para as autoridades tradicionais. Os conflitos entre famílias à volta dos limites de lavras
têm sido fáceis de resolver, quer pelos mais velhos das famílias, quer pelas autoridades
tradicionais, mediante testemunhas e obrigando os infractores a retomar os limites
iniciais.
Os conflitos de herança que decorrem de cedências anteriores, em geral são resolvidos
pelas autoridades tradicionais, que recorrem às testemunhas do acto de cedência ou
conhecedoras do assunto (quando os que cederam já não existem). Geralmente, o
resultado da resolução destes conflitos depende muito da atitude e do comportamento
dos herdeiros em relação às normas de conduta da comunidade. As autoridades
tradicionais dizem que, actualmente, já não se pode retirar as pessoas das terras que lhes
haviam sido cedidas, e nestes casos os filhos podem herdar sem problemas. Mas se a
atitude e o comportamento destes for negativo, é-lhes retirada a terra e obrigados a
procurar outros lugares. Nestes casos, o argumento é de que “se têm estas atitudes, é
porque já o faziam de onde vieram”. Os nossos respondentes disseram que estes casos
são muito frequentes nas comunidades, entretanto são raras as vezes que se expropriam
as pessoas das suas terras, pois consideram esta posição como extrema, depois de várias
tentativas de persuasão.
A resolução de conflitos com os fazendeiros, em geral, começa com as autoridades
tradicionais e depois sobem para as administrações comunais ou municipais, de acordo
com a envergadura do conflito. Não nos foi relatado nenhum caso que tenha sido
encaminhado para os tribunais. Quanto menos, as administrações em algumas
circunstâncias têm envolvido a polícia nacional, no sentido de conter os ânimos. Não
obstante a tendência das administrações de estar mais do lado dos fazendeiros, casos há
em que a administração esteve a favor das comunidades.
Casos de diferendos ou conflitos de terras
O Caso da Fazenda Portelas
“Portelas” é o nome do antigo proprietário da fazenda na era colonial. Antes da ocupação pelo colono,
esta área era chamada Catala. As populações foram expropriadas das suas terras e foram instalar-se, uns
para além do rio Cubal, nas aldeias de Colindi e Lulambo – comuna do Tumbulo (Município do Cubal),
onde foram acolhidos por populações vizinhas; e outros em Kavongo (comuna do Cayave), a Sudoeste da
Fazenda. Parte desta população era trabalhadora da fazenda e era transportado, todos os dias, pelas
53
viaturas do fazendeiro, a fim de ir trabalhar e retornar nas suas casas. O conflito armado obrigou o
abandono das fazendas pelos colonos e permitiu que a população retomasse as suas terras então
abandonadas. Mesmo depois de retomar estas terras, houve também abandonos destas terras pela
população, pelas mesmas razões, tendo retornado a estas áreas depois da paz (2002). Esta população
sustenta o argumento de que se instalou naquilo que é terra dos seus ancestrais, independentemente de ser
fazenda.
A partir de 2007, esta fazenda passou a ser explorada por um novo “proprietário”, tendo iniciado já a
fazer os seus investimentos. O Fazendeiro começou a pressionar a população no sentido de abandonar
todo o perímetro da fazenda. Como era uma antiga fazenda de sisal, para além da produção hortofrutícola no leito do rio, a população abandonou parte da fazenda (leito do rio Cubal) onde se estava a
fazer os investimentos e se instalou na parte sul (área que só tinha sisal e acidentada). Como o fazendeiro
também necessita de mão-de-obra, tem estado a pressionar a comunidade de forma paulatina. Nesta
altura, quer retomar definitivamente toda a área da fazenda, tal como o era no tempo colonial. Mesmo
sem apoio, a população tem mostrado resistência para abandonar novamente as suas antigas terras,
instalando-se um clima de grandes tensões.
Houve várias tentativas de negociação entre a comunidade e o fazendeiro, que envolvia também a
Administração Municipal. No entanto, a comunidade não considera aquilo como negociação, pois ela
acha que nunca emitiu as suas opiniões em relação ao assunto, porque quando há tais encontros, primeiro
aparece o carro da polícia com sirenes de emergência, para provocar medo à população. No último
encontro presidido pelo Administrador Municipal (cessante), este deu ultimato para que a população se
retirasse da área da fazenda, numa clara demonstração de defesa dos interesses privados em detrimento da
população. Criou-se, com esta situação, um clima de desespero, animosidades e de tensões na relação
com o fazendeiro, apesar de alguns serem trabalhadores desta fazenda. A população diz que as antigas
terras onde se haviam refugiado durante a época colonial, quando foram expropriados destas, lhes haviam
sido cedidas pelas populações vizinhas, que actualmente também as ocuparam devido não só ao
crescimento demográfico, mas também às manadas.
A situação é, nesta altura, dramática e a população clama por um apoio em termos de como lidar com a
situação, numa altura em que a administração não quer saber da população.
Caso de uma Fazenda na Comuna de Wiyangombe
A comuna de Wiyangombe não está isenta das pressões de ocupação das fazendas em detrimento das
populações locais. Nos últimos anos, foi instalada mais uma fazenda de carácter pecuária na comuna.
Durante este período, a fazenda nunca foi vedada e como não tem muito gado, a pastagem e o uso dos
recursos naturais eram partilhados com as comunidades circunvizinhas. A uma dada altura, o fazendeiro
entendeu fazer as vedações, limitando o acesso das comunidades aos espaços para pastagem e acesso à
água. Criou-se um conflito entre o fazendeiro e a comunidade. Como alternativa, a comunidade recorreu à
Administração Comunal, no sentido de solicitar apoio na solução do diferendo. Ao contrário do que em
geral acontece (defesa dos interesses privados), a Administração Comunal procurou defender os
interesses das comunidades. Este diferendo fez com que a Administradora Comunal se deslocasse à
Benguela, no sentido de negociar com o fazendeiro. Independentemente dos resultados desta negociação,
a verdade é que A Administração Comunal mandou parar com as vedações daquela fazenda, no sentido
de favorecer a vida normal das comunidades locais. É um caso a partir do qual se podem tirar lições sobre
o posicionamento do Governo, quando os direitos de uma maioria são postos em causa.
c) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO LOBITO
Características gerais
O município do Lobito ocupa uma extensão de 3.685 Km2 e é constituído pelas
Comunas de Catumbela, Biópio, Canjala e Egipto-Praia. Limita-se, a Norte, com a
província do Kwanza Sul; a Sul, com o município de Benguela; a Leste, com o
município de Bocoio; e a Oeste, com o Oceano Atlântico. O município tem uma
54
população estimada em 800.000 habitantes, com uma densidade populacional estimada
em 217,1 pessoas por Km2.
O clima é tropical seco, com temperaturas médias de 20ºC e uma época quente com
temperaturas que atingem os 32ºC. As precipitações são inferiores a 150 mm/ano e
todos os meses do ano podem ser considerados secos. No interior, as precipitações são
superiores a 400 mm/ano. A humidade relativa do ar é das mais altas, cujas médias
anuais excedem aos 70 %. A bacia hidrográfica corresponde aos rios Catumbela, Cubal
e Balombo.
O território que hoje é Lobito, os autóctones nativos chamavam-no de “Volupitilo”, que,
em língua nacional local, significa “zona de passagem ou zona de transição para o
mercado da Catumbela e dos Ovimbakas, actual cidade de Benguela. É habitado
maioritariamente por população do grupo etnico-lingístico Umbundu. A maior
concentração populacional encontra-se na cidade do Lobito e na comuna de Catumbela.
A cidade do Lobito está dividida em duas grandes zonas, a baixa e a alta (que vão desde
a linha da costa até ao sopé dos morros de Quileva. A zona baixa corresponde aos
bairros da Restinga, Compão, Zona Comercial (28), zona industrial e residencial da
Canata, Caponte, Liro, Lobito Velho, Bairro da Luz e São João. A zona alta é
constituída pelos bairros da Bela Vista, Alto Liro, Boa Esperança, Alto Esperança,
Morro da Rádio e 27 de Março.
Características sócio-económicas
O município é rico em inertes, pesca e agricultura. Possui um dos principais parques
industriais do país e dois sectores importantes para o desenvolvimento da região,
nomeadamente o Porto do Lobito e o Caminho de Ferro de Benguela (CFB). A Comuna
da Catumbela está a estabelecer a base da sua economia na Indústria, com a implantação
do Pólo de Desenvolvimento Industrial da Catumbela (PDIC). Nesta comuna, também
está localizado o perímetro irrigado com cerca de 3.576 hectares, cuja produção agrícola
tem sido a base da economia da maior parte das famílias e dos agricultores do sector
empresarial.
A pesca é, de igual modo, a base da economia das populações do município, que se
pratica ao longo de toda a costa marítima, desde a Catumbela ao Egipto-Praia. A
Comuna da Canjala também apresenta um potencial agrícola, principalmente para a
produção do dendém, enquanto o Biópio é potencial em agro-pecuária, com maior
tendência para a criação de gado bovino e caprino.
O comércio formal e informal é também outro sector importante da economia das
populações, que é praticado nos mercados informais espalhados um pouco por todas as
localidade. Os maiores mercados informais estão localizados no Lobito (zona alta), na
Catumbela e na Canjala.
A área habitacional do município atravessa uma profunda crise, resultantes de
problemas de vária ordem, tais como moradias sub dimensionadas, falta de infraestruturas, água, luz, saneamento básico do meio na maior parte dos bairros e adesão da
população em áreas impróprias. Esta situação, aliada ao crescimento acelerado da
população, tem feito com que a maior parte da população se encontre a viver em
55
condições muito precárias, com casas construídas nas encostas de montanhas, linhas de
água e áreas alagadas.
No actual quadro de investimentos do governo, destacam-se: a) as reservas fundiárias –
foram definidas 3 reservas, sendo uma no Alto Lobito (Alto Liro), uma no Baixo Lobito
(Cabaia) e outra no Bairro do Luongo (Catumbela); b) a Refinaria de petróleo – que, por
sinal, a área para a sua implantação coincide com a área definida como reserva fundiária
do Alto Lobito; c) os Investimentos turísticos na orla marítima – com destaque para a
estrada que liga as cidades do Lobito e Benguela; d) a modernização do Caminho de
Ferro de Benguela (CFB) e do Porto do Lobito – com fortes implicações na economia
do município, província, país e região; e) o perímetro irrigado da Catumbela – cuja
configuração tende a mudar por influência de novos investimentos.
Tudo isto tem grande influência e implicações na nova configuração fundiária do
município, com consequências para as populações locais e para os pequenos e médios
empresários. Outrossim é o papel das instituições do estado implicados na gestão
fundiária, cujas competências e limites de responsabilidades são um tanto confusas, a
julgar pelas mudanças constantes que se verificam no figurino da governação do Estado,
com desarticulações entre elas, quer no nível nacional, quer no provincial, e com fortes
consequências no nível municipal. Por exemplo, a Lei de Terras aprovada em 2004
confere responsabilidades de concessão ao Ministério do Urbanismo e Ambiente, que
depois passou para Ministério do Urbanismo e Habitação e, no primeiro governo da III
república, este passou a ser Ministério do Urbanismo e Construção. Isto pressupõe
responsabilidades mais no nível de terras urbanas. No entanto, as responsabilidades
definidas pela Lei de Terras continuam as mesmas, o que, em nossa opinião, implicaria
a sua revisão, por inerência de experiências práticas.
Caracterização institucional
O município do Lobito faz parte da Categoria A, de acordo com o Decreto nº. 9/08 de
25 de Abril39, que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. Tem constituído o Conselho de Auscultação e
Concertação Social (CACS), apesar de a Administração reconhecer ainda a existência
de algumas debilidades no seu funcionamento, derivadas da falta de um regulamento
próprio. Tem todas as sensibilidades representadas neste órgão e já realizaram cerca de
quatro (4) reuniões, no ano passado.
Estão representados no município várias ONG’s e Agências de Desenvolvimento,
nacionais e internacionais, cuja actividade se desenvolve nos bairros periféricos e
noutros municípios da província. O mesmo se pode aferir em relação às instituições
religiosas.
O poder tradicional é exercido por um (1) regedor, 126 sobas e 120 seculos, distribuídos
pelos bairros da cidade do Lobito e pelas respectivas comunas.
As localidades e instituições de trabalho
39
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das
atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais.
56
Neste município, concretamente na Feira do Lobito, foram realizados 1 encontro com o
Administrador Municipal Adjunto, um (1) com o soba geral (Regedor) um (1) com a
Cooperativa de Pesca “Sakuluka”, três (3) com Organizações da Sociedades Civil e um
(1) encontro com grupos focais.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
As questões fundiárias e os eixos de conflitualidade no município do Lobito assumem
uma particularidade pela sua complexidade e natureza urbana e peri-urbana. Os
principais eixos identificados, aqui entendidos como conflitos de interesses, são: a)
interesses privados contra interesses comunitários; b) interesses privados contra
interesses privados; c) interesses públicos contra interesses comunitários; d) os
diferentes interesses e o conflito com a Lei.
Conflitualidades de interesses privados contra interesses comunitários
São várias as situações em que os interesses privados (investidores nacionais e
estrangeiros) se sobrepõem aos interesses comunitários nas áreas fora das reservas
fundiárias, tais como ocupações de terrenos por empresários, nas áreas onde as
comunidades têm as suas residências, obrigando as populações a se retirarem destes
terrenos, por exemplo, a comunidade da Damba Maria, onde cerca de 25.000 pessoas
estão a ser pressionadas pela Administração a se retirarem daquele bairro, pois, segundo
consta, aquela área faz parte de um projecto de construção de uma vila turística privada.
Este interesse privado, com protecção do governo, que se sobrepõe aos interesses da
comunidade, tem estado a criar animosidades e sentimentos de revolta por parte da
comunidade, que fica sem saber qual será o seu destino, com o agravante de não haver
negociações abertas no sentido de se encontrar posições intermédias.
Diferendos quase semelhantes se passam com muitos terrenos do perímetro irrigado da
Catumbela, onde a população exerce a sua actividade agrícola a título de arrendamento
ao GAHCC, que são passados para investimentos privados, resultando na expropriação
das terras aos camponeses sem qualquer possibilidade de negociação ou justa
indemnização. Por exemplo, os talhões nº 01, 02, 05, 06, 07, 013, 014, 024 e 025 serão
ocupados para interesses privados, para além das ocupações de talhões isolados no
interior do perímetro. O bairro de São Pedro, na Catumbela, está previsto para ser
desalojado, sem haver um diálogo com a comunidade sobre as implicações legais desta
acção. Simplesmente foi orientada a autoridade tradicional para avisar a população de
que as suas casas iriam sair. Não se sabe para onde, como e quando. A verdade é que
estão já a ser erguidos edifícios privados nas imediações do Bairro. O Bairro da Praia
Bebé também está afectado pelos investimentos que se pretendem com o
aproveitamento da orla marítima, cujos interesses ultrapassam a dimensão pública.
Também houve informações segundo as quais, na Comuna do Egipto Praia, há conflitos
de disputas entre um requerente de uma antiga fazenda e as comunidades que a
ocuparam, por lhes ter sido dada pelo antigo proprietário, para citar apenas alguns casos.
.
Conflitualidades de interesses privados contra interesses privados
57
Neste tipo de conflitualidades de interesses entre privados, destaca-se a confrontação
entre o “betão” e os espaços verdes (ambiente), ou seja, uma boa parte dos terrenos do
perímetro irrigado da Catumbela, desde à margem esquerda à direita, foram ocupados
para fins não agrícolas e muitos deles intercalados com talhões em plena exploração
agrícola pelos agricultores do sector empresarial. Muitos dos pequenos e médios
agricultores são obrigados a proceder ao transpasse de seus talhões, sob pena de os
perderem sem qualquer indemnização ou compensação. O relatório de Estudo sobre as
Dinâmicas territoriais do Perímetro da Catumbela – FAO (2008:28) , refere que cerca de
21% dos talhões, correspondente, aproximadamente, a 845 hectares do perímetro, estão
ocupados para fins não agrícolas e a possibilidade desta percentagem subir é muito alta,
tendo em conta as dinâmicas locais de transpasse dos terrenos e as tendências para
novos investimentos. Esta situação resulta num aproveitamento desorganizado dos
terrenos, sem obedecer a uma planificação física ou visão de ordenamento territorial
sobre o futuro dos mesmos, cujas consequências poderão ser drásticas (uma mistura
entre fábricas, condomínios, campos agrícolas, etc.). Tudo isto sob o olhar das
instituições vocacionadas para a gestão das questões fundiárias. Estamos diante de uma
situação cuja tomada de posição posterior (depois dos investimentos feitos) poderá
acarretar grandes constrangimentos.
Conflitualidades de interesses públicos contra interesses comunitários
Também são vários os diferendos desta categoria. Os conflitos mais recentes referem-se
às reservas fundiárias. Antes da definição das reservas fundiárias, estas áreas já tinham
comunidades instaladas nestes locais (“... quando vieram meter estas placas, nós já cá
estávamos...”), ou, pelo menos, a erguer as suas residências, como é o caso da Cabaia.
As Administrações, quer de zonas, quer Municipal permitiram isto. Alguns terrenos
foram cedidos pelas respectivas administrações, outros pelas autoridades tradicionais
locais e ainda outros obtidos pelos mecanismos de venda ou transpasse, à margem das
normas da Administração. De qualquer modo, a população está lá. A previsão é de
desalojar todas as pessoas destas áreas definidas como reservas, mas de acordo com a
lei e com as normas administrativas, o que exige uma justa indemnização ou outros
procedimentos legais. As comunidades prometem não sair senão com alguma condição
– indemnização ou outras casas compatíveis. Tudo isto criou um clima de tensões e
animosidades, não só por parte da comunidade, como também da Administração que
sofre pressão das instâncias superiores.
Outra tipologia destes conflitos tem a ver com os desalojamentos forçados de pessoas
extremamente vulneráveis, com menos possibilidades de obter terrenos ou de construir
suas residências. Muitas delas são o resultado dos deslocados internos durante o conflito
armado. Há a referir o caso dos moradores da Feira do Lobito que ocuparam a Feira por
não possuírem terra, e os jovens/adolescentes que viviam nos prédios não acabados. Os
moradores da Feira estão a ser forçados a abandonar o recinto, com o argumento de ser
um local público; entretanto, sem haver casas onde possam ser alojados. Os jovens e/ou
adolescentes foram alojados em tendas já há mais de 1 ano, estando a viver em condição
péssimas que, de certo modo, aumentam os níveis de delinquência, por razões de
sobrevivência e até de desespero. Apesar disso, alguns conseguiram construir suas
pequenas casas de adobe, entretanto sem títulos de posse de terrenos. Vários outros
casos acontecem em que são desalojadas as pessoas para outras áreas (por razões de
interesses públicos) e sem serem dados os títulos de posse que os assegura. Aumenta
desta forma o nível de insegurança das comunidades diante das constantes e
58
imprevisíveis mudanças de local. Tudo isto, em nossa opinião, é uma consequência que
se deve à falta de um planeamento físico e urbanístico adequado.
Conflitualidades com a Lei
Refere-se aqui como exemplos as ocupações desenfreadas de terrenos ao longo das
principais saídas das cidades, sem prévia regulação. Muitas destas ocupações não estão
legalizadas. Entretanto, em alguns terrenos já estão a ser feitos investimentos, numa
clara tentativa de forçar a sua legalização ou de assegurar indemnizações em caso de
necessidades para investimentos públicos.
Por outro lado, muitas populações estão a ocupar terrenos e edificar casas nos
musseques, com autorização ou não das autoridades tradicionais ou mesmo das
respectivas administrações, o que, no futuro, poderá causar transtornos em caso de
sobreposição de planos urbanísticos. Também há pessoas que já remeteram os seus
pedidos de concessão de terrenos sem uma resposta ou pronunciamento das respectivas
administrações, criando desembaraços ou mesmo construções à margem da lei e das
normas legais. Tudo isto reflecte a falta de cumprimento da lei e de outros pressupostos
legais, que coloca em risco não só a população, como também as próprias normas
administrativas, principalmente quando ocorre sobreposição de interesses.
Imagem 2: Edificação de casas no musseque, com a autorização ou não da respectiva
administração.
As formas de resolução de conflitos
A resolução de conflitos ou diferendos de terras de natureza urbana e peri-urbana, como
no município do Lobito, é de todo complexa. O facto de haver sobreposições de
responsabilidades na gestão das terras urbanas e sub-urbanas (autoridades tradicionais,
administrações locais, Urbanismo, Agricultura, etc.) não deixa muito claro em relação a
quem as pessoas devem recorrer em caso de conflitos. De qualquer forma, há quem
recorra às autoridades tradicionais, quando se tratar de terrenos ao nível dos musseques;
à Administração Municipal para terrenos urbanos (quando cedidos por esta) ou ainda
aos tribunais, em caso de conflitos patentes. Estas formas de resolução acontecem
quando se tratar de pessoas singulares. Casos que afectam comunidades ou grupos de
59
pessoas, as formas de resolução ainda não são muito claras ou, em alguns casos, são
incipientes. Há casos que envolvem vários actores, cuja resolução passa
necessariamente pela negociação entre as partes, mas também há casos que envolvem
várias instituições, implicando uma maior articulação entre elas. Outros casos ainda
envolvem instituições e instâncias de poder ou de influência diferentes, cujos intentos
devem ser “necessariamente” satisfeitas por via do “clientelismo” e, há também
situações que envolvem pessoas extremamente vulneráveis, cujo apoio de agentes
externos (ONG’s, Sindicatos, Ordens, etc.) se torna bastante relevante. Enfim, há uma
complexidade enorme de casos, que exigem, acima de tudo, o cumprimento de
princípios entre os actores envolvidos, tais como a comunicação, o diálogo, a
participação, o respeito pelos Direitos Humanos, dentre outros, no sentido de haver
maior inclusão na resolução dos assuntos.
Casos de conflitos e diferendos de terras
Caso Damba Maria
O bairro de Damba Maria data de há muito. Ainda há vestígios de casas dos trabalhadores “contratados”
dos tempos idos da colonização (tempo da açucareira). Todavia, o seu crescimento se deu mais tarde.
Com a paralisação da açucareira, começaram a surgir pequenos aglomerados de pescadores e,
rapidamente, o bairro cresceu, principalmente com a influência da linha férrea que liga Benguela e
Lobito. No período do conflito armado, a sua população aumentou ainda mais, com a concentração, nesta
localidade, de deslocados vindos do interior da província. O Bairro está implantado nos Talhões nº 090 e
091 do Perímetro Irrigado da Catumbela. Metade do Bairro pertence ao Lobito e a outra, a Benguela.
Desde 2008, esta comunidade estava a ser apoiada pela ONG espanhola CEAR, no sentido de criar uma
estrutura urbanística com condições para a legalização dos terrenos junto das estruturas do Estado, com
vista ao benefício daquela população. Por outro lado, o Instituto de Apoio à Pesca Artesanal construiu ali
uma infra-estrutura para apoio aos pescadores locais, onde funciona a Cooperativa de pesca
“SAKULUKA”, para além de outras infra-estruturas sociais já existentes. Alguns moradores já
edificaram casas de construção definitiva. Surpreendentemente, em 2009, a comunidade foi interpelada
pela Administração Municipal e por uma empresa de construção espanhola, no sentido de não continuar
com o projecto, devido ao plano de aproveitamento da Orla Marítima. A comunidade procurou obter
justificação junto da Administração, sem, no entanto, surtir efeitos. Mesmo com o auxílio das
organizações locais de apoio ao desenvolvimento, não há uma informação oficial e escrita sobre este
assunto. Pelo que se soube de outras fontes, a empresa vai construir naquela área uma vila turística
pertencente a uma empresa privada de parceria entre Angola e Suíça. Os proprietários desta empresa são
pessoas bem posicionadas a nível do poder político e governativo, o que coloca a Administração numa
posição difícil – satisfazer ou cumprir as orientações superiores, justificando o projecto como algo de
utilidade pública, em detrimento da comunidade. O conflito é patente, entretanto a comunidade aguarda
pacientemente, mesmo sem haver diálogo. É, de facto, impressionante a maneira como o Governo está a
ser usado para encobrir objectivos meramente privados, e como se não bastasse, esta empresa certamente
não pagará pela posse do terreno e procura, por via disto, escapar das indemnizações à população, pois o
projecto é justificado como sendo de utilidade pública, num claro gesto de atropelo à lei.
Caso feira do Lobito
A Feira do Lobito (na altura em estado de abandono) albergou, durante o conflito armado, pessoas
deslocadas, vindas dos mais variados pontos do país, na sua maioria vulneráveis (mutilados de guerra e
suas famílias). Estas famílias nunca se beneficiaram do apoio do Governo no sentido de encontrarem uma
habitação condigna. Antes das eleições de 2008, o Secretariado Municipal do MPLA ameaçou os
moradores sobre a possibilidade de serem desalojados. Como na altura o MPLA precisava do voto destas
pessoas, tal não foi efectivado. Depois das eleições, os líderes do MPLA mandaram os moradores
retirarem-se do recinto da feira, sem qualquer negociação sobre o processo. O projecto OMUNGA40 tem
estado a apoiar os moradores, no sentido de defender os seus direitos. O caso já foi parar no tribunal, onde
foram ouvidos o Administrador municipal e o Secretário do MPLA. Entretanto, continuam as promessas
verbais de terem que sair do recinto. Os moradores, organizados em torno de uma Comissão, estão, agora,
40
ONG Nacional e Observadora Africana dos Direitos Humanos
60
a constituir um Advogado para o assunto. A Administração Municipal não avançou qualquer
possibilidade de haver condições algures para alojar ou instalar estas pessoas. Por tudo isto, o conflito é
patente.
Caso Perímetro da Catumbela
O Perímetro Irrigado da Catumbela, que corresponde a todas as terras antes pertencentes à Açucareira,
corre o risco de desaparecer, cujas consequências, em termos de ordenamento urbanístico, podem ser
desastrosas. São vários os conflitos que se vivem à volta destas terras e referiremo-nos dos mais visíveis e
patentes. Os nossos respondentes referiram ao facto de haver uma “usurpação” dos terrenos,
principalmente os ocupados pelos camponeses, em que lhes é dada uma importância que varia entre 5 a
30 mil Kwanzas, no sentido de abandonarem os terrenos. Os camponeses aceitam porque, para além dos
terrenos serem arrendados do GAHCC, não têm acesso a qualquer informação e, por isso, preferem antes
uma quantia mínima do que nada. Os fins para os quais os terrenos estão a ser ocupados não estão
definidos. Foi definida uma área para o Pólo de Desenvolvimento Industrial da Catumbela (PDIC);
entretanto, há industrias (Coca-Cola e Cuca) que não foram construídas nesta área, mesmo depois desta
área estar definida. Há várias placas nos terrenos fora do PDIC para futuras indústrias. Do lado do Bairro
Cabaia, as construções (de carácter definitivo) invadiram os terrenos da açucareira até à praia. A mesma
área foi definida como reserva fundiária, para além do famoso projecto de aproveitamento da Orla
Marítima. Há agricultores que estão a fazer investimentos em agricultura, com tecnologia de ponta. Na
margem esquerda, a agricultura praticamente desapareceu – tudo exposto ao betão. Enfim, há muita coisa
a acontecer em simultâneo e sob o olhar dos que têm a responsabilidade de gestão das terras, o que dá
uma clara imagem de falta de um planeamento físico do território. Pelo que se sabe, nada está definido
em termos de planificação física sobre o futuro desta área. Qual vai ser o resultado de várias misturas de
investimentos? Quando é que se vai começar a pôr cobro à situação, fazendo cumprir a Lei? Como se vai
resolver os conflitos decorrentes, depois de multiplicados os actores? Enfim, o que se pretende, então?
4.1.2. CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DA HUÍLA
A província da Huíla é habitada por cerca de 3.154.854 habitantes, com 1441 municípios
e 65 comunas. Tem uma área com 79.022 Km2. Geograficamente, situa-se no Sudoeste
de Angola, e confina, a Oeste, com as províncias do Namibe e Benguela; a Norte, com
as de Benguela e Huambo; a Leste, com as do Bié e Kwando-Kubango; e, a Sul, é
limitada pela província do Cunene.
Com excepção do nordeste, no município de Quilengues, todo território da província da
Huíla situa-se a uma altitude superior a 1.000 metros e é formada por uma peneplanície
limitada, a Oeste, pela cadeia marginal de montanhas, onde são frequentes cotas
superiores a 2.000 metros. Na parte ocidental da cadeia montanhosa, a altitude cai
bruscamente (em degraus, alguns dos quais de mais de 300 metros), mas só
excepcionalmente é inferior a 700 metros. A peneplanície tem junto à cadeia marginal
de montanhas uma altitude de cerca de 1.700 metros e desce suavemente em direcção a
Leste e Sul, para atingir a cota de 1.100 metros nos limites da província.
As principais bacias hidrográficas são os rios Kunene e o Cubango, que ocupam 2/3 da
sua área. O rio Kunene, nasce no Huambo e atravessa a Huíla na direcção Norte – Sul,
dividindo-a a meio, passando pela província do Cunene e desaguando no Atlântico Sul.
Em termos de clima, a Huíla localiza-se numa zona alternada, entre o clima húmido e
seco das regiões inter-tropicais, a excepção da parte sul e sudoeste da província, onde
41
Lubango, Humpata, Chibia, Gambos, Quipungo, Matala, Jamba, Kuvango, Chipindo, Caconda, Caluquembe,
Quilengues e Cacula.
61
tem nitidamente a influência da zona das calmarias tropicais. O clima é geralmente
quente ou tropical, mas nas zonas de maior altitude pode ser classificado como
temperado ou temperado-quente, com variações em termos de temperatura média anual.
Por exemplo, a Humpata, com 17,2º C; o Tchivinguiro, com 17,8º C; o Lubango, com
18,6º C; o Kuvango, com 19,5ºC; o Quipungo, com 19,6º C; e Caconda, com 20,0º C.
A precipitação média anual, assim como o período chuvoso e ainda o número total
médio de dias de chuva, tem muito significado para a província, assistindo-se ao da
quantidade de precipitação de Oeste para Leste e de Sul para Norte, devido ao relevo. A
estação das chuvas é de curta duração no sul (quatro meses, de Dezembro a Março,
sendo os meses de Abril e Novembro de transição), onde as quedas pluviométricas
médias anuais são inferiores a 500 mm e um pouco mais longo no norte (cinco meses,
de Novembro a Março, sendo os meses de Abril e Outubro de transição) e no Noroeste
(de Novembro a Abril, sendo Maio e Setembro de transição), com uma precipitação
média anual superior a 1.200 mm.
Os tipos de solos predominantes são de cinco categorias. Primeiro, os solos ferralíticos
ou francamente ferralíticos, cujas características são determinadas pelo clima chuvoso,
carentes de minerais de argila de boa qualidade e de substância orgânica, representando
¾ dos solos da região. Segundo, são os solos paraferralíticos, que têm um menor grau
de evolução, comparados com os solos ferralíticos. Têm melhor estrutura e, sendo
razoavelmente férteis, respondem bem ao cultivo das culturas de milho, algodão e têm
predominância só no Nordeste da província (Quilengues). Terceiro, são os solos
fersiáliticos, que se encontram em abundância na faixa sub-planáltica e na transição
para os climas áridos, concretamente na faixa meridional e sudoeste da província.
Devido às suas características físico-quimicas e média capacidade de retenção de água,
pode-se atingir nestes termos produções relativamente elevadas de diversas culturas.
Quinto, são os solos psamiticos e cromopsamiticos que se relacionam com os depósitos
arenosos de cobertura, de textura sempre grosseira; geralmente, pouco férteis e
apresentam sobretudo interesse para o pasto. Sexto, são os solos argilosos ou barros
negros na parte Sul da província e com uma larga representação em toda a região
Sudoeste de Angola, com grande capacidade de retenção de água e, por conseguinte,
maior capacidade produtiva, se cultivados de forma racional. Perto dos rios, estes solos
podem aproveitar o regadio para produções de renda.
A vegetação da Huíla varia bastante em função dos factores de que depende, sobretudo
o clima, o tipo de solo e a acção humana. As regiões do Norte, Nordeste e centro, de
maior pluviosidade, encontram-se povoadas na maior parte da superfície de formações
de floresta aberta, também chamadas de “mata de panda”. Por outro lado, nesta zona
verificam-se alterações influenciadas pela acção humana, dando origem ao surgimento
de savanas mais ou menos arborizadas. Na parte Norte, no município de Quilengues, de
clima mais seco, com temperaturas mais elevadas, aparece uma formação de “mata
densa seca” e presença dominante de “imbondeiro”. Na área confinante com a província
de Benguela, encontra-se a formação de mutiati. Na parte Sul e Sudoeste, parte dos
municípios de Quipungo, Chibia e Gambos, com clima igualmente mais seco, aparecem
também formações de “mata cerrada”, que alterna com floresta aberta ou savana
arborizada. Nas terras altas da Humpata, nas zonas mais aplanadas, aparecem as
“anharas de alto” que estão associada a solos muito delgados, com couraça laterítica
junto à superfície e escoamento deficiente de água, sendo a vegetação constituída por
estrato herboso.
62
Em termos de potencialidades agrícolas, a província da Huíla pode-se dividir em cinco
grandes zonas: Municípios do Norte (Caluquembe, Caconda, Chicomba e Chipindo),
onde a precipitação varia entre 800 a 1200 mm/ano, com distribuição bastante irregular;
é a zona agrícola, típica do cultivo de milho. A zona da Matala, Quipungo, e parte
Noroeste da Jamba e Chibia, com 700 a 900 mm/ano de chuva,sendo uma zona de
actividade mista: agrícola e pastoril; encontra-se com variedade de cultivos: cereais
diversos, trigo de regadio, hortaliças, etc. A zona do sul, Chibia, Gambos e parte sul dos
municípios de Quipungo e Matala, com chuva inferior aos 700 mm/ano; é
essencialmente pastoril. A zona denominada “Terras Altas” da Huíla, que inclui os
municípios da Humpata, Lubango, Cacula e o Norte da Chibia. Por último, o município
de Quilengues e o Noroeste da Cacula, que pertencem à zona agrícola 27.
A actividade agrícola da província é caracterizada da seguinte maneira: um sector
camponês não organizado em associações ou formas de cooperativas formais, um sector
de agricultura familiar organizada em associações e cooperativas, um sector de fazendas
privadas que se subdivide em três categorias: o segmento dos empresários agrícolas,
cuja principal actividade é a criação de gado e a prática da agricultura subsidiária, os
pequenos produtores privados (normalmente nos perímetros irrigados) e os “novos
fazendeiros”, que se dedicam a esta actividade como segunda opção.
A agricultura local é geralmente praticada em regime de sequeiro, mas existem cerca de
22.00 hectares de área de regadio permanente. Destes, há três (3) grandes perímetros
irrigáveis, nomeadamente: o Perímetro da Humpata, que corresponde o Perímetro das
Neves e o Perímetro da Bata-Bata, na comuna, com o mesmo nome. O Perímetro da
Chibia, que corresponde a barragem das Gangelas, para fins hidroagícolas e as represas
das Chimucuas 1 e 2, situadas na comuna de Capunda - Cavilongo. O Perímetro de
Quipungo, que corresponde à represa de Quipungo, à represa de Chicungo e à represa
do Sendi. Para além destas, há a destacar a existência do canal da Matala – Calongo,
com uma extensão de 43 km para irrigar 6.000 hectares e gerar empregos para 750
famílias.
Na província, foi implementado o Projecto Terras FAO/CE GCP/ANG/036/EC –
FOOD/2005/115136, realizado em parceria entre a FAO – Fundo das Nações Unidas
para Alimentação e o MINADER, que tinha como escopo principal apoiar as
comunidades rurais na delimitação das suas terras.
Não existe um número real sobre a existência do efectivo animal no sector empresarial,
mas estima-se que o número anda à volta de 2 – 5% do efectivo existente. O efectivo de
pecuários42 existentes na província é de 1.200.000 bovinos, 900.000 caprinos, 62.870
ovinos, 300.000 suínos, 472.800 aves.
O número estimado de famílias na província é de 249.223 de 2008/2009. Foram
assistidas pelos programas do Governo e das ONG's cerca de 177.688 famílias. Fontes
da UNACA apontam as seguintes cifras: 621 cooperativas com 51.187 cooperadores,
sendo 24.647 homens e 26.540 mulheres; 284 associações, com 34.576 associados,
sendo 23.732 homens e 10.844 mulheres. Fontes do IDA referem que no ano agrícola
42
Fonte: República de Angola, Governo da Província da Huíla, RELATÓRIO ANUAL 2008 – SOBRE
ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS.
63
em referência foi cultivada, na província, uma área total de 466.141 hectares. Foram
concedidos créditos pelo Banco Sol a 72 cooperativas. Prevê-se preparar 582.980
hectares.
O memorando sobre Programa Provincial de Urbanização e Habitação da Huíla
apresentado pelo Governo Provincial, na reunião do Conselho de Auscultação e
Concertação Social (CACS), realizada em Junho de 2009, o Governo Provincial da
Huíla definiu como meta a edificação de 135.000 focos, na província da Huíla, nos
próximos quatro anos, tendo em conta a auto construção dirigida, a construção para fins
comerciais e a cedência de lotes, entre outros. Estão previstas 15 urbanizações com as
respectivas redes técnicas, cobrindo 7.050 hectares e 6.450 hectares de urbanização com
simples arruamentos. Para além das duas (2) reservas oficiais aprovadas pelo Conselho
de Ministros – Nambambe e Matala, em todos os municípios e em algumas comunas
existem reservas fundarias. Presentemente, a Huíla tem os seguintes projectos de
urbanização: No Lubango, existe a urbanização da nova centralidade da Eywa, Caluvale
– Invantala; projectos Mutundo, Humpata 1 e Humpata Norte.
Os habitantes da província da Huíla fazem parte dos grupos sócio culturais ou étnico
linguísticos Ovimbundu, Nhaneca Nkumbi, Herero, Nganguela e Tchokwe.
Evidenciam-se também os povos do grupo não-bantu, como os e mestiços que são o
cruzamento sanguíneo e cultural entre vários povos.
a) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO CHIPINDO
Caracterização geral
O município do Chipindo dista a 456 quilómetros da cidade do Lubango, tem uma
superfície de 3.898 km2, uma população de cerca de 70.000 habitantes, com três
comunas: Sede, Bambi e Bunjei. Faz limites com o município de Caconda, a Oeste; a
Sudoeste, com Chicomba; a Norte, a província do Huambo; a Leste, o município do
Cuvango; e a Sul, o município da Jamba.
O município localiza-se na região provincial Norte e Nordeste, de maior pluviosidade,
encontra-se povoada, na maior parte da superfície, de formações de floresta aberta,
também chamadas de “mata de panda” e presença de chanas e anharas. No tempo de
conflito armado, houve uma grande recuperação do manto vegetal e as antigas lavras
transformaram-se em florestas. Hoje, já se verificam alterações pontuais influenciadas
pela acção humana, dando origem a parcelas de terras cultivadas em plena floresta.
Caracterização sócio - económica
A actividade agrícola da província é caracterizada da seguinte maneira: um sector
camponês não organizado em associações ou formas de cooperativas formais, um sector
de agricultura familiar organizada em associações e cooperativas, um sector incipiente
ou quase nulo de fazendas privadas em plena actividade produtiva. Neste último caso,,
só existem duas de produção e comercialização de produtos florestais e umas poucas em
fase de instalação ou pedidos de cedência de fazendas de cunho agrícola.
64
Os rios também jogam um papel importante na economia das famílias que fazem
captura de peixe e venda do mesmo em estado seco ou fresco. Vêm-se muitos caprinos,
suínos e aves nas aldeias, sendo uma fonte importante de rendimentos e poupança.
O principal mercado dos produtos do município de Chipindo é o Huambo e há bastante
circulação e contactos com as cidades e vilas desta cidade, ou seja, as ligações
familiares e comerciais com o Huambo são muito fortes. Quanto mais a Norte do
município, maiores são os contactos.
O polígono florestal é também uma fonte de rendimento de algumas comunidades que
prestam serviços de corte de paus de eucalipto e, em troca, têm direito de cortar uma
quantidade de paus que transformam em madeira para vender no mercado da vila, e é
comprada e transportada por intermediários do Huambo.
O Chipindo é um município com baixa densidade populacional e, nos anos de conflito,
milhares de pessoas se deslocaram para outros lugares, sobretudo na Huíla, Namibe e
Luanda. Há já muitas famílias que regressaram, sobretudo as que estavam deslocadas
nos municípios vizinhos durante a guerra, por exemplo, da Caála e da Matala. Há
também famílias do Lubango, cidade do Namibe e Tômbwa, que já regressaram.
Segundo informações das populações, ainda existe muita gente que tenciona regressar.
Sistemas de produção
Em termos de potencialidades agrícolas, o município faz parte da região Norte e
Nordeste da província - Caluquembe, Caconda, Chicomba e Chipindo, onde a
precipitação varia entre 800 a 1200 mm/ano e é a zona agrícola, típica do cultivo de
milho.
A população é maioritariamente camponesa, praticando as culturas de milho, feijão e
culturas das baixas, por causa da riqueza em termos hidrográficos. Tem uma área
agrícola de cerca de 30.384 hectares43 e conta com três (3) polígnos44 florestais. No
sector tradicional, o número de famílias camponesas rurais é de cerca de 60.00045.
Existem cerca de 39 associações46 de camponeses, com cerca de 10.037 associados;
existem também 8 cooperativas47, com cerca de 10.010 cooperadores. Em relação ao
bovino, o município possui 6.000 cabeças48.
Os sistemas de produção são principalmente do sector camponês, que produz para
subsistência e venda. As culturas principais são feitas nas baixas e, na língua umbundu,
recebem o nome de “olonaca”49; as lavras da zona intermédia, “ombanda”50 e as lavras
do alto,“ongongo”. Para além destas, pode ainda explorar as “elunda”51, que, nesta
43
Fonte: República de Angola, Governo da Província da Huíla, RELATÓRIO ANUAL 2008 – SOBRE
ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS.
44
Idem.
45
Idem.
46
Idem.
47
Idem
48
Idem.
49
A lavra da baixa no fundo do vale, drenando e conservando a humidade no solo através do controlo do lençol
freático.
50
Na bordadura da baixa onde se lhe torna mais fácil a drenagem e o maneio da água.
51
Lugares de antigos povoados enriquecidos pela acumulação orgânica.
65
altura, são numorosas no Chipindo, sem descurar as parcelas comuns contíguas às casas
– “otchumbo”.
As culturas são feitas em consorciação. Neste âmbito, foram assinalados problemas de
animais que estão a destrui-las, com o agravante de haver poucas lavras. Uma das
estratégias que a população adoptou por causa destes animais é fazer as lavras não
muito separadas umas das outras, isto é, as lavras não devem estar dispersas. Observamse muitas parcelas de terras recentemente desbravadas no meio da mata, para fazer
agricultura ao lado das estradas.
Há muitas famílias que combinam a agricultura e a pesca, ou a pesca e a criação de
animais. Os funcionários públicos também têm parcelas de terras para cultivar cereais e
leguminosas.
Caracterização institucional
O município do Chipindo faz parte da Categoria C, de acordo com o Decreto nr 9/08 de
25 de Abril52, que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. O município tem várias igrejas representadas,
com destaque para a Igreja Católica e a IECA. A capital histórica da IECA é a Missão
do Bunjei, onde foi fundada, em finais do século XIX. Esta Missão, por via da
evangelização e do ensino, deu um grande contributo na formação das actuais elites53 do
Planalto Central. O Bunjei é uma das comunas do município.
Actualmente, existem, no município, duas organizações da Sociedade Civil,
designadamente a Associação Juvenil de Apoio às Famílias Desfavorecidas de Angola –
AJAFDA54 e a Associação dos Naturais e Descendentes de Amigos do Galangue e
Chipindo (AANDAGC), lideradas por pessoas que nasceram no município e jogam um
papel chave com ideias, conhecimento e acção sócio colectiva. Depois do fim do
conflito armado já actuaram no município organizações como a ZOA, uma ONG
holandesa de apoio à emergência, a ACF, uma ONG Espanhola de apoio à emergência e
à agricultura e a ACORD – Agência de Cooperação e Pesquisa para o Desenvolvimento,
que trabalhou nos projectos de reintegração social dos ex-militares, em parceria com a
AJAFDA.
As localidades e instituições de trabalho
No município de Chipindo, as entrevistas foram feitas com o Administrador Municipal,
a EDA, os líderes tradicionais, os informantes – chave e líderes da Sociedade Civil
local. Foram realizados trabalhos com grupos focais na aldeia Chipindo Vissamba, a
Sudoeste, onde estão os herdeiros do fundador de Chipindo; na aldeia de Cahala, onde
existe uma associação de camponeses; nas aldeias de Chimoma e Calopa, no Bunjei; e
nas aldeias de Sanje e Mussungo. Também foram feitas visitas de rotina na vila e nas
zonas das reservas fundiárias.
52
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das atribuições,
competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos Provinciais, Administrações
Municipais e Comunais.
53
Elites militares, políticas, sociais e religiosas.
54
Esta organização esteve envolvida em projectos de reintegração social do ex militares da Unita, financiado pelo
Governo de Angola, com fundos do Banco Mundial, através do IRSEM – Instituto de Reintegração Social dos Ex
Militares ao abrigo dos acordos do Luena complementares aos acordos de Lusaca entre o governo e a Unita.
66
A questão fundiária e os eixos de conflitualidade
De acordo com os conceitos acima referidos, os principais eixos de conflitualidade neste
município têm a ver com a sua especificidade em diferentes aspectos. Por exemplo, com
o conflito armado, houve muita gente que saiu para outros lugares em busca de
segurança e sobrevivência. O regresso das populações deslocadas a casa é lento, a
presença de famílias de outras partes de Angola como consequência do conflito
armado55, a pressão demográfica reduzida e, por conseguinte, ainda muita
disponibilidade de terras; o mercado é fraco e a maioria da população ainda se encontra
numa situação de “tentar recuperar”, poucas fazendas do tempo colonial, a existência de
lugares de exploração de ouro56 no tempo colonial, etc. Neste contexto, os eixos de
conflitualidade são ao nível intra-familiar, entre famílias de mesma comunidade e entre
comunidades e agentes externos, sobretudo enquanto um potencial diferendo ou
conflito. Até há casos de cooperação entre comunidades e agentes externos.
Uma das características de Chipindo, em termos de tendência de concentração fundiária,
é que uma boa parte dos que pretendem a terra para fazendas, no município, são naturais
ou descendentes de Chipindo. Ainda em termos de eixos de conflitualidade, o Chipindo
tem dois aspectos distintos: a parte Sul, aparentemente é calma; e o Norte,
principalmente na comuna de Bunjei, onde a abordagem sobre as questões de terras é
tensa. Aliás, durante as entrevistas, os grupos focais e as observações, houve evidências
claras da tensão e do ambiente de desconfiança.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiar (entre membros da mesma família)
O sinal potencial diferendo mais referenciado é dos terrenos que estão a ser
redistribuídos no regresso das famílias, cujo processo não é feito na base dos limites
anteriores, à saída das famílias das aldeias. O primeiro factor desta situação tem a ver
com poucas famílias que regressaram, tendo as lideranças decidido que as lavras deviam
ficar umas próximas das outras, para se defenderem dos animais que estão a destruir as
culturas. Eles dizem que sabem dos planos de regresso de outras famílias – que não
estão a ser consultados – e que quando chegarem, vão receber outras terras.
Eventualmente, isto poderá ser um potencial diferendo, quer entre membros da mesma
família ou entre famílias das mesmas comunidades. A liderança da comunidade
reconhece que o regresso de outras famílias poderá trazer outros problemas: Ademais,
as famílias também estão a multiplicar-se, e, logo, as que voltarem vão precisar de mais
terras.
Um assunto levantado por pessoas entrevistadas em várias comunidades relaciona-se
com os casos de terras que, antigamente, tinham sido cedidas/oferecidas a vientes que a
trabalharam, tiveram lá os seus filhos e netos – descendentes. Com o passar dos anos, os
progenitores que cederam e receberam as terras morreram. Agora, os descendentes filhos e netos dos que tinham cedido tais terras estão a reclamá-las, alegando que estas
são dos seus antepassados, afirmando mesmo que “vocês são vientes, (ovingendelei, na
língua Umbundu), e devem regressar nas terras dos vossos antepassados”. Na resolução
destes casos, em todos os lugares, é unânime que estas terras pertencem aos
55
Principalmente ex-militares dos exércitos da Unita e do Governo,
Informações locais referem que um dos lugares de exploração era a comuna do Bambi, na localidade de Canjanja,
por um americano cuja empresa se chamou Chroomoly e se retirou de Angola em 1976.
56
67
descendentes dos que tinham recebido as terras. A sua resolução envolve as famílias ou
as autoridades tradicionais, que fazem recurso a testemunhas. Entretanto, foram
levantados outros assuntos à volta destes. Por exemplo, às vezes, algumas famílias ou
pessoas aproveitam estas situações para correr com os indesejáveis, na comunidade, por
perturbarem as normas sociais e, alegadamente, por possuírem um mau comportamento
– o “otchindululo” ou os “ovindululu” em língua Umbundu. Os respondentes disseram
que podem ser expulsos, mas ninguém se referiu a casos concretos que já aconteceram
ou ouviram falar, no Chipindo. As terras cedidas não devem ser vendidas.
Os respondentes disseram que a herança de terras é para os filhos. Antigamente, era
para os sobrinhos e, ainda há mais-velhos, que defendem que a herança devia ser para
os sobrinhos. Disseram que as filhas não têm direito à herança directa de terras, mas
sim, quando elas ficam em desvantagem em relação aos esposos, por exemplo, por
falecimento. Nestes casos, elas recebem terras que estão sob guarda dos irmãos.
Referiram-se que há famílias em que as terras são distribuídas normalmente como
herança às filhas. As terras herdadas não podem ser vendidas sem acordo com os
herdeiros.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitários (entre membros da mesma
comunidade)
Os respondentes disseram que, neste momento, não há disputas de limites entre lavras
de membros da mesma comunidade. As formas de acesso às terras mencionadas pelas
comunidades são a herança – “okupinhala”, a cedência/distribuição/entrega –
“okuetcha”, o empréstimo - “okundica”, a compra “okulanda”. Em poucos casos foi
referida a existência de terra que tinha sido entregue em forma de penhor “ondjeque”.
Destas formas de acesso à terra, as mais comuns são a herança e a entrega/cedência. Os
respondentes disseram que ainda há muita disponibilidade de terra. O sentido ou o
significado que as comunidades dão ao conceito de entrega/cedência tem alguns
contornos em termos de limitações ou imposições. Por exemplo, a terra entregue/cedida
não poder ser vendida. Esta forma de acesso é tratada pelas pessoas envolvidas e
interessadas, mas envolve sempre testemunhas e a autoridade tradicional para validar o
acordo.
Uma outra questão levantada pelos respondentes tem a ver com os que vêm pedir terras
somente para a trabalhar de forma temporária até um período pré definido ou não. Estes,
ao receberem terras, quando termina o tempo, agradecem, entregam a terra alheia e
podem ir-se embora. A outra, já acima referida, isto é, a entrega/cedência – “okuetcha” dá-se quando o viente veio para ficar, para viver, para construir e ter lavras – “onungui”,
sendo que a esposa pode ser da comunidade ou vir com ela de fora da comunidade. No
caso de a esposa ser da comunidade, deriva em vantagens de herança para filhos, porque
lá está a família materna “epata lyo koluina”. Em quase todas as comunidades onde se
fizeram as entrevistas e grupos focais, não houve referências de terras vendidas, aliás, as
pessoas reagiam com uma certa repulsa à esta forma de acesso. Todavia, numa
comunidade, alguém referiu-se ter ouvido falar de uma aldeia onde o soba vendia ou
vende terras, por sinal, numa aldeia onde vivem pessoas que não nasceram nela, os
desmobilizados de guerra.
Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitários (entre comunidades
diferentes)
68
Em termos de acesso aos recursos naturais da terra – água, lenha, plantas medicinais,
carvão, colmeias para mel, caça -, as situações que ocorrem são tanto do nível intra e
inter – comunitária. O acesso à lenha, às plantas medicinais e aos cogumelos
alimentares é livre. O acesso à floresta para explorar e comercializar carvão é altamente
problemático, e não é permitido porque, segundo eles, a queima do carvão dá cabo do
solo. A emoção com que exprimiam isso dá a ideia de como este assunto não é pacífico.
Às vezes, pode-se explorar carvão através de acordos de mútua vantagem - financeira,
material, etc. Quanto mais próximo da cidade, como é o caso de Bunjei que está perto
da Caála e do Huambo57, mais sensível é o assunto do carvão. Em relação às colmeias
de mel não há consenso. Uns dizem que cada um pode colocar colmeias em qualquer
árvore e floresta, pertencente a qualquer família, de uma ou de outra comunidade.
Outros dizem sim, que pode pôr, mas se já existe um suporte “onânla”58 de colmeia
usada por alguém, tem de pedir permissão antes ou depois de pôr a colmeia. Sobre a
caça, dizem que a modalidade de caçada já não é feita como antigamente, em que havia
pessoas que as convocavam em épocas próprias, envolvendo várias comunidades. A
modalidade de caça individual pelo caçador “o ukongo”, também está a desaparecer, por
causa dos problemas provocados pelas armas nos anos da guerra. Há, sim,
eventualmente, caça com armadilhas.
Neste contexto, as características de conflito acima referidas têm a ver com acesso a
recursos naturais e à problemática ambiental, quando se trata de queima de carvão.
Ademais, a esta última se acresce o factor económico, porque o carvão é uma fonte de
rendimento, dependendo da área e distância em que é explorado.
No meio urbano não se vende a terra, mas cedem-se ou emprestam-se terras para
construção de casas. – Aqui não se venda terra, mas sim casa, dizia um respondente. A
cedência de terras por um amigo deve ser testemunhada pelo chefe de zona ou do bairro
e o processo deve ser validado pelo soba e pelos Serviços Comunitários.
A dimensão de conflitos e diferendos de terras inter – comunitários também se enquadra
nas reclamações expressas por alguns respondentes que diziam haver demais tentação
de apropriação de terra por parte de alguns naturais e ou descendentes do Chipindo.
Outros dizem que os não - naturais e/ou não - descendentes estão também a aproveitarse da terra que, originalmente, não lhes pertence. Outros ainda reclamam que há pessoas
cuja verdadeira origem não é do Chipindo. Eventualmente, os seus pais vieram de
outras partes por causa das missões das igrejas e, hoje, se auto intitulam de naturais.
Outros são aqueles que eram trabalhadores de empresas e, agora, querem passar por
herdeiros. Estes fragmentos de dizeres são expressos de forma explícita e entre linhas,
configurando a existência de animosidades.
As características desta natureza de conflito ou diferendo têm mais a ver com a questão
da igualdade de oportunidades, em termos materiais e, também, na dimensão da
participação, ou seja, certamente, as pessoas gostariam de fazer parte das decisões sobre
partilha de recursos e outros assuntos que dizem respeito a todos.
57
As duas cidades são de grande concentração urbana, o manto vegetal dos arredores das cidades praticamente
desapareceu por acção humana e tem altos níveis de consumo de energia.
58
Um suporte natural de árvore que pode suportar de forma equilibrada uma colmeia.
69
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitários (comunidade e agentes
externos)
Historicamente, o município de Chipindo não tinha praticamente fazendas, e a literatura
refere que os solos desta região são relativamente pobres, em termos de aptidão
agrícola. Todavia, ao contrário disto, há sinais e evidências de pessoas singulares ou
colectivas que pretendem ou já requereram terras. Entre estes, há os que já requereram
terras e aguardam pelas formalidades finais das autoridades e os que já têm títulos de
terra cedidas pelo Estado. No meio destas pessoas se incluem algumas elites que
nasceram ou são descendentes de Chipindo, mas que vivem fora do município e outros
ainda têm uma presença efectiva no município, apesar de viverem fora dele. Há também
informações não confirmadas de pessoas que estão fora do país e pretendem terras no
Chipindo.
Existe um polígno florestal da Chivica, no Bunjei, que foi legalizado a partir da
província do Huambo, apesar de estar no território da Huíla. Aparentemente, esta
floresta não tem actividade e rotina empresarial permanente, visível e reconhecida pelas
autoridades locais. Fala-se ter havido uma certa contestação das comunidades quando se
cedeu o polígono florestal ao privado.
O polígono florestal de eucalipto na área do Sanje tem actividade, gestão e rotina
empresarial, havendo uma cooperação com as comunidades locais. Todavia, há
correntes locais, defendendo que a mesma empresa florestal devia ser mais produtiva do
que mera actividade de corte e venda de paus e da madeira que já lá existia no tempo
colonial.
A área de Mussungo está nas imediações ou dentro de uma antiga fazenda que, no
tempo colonial, passou por dois proprietários. O segundo proprietário transformou-a em
fazenda agro-pecuária e adoptou uma postura e prática de cooperação e respeito pelas
comunidades. As comunidades dizem que ele assegurava que se o seu gado destruísse
as culturas das comunidades, elas seriam indemnizadas. Entretanto, fruto da
independência, o fazendeiro colono saiu de Angola e, depois, veio um nacional do
Huambo que tentou explorar a fazenda; este não tendo conseguido fazê-lo desistiu e foise embora de volta. Nos últimos anos, houve uma tentativa de alguém localmente
recuperar a fazenda, mas foi impedido com o apoio das comunidades.
Também há informação sobre terras cedidas, que incluem jazigos de exploração de
ouro. As referências sobre a existência de ouro estão até em documentos oficiais, mas
há títulos de terras cedidos não confirmados, que incluem estes espaços. Os
respondentes referem-se a existências de terras cedidas em grandes extensões na faixa
que vai da Comuna do Bambi até às imediações da Barragem do Ngovi. Fala-se em
como os interessados ou os possuidores destas terras são altos dignitários da hierarquia
do poder do Estado. Nas entrevistas, percebe-se que há um certo “secretismo” acerca
destas concessões, e as pessoas não falam abertamente sobre isso. Ainda acerca deste
assunto, um entrevistado dizia assim: “… o Chipindo nunca teve praticamente fazendas,
e agora não entendo porque é que tanta gente tem febre pela obtenção de fazendas de
grandes extensões de territórios e sem capacidades demonstrada de explorar....”.
Estes casos têm características de disputas de recursos que, para além da terra – solo,
eventualmente existem outros recursos no subsolo, que são de alto valor económico,
70
como. Por exemplo, o ouro. Logo, está-se diante de competição pelos espaços para
agricultura, pecuária, recursos da floresta natural e água dos rios e, talvez, para a
eventual exploração do ouro.
No município do Chipindo, existem casos sobre as questões de terras entre comunidades
e agentes externos, que ainda não têm características de conflitos abertos como tal, mas
sim, potenciais conflitos que, se não forem tratados de forma célere, transparente,
inclusiva e na base do primado da lei e da justiça, poderão evoluir como fonte de
conflitos patentes de terras.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
Há diferentes tipos de casos de terras que envolvem interesses de comunidades,
processos legais de delimitação de terras comunitárias e riscos de sobreposição com
interesses privados ou particulares. A comunidade da Chimoma e Jongo, no Bunjei, em
que o apoio externo de pessoas individuais e colectivas têm procurado dar suporte às
comunidades para delimitarem as suas terras comunitárias, conforme previsto na Lei de
Terras, como é descrito na caixa mais abaixo, que relata o caso. O outro, é da
comunidade de Calopa/Nguelengue, que já têm um processo de delimitação de terras
bastante avançado, mas está encalhado. Há informações que os limites das terras
comunitárias de Calopa/Nguelengue estão a ser disputados por outros interesses
privados, isto é, há riscos de haver sobreposição. Vários respondentes falaram da
existência de pretensões ou cedências de terras já efectivadas e que coincidem com as
terras comunitárias. Este caso também é relatado na outra caixa, após o primeiro.
Existe um Plano do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, que
estabeleceu reservas fundiárias de terras de mais de 20.000 hectares para fins agropecuários em sistema de fazendas privadas de alta tecnologia e financiamentos
bancários. Fala-se do banco BIC – Banco de Indústria e Comércio. Está localizada na
área do Wala, na parte Sul do município. Esta estratégia também está a ser feita noutros
municípios. Neste caso, trata-se do Estado a criar condições legais e institucionais para
interesses privados. Não se fala da existência de comunidades dentro desta reserva de
terras. Há correntes locais de pensamento que dizem que este projecto não “tem pernas
para andar”. Todavia, não apontam as razões.
As concessões de terras oficiais e assumidas são três: uma de cerca de seis mil hectares
– que está a ser redimensionada, o polígono florestal de eucalipto na área do Sanje, com
cerca de 800 hectares e uma concessão de terras comunitárias da comunidade do Lewa.
Ainda sobre a delimitação de terras, estão em curso outros dois processos que são
relatados nas caixas de casos já mencionados. Como já foi referido, existe um polígono
florestal que foi privatizado a partir das autoridades da província do Huambo, apesar de
estar na província da Huíla.
Ao nível da província da Huíla, foram feitas seis (6) concessões e títulos de
reconhecimento de terras comunitárias contra centenas de títulos concedidos aos
privados. Aqui coloca-se a questão da disparidade, mesmo sem se saber as diferenças
entre as superfícies cedidas para interesses individuais e privados e interesses colectivos
das comunidades.
71
O projecto de delimitação de terras implementado em parceria entre a FAO e Ministério
da Agricultura e Desenvolvimento Rural, em Benguela, no Bengo, no Huambo e Huíla
está a ser analisado entre os actores envolvidos na questão de gestão da terra,
juntamente com a FAO. As organizações da Sociedade Civil que trabalham as questões
de terras aguardam os resultados e as lições tiradas desta fase e como esta experiência
poderia ser replicada ao nível do país. Este assunto é mais pertinente por causa da
acentuada insegurança fundiária das comunidades.
Uma das características deste eixo de conflitualidade é o conflito com a Lei de Terras e
seus regulamentos, e o Estado a assegurar as condições para investimento privado
através de estabelecimento de reservas fundiárias como estratégia de promover o
desenvolvimento. Neste caso, é uma estratégia importante de apoiar a agricultura
empresarial. Todavia, a mesma protecção também deve ser assegurada para os milhares
de famílias camponesas que asseguram a maior quantidade de produção de culturas
alimentares no país.
O município do Chipindo tem duas reservas fundiárias para fins habitacionais e
industriais. Este assunto é pacífico, porque as reservas não estão em lugares onde haja
muitas habitações ou lavras.
Na área de Camassissa, existe uma antiga fazenda agro-pecuária cedida a um privado e
não há informação sobre disputas de interesses entre este e a comunidade. Há
informações sobre a superfície da mesma fazenda que está além da norma concedível ao
nível da autoridade (nível municipal e provincial), conforme o Regulamentos de
Concessão de Terras, ou seja, fala-se de 6.000 hectares, dado não confirmado.
Nas áreas de Camunda e Ndovala, no passado, houve um estrangeiro que desejava
comprar terras numa Anhara e o projecto acabou por não se efectivar.
Nas imediações das comunidades do Sanje e do polígno florestal, na área do Cunha, a
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural tem um plano de construir uma “aldeia
rural” com 70 residência do modelo de “agroville59”, mas as comunidades e as pessoas
ao nível da Administração local mal sabem sobre tal projecto, nem o modelo de casas e
os critérios de acesso. Por enquanto, não se fala sobre o assunto.
As formas de resolução de conflitos
As formas de resolução de casos de conflitos ou diferendos de terras são por via das
próprias famílias, envolvimento das autoridades tradicionais ou testemunhas de casos
intra familiar e ou entre famílias da mesma comunidade. Os casos entre comunidades,
praticamente não existem. Os conflitos ou diferendos com agentes externos são, regra
geral, resolvidos pela Administração Municipal ou entidades institucionais do Governo
Provincial, como por exemplo o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural.
Raramente são dirimidos pelos tribunais. Portanto, a maior parte dos casos são
dirimidos por via das regras do direito costumeiro e outra pelas normas administrativas
baseadas no direito positivo.
59
Expressão em francês que significa literalmente agrovila ou uma vila agrócola.
72
Imagem 3: Grupo focal
Como se vai ver nos casos escritos nas caixas abaixo, nas questões de delimitação de
terras comunitárias colocam-se coisas ligadas a co-responsabilidade que precisam ser
resolvidas; ou seja, como fica a situação quando um dos actores envolvido na
delimitação não responder a sua responsabilidade, por exemplo, a assinatura do
administrador ou a declaração da EDA?
Casos de diferendos e conflitos de terras
Caso de delimitação de terras comunitárias nas aldeias de Chimoma e Jongo
As aldeias de Chimoma e Jongo são irmãs que ao longo de muitos anos tiverem um papel relevante na
sociedade do Bunjei. Nas aldeias de Chimoma e Jongo nasceram e foram criadas pessoas que hoje são
elites sociais - académicas, militares - na sociedade angolana. À semelhança de outras comunidades de
Bunjei, as duas aldeias não escaparam dos efeitos do conflito armado e, depois do conflito armado, estão
a reconstituir-se e a reestruturar-se económica, social e culturalmente.
Nos últimos tempos, fruto do acesso à informação e influência que as comunidades têm de pessoas que
nasceram nesta aldeia e vivem, hoje, nas capitais de províncias, iniciaram um processo de garantir a
segurança fundiária das suas terras através da delimitação60 por via do que está consagrado na Lei de
Terras, ou seja, o direito de domínio útil consuetudinário, que tem uma particularidade, porque é gratuito
e é perpétuo. Esta primeira tentativa de delimitação de terras não surtiu efeitos. Em seguida, uma
organização da Sociedade Civil de direito angolano, a AJAFDA, começou a dar apoio directo às
comunidades para realizar a delimitação. Concebeu e elaborou um projecto para tal, mobilizou recursos,
estabeleceu contactos com as instituições afins.
Os esforços da AJAFDA estão a ultrapassar os limites temporais do projecto, o seja, o tempo de terminar
o projecto chegou ao fim e ainda não há autorização local para se fazer a delimitação acima referida.
Foram investidos recursos, energia, vontades, geraram-se expectativas e a delimitação não avançou!
Caso de delimitação de terras das comunidades das aldeias de Calopa e Nguelengue
Três membros da família Calopa da aldeia de Calopa, no Bunjei, tomaram a iniciativa de ir até ao
Lubango, junto do Ministério da Agricultura, para obterem informações sobre como poderiam legalizar as
60
Diminui os conflitos, ajuda a reforçar a segurança alimentar, ajuda a reforçar a igualdade de género, possibilita a
concessão de crédito rural aos detentores de títulos, o que favorece os investimentos na terra e o desenvolvimento
rural, garante o direito à terra, previsto na lei e a comunidade participa em todo processo e tratamento da informação,
apoiando no terreno a equipa de delimitação.
73
suas terras. Deste diálogo, analisadas as vantagens e desvantagens e tomando em conta que na aldeia
existem outras famílias que não fazem parte da família Calopa, chegaram à conclusão que seria mais
adequado legalizar as terras em nome de toda a comunidade, conforme prevê a lei. Desta feita, iniciaram
outros trâmites processuais e legais, já neste sentido de delimitação de terras comunitárias.
Mobilizaram e organizaram a comunidade de Calopa, juntaram recursos para contribuir na delimitação e
efectuaram os contactos necessários que, de certa maneira, foram favorecidos pelo conhecimento e
relação que já tinha sido estabelecida. Todavia, no nível das autoridades não tinham ainda obtido a
resposta formal que autorize o pedido de delimitação.
No dia do início da delimitação, houve uma falha de não se ter passado pela Administração Municipal
para as devidas formalidades, mas fez-se isso ao nível comunal no Bunjei.
O processo foi bastante intenso e envolveu várias instituições do Estado, nomeadamente: IGCA, INOT,
DPADER e DPUA. Foi constituída a equipa de delimitação, foi feito o Diagnóstico Rural Participativo
com as comunidades. Durante o DRP, chegou-se à conclusão, com a comunidade, de que deveria ser
delimitação de terras comunitárias das duas comunidades vizinhas e irmãs, ou seja, da Calopa e do
Nguelengue, tomando em conta a história comum das duas.
O IGCA fez georeferenciamento, cadastramento e croquis de localização. O INOT fez confrontação das
áreas com os planos de ordenamento do território. O DPADER e o DPUA fizeram a validação do
processo e só falta a emissão do título de reconhecimento. A emissão do título passa por assinaturas do
Administrador Municipal, do Director Provincial da Agricultura e Governador Provincial. Porém, a
assinatura do Administrador não foi obtida, provocando o atraso na obtenção do título.
Caso da fazenda florestal do Sange
O polígono florestal do Sanje, nas imediações da aldeia com o mesmo nome, fica a Nordeste do
município do Chipindo, ao longo de uma das estradas que conduz até à ponte sobre o rio Cunene, tem
cerca de 800 hectares, por perto e dentro passam rios de curso permanente. O polígono foi implantado por
colonos portugueses, em finais da década setenta, e a exploração combinava a plantação de árvores e a
produção de madeira com serração. Também, tinha um viveiro de plantas silvícolas. O lugar onde a
floresta foi implantada pertencia a famílias locais e tradicionais do Sanje, uma aldeia que tinha infra
estruturas e um Centro Evangélico da IECA.
Por força dos interesses políticos e económicos portugueses, as terras lhes foram retiradas por usurpação.
Foi uma situação de conflito muito doloroso, que acabou por levar a vida do patriarca da família por
desgosto, tendo morrido dias depois de se efectivar a ocupação das terras. Nos anos da independência,
com a saída precipitada e em debandada dos portugueses, a fazenda foi abandonada e isso prolongou-se
por muitos anos, por causa do conflito armado que terminou em 2002.
Com a paz, o polígono foi privatizado a favor de um cidadão que, por sinal, nasceu no mesmo lugar e é
um dos descendentes da mesma família. Portanto, o polígono está a ser gerido por uma empresa deste, e
para além da fazenda/polígono, também tem outros braços do mesmo empreendimento ao nível do
comércio, farmácia e previsão de formação profissional, tudo no município do Chipindo. A
fazenda/polígono florestal emprega trabalhadores que são todos membros da comunidade local. O acesso
de lenha seca é livre pelos membros da comunidade. No corte de paus para comercialização, os gestores
implantaram um sistema de prestação de serviço de corte de pau ou madeira, que funciona com os
membros da comunidade local com vantagem recíproca. Ou seja, em cada x metros cúbicos cortados, y
são para quem os cortou. Os membros da comunidade transformam estes paus em madeira e vão vendê-la
no mercado do Chipindo que, por sua vez, é comprado por intermediários vindos do Huambo.
Caso das demolições no Lubango
A dimensão do problema habitacional nas cidades angolanas pode ser avaliada pela enorme extensão dos seus bairros
periféricos de ocupação informal e habitações arruinadas ou de construção precária nas zonas mais centrais da cidade.
Esta situação reflecte a grande carência de habitação para a população com menores recursos, aliada a uma
permanente ausência do Estado, em termos de respostas prontas e claras. Coexistem diferentes sistemas formais e
informais de distribuição e comercialização de terrenos e de casas onde se misturam a lei do mercado, a lei
costumeira e as práticas burocráticas relacionadas com a lei vigente. Em todas as cidades, o mercado informal de
terrenos e de casas é intenso, mas o Estado mantém-se alheio a estas transacções.
74
A cidade do Lubango, durante o conflito armado, foi das mais seguras e garantia de sobrevivência de milhares e
milhares de pessoas saídas do meio rural e de outras cidades e vilas de maior risco, sobretudo do Norte e Este da
Huíla, bem, como da província do Huambo. Esta realidade social, humana e demográfica, mais a incapacidade do
Estado em responder às necessidades habitacionais, provocou um crescimento urbano desordenado, incluindo a
construção em lugares não permitidos por lei, nomeadamente, no perímetro de 50 metros da linha férrea, por baixo da
linha eléctrica de alta tensão e em lugares de risco, como nas zonas ribeirinhas e nos cursos de águas temporárias.
Muitas das casas construídas nestas condições foram autorizadas pela administração pública, apesar de haver um
grande défice no sistema de cadastro e imprecisão de registo de propriedade e de posse.
Nos últimos anos, depois de terminar o conflito armado, o Governo Angolano empreendeu e pôs em marcha um
plano de construção de infra-estruturas e equipamentos sociais, estando a aumentar os investimentos no domínio
turísticos e outros. Para além disso, está a ser reabilitado o CFM – Caminho de Ferro do Namibe
O Governo Provincial da Huíla definiu um plano de Operação de Combate e Demolições de Casebres e Construções
Anárquicas, no Município do Lubango. Este plano foi concebido no âmbito da Comissão Provincial de
Implementação do Programa Nacional de Urbanismo e Reabilitação e foi criado o Grupo Técnico Executivo para a
Implementação do Processo de Realojamento das Famílias que Construíram na Encosta dos Bairros Luta Continua,
Ferrovia e Joaquim Kapango. Em termos de acto administrativo, o Governador Provincial exarou dois despachos,
nomeadamente: 584/GAB. GOV. HLA /2009, de 16 de Outubro, que cria a Comissão Técnica, coordenada pela vice
Governadora p/ Organização e Serviços Técnicos e o Despacho Executivo nº 80/GPH/2010, que cria a Comissão
Provincial de Intervenção para a Desocupação e realojamento de cidadãos que ocupam áreas de reserva pública e de
reserva do Estado, coordenada pelo Governador Provincial.
Assim, na cidade do Lubango, entre o dia 7 a 11 de Março de 2010, foram feitas demolições brutais e violentas de
casas, iniciando pelas que foram construídas no perímetro de 50 metros, não permitido por lei, ao longo da linha
férrea do CFM - Caminho de Ferro de Moçamendes. Estas demolições fazem parte de uma estratégia mais vasta que
inclui casas construídas debaixo de linhas de condução de electricidade de alta tensão, que parte da Barragem da
Matala para o Lubango e Namibe, assim como as casas que estão em zonas de risco.
As demolições foram antecedidas de avisos administrativos exarados pelo Governador Provincial acima referidos.
Não houve um processo negocial com as famílias afectadas, não houve nenhuma decisão de um tribunal que
declarasse as demolições como sendo legais, não foram criadas condições mínimas para o realojamento das famílias
afectadas e nem foram previstas as consequências humanas desta operação.
O Governo fez uma campanha de informação sobre a necessidade das demolições, dando ênfase às transgressões
administrativas (Lei 10/87, Lei das Transgressões Administrativas) supostamente cometidas pela população que
construiu ao longo da linha férrea. O Governo avisou que não haveria indemnização e que daria única e simplesmente
uma parcela de terra de 1000 metros quadrados.
Antes das demolições, ou seja, no dia 24 de Fevereiro deste ano, foi feita uma reunião entre o Governador Provincial,
a Sociedade Civil e as Igrejas, supostamente para consulta, mas o encontro acabou por ser de informação sobre o que
ia acontecer de forma resoluta e unilateral.
Nos dias seguintes, o Governo notificou cada família sobre as demolições que iriam ser feitas depois de 15 dias.
Passado o período definido, começaram as demolições usando máquinas pesadas. Mobilizaram camiões a fim de
transportar as famílias para a zona de realojamento, na zona da Tchavola. O sistema de transportação falhou e todos
os dias das demolições houve gente que ficou ao relento, em casas de vizinhas ou nas Igrejas locais. As demolições
foram inteiramente protegidas por polícias que não permitiam tirar fotografias. Os meios de comunicação social
sediados na cidade do Lubango, nomeadamente a Rádio Nacional de Angola, a Televisão Pública de Angola e, mais
tarde, a Rádio 2000, não transmitiram informação e imagens sobre as demolições e suas consequências, por ordens
superiores. A situação gerou um ambiente infernal e de autêntico desespero por parte das populações. A cidade ficou
completamente desesperada e o ambiente era muito tenso.
Dados não oficiais apontam que foram demolidas cerca de mil casas ao longo da linha, milhares de pessoas
desalojadas incluindo crianças que tinham começado a estudar. Fala-se em mais de 3.000 famílias desalojadas. O
Governo realojou as pessoas na Tchavola e em algumas escolas. As tendas para albergar os desalojados não eram
suficientes para todos. O Governo distribuiu parcelas de terras para as famílias desalojadas, mas este processo foi
muito lento.
Das famílias que foram realojadas, há os que se realojaram noutros bairros por meios próprias e os que ficaram no
campo de desalojados. Destes, houve uma franja da população extremamente vulnerável. As dificuldades
organizativas para gerir a situação de emergência eram evidentes.
As principais alegações do Estado eram, sobretudo, a necessidade de requalificação da cidade do Lubango, as
transgressões administrativas dos cidadãos, as casas construídas em zonas de risco e as construídas ao longo da linha
75
férrea, conforme foi explicado acima, assim como as casas que foram construídas por baixo das linhas eléctrica de
alta tensão.
As alegações da sociedade defendem que os cidadãos não fizeram parte dos planos de guerra que os obrigou a sair
das suas terras e refugiarem em lugares seguros. Ainda defendem que as casas foram construídas com autorização da
Administração Pública, além de serem propriedades reais e adquiridas destes. Também defenderam que houvesse
ponderação, no sentido de se criarem primeiro condições adequadas e humanas de realojamento ou esperar pelo fim
das chuvas.
b) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO GAMBOS
Características gerais
O município dos Gambos situa-se na parte sul da província da Huíla e tem como sede a
Vila de Chiange (pequena vila que, na época colonial, serviu de ponto de exploração de
ferro) e dista a acerca de 152 Km da cidade do Lubango. O município confina, a Norte,
com os municípios da Chibia e do Quipungo; a Leste, com o município da Matala; a
Oeste, com o município do Virei (província do Namibe); e a Sul, com os municípios de
Oncócua e Cahama (província do Cunene).
O município está dividido em duas comunas, sendo: Chiange (que corresponde aos
Sectores de Tchiku, Kafela, Taka, Panguelo, Pocolo e Tapu) e Chibemba (que
corresponde os Sectores de Caíla, Rio D´areia, Viriambundo, Dongue e Chimbolelo). A
superfície do município é de 8.150 Km2, com uma população total do município
estimada em 151.375 habitantes e uma densidade populacional de 18,57 habitantes por
quilómetro quadrado.
O município é atravessado, na comuna da Chibemba, pela estrada principal
(internacional) que liga a província da Huíla com a província do Cunene e da vizinha
República da Namíbia, actualmente em reabilitação. A sede municipal liga-se a essa
mesma estrada, por uma estrada em terra batida, que está degradada. A ligação aos
sectores e povoações por estrada é deficiente pelo mau estado das estradas terciárias,
com excepção dos sectores que se situam ao longo da estrada principal. Na época
colonial, o município beneficiou-se de um ramal da linha férrea do Caminho de ferro de
Moçamedes (CFM), principalmente para apoiar a exploração do ferro, que paralisou
depois da descoberta da Jamba Mineira.
O clima é tropical seco de transição para o deserto, com temperaturas entre 21 – 22ºc
em média. Nos meses de cacimbo as noites e as madrugadas são muito frias. A
precipitação média anual situa-se entre os 400 – 600 mm. O relevo é planáltico, com
elevações rochosas mais ou menos abundantes e uma altitude de cerca de 1200 m.
A vegetação é caracterizada pela savana de bosque típica de territórios de transição e da
Região Sul de Angola, que se estende até ao norte da República da Namíbia. A
ocorrência de espinheiras e de “omutiati” (Colophespernum mopane) é bastante
frequente. O município é pobre em recursos hídricos superficiais; conta com um rio de
destaque, o Caculuvar, que atravessa o município do Norte a Sul. Este é intermitente,
podendo ser permanente nos anos de boas precipitações, na região do Lubango, onde
nasce. Há muitos riachos com curso de água de natureza muito intermitentes, também
chamados de “omulolas” espalhados um pouco por todo o município.
76
Características sócio-económicas
O município dos Gambos é habitado maioritariamente pelo grupo etnico-linguístico
Ovangambwe (Norte, Centro e Este) e pelos grupos etnico-línguístico Ovahakavona
(parte Oeste) e seus vizinhos Ovankuvale61, Ovamuila (parte Noroeste) e Ovandimba
(parte Sul). A actividade económica principal da população rural é a pastorícia, com
uma agricultura de subsistência de pequena escala, sendo as principais culturas o milho,
o massango e a massambala. A prática de regadio é quase nula, apesar de existirem
algumas infra-estruturas (diques) ao longo do rio Caculuvar que, reabilitados, poderiam
facilitar a rega de mais de 50 ha.
O sector empresarial, no município, conta com 31 fazendas de produção pecuária, num
total de 238.734 hectares, com um efectivo de cerca de 16.350 bovinos62. Os dados
disponíveis sobre o gado bovino do sector tradicional (relativos aos animais vacinados
nas últimas campanhas) rondam à volta de 180.000 efectivos e 260.300 efectivos de
caprinos63, dentre outras espécies.
A rede comercial formal do município é frágil a contar com a descapitalização dos
comerciantes. O mercado informal é que vai cobrindo as necessidades comerciais (um
mercado informal em Chiange e outro em Chibemba). No entanto, o município é o
maior fornecedor de gado (comércio informal) para os mercados da Chibia, Matala e,
consequentemente, para o Centro e Norte do país.
O município também é rico em ferro, muito embora não esteja actualmente em
exploração. Os granitos são um outro potencial do município e, actualmente, estão em
intensiva exploração por várias empresas, no território da comuna da Chibemba, tais
como: ROGANG, CAISSCA, ANGOSTONE e ANGOLUSITANA.
Sistemas de produção
Como referido anteriormente, a principal actividade económica da população é a criação
do gado, num sistema extensivo e de partilha comunitária dos recursos naturais (água,
pastos e afloramentos de sal (“sols sableux”)64, vulgos “maquelos”. Este sistema de
produção assenta basicamente na prática de transumâncias (okutchindissa),
considerando-se as pequenas e grandes transumâncias, estas últimas em épocas de crise.
As pequenas transumâncias são realizadas, normalmente, nas elevações montanhosas,
próximo das residências (ehumbos)65 durante os primeiros meses da estação seca
(Agosto e Setembro), enquanto as grandes trausumâncias realizam-se, em geral, no Vale
do Chimbolelo, a partir dos meses de Outubro a Janeiro, altura em que o gado volta para
as aldeias, já em pastos verdes. O vale do Chimbolelo é considerado pelas populações
61
Do ponto de vista de divisão administrativa, os ovankuvale habitam no território do Virei (zona
limítrofe), mas do ponto de vista de movimentos sazonais para pastorícia incluem o município dos
Gambos.
62
Relatório Síntese da Situação Actual da Tunda dos Gambos – Administração Municipal, 2004
63
Dados do Relatório Anual de Actividades /2008, do Governo da Província da Huíla.
64
De acordo com os autores lusófonos.
65
Unidade residencial perfeitamente definidas e delimitadas com cerco típica da região e da sociedade
dos pastores, onde vive o mais velho da família, filhos ou sobrinhos e suas famílias.
77
de toda a região Sul de Angola uma das grandes reservas de pastos em épocas de crise e
seca.
A pesquisa Hidro-pastoril realizada nos Gambos pela ADRA e pela ACORD em 1997,
mostrou que existe um aproveitamento integral da terra e dos seus recursos pastoris na
criação de gado, ou seja, existe um equilíbrio entre o número de bovinos (em U.A. –
Unidade Animal) e a área disponível e utilizada para o pastoreio (em Hectares). Isto
revela que qualquer forma de utilização da terra fora do sistema tradicional de maneio
cria desequilíbrios e sobrecarga no sistema actual de maneio e aproveitamento dos
recursos naturais.
A actividade agrícola sempre foi mais ligada â subsistência, e, quando há excedentes,
são feitas transacções comercias internas, na região. Nas épocas de secas, raramente há
excedentes de produção. A irregularidade da distribuição das chuvas continua a ser o
principal constrangimento à produção agrícola, uma vez que se reflecte na
irregularidade das colheitas de cereais, não só de consumo alimentar básico (milho e
massango), mas também complementar (massambala, curcubitáceas e tubérculos).
Como consequência deste factor que se tem agravado nos últimos anos, as populações
vendem algumas cabeças de gado de diferentes espécies (bovino, caprino e suínos),
trocando com cereais e outros produtos básicos.
Nas áreas urbanas e peri-urbanas estão localizados populações que exercem mais de
uma actividade económica. Estes podem ser divididos em categorias, a saber: os
nativos cujas actividades económicas são do tipo: funcionários públicos, pastores e
agricultores de subsistência; os vientes, cujas actividades económicas são do tipo:
funcionários públicos, pequenos criadores e pequenos agricultores de subsistência; os
outros (nativos ou vientes) cujas actividades económicas são do tipo: funcionários
públicos e comerciantes de retalho; ou simplesmente comerciantes informais (compra e
venda) e pequenos criadores. Estes segmentos de produtores, reflectem o quanto a terra
é vinculada não só à população rural, como à peri-urbana e urbana e em várias
perspectivas.
Caracterização institucional
O município dos Gambos é considerado, em termos de estruturação orgânica como
sendo de categoria C, de acordo com o Decreto-Lei nº. 2/07 de Descentralização
Administrativa e é composta por duas (2) Comunas (Chiange e Chibemba). No seu
funcionamento, a Administração Municipal tem constituído o Conselho de Auscultação
e Concertação Social – CACS, que reúne regularmente de três em três meses. O
município também conta com um (1) Rei (“Ohamba”) da “Embala” dos Gambos, três
(3) sobas grandes, vinte e um (21) sobas e sessenta e seis (66) seculos, enquanto
estrutura do poder tradicional.
Desde 1994, o município foi alvo de várias intervenções de Organizações da Sociedade
Civil, tais como; Agência das Nações Unidas (PAM e UNICEF), ONG´s (ADRA,
ACORD, ASD, ADER, CARE Internacional, AMI). Como é óbvio, destas intervenções
nasceu um amplo movimento de organizações locais (a Organização Estrela, a CMIP –
Comissão Municipal de Implementação de Projectos, o Grupo de Fundo Rotativo para
Mulheres, a Associação dos Agentes Rurais de Veterinária - ARV’s - o Núcleo da
78
APCCIL, a Associação de Criadores Tradicionais “OVATUMBI”, dentre outras);
algumas das quais evoluíram para ONG, como é o caso da ONG “ESTRELA”.
Segundo o Relatório Anual / 2008, sobre Actividades Desenvolvidas, do Governo da
Província da Huíla, o município dos Gambos conta com vinte (23) cooperativas e cinco
(5) Associações de Agro-pastores.
Localidades e Instituições de Trabalho
No âmbito desta pesquisa, foram realizadas entrevistas com informantes-chave, ou seja,
pessoas com profundo conhecimento sobre o contexto pastoril ou com forte
envolvimento nas questões fundiárias, para além das instituições da Administração
Municipal e Comunal e das OSC, quer individualmente quer em grupos focais. A nível
das instituições da administração, fez-se entrevistas com o Administrador Municipal, o
Chefe da Brigada Municipal de Águas, o Chefe da Secção Municipal da Justiça. A nível
de pessoas com conhecimento da realidade pastoril, foi entrevistado o líder do Núcleo
dos Criadores Tradicionais. A nível das OSC, foi contactado o Coordenador Executivo
da Organização “Estrela” e o Coordenador Municipal das OSC. Houve uma abordagem
com 1 grupo focal na comuna da Chibemba, com a participação da “Secula” do Bairro
Sede, do Coordenador Municipal das OSC, do Secretário do Soba do Bairro da Embala,
do Conselheiro do Bairro da Embala, da Tesoureira do Núcleo Municipal da APCIL e
do Secretário Adjunto da Associação dos ARVs.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
No município dos Gambos, as questões fundiárias assumem uma grande complexidade,
não só pelo sistema de produção dominante (a pastorícia), mas também pelos factores
sócio-culturais de representação da terra para a população local. Tomando em
consideração estes pressupostos, os principais eixos de conflitualidade identificados são
aqui agrupados de acordo a natureza dos conflitos mais frequentes e vigentes, tendo
como ponto de partida a família. São distinguidos, neste caso, conflitos ou diferendos de
natureza intra-comunitária (entre membros de famílias), inter-comunitários (entre
membros ou comunidades diferentes), extra-comunitários (comunidades e agentes
externos) e jurídico-legais (comunidades ou privados e interesses públicos).
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário (entre membros da mesma
comunidade)
Podem ser distinguidas dois tipos de terras ao nível comunitário, em termos de sua
utilização: a) as terras para pastagem, que, em geral, são de utilização comunitária e
são auto-reguladas por critérios próprios e através das instituições tradicionais. Por
exemplo, existem pessoas, na comunidade, investidas de poder para declarar o início
das grandes transumâncias, das caçadas e de outros eventos através de rituais próprios;
b) as terras para fins agrícolas, de acordo com as especificidades dos solos e das
culturas, cujos critérios de gestão não são suficientemente conhecidos. Sabe-se que as
lavras, em geral, estão à volta das unidades residenciais “ehumbos” e há um processo de
rotação de currais de animais para a fertilização do solo, depois do qual se muda o
“ehumbo” para outro lugar, dando espaço a uma lavra (fertilizada). Também não são
conhecidos os mecanismos de titularidade das terras para fins agrícolas e construção de
residências. Colocam-se, deste modo, questões como: Todas as matas agricultáveis têm
79
donos? As lavras onde se está a cultivar podem ser herdadas? Quem dá acesso à terra e
qual é o mecanismo? Enfim, estas e outras questões não nos permitem aferir a
existência ou não de conflitos ou diferendos de terra de natureza intra-comunitária, quer
por via de disputa de limites, quer por via da herança.
No nível urbano e peri-urbano, distinguem-se, essencialmente, a) as terras para
construção de residências (construção definitiva e não definitiva), e b) as terras para
prática de agricultura familiar de subsistência (lavras ao redor das vilas e
povoações). O acesso à terra para construções não definitivas e para prática da
agricultura familiar processa-se, quer por via de ligações familiares ou de amizade, quer
por via de cedências pelas autoridades tradicionais ou responsáveis de bairros. O acesso
a terras (terrenos) de construção definitivas, dá-se somente por via dos trâmites
administrativos, de acordo com as leis de terra e urbanística em vigor. Há ainda terras
consideradas de lavras para funcionários públicos, que são, normalmente, controladas
pela administração (Chiange) para distribuir aos funcionários que vêm de fora. Estas
têm um carácter rotativo, em função da vinda e saída dos funcionários. Por tudo isso, é
ponto assente que não há conflitos de realce neste tipo de terras, a julgar pelo
cumprimento das orientações dadas no acto da concessão. Todavia, já há sinais de
vínculo66 à terra pelos funcionários que vieram de fora, mas já estão no município há
muitos anos.
Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitário (entre comunidades diferentes)
São essencialmente dois (2) tipos de conflitos que configuram os conflitos intercomunitários nos Gambos. O primeiro tem a ver com os conflitos de disputa de
espaços e recursos naturais (água, pastos e “maquelos”) entre os diferentes grupos
etnico-linguísticos, principalmente à volta dos pontos de água e zonas de maior
concentração de gado para pequenas transumâncias. Este tipo de conflitos ou
diferendos, tanto podem estar latentes (podem espoletar por qualquer outra razão),
como podem ser patentes (visíveis e ocorrentes) ou ainda evoluírem para situações de
violência (ofensas corporais e morais), dependendo das épocas de maior ou menor
procura.
Um outro factor que estimula conflitos de disputa de espaços é a movimentação
demográfica. Por exemplo, em tempos idos, os ovangambwes enfrentaram conflitos
contra os ovahakavona, tendo tendo sido empurrados para a zona da TAKA (há 2 Km),
na direcção Este-Oeste. Por outro lado, os ovankuvales subiram na direcção oposta, a
procura de água para abeberamento de gado, até no Lupanga (22 km da Taka). Na
direcção Norte-Sul, os ovamuila desceram até 5 km da Taka e os ovandimba subiram
até ao Mbafwe, a 25 km da Taka, ficando os ovahakavonas confinados a um território
de 22 km x 25 km. Este facto aumentou consideravelmente a disputa pelos recursos
naturais, tendo contribuído, de certo modo, para a “agressividade” e desenvolvimento de
mecanismos de auto defesa dos ovahakavona, no sentido de se defenderem destas
pressões demográficas e dos preconceitos sobre eles.
O segundo tipo de conflitos inter-comunitários tem a ver com o furto e roubo de gado,
considerando que a questão do gado está estritamente ligada à terra. Esta questão tem
três variantes:
66
Referência de que já é considerada minha.
80
1) O furto no seio das famílias (subtracção de gado por via fraudulenta) que acontece
nas famílias em termos de linhagem matrilinear, ou seja, entre tios e sobrinhos e,
geralmente, considerado como algo da cultura dos pastores. Entretanto, este furto
implica algumas obrigações da parte do sobrinho que furta, ou seja, quando os
sobrinhos passam por necessidades (falta de bens de primeira necessidade, como o
“ompumba” (cobertor) ou outro artigo, combina com o primo, neste caso filho do tio,
para efectuar o furto, e este combino serve para aconselhar sobre as cabeças de gado
passíveis de furto, pois, há gado que não pode ser furtado por razões ligadas à
sacralidade e à mitologia e respectivos rituais ou proveniência. Portanto, depois do furto
e venda, o sobrinho retribui alguns bens simbólicos para o tio, tais como um “capote”
(casaco de frio), um chapéu e uma caixa de vinho, como confissão de que ele subtraiu
dos haveres do tio ou da herança uma cabeça de gado. Estes casos resolvem-se
normalmente entre as famílias e não são considerados roubo como tal, mas sim um
esquema endógeno de compensação intra familiar. Aliás, normalmente basta o tio tomar
conhecimento, receber os bens considera-se facto consumado.
2) O roubo entre grupos étnico linguísticos que, também, pode ter diferentes variantes
de acordo com as motivações subjacentes ao acto. Por exemplo, há casos em que grupos
organizados de um dado grupo etnico-linguistico (normalmente jovens com umbrela ou
cobertura moral de mais-velhos), vão roubar gado de outro grupo, às vezes em forma de
saque ou razia, geralmente envolvendo um (1) ou mais currais de gado. Estas acções
são, em geral, protagonizadas por jovens e motivadas pela demonstração de valentia de
um grupo em relação ao outro ou para retaliar (mecanismo de reciprocidade e ou
compensação inter grupo) roubos da mesma natureza ocorridos anteriormente. Há
também casos em que pessoas isoladas de uma tribo vão roubar gado ou de outros
grupos étnico linguísticos ou de fazendeiros, em quantidades geralmente reduzidas,
utilizando ou não violência. Estas acções resultam frequentemente em julgamentos,
indemnizações e reparações por parte dos autores, quando identificados e apanhados.
Mas também há roubos de gado que funcionam como uma máfia (redes internas de
roubo) cujos autores são difíceis de identificar. O gado roubado nestas circunstâncias
dificilmente aparece. Este tipo de roubo é recente, na região.
3) O roubo praticado pelos agentes externos (com conivência de nativos por via de
aliciamento) que é feita por pessoas externas vindas de outras localidades. Em geral,
este tipo de roubo é praticado mais com propósitos comerciais e assume mesmo a
dimensão de banditismo, como consequência do crescimento das redes comerciais da
Chibia, Matala e para o Norte do País, sobretudo depois do fim do conflito armado.
Provavelmente, deve haver outras formas de furto ou roubo de gado, que, pela grande
complexidade deste assunto, a nossa pesquisa não pude captar, ou porque a sua
compreensão requer mais tempo.
Há também razões históricas (rivalidades antigas) relatadas pelos nossos interlocutores,
segundo as quais, os ovahakavonas são tidos, principalmente pelos ovangambwes, como
os principais praticantes de roubo de gado entre grupos étnicos. Segundo estes, os
ovahakavonas alegam que o gado dos ovangambwes é historicamente deles, pois é
resultado da reprodução do gado que eles deixaram no terreno, na altura das guerras,
com estes últimos durante a ocupação do território dos avakahona ou na guerra de 1945,
em que alguns ovangambwe foram aliados dos portugueses como cipaios. Por isso,
81
consideram “legítimo” roubar este gado como retaliação dos acontecimentos do
passado.
“... eles roubam de propósito. Até dizem que os ovangambwes acabarão por fazer
“fiko”(festa de puberdade)com abóboras... nós vamos acabar por roubar todo gado...”
Estas motivações de roubos de gado, supostamente pelos ovahakavonas, com
consequências retalhadoras, têm também criado conflitos com uso de armas brancas e
de fogo, originando vítimas humanas entre estes povos.
Diante desta complexidade e da falta de conhecimento aprofundado sobre a natureza
dos roubos, os nossos interlocutores referem ter havido erros no tratamento destes
casos, mesmo ao nível dos órgãos de justiça e polícia; ou seja, algumas vezes, quando
os autores do roubo são detidos, o assunto é tratado como algo da cultura dos povos
pastores, resultando na soltura dos arguidos, o que tem contribuído bastante para o
aumento do roubo de gado pelos nativos (às vezes aliciados por externos) por
encontrarem impunidade com o argumento de que furtaram o gado de seu tio. O
contrário também tem acontecido, no sentido de que há casos, histórica e culturalmente
inerentes a soluções locais (negociações que resultam em indemnizações ou pagamentos
de multas), que não encontram solução nestes moldes, porque os arguidos sofreram
prisão e recusam-se a indemnizar a parte ofendida.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunidades (comunidades e agentes
externos)
Os principais conflitos desta natureza referem-se à ocupação de terras pelos fazendeiros
e à exploração de granito negro pelas empresas privadas.
Os conflitos com a implantação das fazendas no município assumem 3 características:
1) Ocupação das terras com “Ehumbos” dentro destes perímetros; 2) apropriação dos
pontos de abeberamento pelos fazendeiros e 3) vedações que restringem o normal
funcionamento do sistema de maneio dos produtores autóctones ou quando há
incompatibilidades dos sistemas de maneio ou de produção, criando, deste modo, um
choque de objectivos e lógicas de modos de vida. Tais conflitos ocorrem principalmente
na Tunda dos Gambos, incluindo o Parque do Biacuar, e no território que se estende até
à comuna do Mulondo, município da Matala.
Quanto à primeira característica, actualmente o destaque vai para o caso de ocupação
forçada na área da Macova, onde um ocupante forçou as comunidades usando violência
(ameaças, incêndio de cerco de lavras, de entre outras), no sentido de pressionar as
comunidades a retirarem-se das suas moradias, pois estavam, segundo ele, dentro do
croquis da fazenda que comprou, violando flagrantemente os direitos mais elementares
das comunidades rurais.
Quanto à segunda característica, existem duas fazendas instaladas no leito do rio da
Tunda (definido como limite com o Parque) que se desenvolveram, quer em termos de
aumento da sua área (mais 10 Km dentro do Parque), quer em termos de vedações. As
comunidades que viviam nos arredores destas fazendas viram-se obrigadas a entrar
também no interior do Parque, empurradas pelos fazendeiros. Uma Comissão
Governamental que visitou recentemente o vale do Chimbolelo, orientou a
82
Administração Municipal no sentido de se repor a legalidade, em termos de violação do
Parque. Enquanto isso, a comunidade alega que não poderá regressar às suas áreas de
origem, se os fazendeiros não o fizerem primeiro, pois foram para ali parar como
consequência do desenvolvimento das suas fazendas.
Segundo o diagnóstico da Associação Construindo Comunidades (ACC), a localidade
de Kapanda (Tunda dos Gambos) também é privilegiada quanto às tensões na relação
com os fazendeiros que vão ocupando as terras da Tunda dos Gambos. A população vê
os corredores de passagem do gado e seus caminhos vedados pelas fazendas, suas
reservas de pasto ocupadas pelo retomar de novas fazendas, alargamento das fazendas já
há alguns anos ocupadas.
A terceira característica, aponta para a existência de fazendas que ao procederem a
vedação das mesmas, cercaram os pontos de abeberamento do gado a seu favor, em
detrimento das comunidades circunvizinhas. Há aqueles que, para evitar pressões da
comunidade, fizeram canalizações de água (através de tubagens) para fora das suas
vedações para que a comunidade se possa beneficiar, reduzindo, desta forma, o agudizar
dos conflitos. Na Kapanda67 por exemplo, as bombas manuais que existiam foram
vedadas pelos fazendeiros que instalaram motobombas para as suas fazendas. Há
mesmo fazendeiros que chantageiam populares para lhes cederem terras em troca do
acesso à água.
Na nossa opinião, este tipo de conflitos pode ser resolvido, tomando em consideração
experiências de outros fazendeiros que os ultrapassaram por via da negociação. Por
exemplo, um conflito de terras desta natureza, que pode servir de lição, enquanto uma
forma positiva de lidar com os vários interesses, ocorreu no Sector de Caíla, onde desde
1996, quando se deu o conflito entre o fazendeiro e a comunidade, houve todo processo
de mediação e negociação entre as partes (comunidade, fazendeiro, autoridades
tradicionais e administrativas, MINADER e actores sociais (OSC)) que culminou com a
abertura de um corredor para a passagem do gado da população e a cedência de parte da
área da fazenda para a comunidade. Passados cerca de 13 anos, a relação do fazendeiro
com a comunidade ainda permanece pacífica.
Uma outra oportunidade que pode ser aproveitada no sentido de discutir abertamente os
problemas que surgem, quer do lado dos fazendeiros, quer do lado das comunidades, é a
participação representativa destes actores nos Conselhos de Auscultação e Concertação
Social, criados na Administração Municipal e discutir ali os assuntos, com base na lei,
no bom senso e nos direitos.
Uma outra dimensão de conflitos extra-comunidades refere-se às explorações de granito
(rochas ornamentais), nas redondezas de aglomerados populacionais. Embora, de
momento, tais conflitos não assumam proporções alarmantes (é ainda um potencial de
conflito), mas é perceptível o descontentamento das comunidades em relação a estas
explorações: primeiro porque, em determinados casos, como a serra do Tongo-Tongo,
constitui uma agressão simbólica, ou seja, muitas destas serras, são referências
históricas e culturais destes povos, usados quer para narrar acontecimentos históricos e
culturais que repousam na memória colectiva dos ovanganbwe, como para rituais e
cantos folclóricos. Num grupo focal, as pessoas referiam com muita mágoa e
67
Relatório de Levantamento da Situação Sócio-económica da Comuna da Quihita (município da Chibia)
e do Município dos Gambos, Província da Huíla – ACC – Associação Construindo Comunidades.
83
sentimento de dor quando os seus valores sagrados são mexidos. “... Só não choramos
porque sabemos que já não temos poder para mudar isso ...”; segundo, porque no início
das explorações, são feitas promessas de responsabilidade social destas empresas, no
sentido de contribuírem com infra-estruturas sociais que melhorem as condições de vida
das populações locais. Tais promessas nem sempre são cumpridas, havendo muito
poucas empresas que tentaram fazer alguma coisa, como a construção de uma sala de
aulas, no Nonkonko, pela Empresa CAISSCA. Existem perspectivas das empresas
contribuírem e construírem um Centro Médico na sede da Comuna de Chibemba. No
entanto, tais promessas não têm qualquer cunho jurídico, pois não são celebrados
acordos escritos que permitem pressionar ou responsabilizar as empresas em caso de
não cumprimento. No total, existem 4 empresas de exploração de granito negro:
ROGANG, CAISSCA, ANGOSTONE e ANGOLUSITANA, já citadas.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos e
governamentais)
Os principais conflitos, nesta categoria, têm a ver principalmente com a penetração das
fazendas e população no Parque do Bicuar e com a implantação das reservas fundiárias
no município.
Muitas fazendas, no Vale do Tchimbolelo, com ênfase no eixo Cauvi / Mulondo, estão
dentro do Parque, numa clara violação das normas sobre a coisa pública. O mesmo se
passa com alguma população, que, pressionada com os cercos das fazendas, foram
obrigadas a invadir o Parque. O Governo da província já deu orientações à
Administração Municipal para proceder a retirada quer das fazendas, quer da população
dentro do Parque. Esta orientação está longe de se efectivar por razões que já referimos
acima, quanto ao papel da Administração Municipal neste processo (“vítima” e
“árbitro”). Por outro lado, há informações segundo as quais se vai proceder à nova
demarcação do Parque, no sentido de se pôr cobro a estas violações.
Existe apenas uma reserva fundiária no município, que, praticamente, circunda a sede
municipal. Há alguns bairros dentro das reservas fundiárias. A administração Municipal
tomou providências no sentido de realizar encontros de esclarecimento das
comunidades, em vista a salvaguarda dos seus direitos. Uma das medidas será fazer com
que as pessoas que têm casas nestes terrenos tenham prioridade na concessão destes
terrenos, podendo construir suas casas de forma organizada e urbanizada. Entretanto, há
situações em que num mesmo talhão (o loteamento é de 1.000 m2 por talhão) podem
existir mais de 2 casas ou famílias. A questão que se coloca é: Quem será o beneficiário
do terreno ou talhão? Se este aspecto não for acautelado, poderá provocar tensões nas
comunidades dos bairros afectados.
Uma outra questão a referir prende-se com as casas de carácter definitivo, construídas
no perímetro correspondente à linha férrea (antigo ramal que liga Chiange com
Lubango) em vias de reabilitação. A Administração permitiu a construção destas
residências, pelo que não se sabe quais serão as modalidades de indemnização em caso
de demolição. Uma outra questão que se coloca em relação às reservas fundiárias é em
relação ao tipo de construção a ser feito: - serão construções auto-dirigidas ou o
Governo fará as construções e distribuirá aos beneficiários?
84
Imagem 4: Reservas Fundiária constituída em área habitada
As formas de resolução de conflitos
O artigo 77º da Lei de Terras consagra que as questões de litígios relativas aos direitos
fundiários, são, obrigatoriamente, submetidos à tentativa de mediação e conciliação,
antes da propositura da acção do tribunal competente. A Lei de Terras também
reconhece e atribui o poder de resolução de conflitos de terras às Instituições do poder
tradicional e reconhece às comunidades rurais os princípios da auto-administração e da
autogestão das suas terras e, por isso, também reconhece a estas a personalidade e
capacidade judiciária.
As modalidades de resolução de litígios fundiários definidos por lei são: primeiro, a
livre negociação entre as partes, tem a ver com o diálogo e os consensos entre as partes
envolvidas; segundo, é a arbitragem, isto é, fazer recurso a um Tribunal Arbitral, que se
rege pela lei angolana, constituída por três pessoas e deve dirimir os casos em não mais
de 6 meses para sair a decisão, de acordo com o artigo 75º, ponto nº 5. A terceira é a
Justiça comunitária, os casos decididos no interior das comunidades rurais e em
harmonia com o costume vigente. A quarta refere-se oos tribunais (área civel) que se
rege pela lei da Angola.
A nível das comunidades rurais e especificamente nos Gambos, as autoridades
tradicionais têm procurado cumprir com o seu papel, isto é, dirimindo casos ao nível das
comunidades locais e de acordo com a complexidade destes.
Na região dos Gambos, em geral, quando há litígios, quer sobre questões fundiárias,
agressões físicas, quer de disputas de espaços, são constituídos os “tribunais
tradicionais”, constituídos por um juiz (normalmente externo à comunidade dos
arguidos), os acusadores, os defensores de cada parte (advogados), as autoridades
tradicionais e as famílias dos arguidos. A decisão final do juiz quando validada pelas
autoridades tradicionais, assume o carácter de cumprimento obrigatório. Os casos que
ultrapassam as capacidades destes tribunais podem ser encaminhados às instâncias
superiores, de acordo com a sua natureza: se forem de natureza meramente jurídica, são
encaminhados à polícia ou à Administração Comunal ou Municipal; se forem de
85
carácter meramente tradicional, são encaminhados à Embala do Rei, cujo tratamento e
decisão final competem ao Rei, em consulta com o seu séquito.
Há casos que assumem dimensões intermunicipais e provinciais, como é o caso dos
conflitos dos Ovahakavonas com os Ovankuvales, ocorrido em 2009, que envolveu não
só as Administrações Municipais (Chibia, Gambos, Virei, Tómbua, Kuroca e Humpata),
os Governadores das respectivas províncias, como também as autoridades tradicionais
dos municípios e localidades afectadas.
Os conflitos de terras entre comunidades e fazendeiros, em geral, ultrapassam a
capacidade das autoridades tradicionais, ficando à responsabilidade da Administração
Municipal. A maior parte dos proprietários de fazendas na Tunda dos Gambos, são
pessoas com influência do poder central político, militar, económico e governamental.
Este facto tem estado a colocar a Administração Municipal numa posição de “árbitro e
vítima”, ou seja, são vítimas de orientações e decisões superiores para facilitar o acesso
às terras aos fazendeiros, e, também, são árbitros de litígios entre estes e as
comunidades. Por exemplo, é complicado, quando o Governo Provincial orienta à
Administração Municipal a mandar repor a legalidade (retirar as fazendas) por parte de
fazendeiros que são ministros. Nestes casos, não há poder nem autoridade necessária
para a Administração actuar com eficiência.
A ACC, no seu trabalho com as comunidades, tem uma componente de assistência
jurídica, no sentido de ajudar as comunidades a terem acesso aos advogados para a
resolução dos seus problemas mais variados, incluindo os de terras.
Apesar de todos os actores referirem sobre a existência da nova Lei de Terras, o seu
conhecimento e aplicação em situações de conflitos é ainda pouco perceptível. Por outro
lado, a Administração Municipal não tem o conhecimento ou domínio da lei que rege a
exploração mineira, no sentido de exigir o cumprimento das obrigações de
responsabilidade social das empresas que, neste momento, exploram granito no
município.
Casos de conflitos e diferendos de terras
O caso do conflito entre os Ovahakavonas e Ovankuvales na TAKA
No final de 2004, e como consequência da escassez de água e de pastos, grupos de pastores transumantes
Ovankuvales subiram até às áreas de Lupanga, territorio da Taka, que faz fronteira com Vitiwi – Virei, no
Namibe, a procura destes recursos naturais para o seu gado. Estas duas localidades têm sido desde sempre
áreas de confluência entre os transumantes dos dois grupos etno-linguístico. Durante este período de
transumância, os Ovahakavonas mataram um boi para consumo, que, como é normal acontecer, os
Ovankuvales juntaram-se aos Ovahakavonas para saborear a carne, num ambiente ameno. Tudo começou
com o tradicional jogo ou brincadeira de luta entre jovens - a “kambangula”, onde os jovens Ovankuvales
saíram vencidos. Como retaliação a isso, estes últimos organizaram-se e foram invadir as residências
“ehumbos” dos Ovahakavonas. Queimaram casas e, na sua retirada, roubaram gado. Os documentos
oficiais da Administração Municipal apontam para 40 Kimbos ou Ehumbo (correspondente a 108 casas),
561 cabeças de gado bovino, 3 burros e 1 cavalo. Em seguida, não se sabe ao certo quanto tempo terá
levado para cada grupo se organizar, os Ovahakavonas partiram para o território dos Ovankuvales,
também em retaliação, e desta acção resultou a captura de 210 cabeças de gado bovino (não se sabe ao
certo se houve vítimas humanas)68. Os Ovankuvales retaliaram novamente a acção dos Ovahakavonas,
resultando no saque de vários “ehumbos” e captura de 3 Ovahakavonas, na aldeia de Kotchumbuena, que
68
As informações em relação às vítimas humanas diferem. A administração diz que não houve vítimas, as
outras fontes dizem ter morrido duas pessoas e ter havido vários feridos.
86
foram depois mortos (dando-lhes de beber molho de carne quente) nas imediações da aldeia de Vitiwi.
Gerou-se uma instabilidade na área, que obrigou as populações Ovahakavona a refugiarem-se para a Sede
da Taka e para Mbafwe, zona limítrofe com os Ovandimbas, a Sul. O conflito tomou uma dimensão
provincial, regional ou inter-provincial, onde os Governos do Namibe, Huíla e Cunene tiveram que
intervir, em busca de soluções. Ao nível dos municípios limítrofes (Virei, Curoca e Cahama) foi criado
um grupo do tipo “milícias” denominado “Caça Mundjavalas”69 que, em articulação com o destacamento
da Policial Nacional na Taka, iniciaram todo o processo de buscas e captura dos Ovahakavonas
supostamente envolvidos no conflito e a captura dos autores da morte dos últimos 3 Ovahakavonas. Esta
tentativa de resolver o conflito por via da repressão, não resultou, embora tivesse ajudado a conter os
ânimos. Foi criado uma Comissão Intermunicipal ou Interprovincial (Chibia, Gambos, Virei, Tômbwa,
Curoca e Humpata) no sentido de ajudar a mediar o conflito e aproximar as partes. Destes esforços
resultou a devolução de algumas cabeças de gado, sendo 42 devolvidas aos Ovankuvales e 77 devolvidas
aos Ovahakavonas, ficando a devolução dos restantes para “cine-die”. As autoridades tradicionais
solicitaram as respectivas administrações que envidassem esforços no sentido de resolver este conflito à
luz da lei costumeira, pois encerra muita complexidade e vários antecedentes históricos. Passados
praticamente 5 anos, a situação é estacionária, e algumas autoridades tradicionais alegam não ser possível
dar passos enquanto os presos não estiverem soltos (por razões de indemnizações devidas). Entretanto,
ninguém sabe qual é a situação actual destes presos. A verdade é que, em toda a região, incluindo
municípios vizinhos, o roubo de gado está generalizado e assume proporções assustadoras, como que se
tratasse de redes protegidas de roubo de gado. Um líder tradicional disse: “Não é possível em toda esta
região roubar-se uma manada de gado sem ser visto. Talvez uma cabeça, sim...”. Se isto é verdade, quem
está a roubar o gado e para onde está a ir este gado? Como dirimir um conflito desta dimensão sem um
conhecimento profundo das causas remotas e recentes da realidade social e psicológica, das dinâmicas
culturais, históricas e antropológicas destes grupos étnico-linguisticos? O que os move em direcção à
violência? Existem factores externos?
Caso Kapanda – Vale do Chimbolelo
Na localidade de Kapanda é praticamente onde (há 10 anos) iniciaram os conflitos de terras entre os
fazendeiros e as comunidades locais, com a abertura de uma nova fazenda, cujo alargamento se estendia
até ao parque do Bicuar. Este fazendeiro, ao fazer as vedações, incluiu algumas residências e fechou os
caminhos que a população usava para ter acesso aos pastos e à água. Este choque entre os sistemas de
maneio, provocaram animosidades entre o fazendeiro e a população. As organizações da Sociedade Civil
que, na altura, intervieram no município dos Gambos e na Quihita (Chibia), como a ALSSA (da
dissolução desta, surgiu actualmente a ACC) apoiaram as comunidades residentes a defenderem os seus
direitos de acesso à água e pastos. Destas intervenções e negociações, resultou a abertura de corredores de
transumância e a desanexação do território correspondente ao Parque do Bicuar da fazenda. Entretanto, a
violação dos Direitos Humanos por parte do fazendeiro continuaram até à presente data, tais como:
tendências de alargamento da fazenda, vedação de alguns corredores anteriormente abertos, apreensão do
gado da população que aparecesse nas imediações da fazenda, os cárceres privados da população, entre
outras, tornaram esta área como a mais tensa do Vale do Chimbolelo. A ACC continua a apoiar as
comunidades na defesa dos seus direitos, denunciando casos de violação de direitos das comunidades e
procurando negociar posições entre estas e o fazendeiro. Apesar destes esforços, continuam as acusações
entre a ONG e o Fazendeiro. O primeiro é acusado de “agitador” das comunidades, e o segundo é acusado
de violações graves dos direitos mais elementares das comunidades (consagrados na lei). O último
diagnóstico realizado pela ACC, descreve o seguinte, em relação à situação actual: « A localização da
Kampanda é privilegiada quanto às tensões na relação com os fazendeiros que vão ocupando as terras
da Tunda dos Gambos. A população vê os corredores de passagem do gado e seus caminhos vedados
pelas fazendas, suas reservas de pasto ocupadas pelo retomar de novas fazendas, alargamento das
fazendas já há alguns anos ocupadas, chantagens para cederem terras e receberem, em troca, alguns
litros de água. Devido à fome, os filhos (adolescentes) dos habitantes da Kampanda prestam trabalho
nas fazendas aí presentes e recebem, em troca, uma ínfima remuneração. As bombas manuais que
existiam foram vedadas pelos fazendeiros que instalaram motobombas para as suas fazendas».
Como lidar com estas violações flagrantes e permanentes, da Lei de Terras e dos Direitos Humanos das
comunidades locais?
Caso Macova – Duas formas diferentes de convivência com a população
69
Mundjavala é sinónimo de ladrão de gado, na língua dos kwanhamas.
87
Na localidade de Macova, sito na Tunda dos Gambos, há cerca de 25 Km da Comuna de Mulondo
(Matala) e cerca de 110 Km da estrada principal que liga Lubango com o Cunene, há uma grande
concentração de Fazendas (sector empresarial), muitas delas ainda não vedadas. Não se sabe ao certo qual
é a situação jurídica destas fazendas. Entretanto, um dos fazendeiros ao se instalar nesta localidade,
solicitou à comunidade se podia ficar aí com a população. Como se tratava de um nativo bem conhecido
pela população local, foi aceite de todo agrado. Passado algum tempo, o fazendeiro delimitou uma grande
área, cerca de 5 mil hectares, alegando ser sua fazenda e obrigou a população a retirar-se desta área.
Havia dentro deste território cerca de dez (10) “ehumbos” (unidades residenciais), num total de 40
famílias. Quando a população procurou reivindicar a posse dessas terras, onde, para além de suas
residências, havia suas lavras, o fazendeiro começou a incendiar os cercos das lavras destas famílias,
expulsando-as compulsivamente destas terras. Tratando-se de um cidadão com poderes militares e, talvez,
políticos, a Administração Municipal tentou encontrar uma solução pacífica sobre o caso, sem, no
entanto, ter êxitos, pois o fazendeiro exibia um documento de concessão desta fazenda. Os membros da
Administração ficaram perplexos com a situação, pois não tinham emitido qualquer parecer para a
legalização desta fazenda, tal como muitas outras. A população foi obrigada a retirar-se e construir as
suas residências e lavras nos limites de uma outra fazenda, estando, deste modo, proibidos de apascentar o
seu gado nas imediações daquela fazenda. O fazendeiro cujas populações passaram a ser sua vizinhança,
provavelmente, por não ter vedado ainda a fazenda, adoptou uma postura de convivência pacífica com a
comunidade: utiliza o mesmo sistema de maneio de gado da população; investiu numa infra-estrutura de
bombeamento de água para o gado, onde a população tira água gratuitamente para o consumo; implantou
um sistema rotativo de contribuição em combustível com a população para as motobombas que
bombeiam água para o gado. Há uma mais-valia de ambos os lados e a convivência é bastante salutar. A
população desta localidade, quando por nós entrevistada, indicou claramente a grande diferença de
comportamento e atitudes entre os fazendeiros, com o agravante de que aquele a quem esperavam bom
tratamento por ser nativo e, aparentemente, filho da terra; filho de casa era o mais cruel com a população.
Até aonde vai a ambição e o ego daqueles que pensamos estarem a representar nossos interesses? Como
aproveitar as boas lições para prevenir, reduzir ou mesmo dirimir conflitos de terras?
c) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DA MATALA
Características gerais
O município da Matala fica localizado a Leste da província da Huíla, tem limites com os
municípios de Chicomba e Chipindo a Norte e Nordeste; Cuvango a Leste; Quipungo a
Leste; e a Sul, com a província do Cunene. O município da Matala tem 9.065 Km2 e
222.880 habitantes, o segundo município mais populoso e o mais importante da
província, em termos económicos e estratégicos. Nele se localiza a barragem
hidroeléctrica da Matala, no rio Cunene; e é atravessada pela linha férrea do CFM70,
com uma importantes Estação de Comboio. O município é fortemente influenciado pela
bacia hidrográfica do rio Cunene que a atravessa no sentido Norte – Sul.
Caracterização sócio - económica
O município da Matala faz parte da zona agrícola 31. O clima, o solo fértil e os recursos
hídricos fazem da Matala um dos maiores fornecedores de produtos agro-pecuários da
província. Em termos de potencialidade agrícola, o município da Matala integra uma
das cinco (5) zonas da província da Huíla, ou seja, a zona Matala, Quipungo, e parte
noroeste da Jamba e Chibia, com 700 a 900 mm/ano de chuva, é uma zona de actividade
mista: agrícola, agro pastoril e pastoril, sendo que a agricultura é feita com base em
variedades de cultivo como cereais diversos, trigo de regadio, hortaliças, etc.
70
A linha férrea está em reabilitação e fica pronta em 2010, de acordo com as previsões do Governo.
88
A área bruta disponível corresponde a uma extensão de 413.267,5 hectares71, divididas
em sector da agricultura familiar, associações e cooperativas. Desta cifra, 36.047
hectares72 são dos camponeses agrupados em cooperativas e associações. Em termos
pecuários, possui 150.000 bovinos, 250.000 caprinos, 20.000 ovinos, 90.000 suínos.
Possui73 87 aldeias, 31.840 famílias, das quais 12.640 assistidas e 106 pequenos
agricultores, bem como 50 cooperativas e 26 associações de camponeses.
A Matala tem um mercado informal bastante intenso e activo em termos de trocas
comerciais directamente com a Namíbia74, com o Lubango75, com o Kwando Kubano76
e com o Huambo. Uma das evidências da transacção comercial em referência é a grande
quantidade e movimentação de centenas de carroças de tracção animal com burros.
A Matala foi um dos maiores centros de concentração de deslocados no tempo da
guerra. Esta massiva presença humana provocou uma forte pressão sobre os recursos
naturais e isso é visível a olho nu, em volta da cidade da Matala, com aspecto de savana
com raros arbustos, tão pouco árvores. A procura da lenha, do carvão, as habitações e as
lavras foi e é um dos principais factores deste desgaste do manto vegetal. Ainda hoje, o
carvão e a lenha são escassos e caros, porque vêm de longe, isto é, da comuna de
Micosse. A lenha e o carvão entram77 na Matala com camionetas, muitas carroças ou
transportados à cabeça, sobretudo a lenha, por mulheres que andam horas e horas ao
encontro do mercado, onde retalham a lenha e vendem-na.
Imagem 5: Mulher em direcção ao mercado, para vender a pouca lenha recolhida
71
Fonte: República de Angola, Governo da Província da Huíla, RELATÓRIO ANUAL 2008 – SOBRE
ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS.
72
Idem.
73
Fonte: MINADER, IDA - Huíla, Relatório de Balanço da Campanha Agrícola 2008/2009 e Perspectiva para
campanha Agrícola 2009/2010.
74
De onde os comerciantes adquirem bens industrias e outros equipamentos que são vendidos no mercado local, para
gente que vem dos municípios e do Huambo.
75
Muitos produtos agrícolas, sobretudo os cereais que vêm através do mercado da Matala.
76
A Matala fornece à província do Kwando Kubango produtos alimentares, como cerais. Há uma indústria de
moagens a crescer na Mala onde grupos de mulheres mandam fazer grandes quantidades de farinha de milho para
vender/exportar no Kwando Kubango.
77
Existe um jogo de fuga ao fisco dos intermediários que trazem a lenha e o carvão. Muitos dos que trazem a lenha e
o carvão na Matala preferem entrar à noite, quando os fiscais do Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF) se
retiram dos postos de controlo onde ficam com a Polícia Nacional,; isto é, quando a polícia larga, eles também se
retiram. Há jogo de cão e gado entre fiscais e os intermediários de lenha e carvão – transportadores e vendedores.
89
No município existe um viveiro de plantas silvícolas, implantado pelo Instituto de
Desenvolvimento Florestal (IDF). Também fala-se num plano de reflorestação.
Nos arredores da cidade da Matala, ainda são visíveis os vestígios de antigos campos de
deslocados, agora desfeitos, mas ainda resta aqui e acolá uma ou outra casa.
A actividade pesqueira é bastante intensa e tem uma forte influência na vida das
populações, muitas das quais se estabeleceram ao longo do rio. Possui o canal da Matala
– Capelongo/Frexiel com uma extensão de 43 km, para irrigar 6.000 hectares. Existe
uma fazenda agropecuária, na Matala, denominada Chicunangombe.
A Matala é habitada por povos do grupo étnico linguístico Ovimbundu e Nhemba a
Norte e Nordeste; os Tchokwe, na margem direita e esquerda, ao longo do rio Cunene; e
os Humbi na parte central do município, em direcção a Sul, na comuna Mulondo. A
cidade da Matala é tipicamente uma mistura de vários grupos étnico – linguísticos.
Neste ponto de vista étnico, a Matala é uma verdadeira cidade, uma cidade “mestiça”.
Existem três reservas fundiárias na sede municipal e uma em cada comuna. A Reserva
Fundiária da Matala aprovada pelo Conselho de Ministros está a quatro quilómetros ao
lado direito de quem vem da cidade da Matala, em direcção a Quipungo – Lubango.
Esta reserva é a continuidade de outra, com 50 hectares identificados em 2007, no
quadro da resposta às necessidades de habitação para a população. Na reserva fundiária
local, os planos de loteamento, urbanização e infra-estruturas estão bastante avançados,
tendo sido feitos dois poços de água subterrânea e estando em construção um
reservatório aéreo de água, situado no ponto mais alto da área. A terceira reserva
fundiária local está na mesma zona do outro lado da estrada em direcção a Quipungo –
Lubango e destina-se a habitações no âmbito do auto construção, comércio e indústria.
Ainda não tem plano urbanístico nem de infra-estruturas, mas a Administração já
efectuou os arruamentos e seguir-se-á o loteamento e a respectiva distribuição aos
cidadãos. A cidade da Matala está a crescer, em termos de habitações, na direcção a Sul.
Sistemas de produção
Os sistemas de produção dominantes no município da Matala são constituídos por
comunidades de agricultores, agro pastores e pastores. Quanto mais a Sul, maior é a
feição pastoril. Entre os agricultores, localizados principalmente a Norte do município,
há os que praticam agricultura familiar de cereais como o milho, mas a cultura de
rendimento é cada vez mais o feijão. Existe uma fazenda pecuária, bem como pequenos
e médios produtores privados no perímetro irrigado, mas muitos ainda não estão no
activo, em termos de actividade produtiva.
Os agricultores fazem as principais culturas nas lavras do alto – “Ongongo”, também
têm parcelas na zona intermédia da catena, o “Ombanda” e nas baixas – “Olonaca” em
sistema de regadio. As culturas de sequeiro são feitas em consorciação. As principais
culturas são os cerais – milho, sorgo, feijão; os tubérculos – mandioca, batata rena; as
hortaliças, etc. Geralmente, os agricultores também possuem animais para tracção
animal e/ou para criação/reprodução, animais de pequeno porte e aves. Há os
90
agricultores que fazem agricultura no regadio, ao longo do canal de irrigação. Os agropastores combinam a agricultura e a pastorícia, que é a principal fonte de rendimento.
Dada a presença do rio Cunene, existem famílias que, para além da agricultura, fazem
pesca como actividade secundária ou principal. Também podem combinar agricultura,
pastorícia e pesca. Há também os que praticam agricultura e comércio de retalho no
mercado informal. O município tem um intenso movimento de pessoas com moto-taxi.
Logo, pode se depreender que há famílias que combinam esta actividade com o
comércio de retalho no mercado informal e a agricultura ou ainda a pesca.
Caracterização institucional
A Matala é um município da categoria A, de acordo com o Decreto-Lei 02/0778; tem
cinco (5) comunas: Sede, Capelongo, Mulondo, Micosse e Sequendiva. No município,
existem várias igrejas: a Igreja Católica, a Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA),
a Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA), e a Igreja Adventista do 7º Dia.
A CARE internacional é uma ONG que apoia a Administração Municipal e as OSC ao
nível local, nas questões de descentralização e desconcentração administrativa. Neste
sentido, no município já existe o Conselho Alargado de Concertação Social (CACS).
Existem ainda cinquenta e oito (58) Organizações de Desenvolvimento de Áreas
(ODAs) e 14 federações de ODAs. No passado, já actuou na Matala a ADRA, com um
projecto de saúde – construção de infra estruturas e equipamento, em parceria com o
Ministério da Saúde e com o Banco Mundial, bem como a Associação Leonardo
Secufinde Shalon Angola (ALSSA)79, a DRA80 e a GTZ81. Existe uma organização
local denominada “Grupo de Direitos Humanos”, ligada à Igreja Católica, através da
Comissão Diocesana da Justiça e Paz.
No passado, por causa do conflito armado, a Matala albergou as administrações
municipais da Chicomba e foi a capital provisória (Castanheira de Pera) da província do
Cunene, quando esteve ocupado pelo exército da África do Sul.
As localidades e instituições do trabalho
Na Matala, foram feitas entrevistas a Administração Municipal. A equipa de pesquisa
foi recebida por duas vezes, tendo havido muita abertura e apoio institucional que
facilitou os encontros a outros níveis. Foram feitos dois grupos focais com comunidades
constituídas por mulheres e homens, respectivamente, na aldeia de Calumbo82 e no
bairro 1º de Maio83. Em ambas existem ODAs. Foram feitas entrevistas com o pessoal
da Estação de Desenvolvimento Agrário (EDA), o Instituto de Desenvolvimento
Florestal (IDF), a CARE Internacional, o Grupo de Direitos Humanos. Houve ainda um
78
A lei que aprofunda o processo de desconcentração. Esta lei a) define melhor as atribuições e competências de cada
um dos níveis da governação local, b) considera pela primeira vez as Administrações Municipais como unidades
orçamentais e, c) institucionaliza os Conselhos de Auscultação e Concertação Social (CACS) como órgão de apoio
consultivo dos Governos Provinciais, Administrações Municipais e Comunais. Por outro lado, o Governo aprovou,
em Agosto de 2007, o Programa de Melhoria da Gestão Municipal (PMGM) com o objectivo de estabelecer Unidades
Orçamentais em 68 municípios como experiência piloto. Preconiza-se passar esta experiência aos outros municípios,
na fase seguinte.
79
Uma associação de direito civil e canónico da Igreja Católica, que trabalhava as questões de reconciliação, Direitos
Humanos e terras.
80
Uma ONG Holandesa de emergência, que apoiou, na Matala, a fase de emergência.
81
Uma agência de apoio bilateral do governo da Alemanha.
82
Localizado a 12 quilómetros da Matala, ao longo da linha férrea do CFM, a população retornou à aldeia, depois da
guerra. A maior parte pertence ao grupo étnico linguístico Nhemba e Tyokwe.
83
Um aglomerado populacional da Matala, bastante heterogéneo em termos étnicos.
91
encontro de cortesia com os sacerdotes da Igreja Católica local. Foram feitas visitas de
rotina ao viveiro de plantas silvícolas. Foi feita uma visita e entrevista na comuna do
Capelongo. A realidade da comuna do Mulondo, a Sul do município, foi constatada
somente nas imediações, através do município do Gambos.
A questão fundiária e os eixos de conflitualidade
No contexto da Matala, existem vários tipos de terras: a) no ambiente agrícola, no meio
rural, sobretudo na parte Norte do município que faz limite com a Chicomba, existem
terras para agricultura, diferenciadas em função da catena; b) as informações referem
que cada família tem as suas matas, que são terras de reserva; c) na aldeia, localizam-se
os terrenos para as construções de casas, os celeiros e as lavras contíguas às casas, os
“otchumbo”, na língua Umbundu. d) Ainda no ambiente agrícola rural, nas imediações
das casas, ficam os currais, pastando o gado nas terras livres.
No ambiente agro pastoril, existem os terrenos do “ehumbo”, na língua Nhaneka, onde
constroem as casas, os celeiros e os currais nas cercanias, mas fazendo parte da mesma
unidade residencial perfeitamente identificada. A agricultura é feita nas proximidades
do “ehumbo”, com maior ou menor distância. O sistema agrícola faz-se por rotação de
parcelas depois de alguns anos de utilização, alternando entre os antigos currais e os
lugares de residência para onde mudam as parcelas de cultivo, depois das primeiras
parcelas diminuírem em termos de fertilidade. Posteriormente, voltam a mudar e assim
sucessivamente. Quando ocorre um óbito na família, também mudam-se para outro
lugar. É um esquema de mudanças e alternâncias mais ou menos complexo e pouco
conhecido, variando de região para região. Para além de ser pouco dominada pelos
técnicos da agricultura, este sistema passou por outras transformações nos últimos
tempos. Os pastores desta região não têm um sistema de nomadismo puro e têm terras
de utilização comunitária para pastagem, mas é provável que, no interior do sistema
endógeno, existam nuances do direito de utilização específica ou vínculo à terra em
determinados espaços, provavelmente nos espaços para construção de habitações ou
espaços para agricultura, com um certo valor do solo, ou seja, a aptidão agrícola do solo
e a sua fertilidade.
No ambiente urbano e suburbano, existem terrenos para construção e também para
cultivo nas imediações. Estes terrenos não têm características e regime de utilização
semelhantes às terras de cultivo fora das vilas, sobretudo nas áreas do meio rural
geograficamente mais distantes dos centros urbanos.
Na Matala, ao longo do canal de irrigação, existem parcelas de terras para agricultura,
que são periféricas no sentido de não fazerem parte formal do perímetro irrigado ao
longo do canal, mas as comunidades adaptaram-se para o seu aproveitamento e
usufruto, através de um sistema de gravidade – tecnologia adaptada, por meio da qual,
com o uso de tubos de plástico, conseguem buscar água do canal por gravidade, para
irrigar tais parcelas em que cultivam milho e hortícolas. Em circunstâncias normais e no
sistema normal, não seria possível irrigar tais parcelas.
Diferendos ou conflitos de natureza Intra-familiar (entre membros da mesma família)
Os respondentes disseram que existem casos, principalmente de jovens, que viveram
nas cidades como Luanda, e ao regressarem à casa estabeleceram contactos com gente
92
de fora e venderam terras sem acordo dos parentes, provocando problemas entre os
familiares. Também há referências de jovens que vão para as cidades e regressam com
vícios e contravalores, provocando mal-estar e conflitos na comunidade, na família e,
sobretudo, com os mais-velhos. Os mais-velhos falam disso com muita amargura, sendo
um problema que ocorre em todos ambientes étnico linguísticos.
Os respondentes do grupo sócio cultural Humbi, da sociedade agro-pastoril,
principalmente os mais-velhos, dizem que a herança, quer da terra, quer do gado é para
os sobrinhos. Disseram também que há evidências de reclamação dos filhos contra este
costume porque eles é que sofreram para ajudar os pais a gerar ou manter a riqueza, seja
a terra ou o gado.
Foi relatado um caso que ocorreu na área da Tchipopia, em que, quando o pai de uma
família faleceu, os sobrinhos vieram e levaram absolutamente tudo, deixando a família
sem nada. Isto gerou um problema que foi parar às autoridades tradicionais e o soba
pediu apoio ao Grupo de Direitos Humanos (GDH) da Igreja Católica para ajudar a
dirimir o caso. Neste processo, o soba e outros mais-velhos estiveram a favor da herança
para os sobrinhos e o GDH a favor dos filhos. Por influência do GDH, o caso foi parar
ao tribunal que decidiu a favor dos filhos. O GDH refere que já mediou cerca de nove
(9) casos desta natureza na Matala.
Ainda sobre a herança, num outro ambiente étnico linguístico, dos Nhemba e dos
Tchokwe, os respondentes estavam divididos em duas posições opostas: aqueles que
defendiam o que é norma dominante na comunidade, ou seja, herança para os filhos, e
aqueles que defendiam o que deveria ser, isto é, a herança são para os sobrinhos. Todos
estavam de acordo que a herança da terra para os sobrinhos ficou para traz e caiu em
desuso. Os que ainda defendem a herança para os sobrinhos são, sobretudo, os mais
velhos que diziam que os verdadeiros sobrinhos são os da sua irmã, pressupondo, deste
modo, que os do seu irmão podem não ser verdadeiros, pois há a possibilidade de,
igualmente, esses irmãos não serem os verdadeiros pais. Um outro grupo de pessoas de
idade média, que também corresponde aos líderes religiosos da Igreja Cristã, na
comunidade, foram unânimes em dizer que a prática dominante é herança para os filhos
e é a melhor forma que a Igreja também ensina.
Os que defendem a herança para os filhos, sejam do grupo étnico linguístico
Ovimbundu, sejam Nhemba, Humbi ou Tchokwe, disseram que a herança da terra é
para os filhos (do género masculino), porque as filhas vão casar fora, onde vão herdar
da parte do marido. Todavia, eles disseram que, em caso de ela ficar sem o marido, a
herança da terra também é repartido para ela, porque, na realidade, a herança é para
todos. Neste caso, os irmãos jogam o papel de “guarda da herança” que é de todos,
incluindo as irmãs que ficarem em posição de desvantagem ou discriminação ao perder
o marido, sobretudo por morte. Foi ainda referido que há famílias em que as filhas
também recebem herança de terras, à semelhança dos outros filhos, mas estes não são
casos frequentes.
A questão da herança da terra no contexto actual deve ser vista também em função de
vários factores sócio étnico linguísticos: a influência das igrejas cristãs, a cultura
letrada, as gerações dos mais-velhos e ou mais-novos e, também, se é no mundo rural
ou numa sociedade de predominância de valores urbanos... Todavia, a tendência geral é
de passar a herança para os filhos e não para os sobrinhos.
93
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitários (entre membros da mesma
comunidade)
Os conflitos mais frequentes referidos ao nível dos agricultores são os problemas de
disputas de limites entre parcelas dos membros da mesma comunidade. Nos agropastores não foram feitas referências deste tipo de conflitualidade, considerando que as
lavras são individualizadas e cercadas, e as terras para pastagem são comunitárias ou de
utilização plural, no dizer de Rui Duarte de Carvalho.
Nos agricultores, a feitura de carvão é um problema de conflitos/diferendos entre
membros da mesma comunidade, quando é feito sem autorização ou sem um acordo
prévio que inclui compensações.
As formas de acesso à terra, na cidade da Matala e arredores, ocorrem em três
modalidades: A primeira é a compra de terreno para construção no mercado informal,
que deve ser homologada pela autoridade local, o soba ou chefe de zona no bairro, cuja
formalização vai até à Administração Municipal. A segunda modalidade é dirigir um
requerimento à Administração, solicitando terreno para auto construção, que faz parte
dos planos de urbanização. Se o requerimento for deferido, seguem-se as formalidades
previstas para legalização do terreno.
Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitários (entre comunidades
diferentes)
O acesso à terra, na Matala e arredores, pode ser caracterizado em fases no tempo: A
primeira, antes dos colonos, em que a terra dos agro-pastores e agricultores era usada no
sistema comunitário e a agricultura praticada era de subsistência, respectivamente. A
segunda, já com a presença da colonização, que perturbou o sistema acima referido,
principalmente nos lugares de maior pressão demográfica, fazendas e urbanização,
certamente com a perca de vantagem de direitos de utilização de terras pelas populações
locais. A terceira fase, em que as populações estavam em desvantagem no direito de
utilização, por causa da ocupação colonial até por altura da independência. Apesar
disso, ainda havia muita disponibilidade de terras no campo e nos arredores da vila,
onde as populações faziam o seu maneio de gado e praticavam agricultura. A quarta
fase foi no tempo do conflito armado, em que as populações dos lugares mais distantes
foram se concentrando na vila e noutras famílias que se mantinham nos arredores da
vila, onde já viviam. Portanto, para além da população dita local ou autóctone, havia os
deslocados que chegavam aos milhares, alterando o sistema de acesso, uso e usufruto da
terra, com as consequências de modificações fundiárias, no que diz respeito ao acesso à
terra e não só. Naquela fase, na cidade da Matala e cercanias, as formas de acesso à terra
eram a cedência por amizade ou outro tipo de relacionamento, a compra de parcelas ao
dono da terra, a obtenção de terras a troco de força de trabalho na lavra de quem cede a
parcela e o acesso à terra por via dos terrenos que a Administração Municipal distribuía.
Estes terrenos, ou eram os que os sobas identificavam a pedido da Administração
Municipal, ou, então, eram terrenos de antigas fazendas para os mesmos fins de
distribuição aos deslocados. Depois do fim do conflito armado, muitas populações
regressarem às suas terras, ainda algumas moveram-se para outros lugares e há as que
ficaram até hoje. Alguns respondentes disseram que, na cidade da Matala e cercanias,
tem havido casos de conflitos daquelas pessoas que tinham recebido terras por oferta, e
94
agora, as querem vender. Isso tem gerado problemas em que os donos ditos “originais”
reclamam que a terra oferecida não se deve vender.
Ao nível do meio rural, os respondentes não se referiram sobre este tipo de
conflitualidade, seja no sistema de produção dos agricultores, seja dos agro-pastores.
Também não expressaram preocupações sobre o problema de roubo de gado bovino.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitários (comunidade e agentes
externos)
Deste nível, foram observados dois (2) tipos de diferendos/conflitos: O primeiro é um
conflito latente entre os interesses agrícolas das comunidades e os interesses privados
para fins de infra estruturas de turismo, ou seja, a natureza do conflito tem a ver com a
ocupação de terras por agentes externos e incompatibilidade de sistemas de utilização da
terra. Por outras palavras, as comunidades querem continuar a praticar agricultura e os
privados querem fazer infra estruturas para fins de turismo. Trata-se de uma área
suburbana no bairro 1º de Maio, na margem direita do rio Cunene, cujo caso descrito
vem tratado com mais detalhes no estudo de caso. O segundo é um conflito patente
(porque já envolveu destruição de culturas das comunidades), entre os interesses
agrícolas das comunidades que eram deslocadas do município da Chicomba, que se
estabeleceram numa antiga fazenda do Muholo, na comuna de Capelongo, sector
Frexiel e os interesses do “novo proprietário” a quem, supostamente, foi vendida/cedida
a fazendo nos moldes antigos. Logo, trata-se de ocupação de terras por agentes externos
e incompatibilidade de sistemas de utilização da terra, porque são dois sistemas e
objectivos que estão a conflituar. Por um lado, o interesse pelo sistema de produção
mecanizada, na lógica mercantil, de rendimento e lucro. Por outro lado, o sistema de
agricultura familiar, que se baseia na lógica da maximização da segurança e, também,
de produção aberta ao mercado, o que não significa que seja agricultura de subsistema,
como é erradamente generalizado por algumas pessoas quando se fala de camponeses.
Durante as entrevista, foram mencionadas várias vezes referências de ocupações ou
sinais/avisos de ocupações de terras na área agro pastoril e pastoril a Sul do município,
na comuna do Mulondo, por fazendeiros que estão a perturbar o sistema de maneio dos
pastores e agro pastores. Se for caso, está-se diante da natureza de diferendo/conflito de
ocupação de terras por agentes externos e incompatibilidade de sistemas de utilização da
terra (sistemas de maneio endógeno, desenvolvido secularmente e o paradigma
“ranching” – produção pecuária intensiva), eventualmente, estejam a ocorrer também
agressões simbólicas.
Outrossim, são as questões levantadas por várias pessoas quando há situação de
diferendo/conflito que envolve gente com muito poder, seja militar, seja económico ou
político. Os agentes do Governo e outros que lidam ou existem para dirimir os casos e
defender a lei e, por via da resolução, recorrendo ao bom senso, por estarem numa
posição fraca em termos de poder ou autoridade, ficam de mãos atadas para resolverem
estes problemas. Ouvem-se frases comuns dizendo:
“…se eles é que mandam, o que vamos fazer!”. “Quem manda manda e quem não
manda cumpre!” “Quem somos nós para resolver este problemas com aquele
senhor tão poderoso?”
95
Em várias ocasiões, os respondentes apontaram existir tensões ou as comunidades
sentirem ameaças por causa de novas cedências de terras ou ocupação na área do
Mulonda, a Sul do município. Estas informações foram confirmadas a outros níveis na
província. Tomando em conta que são informações que já pairam no ar e fora do espaço
municipal, impõe-se verificar e acautelar o assunto pelas autoridades do Governo e
outros actores da Sociedade Civil, incluindo as autoridades tradicionais.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
Neste eixo, as referências e observações apontam um diferendo entre os interesses
públicos do Estado e as comunidades, numa das áreas de Reservas Fundiárias do
Estado, na Matala, sobretudo a do lado esquerdo da estrada de quem sai da Matala,
vindo para o Quipungo, onde existem algumas poucas famílias e fala-se de um
cemitério. No entanto, algumas informações afirmam haver diálogo entre as
comunidades e as autoridades administrativas para resolver a questão. Todavia, tais
famílias estão a exercer pressão sobre as suas lideranças, reclamando para que eles
negoceiem os seus direitos.
A outra situação é a das áreas suburbanas nos bairros 1º de Maio e Calumbiro, onde, no
futuro, prevê-se fazer a requalificação urbana. A outra é a prevista demolição de casas
que foram construídas ao longo do CFM, no perímetro não permitido por lei.
Imagem 6: Comércio ao longo da linha férrea em cujos arredores existem habitações
Foi referido, também, que num passado recente, já houve este processo e a
Administração indemnizou as famílias afectadas com cedência de outras parcelas e
material de construção. Por outro lado, há informações de muitas pessoas que receberam
parcelas de terras naquela altura e as venderam. O mesmo processo de demolição está
previsto nas casas que foram construídas debaixo da linha de alta tensão, que conduzem
electricidade para as cidades do Lubango e Namibe. Estas situações ainda não
constituem conflito como tal, mas estão a gerar incertezas, dúvidas e insegurança em
termos de futuro. As mesmas fazem parte da natureza do diferendo entre os interesses
96
públicos e os das comunidades, havendo sinais de agressões simbólicas nos espaços
sagrados, como é o caso do cemitério. Um outro caso referido ocorre nas imediações do
Parque de Retém da Matala, onde a gestão desta unidade expropriou terras das
comunidades que cultivavam à volta do referido Parque.
As formas de resolução de conflitos
As formas de resolução destes diferendos ou conflitos, regra geral, não seguem a
sequência e as modalidades previstas na lei. Os casos intra-familiares e inter-familiares,
primeiro são resolvidos ao nível dos mais-velhos, na família; o conselho da família
apenas acontece quando não se consegue recorrer às autoridades tradicionais. Não
foram referidos casos desta natureza, que foram ao nível administrativo ou judicial.
Os casos entre comunidades e interesses privados envolvem mais actores, em
comparação com os casos intra-familiar e inter-familiar. Normalmente, são envolvidos o
Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MINADER), a nível local, pelo
seu papel na cedência de terras agrícolas e pecuárias; as autoridades tradicionais, por
serem conhecedoras das realidades locais, mediarem/dirimirem diferendos/conflitos
diversos ao nível comunitário, administrar a justiça na base do direito costumeiro; a
Polícia Nacional, principalmente quando as situações envolvem tensões ou recurso à
violência verbal ou física; e, por último, a Administração Municipal, que, no que
respeita à Matala, normalmente está informada sobre os casos, e joga o papel de
liderança institucional. Houve um caso entre interesses de comunidades e interesses
privados, que ainda está em curso e teve uma intervenção do Partido MPLA, através de
realização de um inquérito que produziu recomendações em favor das comunidades,
cuja influência na procura da solução é grande. Ainda nestes casos, o papel das
autoridades tradicionais não foi relevante, pois que, alguns deles eram também vítimas
que ficaram sem as suas parcelas de terras.
Algumas autoridades administrativas referem que tem havido autoridades tradicionais
que têm sido corrompidas pelos pretendentes de terras, assinando declarações de
autorização de cedência de terras, e criando situações complicadas. Do outro lado,
algumas comunidades e autoridades tradicionais dizem que há falta de informação de
quem é de direito, nomeadamente da Administração, sobre as questões de terra.
O GDH da Igreja Católica, na Matala, tem promovido sessões de informação sobre a
Lei de Terras com a participação de algumas comunidades e autoridades tradicionais,
porém, o conhecimento desta Lei ainda é muito fraco a todos os níveis. Depreende-se
que haja dificuldade na didáctica de lidar com os conteúdos da lei, cuja linguagem
chega a ser muito técnica. Os respondentes disseram que não têm tido acesso aos
manuais sobre lei de terras que foram elaborados pela FAO e pela Rede Terras.
A Polícia Nacional intervém nos casos de conflitos de terras que envolvem recurso à
violência ou tensões. Nestes casos, a polícia aparece para apaziguar. Os casos mais
frequentes são os problemas de burla que surgem na venda de terrenos ou casas; por
exemplo, vender um terreno a duas pessoas. Há mais casos de terrenos urbanos do que
rurais. Nestes casos de conflito de terras, a Polícia Nacional faz recurso às instituições
que lidam com a gestão destas questões, ou seja, os Serviços Comunitários e a Secção
Municipal do MINADER. Há um certo reconhecimento das autoridades policiais sobre
a distância entre a realidade social e a formalidade da lei ou dos regulamentos e que, o
97
Estado deveria jogar mais um papel de não deixar acontecer as coisas e depois actuar,
mas sim o papel preventivo. Por exemplo, primeiro deixar as pessoas construírem as
casas e depois decidir fazer demolições porque as construções são anárquicas ou os
terrenos são de interesse privado. A questão da terra, em termos de propriedade,
evidencia claramente duas visões, isto é, se é do povo ou do Estado.
Os respondentes disseram que, ao nível provincial, uma parte das dificuldades de lidar
com as questões de gestão de terras tem a ver com a inter sectoriedade que nem sempre
funciona de maneira mais apropriada. Os espaços de articulação institucional nem
sempre funcionam e, às vezes, há sobreposição ou usurpação de competências.
Na Matala não houve nenhuma delimitação de terras para as comunidades, e somente
uma organização, o GDH da Igreja Católica, promove formação sobre lei de terras.
O facto da Administração Municipal da Matala ter domínio dos casos, de ser o líder
institucional para tratar estes assuntos é um aspecto importante em termos de
autoridade. Incorporar nas sessões do CACS uma abordagem sobre as questões de terras
poderia ser uma das formas de responsabilização de todas as partes envolvidas, mas
também de participar na resolução destes problemas com base no primado da lei.
Casos de diferendos e conflitos de terras
Caso das terras no bairro 1º de Maio, na margem direita do rio Cunene, fora do perímetro irrigado
A cidade da Matala foi a que mais concentração de deslocados teve ao longo do conflito armado, deste
1975 até 2002, vindos de várias partes da província da Huíla e de outras partes do país. Esta realidade
sócio demográfica provocou muita pressão sobre o limitado espaço pela guerra e sobre os escassos
recursos da natureza. Por causa destas limitações de espaço, em 1979, comunidades de vários bairros da
cidade da Matala começaram a garimpar pedra numa zona rochosa, no leito do rio Cunene, na margem
direita – num lugar muito bonito, onde o rio forma uma reentrância, bem perto do bairro 1º de Maio. A
exploração de pedra era parte dos mecanismos de sobrevivência da população, num contexto de extrema
pobreza, provocada principalmente pela guerra. Esta pedra servia para a construção de casas. Com o
andar do tempo e pela exploração intensa de pedra, o lugar ficou limpo – sem pedra, e, daí, as mesmas
comunidades dos bairros 1º de Maio, Colonato, Comandante Kou Boy, 11 de Novembro, Calumbiro e
Muquequete passaram a fazer aí a agricultura para subsistência e venda de produtos no mercado local.
Nas imediações do mesmo espaço, já vivia uma família desde o tempo colonial e até tinha plantado
árvores de fruta. Alguns destes herdeiros são militares nas FAA; outros são da Polícia Nacional, em
Luanda. Anos depois, de 2006 a 2008, com a política de privatização e investimento económico e
turístico, apareceram dois empresários que vieram com trabalhadores para as parcelas das comunidades à
força, chegando ao ponto meter no tal lugar um contentor, destruindo as culturas e as árvores de fruta
(goiabeiras). Entretanto, o herdeiro da família acima referida, que tinha vínculo numa daquela área,
iniciou um processo contra os ocupantes. A esta iniciativa, juntaram-se as outras comunidades,
mobilizaram-se em torno das chefias tradicionais, Comités Locais do MPLA e das Organizações de
Desenvolvimento de Área (ODAs) criadas com apoio da CARE internacional, no âmbito do Projecto de
Apoio à Descentralização. Houve várias reuniões sobre o assunto e um inquérito. Os supostos
proprietários nunca mais apareceram, porém não existe uma decisão formal sobre este conflito latente.
Como será em diante?
Caso da fazenda Muholo
No tempo colonial existia a fazenda Caholo na comuna de Capelongo, sector da Frexiel, na margem do
rio Cunene, com cerca de 50 hectares, cujas terras teriam sido usurpadas à população pelo colono.
Entretanto, esta fazenda já passou de um proprietário para outro, ainda no tempo colonial. Em 1975, com
a independência de Angola, num ambiente de guerra e deslocados, as populações vindas do município de
Chicomba se refugiaram nesta antiga fazenda por orientação das autoridades administrativas, há cerca de
17 a 20 anos. Começaram a trabalhar a terra e constituíram uma associação de camponeses. Mesmo com
o fim da guerra, há famílias que decidiram ficar aí – hoje são cerca de 70 famílias. Mais recentemente,
98
apareceu um suposto dono que diz ter comprado a fazenda, mas não exibe documento nenhum, segundo
as autoridades e comunidades locais. Isto gerou reclamações, tensões e resistências das populações,
sobretudo porque lhes disseram que tinham que sair dali porque a fazenda tinha sido vendida ao novo
“dono”. Desde então, tem havido mais tensão do que diálogo entre as partes. Houve mesmo uma situação
em que o tractor do suposto “dono”, que veio fazer a preparação de terra, foi impedido pelas
comunidades. Estas complicações já geraram confusão entre a gerência do dito “fazendeiro” e as
comunidades que foram parar à Polícia Nacional. Mais recentemente, em Dezembro, houve destruição de
culturas das comunidades protagonizada pela gerência da fazenda, e o “dono” diz não saber sobre o
assunto.
Caso do mais velho que moveu várias vezes da sua terra
Um mais velho tem hoje mais de setenta anos de idade; é do grupo étnico linguístico Humbi e nasceu
mesmo no coração da cidade da Matala, onde, junto com os pais, os irmãos e outros parentes, também
tinham as lavras e currais de gado. Com o surgimento e avanço da cidade da Matala (ele ainda era muito
novo) tiveram que mover daí por força dos interesses dos colonos. Depois, foram instalar-se noutro lugar,
onde construíram tudo de novo. Entretanto, anos mais tarde, ainda no tempo colonial, foi decidido que o
referido lugar onde viviam seria para construção do aeródromo da Matala. Agora que já é muito mais
velho, a sua terra está num espaço de interesse público e vai ter que sair dali, ou então ficar, mas obedecer
as regras de urbanização de ter um espaço limitado, sem currais de bois e lavras. No seu depoimento dizia
que, primeiro, a terra é de Deus, em segundo é do Estado e depois é do homem. Ninguém nasce do céu,
mesmo os que nascem num prédio, estes estão sobre a terra.
4.1.3. CARACTERIZAÇÃO DA PROVÍNCIA DO KWANZA SUL
A província do Kwanza Sul tem uma extensão de 58. 698 km2, 2. 294, 069 habitantes,
dividida em 1284 municípios com os seus limites, a Nordeste, definidos pelos rios Longa
e Kwanza, fazendo fronteiras com as províncias do Bengo, Kwanza Norte e Malanje. A
Sul, tem limites com a província de Benguela. A Este e Sudoeste, com a do Bié e do
Huambo. A Oeste, com o Oceano Atlântico. Em termos geográficos, o Kwanza Sul é
uma região de transição entre as planícies litorâneas e o planalto interior ou central de
Angola. Ecologicamente, é bastante diversificada, com, pelo menos, quatro zonas bem
distintas: Litoral Sul do Kwanza, Libolo-Amboim, Bacia Leiteira da Cela-Catofe ou
Zona de Transição Centro-Nordeste e o conhecido Planalto Central, localizado a Sulsudeste.
Em termos históricos e sociais, a região foi marcada por profundas relações entre as
várias sub regiões e províncias vizinhas, através de um intenso movimento das
populações, quer provocada pela procura de emprego ou de oportunidades de vida, quer
por guerras. Na província do Kwanza Sul predomina a influência de dois grupos etnolinguísticos do país, os Ovimbundu e os Mbundu, e uma grande variedade de subgrupos
com características próximas aos dois grupos referidos.
A vocação destas populações, em termos de agricultura, é de feição comercial, sendo
bastante antiga e explicada pelo tráfico de escravos e bens, no passado, tais como a
borracha e o marfim, e pela introdução de culturas comerciais ao longo do século XX,
como o café, a batata, o milho, certas fruteiras e outras.
84
Sumbe, Ambuim, Quilemba, Porto Ambuim, Libolo, Quibala, Seles Conda, Cassengue, Waco-Kungo, Ebo e
Mussende.
99
Os solos predominantes nesta região são os solos Ferralíticos, caracterizados por
reduzida fertilidade, baixos teores de matéria orgânica, elevada acidez e, por via disso,
apresentam limitações para a produção agrícola. Os outros são solos Fracamente
Ferralíticos Vermelhos ou Amarelos com horizonte superficial espesso. Nestes solos, a
produção agrícola é possível, mas deve ser conduzida com base na utilização de técnicas
culturais adaptadas às suas características. Os Litossolos e/ou Solos Litólicos aparecem
frequentemente associados a afloramentos rochosos em áreas de relevo muito
acidentado e, também, associados às abas declivosas e apresentando restrições à prática
agrícola. A maior parte dos solos existentes, têm características que conduzem a
reduzida capacidade de armazenamento de água. Estes solos apresentam vocação para a
produção de pastagens e de forragens destinadas à produção pecuária. Os solos
Paraferralíticos são predominantemente de textura fina e quase sempre de coloração
viva (vermelhos ou alaranjados). A utilização agrícola destes solos depende do declive
das áreas em que se localizam e da espessura efectiva que apresentam.
A província do Kwanza Sul, com o seu perfil de desenvolvimento geográfico desde o
nível do mar até aos 1500 m de altitude, ao longo do século XX, revelou-se na produção
empresarial, de culturas muito diversificadas: o algodão, a banana, a batata rena, o
milho, o café, o girassol, diversas culturas hortícolas e frutícolas, e o palmar. A pecuária
também destacou-se em relação ao gado bovino -produção de carne e de leite.
Ao nível das explorações familiares, as culturas de maior destaque eram o milho, o
feijão e a mandioca, destinados, em maior percentagem, a garantir a subsistência das
famílias. Neste tipo de explorações, associadas à produção agrícola, encontrava-se
quase sempre a produção animal, englobando a criação de bovinos, caprinos e, também,
de suínos e de aves.
A instalação dos colonatos da Cela e do Catofe, a partir da segunda metade do século
XX, permitiu o lançamento da criação de gado leiteiro e de culturas horto-frutícolas.
Apesar do reconhecimento da qualidade do ananás da Quibala, rapidamente se
constatou que era difícil garantir o seu transporte em boas condições até aos centros de
maior consumo. Em consequência, procurou-se a forma de proceder, na região, à sua
transformação industrial, situação que se manifestou ser de algum interesse. Mais tarde,
a região conheceu um desenvolvimento empresarial relativamente importante, tendo
sido, na Quibala, grande centro de circulação rodoviária, estimulada a produção de
milho (que inclusivamente conduziu à instalação de uma indústria de moagem, a
CAIMA), arroz, girassol e ananás.
A agricultura praticada de quase subsistência, em que camponeses e pequenos
agricultores procuram retirar da terra os bens alimentares de que as suas famílias
necessitam. Para além de produzirem os produtos alimentares necessários aos seus
agregados familiares, estes agricultores comercializam os seus excedentes de produção
junto das estradas ou nos mercados informais da região. Estes produtos são canalizados,
por intermediários, para outros mercados, incluindo o de Luanda. Vêem-se muitas
caixas de banana ao longo das estradas, no eixo Sumbe, Gabela e Quibala.
A agricultura familiar, nesta região, é caracterizada por ser uma agricultura rotacional
de pousios mais ou menos longos, dependendo a duração do pousio da pressão
demográfica, da área disponível e do nível de fertilidade dos solos. Ela deve ser
entendida como o resultado de uma adaptação ao ambiente ecológico na tentativa de,
100
com o mínimo de riscos, explorar o solo com o tipo de tecnologia, de capital e de
trabalho de que se dispõe. Porém, nas áreas de maior pressão demográfica, o tempo de
pousio está a ser reduzido e isso tem consequências negativas nos níveis de fertilidade.
As unidades de produção existentes são fragmentadas em várias parcelas de três a cinco,
correspondendo a diferentes tipos de lavras, para permitir uma distribuição do trabalho e
garantir alimentos ao longo do ano. Normalmente, diferentes parcelas são dispostas ao
longo da linha de maior declive (catena), de acordo com os diferentes níveis de
fertilidade, ou seja, desde as de mais pequena dimensão e maior nível de fertilidade
junto às linhas de água, até às de meia-encosta ou do alto, geralmente maiores em
extensão e de menor nível de fertilidade. A dimensão da lavra e o tipo de cultura são,
também, frequentemente, função do objectivo – auto-consumo, troca ou venda no
mercado.
A generalidade dos agricultores, sejam eles pequenos agricultores, sejam camponeses,
desenvolvem a sua actividade: i) em áreas com dimensão relativamente reduzida; ii)
sem recorrer à mecanização agrícola (excepto, por vezes, à mobilização de solos de
algumas áreas, em que se executa uma lavoura e uma gradagem com recurso a
máquinas alugadas); iii) sem a aplicação de adubos e de outros produtos agro-químicos
nas culturas do milho, do feijão e da mandioca, reservando a sua utilização para culturas
que consideram de maior valorização comercial, como a batata-rena e as hortícolas
(batata doce, cebola, pimento, repolho e tomate).
O Governo investiu na reabilitação do canal de Matumbo para fornecimento de água às
fazendas médias, na reactivação das estruturas dos Institutos de Investigação
Agronómica e Veterinária e na construção de um Instituto Agrário para formação de
técnicos médios para agricultura e pecuária, tudo no Waku Kungo-Cela. Foi também
aberto, no Sumbe, uma Escola Superior Agrária para formação de bacharéis em
agricultura, pecuária e gestão agrícola.
Segundo dados do Ministério do Urbanismo e Habitação, existem cinco (5) reservas
fundiárias constituídas e publicadas no Diário da República com as seguintes
dimensões:
• Reserva nº1 - Sumbe I, com 465,56 hectares, localizado no controlo sul, no
sentido Sumbe/ Seles;
• Reserva nº2 - Sumbe II, com 437.1 hectares, localizado no controlo Norte,
sentido Sumbe/Luanda;
• Reserva nº3 – município do Porto Ambuim, com 372.69 hectares, localizada no
controlo Sul, sentido Porto Ambuim/Sumbe;
• Reserva nº4 – município do Ambuim - Gabela, com 463.28 hectares, localizada
no sentido Gabela/Quibala;
• Reserva nº5 – município da Cela/Waco/kungo, com 138.54 hectares localizada
na Kissanga Kungo.
Existem propostas de mais de sete (7) reservas fundiárias por aprovar. O município do
Mussende, com uma área 779 hectares de terra, localizado a Nordeste da vila e outra a
Sudoeste, com um total de 800 hectares. O município do Libolo, contendo uma área de
882 hectares de reserva fundiária, localizada a Sudeste da vila sede de Calulo. O
município da Conda, com uma reserva de total de 219.098 hectares situado a Nordeste
da vila sede. O município do Ebo, com uma extensão de 159.824 hectares, localizado a
101
Nordeste da vila. O municio de Cassongue, com uma área de 252.78 hectares, situado a
Nordeste da vila. O município de Seles com uma área de 229.234 hectares, localizado
também a Nordeste da vila, e, finalmente, município de Kilenda com uma reserva
fundiária de 286,3 hectares, localizada a Sudoeste da vila. Está em curso um processo
de aumentar as áreas das reservas fundiárias de todos os municípios e realizar sessões de
divulgação das cartilhas do município.
a) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CASSONGUE
Características gerais
O Município de Cassongue situa-se a 199 Km (via Seles) do Sumbe – capital da
província na direcção Leste. Limita-se, à Norte, com o município do Uku-Seles; a Sul,
com os municípios de Balombo (Benguela) e Londuimbali (Huambo); a Leste, com os
municípios do Bailundo (Huambo) e Cela: a Oeste, com os municípios de Bocoio
(Benguela e Seles.
Com uma superfície de 4.200 Km2, a sua população é de cerca de 120.750 habitantes e
uma densidade populacional à volta de 3,4 habitantes por Km2. É habitado
maioritariamente pela população do grupo étinico-linguístico Umbundu. O município
está dividido em 4 Comunas, nomeadamente a comuna Sede, Dumbi, Pambagala e
Atóme.
Com uma altitude média entre 1400 e 1500 metros em relação ao nível do mar, o
município é caracterizado por um clima planaltico, mesotérmico e húmido,
compreendendo duas estações bem definidas, uma seca e outra chuvosa, com um
período de chuvas geralmente de sete meses (Outubro a Abril), em que a precipitação
atinge, em regra, os 1300-1400 mm, sendo os meses mais chuvosos os de Novembro e
Março. Há um curto período de seca (pequeno cacimbo), que ocorre de modo irregular
entre os meses de Dezembro e Fevereiro.
A vocação das populações para uma agricultura de feição comercial é antiga e é
explicada pelo tráfico, em tempos passados, de escravos e de bens como a borracha e o
marfim e pela introdução de culturas comerciais ao longo do século XX, como o café
arábica, o ananás, a batata rena, o feijão, o milho e as hortícolas.
Características sócio-económicas
Como referido, a principal actividade económica da população local é a agricultura.
Dentre as várias culturas, o feijão (manteiga e cebo) é a maior cultura de rendimento,
cujo mercado principal é a localidade do Cruzamento. Nesta localidade, cruzam-se
compradores de vários pontos do país (Luanda, Huambo, Bié), para além dos vulgos
“zairenses” que transportam o feijão para a vizinha República Democrática do Congo.
A cultura do feijão é feita em duas épocas, ao longo do ano (Novembro e Fevereiro),
enquanto as outras culturas são feitas apenas em uma época, com excepção das
hortícolas que são feitas ao longo de todo ano.
Em termos de actividade pecuária, as populações estão a recompor as suas manadas. A
principal fonte de aquisição do gado bovino é a província da Huíla. Segundo os dados
102
da Administração Municipal, o município controla cerca de 25.300 bovinos, 7.939
caprinos, 9.042 suínos 91.915 galináceas e 793 ovinos. A região de Anhara Mombolo é
de maior produção pecuária, quer a no nível empresarial, quer a nível do camponês
criador/agricultor.
O sector empresarial, apesar da ocupação da maior parte das fazendas, é o que apresenta
ainda menores índices de produção para o mercado, quer em termos agrícolas, quer em
termos pecuários. O município controla um total de 132 fazendas agro-pecuárias, todas
ocupadas, das quais apenas 45 % estão a ser exploradas. A EDA controla ainda 50
associações de camponeses e 14 cooperativas agro-pecuárias, cujo funcionamento ainda
é incipiente, a julgar pela falta de apoios em termos de insumos agrícolas.
A rede comercial formal (lojas) é bastante débil. Por exemplo, o município controla
cerca de 148 lojas, das quais apenas 60 funcionam razoavelmente. Existem também
pequenas indústrias de transformação (moageiras) num total de 11, 8, que foram
instaladas nas comunidades com apoio da ONG AAD.
Sistemas de produção
O município é rico em bacia hidrográfica com vários rios e riachos permanentes, o que
confere aos produtores o aproveitamento da terra mais ou menos ao longo de todo ano.
Em geral, a produção tem início nas baixas “nakas” a partir do mês de Agosto,
estendendo-se para terras intermédias “ombanda” no início das chuvas e termina nas
terras do alto “ongongo”. As culturas são, em geral, consorciadas, principalmente o
milho com as leguminosas ou com a mandioca. Nos arredores das casas (otchumbo),
também são visíveis as plantações de fruteiras e de outras culturas perenes. Não se vêm
culturas como cereais e leguminosos no “otchumbo”. Segundo eles, tal se deve aos
animais domésticos. A agricultura é feita maioritariamente à tracção animal. As famílias
que não têm gado fazem-no alugando-o. Um dia de trabalho, com charrua, custa
1.500,00 Kz.
A actividade pecuária complementa a produção agrícola, com a criação de gado bovino
para tracção e de reprodução, caprino e de outras espécies de pequeno porte. Para além
destas actividades, é notável a produção de mel, que é vendido, em geral, no mercado
local.
Outra actividade produtiva de realce é o comércio informal, que funciona como
complemento dos rendimentos obtidos através da produção agrícola. Nas áreas urbanas
e peri-urbanas, estão localizadas populações que exercem mais de uma actividade
económica. Uns são funcionários públicos e agro-pastores de subsistência, ou seja,
possuem lavras e criam alguns animais; os outros são funcionários públicos,
agricultores e criadores, ou seja, aqueles que também são proprietários de fazendas. Há
ainda aqueles que não tendo lavras, praticam o comércio informal, para além de serem
funcionários. A reabertura de fazendas também tem oferecido alguns empregos aos
camponeses, resultando nesta dualidade de actividades económicas.
Caracterização institucional
103
O município de Cassongue é de Categoria C, de acordo com o Decreto nº. 9/08 de 25 de
Abril85 que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. Tem constituído o Conselho de Auscultação e
Concertação Social (CACS), apesar do seu ainda incipiente funcionamento. No
município actuam, presentemente, algumas ONG´s, tais como a AAD e a ACM, esta
última com maior volume de intervenção na Comuna de Pambagala.
As autoridades tradicionais complementam a actividade governativa do município,
existindo vinte e cinco (25) ombalas, seis (6) regedorias e trezentos e oitenta e três (383)
autoridades tradicionais, das quais cento e quarenta e quatro 144 têm subsídios
(orgânicos) e outros não.
Existem, no município, cerca de onze (11) instituições religiosas, dentre as quais
predomina a Igreja Católica, as igrejas Evangélicas e a Igreja Adventista do 7º Dia.
As localidades e instituições de trabalho
Neste município, foram realizados um (1) encontro com o Administrador Municipal e
seu Adjunto, um (1) com o Chefe do Gabinete do Plano, um (1) com a Chefe de Secção
da Família e Promoção da Mulher, um (1) com o Director da EDA, um (1) com as
ONG’s representadas no Município (ACM e AAD), um (1) com um fazendeiro local e
dois (2) encontros com grupos focais, nas aldeias de Salomão e Cahumbi.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
Os principais eixos de conflitualidade à volta das questões fundiárias no município,
podem ser agrupadas em 6 categorias, sendo: a) os conflitos ou diferendos intrafamiliar; b) os conflitos intra-comunitários: c) os conflitos inter-comunitários; d) os
conflitos extra-comunitários; e) os conflitos entre privados, f) os conflitos jurídicolegais.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiares (entre membros da mesma
família)
Fazem parte desta categoria de conflitos as questões de herança, que assumem duas
dimensões: a herança entre os filhos e sobrinhos e a herança entre os filhos da mesma
família (homens e mulheres). As opiniões em relação ao direito de herança entre filhos e
sobrinhos diferem. Alguns dos nossos interlocutores defendem ainda que os sobrinhos
gozam de primazia quanto à herança, deixando a viúva e os filhos sem nada, pois para
estes, se os filhos herdarem, significa que as suas terras (da família) foram entregues à
outra família (em termos de linhagens matrilineares). Outros defendem a herança pelos
filhos, argumentando que estas práticas de herança pelos sobrinhos estão ultrapassadas,
principalmente por influência das igrejas cristãs e da escolaridade. Outros ainda
referem-se ao conhecimento que obtiveram nas formações sobre a lei de terras
(divulgada pelo Fórum Terra K. Sul), que define a igualdade de direitos na herança. No
que se refere à herança por parte das filhas, em geral a terra é entregue aos filhos, o que
85
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das
atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais.
104
não retira o direito à herança em caso de divórcio ou morte do marido. Neste caso, os
filhos também têm o direito de herdar as terras da mãe, para além das do pai.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário (entre membros da mesma
comunidade)
Um dos principais conflitos desta natureza é resultado das formas de acesso às terras
(cedência) entre as famílias ou amigos nos tempos idos. Até a era colonial havia 3
formas comunitárias de acesso à terra, nomeadamente: a compra (okulandisa), a oferta
(okuetcha) e o emprestimo (okundika). Actualmente, a segunda modalidade (okuetcha)
é a que mais conflito tem trazido entre as comunidades, principalmente entre os
herdeiros, como resultado da interpretação deste conceito. Ao ceder a terra a outrem, há
quem diga: “toma, isto é para ti, trabalha...”, o que significa que cedeu definitivamente.
Há aqueles que dizem “toma só, trabalha...”, o que pode não significar uma cedência
definitiva, ou seja, pode ter também o sentido de empréstimo não manifestado
abertamente. Os conflitos e titularidade surgem com esta má interpretação da forma
como a terra foi cedida, visto que se não houver pessoas mais velhas que
testemunharam o acto da cedência os “vientes” ou seus herdeiros podem perder as
terras. Este tipo de diferendos agudizam-se principalmente quando os “vientes”
manifestam comportamentos menos dignos da boa convivência nas aldeias, tais como
transpor limites, tentativas de venda ou cedência a terceiros. Por esta razão, actualmente
já não existe esta forma de acesso à terra, havendo somente a compra, o empréstimo e o
aluguer, este último que outrora não existia, pois havia muita disponibilidade de terra.
Mesmo em número reduzido, à medida que as fazendas vão sendo ocupadas e se vai
abrindo novas, os espaços agricultáveis tendem a escassear, e os conflitos de disputa dos
limites das lavras tendem a aumentar.
Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitária (entre comunidades diferentes)
Nos grupos focais, as comunidades disseram que não existem terras livres no raio de
acção correspondente às aldeias, incluindo as matas. Todas elas têm donos. Por essa
razão, também o acesso aos recursos naturais é limitado. A caça, as colmeias e a lenha
podem ser explorados de forma comunitária, devendo serem praticadas em qualquer
terreno. O mesmo não acontece com a exploração do carvão, pois esta prática carece de
autorização ou negociação entre as partes. Quando isto acontece à margem desta
autorização, cria-se conflitos. Para além desta natureza de conflitos, não foram visíveis
outros conflitos entre as comunidades vizinhas.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunidades (comunidades e agentes
externos)
Estes referem-se, geralmente, a conflitos entre os fazendeiros e as comunidades. Por
exemplo, na Anhara de Mombolo, onde as populações nativas praticavam a pastorícia,
os primeiros conflitos surgiram em 1914, quando apareceram os primeiros colonos
holandeses, que expropriaram as terras aos nativos e iniciaram a implantação das
primeiras fazendas. Seguiram-se outras ocupações pelos portugueses. Apesar disso, os
colonos tinham cedido algumas partes da anhara para a população utilizar. Em 1975,
quando se deu a independência, todos os colonos abandonaram as fazendas. Em 1992, a
população reocupou as suas terras, apesar de as ter abandonado em seguida por causa do
105
conflito armado. A partir de 2004, começaram novas ocupações e as comunidades
foram novamente obrigadas a abandonar estas terras, indo para as zonas limítrofes nas
encostas das montanhas. Do ponto de vista de convivência com as comunidades, alguns
dos actuais ocupantes são mais agressivos que os da era colonial. Por outro lado, as
terras que ocupam actualmente também correm o risco de serem usurpadas,
considerando que as comunidades não têm nenhum documento que lhes garante a
titularidade das terras, colocando-os em situação de risco. Tudo isto cria nas
comunidades um sentimento de temor e, ao mesmo tempo de revolta, pois, não
compreendem, porque é que estão a ser cedidas as terras aos fazendeiros e não são
aceites os pedidos de legalização das comunidades, tal como a Lei de Terras refere.
Actualmente, apesar de algumas comunidades estarem conformadas com as ocupações
feitas, elas reclamam pelas baixas, onde cultivam as suas “nakas” e parte das lavras.
Segundo a Administração Municipal, tudo tem feito no sentido de convencer os
fazendeiros a cederem as baixas para as comunidades e eles ficarem com o alto. Esta
medida poderia atenuar o nível de descontentamento da população, que, para além do
aproveitamento das baixas, teria acesso a emprego nestas fazendas. Esta perspectiva
ainda está aquém das expectativas.
Apesar de não termos visitado a comuna de Pambagala, foi-nos referido que é a comuna
com maior concentração de fazendas agrícolas e, como tal, tem sido também palco de
vários conflitos entre os fazendeiros e as comunidades. Segundo nossos interlocutores,
os primeiros conflitos começaram em 2004, depois da Administração iniciar a cedência
das fazendas aos novos utentes, com maior ênfase para aquelas que haviam sido
ocupadas pelas populações.
Diferendos ou conflitos entre interesses privados (privado contra privado)
A disputa pelos espaços e recursos naturais também ocorre entre os privados. Na anhara
Mombolo existem conflitos entre dois fazendeiros, que disputam os limites pela
sobreposição dos croquis de localização das fazendas. O primeiro requereu a sua
fazenda em 1995, portanto, antes do fim do conflito armado (cerca de 1000 Ha) e o
segundo fez a sua ocupação a partir de 2004, tendo incluído parte do terreno de outro na
sua fazenda (cerca de 10.567 Ha). O assunto já foi parar ao tribunal e o conflito está
aparentemente latente.
Também nos foi dito que, na Pambagala, o Projecto Aldeia Nova está a estender-se e
poderá envolver várias fazendas já ocupadas por fazendeiros. Trata-se de um potencial
diferendo de terras, embora ainda não se tenha tocado em nenhuma das fazendas.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
Este tipo de diferendo, a nível do município, tem a ver principalmente com a
implantação das reservas fundiárias e dos processos de requalificação das cidades. Na
sede do município foram definidas duas (2) reservas fundiárias. As animosidades à volta
destas reservas não são tão alarmantes, embora haja algumas residências afectadas. No
entanto, a requalificação da cidade fez com que fossem proibidas construções de casas
precárias nas áreas definidas como de crescimento da cidade. Estas áreas abrangem
bairros inteiros, implicando a saída de muitos populares, principalmente daqueles cuja
106
capacidade de construir casas definitivas é limitada. Por outro lado, a capacidade do
governo indemnizar as pessoas está aquém das expectativas.
As formas de resolução de conflitos
Em geral, no que se refere à resolução de conflitos no nível comunitário, as autoridades
tradicionais jogam sempre um papel importante. Porém, quando a situação envolve
actores externos, há uma forte tendência dos assuntos serem resolvidos pelas
administrações locais, que, por sua vez, as encaminham aos tribunais, caso ultrapassem
as suas competências.
Os conflitos entre interesses privados, em geral são dirimidos em tribunais, quer de
nível provincial, quer de nível nacional. Apesar de ser uma forma de resolução de
conflitos definida por lei, na prática os veredictos finais levam muito tempo a sair,
levando os conflitos a serem latentes.
Casos de conflitos e diferendos de terras
Caso da Anhara de Mombolo
A anhara de Mombolo é uma grande planície que faz limites com o município de Balombo, Comuna de
Maka-Mombolo. Desde a era colonial, foi sempre palco de disputas entre os fazendeiros, principalmente
para a pastorícia. Segundo referem os mais velhos, esta anhara nunca chegou a ser ocupada na totalidade.
Fala-se de cerca de 700 mil hectares. No seu interior havia sempre espaços vazios. As ocupações actuais
também ainda não cobriram todo o território da anhara. Porém, numa atitude meramente egoísta, os
fazendeiros disputam os espaços. Trata-se de dois (2) fazendeiros, o primeiro que requereu uma área de
cerca de 1000 hectares, em 1995; e o segundo que ocupou uma área de 10.567 hectares (não se sabe qual
é o estatuto legal desta última), cujo croquis se sobrepõem a uma parte da fazenda do anterior. Diz-se que
havia um terceiro fazendeiro pretendente da mesma área, mas este desistiu. Segundo informações, o
segundo fazendeiro aliciou as autoridades administrativas tradicionais, oferecendo-lhes cabeças de gado,
no sentido de emitirem pareceres favoráveis. O primeiro fazendeiro também goza de influências por ser
nativo e considerado filho da terra. Ninguém quer ceder e, por isso, os casos foram parar no tribunal, de
onde ainda não se tem o veredicto final. Segundo o primeiro fazendeiro, trata-se apenas de um
oportunismo, pois o outro fazendeiro ainda tem muita terra livre nos seus limites, para além de ter
requerido os cerca de 10 mil hectares, o que não justifica usurpar terra para quem apenas requereu a
décima parte da terra que ele ocupa (mil hectares). Se pessoas esclarecidas não são capazes de dialogar e
negociar posições à volta de cerca de 10 ou 20 hectares (terreno em disputa), o que não seriam capazes de
impor às comunidades?
b) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DA CONDA
Características gerais
O município da Conda localiza-se na parte Leste da Província do Kwanza Sul e limitase, a Norte, com o município do Amboím; a Sul, com o município do Seles; a Este, com
o município do Ebo; e a Oeste, com o município do Sumbe. Tem uma extensão
territorial de 2.090 Km2, com uma população estimada em 76.942 habitantes, o que
corresponde a uma densidade populacional de 44,9 habitantes por Km2.
Administrativamente, o município está dividido em duas Comunas (Sede e Cunjo) e
duas Áreas Administrativas86 (Assango II e Jombe).
86
Divisão administrativa em transição para categoria de Comuna, já proposta e ainda não aprovada.
107
O clima é tropical húmido, com precipitações que variam entre os 400 à 1100 mm por
ano. A floresta é tipicamente densa e o relevo acidentado, criando condições propícias
para a cultura do café e hortofrutícolas. O município é rico em recursos naturais, dos
quais destacam-se as águas termais, o quartzo, o ouro e madeira.
No município, predomina a influência de dois grupos etno-linguísticos do país, os
Ovimbundu e os Mbundu, e uma grande variedade de subgrupos com características
próximas tanto de um como de outro (Umbundos, Seles, Amboíns e “kamussumbe”). A
principal actividade económica da população do município é a agricultura, sendo as
principais culturas o milho, a batata-rena, o feijão, o tomate, a gigumba, a banana, o
café, o dendém, de entre outras.
Características sócio-económicas
O município da Conda é essencialmente potencial em agricultura, com a maior parte das
culturas de caris comercial. Desde a era colonial que o município foi alvo de
implantação de fazendas, principalmente para a exploração do café. O município
controla, actualmente, 90 fazendas, das quais 37 estão legais e as restantes ainda não
legalizadas. Do total de fazendas existentes, 58 estão em funcionamento e destas 28
estão legalizadas. Os dados estatísticos também referem que do universo de fazendas
existentes, 13 estão ocupadas pelas comunidades. Em termos de acesso à terra, as
fazendas existentes no município estão a ser disputadas por 3 categorias de pessoas,
sendo: os “brancos” que procuram novos investimentos, os nativos residentes no
município e os nativos residentes em Luanda. Do ponto de vista de investimentos, a
classe empresarial ainda está aquém de produzir os resultados esperados e de poder,
desta forma, oferecer emprego aos camponeses.
O sector camponês é que mais produz para o mercado local e o de Luanda. É visível a
olho nu a quantidade de produtos agrícolas que é transportada todos os dias para Luanda
e a presença de camponeses ao longo da estrada principal para a entrega de caixas87 de
produtos ou para receber as vazias. Dependendo da época, a batata-rena, o tomate, o
feijão, a banana e a ginguba são consideradas as maiores culturas de rendimento para os
camponeses.
Ainda no sector camponês, a UNACA controla 36 Associações de camponeses e 24
Cooperativas agrícolas, das quais 3 legalizadas. O modelo de associação gravita à volta
de um terreno colectivo, tendo algumas delas requerido fazendas cujas terras foram
divididas pelos associados. As associações e cooperativas atravessam períodos de crise
por falta de apoios financeiros, que as tornem legais e, consequentemente, a terem
acesso a créditos bancários.
Sistemas de produção
A produção de cereais (milho e feijão) é feita em duas épocas durante o ano, sendo a
primeira no início das chuvas (Outubro a Janeiro), também chamada de “chuvas
pequenas”, e a segunda (Fevereiro e Março) também conhecida por “chuvas grandes”.
A produção hortícola é feita ao longo de todo o ano, enquanto as frutícolas variam de
acordo com a época.
87
Caixas para meter e transportar banana.
108
Geralmente, são distinguidos dois tipos de lavras, tendo em consideração o relevo,
sendo as baixas (nakas) e o alto (ngongo). O uso de tracção animal tem ainda pouca
expressão, havendo já algumas famílias que recorrem a esta prática. Em geral, a
agricultura é feita manualmente, devido aos terrenos que são muito acidentados.
A produção pecuária também dá ênfase à caprinicultura e a algum gado bovino de
recriação. Segundo a Administração Municipal, foram controlados cerca de 1.492
bovinos, 10.605 caprinos, 1953 suínos e 883 ovinos.
A transformação do dendém é outra actividade de rendimento, feita com a ajuda da
tecnologia local, denominada “gira-gira”.
Caracterização institucional
O município da Conda faz parte da Categoria C, de acordo com o Decreto nº. 9/08 de 25
de Abril88, que aprova o Paradigma de Estatutos dos Governos Provinciais, das
Administrações Municipais e Comunais. O Conselho de Auscultação e Concertação
Social (CACS), apesar de existir, é ainda fraco do ponto de vista jurídico e do seu
funcionamento. Não obstante, já realizou a sua primeira reunião este ano para aprovação
dos projectos sociais referentes à presente temporada.
O protagonismo da Sociedade Civil ainda é fraco, a julgar pela existência de poucas
Organizações da Sociedade Civil. Estão representados no município apenas uma ONG
(ASBC) e uma Associação de Jovens Local com a principal intervenção na divulgação
da Lei de Terras, apoiadas pela APN. Em termos de igrejas, estão representados, no
município, várias denominações evangélicas, Católicas e do 7º Dia.
O poder tradicional é exercido por 16 regedorias, sendo 17 sobas grandes e seus 16
adjuntos; 116 sobas (dos quais 5 são adjuntos); 123 seculos, distribuídos pelas
respectivas comunas e aldeias (128 bairros).
As localidades e instituições de trabalho
Neste município, foram realizados um (1) encontro com o Administrador Municipal
Adjunto, um (1) com o Chefe de Secção para a Área Produtiva, um (1) com o
Representante da UNACA e um (1) com o Regedor Municipal. Foram feitos dois (2)
encontros com grupos focais, na aldeia de Cumbira II, e com os representantes das
comunidades de Jombe II.
As questões fundiárias e os principais eixos de conflitualidade
Os principais eixos de conflitualidade identificados no município da Conda podem ser
agrupados em 3 categorias, sendo os conflitos de carácter intra-comunitário, os extracomunitários e os de carácter jurídico-legal.
88
Que é consequência do decreto - Lei número 2/07, de 3 Janeiro, que estabelece o quadro das
atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais.
109
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiares (entre membros da mesma
família)
Na Conda, há uma forte ligação da terra com os ancestrais, o que evidencia o tipo de
vínculo que as pessoas têm com relação à terra. Para estes, toda a terra tem dono e, por
isso, definem apenas três formas de acesso à terra: a venda, o aluguer e a herança. Os
principais conflitos intra-familiares gravitam principalmente à volta da herança. Pela
diversidade e introsamento etnico-linguístico, a questão da herança dá-se de forma
diferenciada. Há aqueles que afirmam ser a herança pertença dos filhos e aqueles que
defendem ser dos sobrinhos. A tendência para os filhos assumirem a herança é maior.
Entretanto, os conflitos surgem exactamente porque a terra é escassa, comparada com o
número de herdeiros, resultando em disputas entre estes.
Quanto à herança dos filhos, em geral, todos têm os mesmos direitos (homens e
mulheres). A mulher depois de casada, não herda os bens que trabalhou com o seu
marido. Estes bens são dos filhos. Entretanto, há uma certa flexibilidade que se dá à
mulher viúva sobre os bens, ou seja, se for já idosa, fica com os bens do marido e sob
guarida dos filhos; mas se for ainda nova, são-lhe retirados os bens a partir da altura em
que assume outros compromissos matrimoniais com outro marido, ficando os bens sob
gestão dos familiares do ex-marido até os filhos atingirem uma idade apropriada para
assumirem a sua herança.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário (entre membros da mesma
comunidade)
O principal factor de conflitos desta natureza é o facto de que uma boa parte da
população local é “viente”, ou seja, trazida pelos colonos para trabalho nas fazendas.
Esta população cresceu e multiplicou-se, o que aumenta a disputa pelos espaços já
escassos, quer por via da compra, quer por via do aluguer. A terra alugada não dá direito
ao transpasse ou à venda, de acordo com as regras da comunidade. Entretanto, se depois
de alugada por muitos anos e nela se plantar culturas perenes, conferem ao arrendatário
o direito de vínculo pelo investimento efectuado. Nestes casos, a terra pode ser vendida
(benfeitorias) ou os investimentos feitos são negociados.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitários (comunidades e agentes
externos)
O município da Conda é caracterizado por uma forte presença de fazendas, como já
referido. Também a maior parte da população que aí vive foi trazida pelos colonos para
trabalhar nas fazendas, de tal sorte que, depois da independência, muitos trabalhadores
ocuparam as fazendas dos seus antigos patrões e passaram a viver e trabalhar nelas.
Actualmente, com as novas cedências, ainda existem cerca de 13 antigas fazendas que
estão ocupados pela população. Tudo isto demonstra o potencial de conflitos entre os
fazendeiros (velhos e novos) com as comunidades que, na maioria dos casos, ocuparam
as fazendas. Há vários casos de tensões desta natureza, um pouco por todo o município.
Alguns são patentes, outros potenciais e ainda há os latentes. Por exemplo, em 2005, na
área de Pinelas, um empresário requereu uma fazenda que estava ocupada pela
população, ou seja, um bairro dos antigos trabalhadores desta fazenda. O novo dono
teve de enfrentar muitos conflitos. Foi preciso a intervenção da Administração
110
Municipal e das autoridades tradicionais para se ultrapassar o conflito. A solução foi
ceder parte da fazenda para a utilização da comunidade.
Um outro exemplo desta natureza de conflitos que nos foi referido é da Fazenda Icucu,
onde o antigo fazendeiro (colono) ao retirar-se vendeu a fazenda à Igreja do 7º Dia.
Entretanto, durante o conflito armado, a população ocupou a fazenda e, por seu turno, a
Igreja perdeu os documentos de compra e venda. A Igreja quer reaver a sua fazenda e a
população diz que o antigo proprietário da fazenda não havia comprado a terra e, por
isso, não lhe dá o direito de a vender, uma vez que a terra é da comunidade. O conflito
continua até ao momento; entretanto, a Administração deu tempo à Igreja para
apresentar um documento ou provas de que realmente tivesse comprado a fazenda, para
se tomar uma decisão final do caso.
O mesmo tipo de conflitos se passa actualmente no Jombe II entre a população e o
actual fazendeiro. A fazenda envolve 10 aldeias no seu perímetro e trata-se de uma
extensão de cerca de 60.000 hectares. O fazendeiro destruiu as culturas da população e
esta replicou partindo os marcos da fazenda e outras acções de revolta. A população,
organizada, já recorreu às Mãos Livres para advogar o caso. Já houve intervenção do
Governo Provincial no assunto, entretanto sem solução. O empresário não quer saber
das decisões do Governo Provincial e a população diz que prefere morrer toda aí, não
vai sair.
Estes exemplos são apenas uma amostra do que ocorre um pouco por todo município,
na relação fazendeiros – comunidades.
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal (interesses públicos ou
governamentais)
Os conflitos desta natureza estão estritamente ligados às reservas fundiárias do Estado,
que incluem haveres comunitários (residências e lavras). Foram feitas duas reservas
fundiárias no município. O primeiro é para a implementação de um projecto Agropecuário no Assango II, com cerca de 63 hectares, que, apesar de descontentamentos da
população, a sua retirada não foi muito polémica, porque havia pouca gente afectada
com a reserva. A segunda refere-se à área para construção dirigida, no âmbito do
programa de 1 milhão de casas. Esta reserva de cerca de 210 hectares envolve 2 grandes
bairros periféricos da Sede municipal (Terra Nova, Cinco Casas e parte dos bairros
Kanené e Chambata). A Administração Municipal arranjou outra área para a instalação
desta população, nas imediações do Rio Atembo. Também garantiu à comunidade que
as pessoas afectadas terão prioridade na compra das casas que ali se serão erguidas. A
população reclama por uma justa indemnização e coloca a situação dos mais
vulneráveis, como os da 3ª idade. Outra questão que a população coloca é como ficará a
situação daqueles que não tiverem possibilidade de comprar as futuras casas? Por outro
lado, onde é que o governo, a nível do município, vai tirar dinheiro para indemnizar
tanta gente? Vive-se um clima de grande insegurança e incerteza.
As formas de resolução de conflitos
As formas de resolução dos conflitos ou diferendos de terras varia de acordo com a
característica e dimensão do conflito. No nível comunitário, os conflitos entre famílias
da mesma comunidade têm sido resolvidos pelos mais velhos das famílias em litígio
111
(livre negociação) ou levados à consideração dos sobas e seculos (mediação).
Ocasionalmente, pode haver um ou outro caso que os sobas encaminham à Polícia
Nacional ou à Administração Municipal.
Os casos que envolvem fazendeiros e comunidades ou vice-versa, em geral começam
com o envolvimento dos sobas e os fazendeiros, mas terminam sempre na
Administração Municipal, principalmente quando se trata de fazendeiros nativos e que
vivem no município. A maior parte dos casos que envolvem fazendeiros de influência
política, económica ou militar, em geral tendem a ultrapassar as competências da
Administração Municipal, passando para o Governo Provincial ou para os Tribunais.
Também existem casos que são resolvidos por livre negociação entre a população e o
fazendeiro, partindo de benefícios mútuos, como a garantia de emprego, a cedência de
parte da fazenda para a população, dentre outras.
Casos de conflitos e diferendos de terras
O Caso do Jombe II
O conflito em relação às terras do Jombe II datam desde a era colonial, como nos disse um dos nossos
interlocutores: “... vivemos em terras cobiçadas desde o antigamente...”. Naquele tempo, o primeiro
branco que apareceu nesta área, em 1914, para ocupar as terras, foi morto e comido pela população. A
reacção colonial em relação a esta atitude da população foi prender todos os sobas e serem desterrados
para São Tomé e Príncipe, de onde apenas voltaram 2 (Cayolola e Tchicuambi). Depois destes
acontecimentos, foi introduzida a Igreja, no sentido de apaziguar os ânimos. Seguiu-se depois a ocupação
desta terra pelos colonos, dentre os quais o Sr. Matos Cardoso, mais tarde o Sr. Mário Cunha, cuja
empresa chamou-se Sagrada Esperança. Este último explorou estas terras até em 1975 (independência). O
esquema que estes fazendeiros usaram para conviver com as populações foi de mantê-los no território da
fazenda, organizando-os em pequenos aglomerados populacionais que, ao mesmo tempo, trabalhavam
para a fazenda, ou seja, obrigava-os a plantar café e palmeiras, cuja produção era vendida ao fazendeiro,
para além de pequenas áreas que serviam de cultivo para o sustento de cada família. Instalou também
pequenos bairros onde aquartelava os contratados vindos de outras áreas do país. Em 1976, a fazenda foi
nacionalizada pelo governo e passou para uma Unidade Económica Estatal (UEE) de produção de café e
óleo de palma, sem, no entanto, tocar na população. Trata-se de uma área de cerca de 60.000 hectares. A
partir de 1983, por razões do conflito armado, quer o Governo, quer a população abandonaram estas
terras. Em 1992, com a pequena paz observada, a população voltou a ocupar as suas terras de origem,
incluindo a sede da fazenda (Nhime). Nesta altura, a fazenda é vendida pelo Governo a um novo
empresário “branco”, o Sr. Álvaro Joaquim de Sá, que encontra nestas terras a comunidade. Este
fazendeiro começou a forçar as comunidades a sair da fazenda, destruindo seus bens, que incluiu
carpintarias e pontecos que ligavam os bairros. A reacção da comunidade não se fez esperar e, como
protesto, a comunidade partiu todos os marcos da fazenda que existiam desde a era colonial. Desta acção
resultou a prisão de 15 jovens da comunidade, que foram depois postos à liberdade por revoltas da
comunidade. Este fazendeiro não resistiu ao conflito com a comunidade, tendo vendido a fazenda à
Empresa SAGRIME – SARL. A Empresa encontrou o mesmo conflito. Houve tentativas tendentes à sua
resolução , que envolveram a Administração Municipal, o Governo Provincial, a organização Mãos
Livres e, recentemente, entrou o Advogado Sinjecumbi (do Huambo). As primeiras aproximações para a
solução do conflito definiam que a população que ocupou a sede da fazenda deveria retirar-se para outro
local dentro da fazenda, considerando que não está a ser explorado todo o território da mesma e
reconhecer a titularidade da fazenda à Empresa. Por seu turno, a Empresa deveria apoiar a comunidade
durante o processo de mudança e construção de novas casas. Na fazenda, existem 10 bairros e estes, com
excepção do Nhime, podiam manter-se e usarem as parcelas que até aqui têm vindo a usar. Até aí a
situação parecia ser pacífica. Entretanto, na prática, o empresário negou-se a apoiar a população,
obrigando-a a sair compulsivamente. Por outro lado, a população aumentou consideravelmente e a
tendência de subtrair algumas terras antes trabalhadas pela fazenda. O fazendeiro mandou derrubar as
culturas da população com caterpilares e as tensões entre os dois actores aumentaram consideravelmente.
Há sectores da população, sobretudo os jovens, que querem recorrer à força e à violência contra o gerente
da fazenda, tal como aconteceu na era colonial, e promete não sair da fazenda, mesmo que isto custe a
vida de todos. Todavia, os líderes comunitários esforçam-se em convencer que o recurso à violência não é
112
a solução sustentável. O governo Provincial persuadiu o fazendeiro no sentido de cumprir com o
acordado, mas estes esforços não tiveram efeitos. A situação continua tensa e preocupante.
c) CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DO SUMBE
O município do Sumbe é um dos 12 municípios da província do Kwanza Sul, com 3.
890 km2 e 151.238 habitantes e possui três comunas: a comuna do Kikombo, Gangla e
Gungo. O município tem uma feição urbana e rural, muito marcado pela história do
desenvolvimento da agricultura empresarial no século XX. A população tem como fonte
de sobrevivência a agricultura, a pesca, o mercado informal – serviços e comércio. O
município conta também com funcionários públicos, sobretudo nos sectores da
educação e saúde.
As localidades do trabalho com Grupos Focais
No município do Sumbe foram visitadas várias áreas do meio rural e urbano. A zona
rural visitada foi a comuna de Kikombo, nos bairros de Candumba, Bambi, Wambele e
a sede comunal de Kikombo. Visitou-se a reserva fundiária da parte Norte da cidade e
na zona do Bambi, a Sul da cidade do Sumbe. Na parte urbana, visitou-se os bairros de
Chingo, Boavida e o bairro do aeroporto.
A questão fundiária e os eixos de conflitualidade
As características fundiárias do município do Sumbe têm a ver com a urbanização, as
zonas suburbanas, o meio rural e a zona costeira. Na urbe, são diferendos/conflitos
derivados dos problemas de gestão de terras, crescimento urbano desordenado, a
pobreza, a exclusão e as questões de fragilidade da capacidade das instituições e o
cumprimento e aplicação das leis por parte dos cidadãos e instituições. Neste contexto,
os principais eixos de conflitualidade são de disputas de espaços de terras e habitação ao
nível intra – familiar; disputas de meios de sobrevivência e de vida, parcelas de terras e
recursos hídricos entre famílias que vivem da agricultura e os fazendeiros do sector
privado; disputas entre os interesses particulares ou privados em relação aos interesses
públicos; por exemplo, as reservas fundiárias que, eventualmente, são terras de
pastagem para os que têm gado; disputas entre a administração pública e os cidadãos,
quando se fazem demolições de casas.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiar (entre membros da mesma família)
O município do Sumbe é de dupla característica – feição urbana e rural, e os diferendos
/conflitos de terras intra-familiar assumem características específicas das cidades em
crescimento desordenado.
No meio urbano e suburbano, os respondentes dizem que os diferendos/conflitos mais
comuns têm a ver com vendas de terrenos por familiares sem consentimento mútuo e
antecipado. No meio rural, a usurpação de terras das populações pelos privados está a
provocar perturbações sociais e familiares. Cresce a onda de venda de terrenos sem
consensos. A herança é, em primeiro lugar, para os filhos. Quanto as filhas vão herdar
da parte do marido. Os respondentes dizem também que de forma geral, o sobrinho tem
113
uma certa importância na família alargada, porque é ele que cuida do tio em caso de
doença. As pessoas também dizem que, no contexto do município do Sumbe, há muitas
variações em relação à questão da herança por causa da diversidade, seja cultural, seja
étnica, religiosas e educacional. Mesmo dentro das famílias, há variações de concepção
e prática a respeito disso.
Fala-se de frequentes acusações, contra acusações, tensões e conflitos entre membros da
mesma família. As formas de acesso à terra referidas pelos respondentes são a venda
por via administrativa e os mecanismos informais, como a herança, sendo que, no meio
urbano e suburbano, é mais de habitações do que terras.
Esta situação é agravada pelos efeitos da mentalidade e prática individualista e
perversão e confusão cultural urbana, bem como os graves problemas de pobreza e
exclusão social. Neste tipo de conflitualidade, o que está em jogo são disputas pelos
recursos como a terra para agricultura e habitação.
As autoridades administrativas da cidade do Sumbe desencadearam um processo de
“pôr ordem” nas ocupações ilegais, transpasse de terrenos à margem da lei. Algumas
destas terras que estão a ser vendidas ou “transpassadas” eram parcelas da antiga
empresa agrícola Cadá e os “donos” estão a vendê-las para fins habitacionais. Neste tipo
de conflitualidade, estão em causa não somente recursos como habitação e terra, mas
também o conflito com a lei, seja pelos agentes do Estado, seja pelos cidadãos.
Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitários (entre membros da mesma
comunidade);
Os respondentes dizem que há disputas de limites de terras entre vizinhos e o quadro é
cada vez mais crescente, na medida em que a construção de casas nos bairros aumenta.
No meio rural, à semelhança de outros lugares onde a pesquisa foi feita, há referências
das novas gerações a reclamarem terras que tinham sido cedidas ou emprestadas pelos
seus antepassados, gerando conflitos.
Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitários (comunidade e agentes
externos)
Neste nível de diferendos/conflitos, há informações de casos nas antigas fazendas de
criação de gado ou de culturas de algodão, palmar e bananal, que foram ocupadas pelas
populações e, agora, estão a ser cedidas aos privados ou a particulares que estão a
ocupar terras, pondo em risco os interesses e a sobrevivência das comunidades, bem
como a segurança fundiária. Há informações de casos de expropriação privada e ilegal
das terras das comunidades na zona da Casa Branca, onde as famílias da comuna do
Kikombo praticam agricultura.
No bairro do Chingo, na parte final de quem se dirige ao aeroporto, pode-se observar
um imenso terreno cercado de um quintal de metal, com residências dentro e é
praticamente um bairro. Os respondentes indicaram que trata-se de um terreno que foi
privatizado e o dono diz que a populaça vai ter que sair. A natureza de conflitualidade
acima referida tem a ver com disputas de recursos e da propriedade.
114
Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legais (interesses públicos ou
governamentais)
Como já referido, existem duas (2) reservas fundiárias no município do Sumbe: uma a
Sul, ao longo da estrada que vai para Seles e Conda; a outra a Norte, em direcção a
Luanda, nas proximidades do Instituto de Formação de Petróleo. Algumas referências
apontam que estas reservas têm uma certa ocupação humana e as outras dizem que as
reservas fundiárias têm zonas de pastagem e criação de gado bovino, sobretudo a da
parte Sul. Aparentemente, este assunto ainda não é um problema directamente sentido
pelos afectados.
Nas zonas periféricas da cidade, nomeadamente nos bairros Chingo e Américo Boavida
tem havido demolições de casos que o Estado deixou construir em áreas proibidas ou
inapropriadas, e isto tem provocado tenções entre as comunidades e as autoridades
locais.
No que respeita às antigas parcelas da Fazenda Cadá, que estão nas cercanias ou quase
dentro da cidade por causa da urbanização, as informações referem que os donos das
parcelas estão a vendê-las a outras pessoas para fins habitacionais. Os respondentes
disseram que esta prática é proibida e sancionada com multa pela Administração
Municipal. Do outro lado, os informantes dizem que as terras são recebidas pela
Administração Municipal, que, por sua vez, cede-as a outras pessoas, também para fins
habitacionais. Nesta conflitualidade, disputam-se recursos e propriedade entre os
interesses públicos e os interesses dos cidadãos. É também um problema de falta de uma
política e prática de gestão adequada de terras e urbanização.
As formas de resolução de conflitos
As formas de resolução de conflitos ao nível familiar são dirimidas pelos mais velhos
nos conselhos de família e, às vezes, há intervenção das autoridades tradicionais. Os
casos que envolvem membros da mesma comunidade e de famílias diferentes são
encaminhados às autoridades tradicionais. Os conflitos que opõem as comunidades e os
privados não têm uma modalidade única de resolução. Às vezes, há intervenção das
autoridades tradicionais em defesa das comunidades. Já houve casos de
diferendos/conflitos de terras que foram parar ao tribunal. Os respondentes disseram que
já houve situações em que as entidades da Administração pública estiveram em defesa
de interesses privados em detrimento de interesses colectivos das comunidades,
alegando que os privados vão investir para desenvolver o país. Até parece que as
comunidades não produzem e não têm rendimentos.
Entre outras, isto resulta do desconhecimento e ignorância, preconceitos e falta de
referências de algumas elites políticas em relação à estrutura agrária e pecuária em
Angola, ou seja, o que é a agricultura familiar e sua importância histórica e actual em
Angola e no mundo; o que são as fazendas privadas agrícolas ou pecuárias em Angola,
no passado e hoje, bem como as suas implicações em termos de crescimento e
desenvolvimento. Os empresários, muitos deles sem tradição nem capacidade técnica,
vêm com a ilusão e talvez arrogância do poder e do dinheiro.
De um lado, as autoridades administrativas acusam algumas autoridades tradicionais de
aceitarem a corrupção dos privados, ou seja, “recebem vinho e dinheiro” em troca de
115
assinatura de declaração que confirma a aceitação das comunidades em ceder parcelas
de terras aos privados. Do outro lado, as autoridades tradicionais dizem que as
autoridades administrativas não partilharem antecipadamente a informação de
privatização de terras. Às vezes estão mais ao lado dos privados do que das
comunidades. Também dizem que os sobas não vão atrás dos privados para receber
coisas em troca de assinaturas de tais declarações. Ademais, as autoridades tradicionais
nem sempre têm condições de dignidade adequadas para manterem firmeza e
independência e não serem corrompidos. Algumas instituições ligadas à gestão de terras
adoptaram a metodologia de engajar os sobas nas demarcações de terras, envolvendo
mais cinco cidadãos como testemunhas.
Os respondentes disseram que há casos em que os privados aparecem com documentos
vindos directamente de Luanda, seja para concessões de terras para agricultura ou
pecuária, ou ainda concessão de antigas pescarias na zona costeira, o que deixa as
autoridades locais, sejam administrativas, sejam tradicionais, numa situação delicada e
difícil em termos de autoridade para lidar com níveis hierárquicos superiores. Em todos
os lugares onde a pesquisa foi feita, evidencia-se um ressentimento geral sobre este
assunto, quer ao nível das autoridades tradicionais, quer ao das administrativas.
Algumas autoridades administrativas ligadas à gestão de terras reconhecem que se
instaurou uma certa “confusão” ou “anarquia” na gestão da terra, seja no meio urbano
ou rural e é urgente rever esta situação. Por exemplo, eles dizem que os sobas fazem
cedências de terras, as administrações municipais cedem terras, as comunidades também
cedem ou vendem terras, há vendas anárquicas de terras em todo lado.
Antes da criação das reservas fundiárias, dos planos de urbanização ou de infra
estruturação, deveria haver um planeamento físico ou planeamento territorial que fosse
a base de tudo. O conceito de reserva fundiário não foi suficientemente compreendido
desde o começo deste processo pelos responsáveis da gestão da terra, isto é, as reservas
fundiárias eram entendidas como terreno para distribuir.
Apesar da Lei de Terras prever que as comunidades podem solicitar ao Estado para
delimitarem as suas terras comunitárias e obterem título de reconhecimento, não foi
emitido nenhum título na província; em contrapartida, estão em curso 588 processos de
legalização de terras para o sector privado, dos quais 118 foram finalizados. Está
também em curso a revisão do cadastro fundiário.
Os respondentes disseram que os espaços institucionais inter-sectoriais de articulação
sobre gestão da terra funcionam, mas há dificuldades de compreensão e assumpção do
papel de cada um.
Casos de diferendos e conflitos de terras
Caso do grupo de mulheres da comunidade de Wambele
A pouco quilómetros da parte Sul da cidade do Sumbe, antes do rio Keve, estende-se um vale de terras
ricas. Parte deste vale foi ocupado pelas populações ao longo dos anos, para fazer agricultura não somente
para subsistência, mas também, e sobretudo, para gerar rendimentos e estar aberto ao mercado. No
mesmo espaço existe uma associação de camponeses que legalizou as suas terras. As demarcações e
letreiros da área são visíveis até ao lado da estrada. Para além da associação de camponeses, existe um
grupo de mulheres que também tem parcelas no mesmo vale. Recentemente, estas terras foram cedidas a
um privado que, entretanto, decidiu “engolir” os demais ocupantes, alegando ser dono e proprietário desta
terra. A partir desta altura gerou-se um conflito e os casos até foram parar no tribunal. Ambas as partes
116
tiveram advogados em juízo e o caso ainda está em curso. Uma das desvantagens do grupo de mulheres
prende-se com as dificuldades de pagar o advogado.
O caso da expropriação das terras da comunidade de Jamba Calungo
Os terrenos da área de Jamba Calungo, no município do Sumbe, que sempre pertenceram às comunidades
locais, foram entregues a um privado para fazer agricultura e pocilgas. Por pressão do privado,
desconhecimento da lei e falta de recursos e informação em como se defender, as populações tiveram que
se retirar para a área de Cangundja.
Caso de expropriação de terras da comunidade de Ote
Na zona de Ote, na área de Cassosso, onde a população sempre trabalhou a terra, foram surpreendidos
com a presença de um privado que legalizou as terras das comunidades, incluindo habitações, lavras e
rios da mesma área. Esta situação está a gerar tenções e a vida das comunidades em termos sociais,
sobrevivência e rendimento está em risco.
d) CASOS DO MUNICÍPIO DA GABELA
Caracterização geral
O município da Gabela faz parte do Kwanza Sul e é dos que detém grande número de
antigas fazendas de café do tempo colonial, que estão a ser cedidas aos privados.
Historicamente, estas fazendas foram criadas depois da segunda guerra mundial, quando
o café atingiu contas altas de preços no mercado mundial, o que estimulou a corrida
desenfreada às terras pelos colonos portugueses, nos anos subsequentes. Estas
ocupações provocaram, no passado, tenções sociais e conflitos entre os colonos e as
populações que estavam em desvantagem por causa da situação colonial. Ainda hoje, ao
conversar com pessoas cuja idade varia entre os 30 e os 40 anos, estes manifestam que
repousa na sua memória colectiva a famosa revolta do Ambuim.
A retirada de terras por esbulho pelos colonos, provocou transtornos sociais e
económicos das populações locais, que ficaram sem terras para agricultura e atirados
para as montanhas. Para além disso, muitas destas populações foram transformadas em
trabalhadores destas fazendas. Houve também, na época, o recrutamento de mão-deobra em regime de contratado do Planalto Central, onde havia “homens braçais”. Nesta
região, havia uma grande densidade populacional, muita pressão demográfica e cada
vez mais a terra para agricultura que tinha que ser repartida com os colonos escasseava.
A independência e o sistema político do “socialismo”– economia centralizada, fez com
que as fazendas fossem nacionalizadas ou confiscadas e foram transformadas em
unidades de produção, empresa estatal Encafé, em finais dos anos setenta. Porém, isso
durou pouco. Com as consequências da guerra, em meados dos anos oitenta, mais o
fracasso do modelo empresarial estatal, estas unidades de produção de café entraram em
falência e colapso.
É neste contexto que algumas fazendas de café são reocupadas pelas populações e, às
vezes, foram transformadas em associações. Outras foram ocupadas por antigos
trabalhadores. Ainda outras por populações deslocadas, devido à guerra. Com as
mudanças de sistema de economia centralizada e o advento da economia de mercado,
em finais dos anos oitenta, começa a cedência administrativa de terras – privatização
das antigas fazendas de café para os antigos proprietários ou não. Nos últimos anos,
117
com o fim da guerra, começou a ocupação efectiva e, por via disso, surgem os conflitos
de terras, sobretudo entre interesses de comunidades e os “novos” ou “antigos” donos.
Os sistemas de produção referidos pelas comunidades entrevistas incluem a exploração
de três tipos de parcelas para administrar de forma racional os níveis de fertilidade do
solos ao longo da catena, a saber: as parcelas das baixas que eles denominam de
“chitaca”, na língua local onde cultivam batata em Maio, feijão em Maio e Junho, milho
em Agosto. As parcelas da zona intermédia da catena, denominada de “Ndamba”, onde
cultivam o milho em Agosto, feijão em Abril e, também, fazem cenoura. No alto,
chamado “Canga” ginguba e milho. Tomando em conta a diversidade agro-económica
da região, é provável que este sistema de produção não seja necessariamente
representativo no município.
Há referências de existir diferendos, conflitos e tensões sobre terras em quase todo
território e, sobretudo, na área das Salinas.
Caso da fazenda Cangumbe na Gabela
Na área do Dongo, no município da Gabela, existe uma fazenda de café chamada Cangumbe e mais outra
cujas terras tinham sido usurpadas à força das comunidades pelos colonos portugueses. O primeiro
proprietário foi o senhor Santos Sapateiro, que, depois, a vendeu ao senhor Álvaro Joaquim Sá, passando
a ser o segundo proprietário e cresceu nesta área. Com a independência, os fazendeiros fugiram de
Angola de forma desorganizada e a fazenda de café foi nacionalizada e transformada em unidade de
produção da Encafé, à semelhança de outras fazendas. Em 1985 a fazenda entra em declino e a situação
militar na região agravou-se. A população nunca se retirou da área e reocupou as terras da antiga fazenda.
Em 2002, com a paz definitiva em Angola, a população reorganiza-se e cria uma associação de
camponeses com alguns associados, tendo conseguido um documento oficial de legalização, facilitado
pelo engenheiro Miranda, do Ministério da Agricultura, no Kwanza Sul. Neste mesmo ano, o senhor
Álvaro Joaquim Sá, antigo dono, reaparece com a pretensão de retomar a sua fazenda. Houve negociação
entre ele e a comunidade e aceitou ceder a fazenda Cangumbe, que já estava ocupada pela população.
Todavia, no outro espaço da fazenda, existem lavras das comunidades de Donga, Wiwa e Calundo com
cerca de 500 pessoas. Nestes espaços, eles têm lavras de cereais e parcelas de horticultura, que vendem ou
levam para Luanda.
Caso da cooperativa do Donga II
Na área de Donga foram criadas, no tempo colonial, três fazendas de café: Analberto, com cerca de 200
hectares, Pacheco e a fazenda António Lopes. A fazenda Pacheco tem, no seu interior, as aldeias de
Bacelar, Chingo e Silvão; na fazenda António Lopes existem as aldeias de Candele, Sossegado e Famosa.
Todas elas fazem parte das terras usurpadas à força pelos colonos às populações locais, no século XX.
Depois da fuga dos portugueses, com a independência de Angola, em 1976, estas fazendas foram
nacionalizadas e passaram a fazer parte de unidades de produção da empresa estatal Encafé. Nos anos de
1985, com a falência da Encafé e degradação da situação militar no país, as populações, que até então
viviam nos morros, nas imediações das suas antigas terras transformadas em fazendas de café, retornaram
às suas terras - depois da fuga dos portugueses, durante a independência de Angola, na fazenda Analberta
- a pedido da Administração Municipal. As fazendas Pacheco e António Lopes passaram a ter lavras das
populações. Em 1991, as populações criaram a associação de camponeses Donga II, detentores de uma
área estimada em 50 hectares, incluindo a aldeia com cerca de 3.800 habitantes e, hoje, esta evoluiu para
cooperativa. Por várias vezes, junto do Ministério da Agricultura, a nível local, tentaram legalizar a
fazenda Analberta em nome da associação de camponeses e não conseguiram. Depois apareceu o dono da
fazenda, o senhor Joaquim Nunes, angolano, com quem negociaram a parcela ocupada e ele cedeu a parte
da fazenda que já era ocupada pela população. Em 2004 a 2005, com o apoio da Save The Children, a
associação Donga II instalou um sistema de irrigação para beneficiar os associados. Esta continuou a
insistir junto do Ministério da Agricultura para obter a legalização das parcelas já ocupadas e a outra parte
que não tinha sido cedida. Entretanto, o senhor Joaquim Nunes, o proprietário da fazenda, faleceu o ano
passado.
118
Caso das Reservas Fundiárias da Gabela
A cidade da Gabela, sede do município de Ambuim, à semelhança de outras, tem uma reserva fundiária
de 463.28 hectares, localizada no sentido Gabela - Quibala. Informações obtidas no local referem que há
bairros no perímetro da reserva fundiária , lavras e pequenas fazendas. O trabalho de marcação das casas
com sinais já começou. Esta realidade está a gerar inquietação e insegurança por parte das populações, e
não há informações oficiais sobre o assunto
5. ANÁLISE DOS ACTORES
Nas questões fundiárias, os actores mais importantes que estão próximo dos problemas
reais são os mais velhos, nos conselhos familiares; as autoridades tradicionais, as
Associações de Camponeses ou Cooperativas, as EDA, as Administrações Municipais,
as Administrações Comunais e as Organizações da Sociedade Civil.
No nível provincial é a Direcção Provincial da Agricultura e Desenvolvimento Rural e
Pescas, a Direcção Provincial do Urbanismo e Construção, o Instituto Geodésico e
Cartografia de Angola (IGCA) e as Redes Sociais de Terras.
No nível comunitário, os mecanismos de concertação se auto-regulam, sobretudo na
base do Direito Costumeiro, mas vão surgindo influências ou interferência de outros
poderes, por exemplo, os Comités do Partido, principalmente do MPLA.
O nível comunal praticamente não existe por causa da autoridade, poder e proximidade
das administrações municipais aos assuntos. Outrossim, é o peso da cultura política e de
poder mitológico baseado nas “ordens superiores” por parte dos níveis do poder mais
abaixo.
No nível municipal, as questões de terras são resolvidas pelos administradores
municipais ou os seus adjuntos, assistidos pelos técnicos da agricultura ou quem lida
com as questões urbanísticas no município. Não existem espaços institucionais de
concertação ou actuação intersectorial neste nível, e não há referências destes assuntos
serem tratados nos CACS. Todavia, dada a proximidade maior entre os órgãos da
Administração Municipal, há maior probabilidade de haver mais circulação de
informação entre as pessoas que fazem parte destes órgãos. Logo, uma abordagem
colegial é mais provável.
Ao nível provincial, dada a maior dispersão institucional e não se encontrarem com
maior frequência, as questão de terras estão mais diluídas e dispersas nas diferentes
autoridades e poderes das direcções provinciais. Os mecanismos de concertação
intersectorial nem sempre funcionam. Em todas as províncias, os respondentes disseram
que as dificuldades são cada vez maiores nestes termos. Alguns afirmaram haver
dificuldades de entendimento dos papéis de cada uma das instituições envolvidas em
termos de suas competências. Outros disseram que há muita sobreposição e usurpação
de competências entre as direcções e institutos provinciais ligados à questão fundiária.
Ainda outros referiram a questão das disputas de liderança institucional das questões
fundiárias. Por exemplo, no tempo colonial e depois da independência, o cadastro das
antigas fazendas agro-pecuárias estava sob tutela do IGCA e, depois, da
institucionalização da primeira lei da República de Angola algumas destas competências
119
passaram ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Isto também gerou
algumas “confusões institucionais”, muitas delas persistentes até ao presente momento.
Sublinha-se ainda as mudanças de funções, atribuições e competências de ministérios,
que foram mudando com as remodelações governamentais, o que nem sempre
correspondia no escalão provincial. Por exemplo, já houve o Ministério do Ambiente no
nível central, mas esta função ao nível provincial estava com a Direcção provincial da
Agricultura e Desenvolvimento Rural e Ambiente. Também já ocorreu sobre a função
de governabilidade das pescas. O Ministério do Urbanismo e Habitação do último
Governo da II República agora passou para Ministério do Urbanismo e Construção, mas
ao nível provincial não há correspondência semelhante. Um outro exemplo que tem
gerado estas confusões institucionais referido pelos respondentes são as questões
fundiárias com uma certa especificidade e especialidade, isto é, pelo facto de serem
lideradas por um ministério que não é da respectiva vocação ou especialidade, como são
as questões agro pecuárias ou florestais.
Todavia, há bons exemplos de funcionamento intersectorial, por exemplo, as equipas
intersectoriais de delimitação de terras comunitárias e as Comissões Provinciais de
Implementação do Programa Nacional de Habitação ou das Reservas Fundiárias do
Estado.
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES EM RELAÇÃO AOS
DIFERENTES AMBIENTES FUNDIÁRIOS
a) Terras no meio urbano89
Conclusões
Um aspecto evidente em todos lugares pesquisados é a existência de reservas fundiárias
em espaços com bairros e parcelas para agricultura, configurando potenciais conflitos
entre interesses públicos e colectivos. Há ainda casos de haver sobreposição de
projectos públicos. Por exemplo, a reserva fundiária do alto Lobito coincide legalmente
com o mesmo espaço onde tinha sido definido a construção da refinaria do Lobito. Para
além disso, não há evidências de existir actos legais ou administrativos – Leis, Decretos
ou Despachos que legalizam todas as reservas fundiárias.
Recomendação:
Que seja uma linha de advocacia social na perspectiva dos direitos e do primado da lei.
Conclusão
A questão habitacional nas cidades angolanas pode ser avaliada pela enorme extensão
dos seus bairros periféricos de ocupação formal e informal e habitações arruinadas ou
89
Inclui o suburbano.
120
de construção precária. Há, claramente, uma situação de grande carência de habitação
para a população de menores recursos.
Recomendação:
Que a estratégia de diminuir a carência habitacional dos mais pobres tenha uma
especificidade, tomando em conta a situação particular desta franja.
Conclusão
Coexistem diferentes sistemas formais e informais de distribuição e comercialização de
terrenos e de casas onde se misturam a lei do mercado, a lei costumeira, práticas
burocráticas relacionadas com a lei vigente. Em todas as cidades, o mercado informal de
terrenos e de casas é intenso e, neste domínio, existe um alheamento acerca destas
transacções. Há mesmo uma confusão na gestão das terras urbanas, sobreposição de
papéis, responsabilidades e autoridades.
Recomendação:
Pesquisar esta realidade, cujos resultados poderiam ajudar a compreendê-la e a definir
melhor as estratégias.
Conclusão
Em termos de reservas fundiárias, somente três (3) dos onze (11) municípios não têm
situação problemática e existe uma mistura de situações: a) Reservas fundiárias que não
têm lavras nem habitações e não há problemas com as populações que vivem nas
proximidades; por exemplo, no município do Cassongue e Chipindo; b) Reservas
fundiárias que têm habitações e/ou lavras dentro, havendo um potencial conflito e
insegurança fundiária, sobretudo quando as pessoas ainda não foram confrontadas com
demolições ou desalojamentos; por exemplo, Cabaia no Lobito; c) Reservas fundiárias
com habitações e/ou lavras em que as pessoas já receberam avisos e lhes foi indicada a
zona de realojamento; por exemplo, na Canda e na Gabela. Nestas circunstâncias, vivese uma tensão que pode evoluir rapidamente para conflito; d) Reservas fundiárias ou
espaços destinados a projectos públicos onde já se efectuaram demolições, por exemplo
no Lubango.
Recomendação:
Uma pesquisa sobre este assunto poderia levantar a especificidade fundiária das
reservas do Estado, seja em termos de aprofundamento dos potenciais conflitos e formas
de resolução, seja em termos das implicações sociais, ambientais e financeiras das
possíveis indemnizações a serem feitas, tomando em conta a lei.
Conclusão
Há insuficiente ou quase nenhuma informação e conhecimento estruturado, público e
disponível para a população sobre as políticas públicas, estratégias, planos, instrumentos
legais, técnicos e institucionais locais. Em todos os lugares, fala-se dos planos e
121
estratégias do governo e da administração, mas efectiva e objectivamente o cidadão não
os conhece.
Recomendação:
Melhorar os mecanismos de partilha e de acesso à informação a todos os níveis e em
todas as direcções.
Conclusões
Em termos de governabilidade há uma tendência da abordagem de orientação
unidireccional - de cima para baixo, ou seja, o governo decide e a população deve acatar
as decisões do Governo. Esta concepção pode ser uma armadilha, porque, em situação
de interesses incompatíveis, pode-se incorrer na imposição das decisões às populações
sem explorar todas as possibilidades de diálogo que podem ampliar as opções de
soluções. Esta pressão “superior” de cima para baixo leva a “criminalização” da
população pelo Estado. Por exemplo, quando se diz que a população construiu em zonas
de risco ou zonas ilegais, isto leva a que o Estado abdique da sua responsabilidade,
enquanto um detentor de obrigações. Se a população construiu é porque o Governo
deixou construir.
Outrossim, é a falta de entidades independentes, mecanismos formais para as pessoas se
fazerem ouvir, algo que possa jogar o papel de provedoria de justiça. Por exemplo,
houve casos de violação de direitos das comunidades em que a polícia esteve a proteger
as violações do Estado. Nestes casos, onde é que polícia se iria queixar?
Recomendação:
Deve-se encontrar formas de apoiar as populações quando os seus direitos são violados,
seja pelo sector privado, seja pelo do Estado.
Conclusão
Não existe uma sequência de planificação que começa com a lógica de Planos
Municipais de Ordenamento do Território, Planos Directores Municipais, Planos de
Urbanização e Planos de Infra-estruturas e, finalmente, Planos de Pormenor.
Recomendação:
Em termos metodológicos, a formação sobre planificação deveria ser em serviço. As
experiências nos municípios como Ganda e Cubal, em Benguela, onde foram realizados
os Perfis Municipais de forma participativa, seriam um ponto de partida a adaptar
noutros municípios.
Formação em serviço sobre a questão de gestão urbana
Conclusão
122
Não há evidências de estudos antecipados de avaliação de impacto social e ambiental
das reservas fundiárias. Há, sim, referências de avaliação de impacto ambiental
estratégico encomendado pelo Ministério do Ambiente, numa perspectiva macro e não
local que ajuda a prever, prevenir e aprender com os seus resultados. Na sequência
disso, há claramente uma tendência de substituir os espaços verdes pelo betão.
Recomendações
Estimular que as Administrações Municipais mandem fazer estudos e pesquisas com
base nas necessidades dos próprios municípios e usar este conhecimento como
instrumento de administrar.
Fazer estudos de impacto ambiental.
Montar sistemas simples de monitoria de impacto social e ambiental.
b) Terras no sistema agrícola
Conclusões
Há conflitos de diferente natureza nas terras agrícolas, dependendo de diversos factores
como: disponibilidade, pressão demográfica, mercado, sistemas de produção, condições
agro-ecológicas, aptidão dos solos e domínio de técnica, tecnologia ou ainda a tradição
agrícola.
A natureza de conflitos de terra ocorre em todos os níveis mencionados nesta pesquisa,
à excepção do conflito entre comunidades diferentes que, por enquanto, são
insignificantes. Todavia, a evolução da situação fundiária em algumas regiões poderão
suscitar, no futuro, conflitos de terras entre comunidades diferentes. Por exemplo, na
medida em que a disponibilidade reduzir maior probabilidade de surgirem tensões. O
outro exemplo é a exploração de carvão que já é fonte de potenciais problemas.
Os conflitos intra-familiares são, sobretudo, disputas de espaço e problemas de herança
de terras, desde a desvantagem da mulher na herança da terra até aos que vendem terras
herdadas sem autorização dos outros herdeiros. A desestruturação social e os problemas
de pobreza explicam parte destes problemas.
Os conflitos entre interesses das comunidades e os privados são os que mais preocupam,
porque, para além de porem em causa interesses colectivos, têm uma carga emocional e
ressentimentos históricos muito fortes. Os conflitos mais frequentes são a expropriação
de terras das comunidades pelos privados e ameaças dos mais fortes sobre os mais
fracos. Há também uma dimensão de conflitos relacionados com a identidade e
dignidade das pessoas, sobretudo nos casos em que os novos donos faltam respeito às
populações, considerando-as atrasadas.
Há evidências de violação sistemática das leis neste tipo de conflitos e há também casos
em que a administração pública faz protecção aos interesses privados contra interesses
colectivos.
123
Há mais concessão de terras para o sector privado do que delimitação de terras
comunitárias, incluindo a exígua concessão de títulos de reconhecimento pelo Governo,
de acordo com a Lei de Terras. Esta situação agrava-se ainda mais com informações
segundo as quais a delimitação de terras para as comunidades está suspensa, embora não
exista um acto administrativo que formalize esta suspensão. Todavia, o projecto de
delimitação do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural terminou, e neste
momento não estão a ser feitas novas delimitações.
Não existem dados ou estudos resultados de viabilidade ou de capacidade produtiva,
económica, financeira, técnica, experiencial e a responsabilidade fiscal para com o
estado das fazendas agropecuárias que têm sido concedidas pelo Estado ao sector
privado.
As comunidades que fazem parte do sector da agricultura familiar estão cada vez mais
em situação de insegurança e precaridade fundiária.
O sistema dual (sector da agricultura familiar e sector privado) ainda é um problema.
Recomendações:
Advogar por estudos que mostrem a viabilidade, responsabilidade fiscal e legal das
actuais fazendas agropecuárias concedidas.
Revisão do cadastro.
A renovação das concessões deveria basear-se na avaliação dos seus resultados.
Advogar para o levantamento da suspensão da delimitação de terras e replicar as
experiências positivas da delimitação de terras comunitárias feita pelo MINAER e pela
FAO.
Advogar por uma revisão imediata dos casos em que dentro das concessões existam
aldeias de comunidades.
Advogar para a revisão imediata dos casos em que há sobreposição das terras
comunitárias e terras de privados.
Analisar, tirar lições e aprender com as experiências de coexistência entre o sector da
agricultura ou pecuária familiar e o privado.
c) Terras no sistema pastoril e agro-pastoril
Conclusão
A conflitualidade nos sistemas de pastores e agro-pastores
sistema ranching choca com o sistema de maneio por causa
choque entre os dois sistemas que se baseiam em lógicas,
métodos incompatíveis; o problema de identidade, dignidade
é provocada quando o
dos cercos de arame; o
interesses, objectivos e
e preconceitos já acima
124
referidos, disputa pelos espaços e recursos; e a crise de adaptação aos novos sistemas.
Por exemplo, a situação de Caimbambo, já referida. No tempo colonial, as fazendas
eram de sisal e o gado da população podia pastar nos meados e interiores das fazendas.
Agora, os “novos donos” de fazendas não estão a fazer cultura de sisal, mas sim outras
culturas, estando a vedar os espaços. Isso está a provocar um desequilíbrio que requer
adaptações. Igualmente, são as agressões simbólicas contra os bens culturais das
comunidades, como é o caso das montanhas místicas do Tongotongo, nos Gambos, que
estão a ser destruídos pela exploração de granito.
Recomendações:
Advogar para que o Parque do Bicuar não seja submetido a sucessivos
redimensionamentos, ou seja, já deve ter sido redimensionado cerca de quatro (4) vezes.
Por outras palavras, cada vez que há penetração no interior do parque, faz o
redimensionamento e reduzir a superfície do parque, e assim sucessivamente. Há risco
de ser redimensionado pela 5ª vez, passando a ser uma redundância ou recorrência.
Advogar por políticas públicas e estratégias para a especificidade da questão dos
pastores e agro pastores na região Sul de Angola.
7. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES POR NATUREZA DE
DIFERENDOS OU CONFLITOS
a) Conclusões e ou recomendações gerais
Conclusões
A problemática da gestão das terras ao nível das regiões, municípios e comunas, aliada
aos diferentes sistemas de aproveitamento e utilização, das representações simbólicas,
culturais e antropológicas, exigem o estabelecimento de regras e mecanismos de gestão
das terras que se adaptem à realidade de cada região, município ou comuna, sem
prejuízo da Lei de Terras, no sentido de permitir resolver questões específicas em
função de cada realidade. Por exemplo, a delimitação de terras prevista por lei, implica,
em termos práticos, regras e procedimentos diferentes nas regiões agrícolas, agropastoris e pastoris. O mesmo se aplica para municípios cujas características de
aldeamento são compactas ou dispersas. Estas regras e mecanismos poderiam começar a
ser discutidas nos CACS ao nível dos municípios, como ponto de partida e posterior
evolução e efectivação ao nível das autarquias locais.
Em todos os municípios que constituíram amostra desta pesquisa, o défice sobre o
conhecimento e aplicação da Lei de Terras é evidente. Porém, também é evidente a falta
de domínio e conhecimento dos conteúdos que envolvem as questões fundiárias nos
mais variados ambientes ou perspectivas de abordagem, como, por exemplo: a terra e os
sistemas de produção, a terra e o ambiente, a terra e o urbanismo, a terra e os recursos
naturais e minerais, etc. Para isso, é importante que os esforços dos diferentes actores
não estejam só virados para as formações e divulgação da Lei de Terras, mas também de
conteúdos relacionados com a problemática fundiária nos seus variados domínios, no
125
sentido de ajudar as pessoas a perceberem melhor os contextos e realidades fundiárias
em que estão envolvidos e as suas implicações.
b) Diferendos ou conflitos de natureza intra-familiar
Conclusões:
No nível intra-familiar, destacam-se essencialmente dois tipos de conflitos:
a) a herança, que tem duas variantes – a herança entre sobrinhos e filhos, e a herança
entre os filhos (homens e mulheres). Em geral, a herança pelos sobrinhos tende a
diminuir, dando ênfase aos filhos. Há algumas excepções nos contextos pastoris onde os
hábitos, costumes e tradições ainda estão bem enraizados. Os filhos têm o direito à
herança dos seus pais, podendo ou não partilhar ou dividir a utilização da terra com os
primos. As viúvas não têm direito à herança como tal, mas, por via dos filhos, podem
continuar o uso e o aproveitamento da terra, salvo se contraírem novo matrimónio. A
questão da herança directa pelas filhas varia de região para região; no entanto, ela é, na
maioria dos casos, indirecta; ou seja, fica sempre sob guarida dos filhos por razões
matrimoniais.
b) As conflitualidades relacionadas com a inversão de padrões e de valores, da pobreza,
da influência do capitalismo selvagem e da degradação dos mecanismos de autoregulação. Referem-se concretamente a pessoas (em geral jovens) que, estando a viver
nas cidades como em Luanda, vendem as terras de herança sem prévia consulta aos
familiares, criando situações conflituosas. Há também aqueles que, aproveitando-se da
ausência de outras famílias, ocupam e legalizam as terras em nome próprio, em
detrimento dos outros, aproveitando a ausência dos mecanismos de auto-regulação nas
comunidades.
As questões do vínculo à terra ainda mantêm-se nos termos daquilo que alguns autores
chamam de direito de utilização específica da terra, ou seja, há um reconhecimento de
direito de ocupação, posse, usufruto e até de dispor sobre as terras ancestrais,
conhecidas como de pertença de uma dada família. Também mantém-se o vínculo à
terra por via do direito de utilização geral, ou seja, o direito de posse de terras que é
reconhecido às pessoas que saíram das aldeias por vários motivos. As autoridades
tradicionais ou os mais velhos têm a obrigação moral de ceder terra a estas pessoas
sempre que quiserem regressar às suas comunidades de origem.
Recomendações:
É fundamental continuar a aprofundar o conhecimento da realidade (pesquisa- acção) no
nível familiar, com o envolvimento destas famílias, no sentido de compreender melhor
as dinâmicas culturais nas diferentes regiões do país e suas implicações no acesso, posse
e utilização da terra, questão que a presente pesquisa não teve oportunidade de
compreender suficientemente. Constitui deste modo um campo ou área do saber para os
amantes da pesquisa e não só.
Desenvolver advocacia no sentido de que este conhecimento seja uma contribuição para
formular leis ou políticas e, para além das questões gerais, possa satisfazer as
complexidades específicas de cada população ou região.
126
c) Diferendos ou conflitos de natureza intra-comunitário
Conclusões
Pode-se concluir que a disputa pelos limites constitui um tipo de conflitualidades mais
frequentes a nível das comunidades, e a maior ou menor incidência destes conflitos ou
diferendos depende essencialmente da densidade populacional. Nas áreas com maior
densidade populacional, quer no meio urbano quer no rural, a tendência destes conflitos
aumentarem é maior. Ainda há municípios como, por exemplo, o Chipindo, onde a
população diz claramente que ainda há terra para os que querem trabalhar, dentro das
normas e sistemas de produção localmente vigentes.
Outra natureza de conflitualidades muito generalizada e preocupante é a problemática
dos vientes e as formas de acesso à terra (terras cedidas, entregues ou emprestadas),
principalmente quando os cedentes já morreram e há falta de informação sobre as
modalidades usadas na altura da cedência ou testemunhas. Apesar de haver soluções
intermédias, a tendência dos vientes perderem as terras é muito forte e este facto tem
provocado muitos conflitos.
Embora com menor intensidade em relação às conflitualidades anteriores, a exploração
e aproveitamento dos recursos naturais como o carvão tem também provocado conflitos
entre os membros da comunidade, principalmente porque tal prática em terrenos alheios
carece de autorização. Para além da degradação vegetal, a população diz que a produção
do carvão inutiliza a terra em termos agrícolas. A caça, a produção do mel e a lenha, são
os que poucos conflitos têm criado, não obstante existir normas de conduta e
procedimentos específicos que regulam estas práticas.
Recomendações:
Estudos na área ambiental para medir o impacto da produção de carvão a nível das
regiões com maior densidade populacional como a Matala, são aqui recomendadas, no
sentido de contribuir para a definição de estratégias de como a população poderia ser
educada para lidar com estes fenómenos ambientais no futuro.
A população, em Angola, está a crescer e, consequentemente, a sua densidade. Os
espaços estão, por isso, a escassear. É necessário fazer estudos para prevenir o futuro e
mostrar como as populações se vão comportar e lidar com este fenómeno. Esta pesquisa
mostrou o quanto é limitado o investimento em estudos e pesquisas nesta área.
d) Diferendos ou conflitos de natureza inter-comunitário
Conclusões
Houve apenas um caso desta natureza de conflitualidade (vide Balombo). No entanto,
há possibilidades de surgirem mais problemas desta natureza, principalmente quando se
efectivarem as delimitações das terras comunitárias, que envolvem a confirmação dos
limites com as comunidades vizinhas, como, por exemplo, o que aconteceu com as
127
comunidades de Calopa e Nguelengue, cujo desfecho resultou numa demarcação que
teve de incluir os dois bairros.
e) Diferendos ou conflitos de natureza extra-comunitário
Conclusões
Os diferendos ou conflitos mais evidentes nesta categoria têm a ver com as
expropriações de terras das comunidades pelos fazendeiros ou pelo governo por
interesses públicos, quer no meio rural, quer no urbano. As vedações das fazendas que
interferem nos sistemas, não só de maneio do gado para pastores, mas também para os
agricultores.
Todos os diferendos de expropriação têm, em termos históricos, a mesma sequência de
incidentes, ou seja, primeiro a ocupação inicial das terras pelas comunidades (antes do
colono), depois a expropriação das terras pelos colonos (era colonial), em seguida o
abandono e ou ocupação pelo estado (conflito armado), reocupação das terras pelas
comunidades (fim do conflito armado) e, finalmente, novas expropriações de terras nos
mesmos moldes e, às vezes, mais agressivas que na era colonial. Este ciclo de incidentes
também tem a dimensão de gerações, cujos actuais estão acontecendo com a 5ª ou 6ª
geração.
Em termos comparativos, as terras ocupadas pelas comunidades rurais têm maior
produtividade do que aquelas ocupadas pelos fazendeiros, isto aliado à falta de
viabilidades técnica, financeira, investigativa ou suporte científico, para os
investimentos que se pensam fazer nestas terras. Por exemplo, uma boa parte das terras
foram simplesmente ocupadas sem apresentação dos respectivos planos de exploração,
principalmente no meio rural.
Os conflitos entre as comunidades e os agentes externos tendem não só a aumentar, mas
também a agudizar-se, a serem cada vez mais complexos, a aumentarem de amplitude
quanto aos actores envolvidos e à abrangência territorial (generalização). Aumenta cada
dia que passa o número de casos, de tal forma que as evidências e possibilidade de um
dia ocorrerem revoltas organizadas são muito visíveis.
Outro aspecto que chama atenção nesta natureza de conflitos é o facto de muitas
expropriações com interesses privados. Na maior parte dos casos, têm protecção do
governo, em detrimento das comunidades. São vários interesses supostamente do
Estado, mas com interesses ocultos de privados. Por exemplo, no Balombo, é o governo
local que está a expulsar as comunidades e a vedar os arredores do Kota-Kota, com
pretexto de haver uma empresa privada que requereu o espaço. Não seria coerente esta
empresa negociar com a comunidade e cumprir com as suas responsabilidades em
termos de indemnizações e o governo ser o mediador ente o empresário e a
comunidade? Tudo porque na maior parte dos casos os empresários são ao mesmo
tempo governantes e não há limites entre estes papeis no exercício do puder.
Recomendações:
128
É necessário haver abertura para o diálogo, o acesso à informação pela população sobre
o que se pretende, no sentido de facilitar e criar ambientes propícios para a negociação
de posições entre os actores, principalmente para a população que, às vezes, fica
indignada por não saber a quem recorrer quando quem viola as normas e leis é o próprio
governo, que, em princípio, deveria ser também o defensor dos interesses da população.
Em nossa opinião, é importante que as Administrações Municipais e as Autoridades
Tradicionais tenham ou lhes seja dada maior autoridade na tomada de decisões sobre as
concessões de terras ao nível local, ao invés de serem pressionadas e impostas com
ordens para emitir simplesmente pareceres favoráveis e viciadas com a perspectiva
clientelista, pois, para além de estarem próximo das populações, conhecem melhor as
implicações que uma dada decisão pode ter na vida das pessoas.
É necessário incentivar a realização de pesquisas no plano municipal, ou seja, os
municípios precisam de definir as necessidades em termos de conhecimento da
realidade local em matéria de utilização de terras, no sentido de que tenham um suporte
técnico e científico que lhes permita aferir dados e informações sobre a viabilidade ou
não da utilização das terras. Por exemplo, as municipalidades necessitam saber - das
terras cedidas quantas funcionam, o quanto produzem, etc., - e emitirem opiniões sobre
a necessidade de renovação ou não das suas concessões.
f) Diferendos ou conflitos entre interesses privados
Conclusões
Diante das ilegalidades de ocupação e de insegurança de posse de terras de,
principalmente, privados com fraca capacidade de investimento, assiste-se a um
fenómeno, às vezes visível, outras invisível, de vendas e transpasses de fazendas, de
modo informal, sem actualização das respectivas documentações, o que constitui um
potencial de conflitos entre os interesses privados.
O défice institucional em termos de planificação física do território, as fragilidades de
articulação e abordagem multi-sectorial, a compartimentação de poderes e funções pelas
instituições do Estado e a consequente sobreposição de planos de investimentos também
constituem um potencial de conflitos entre os interesses privados.
Recomendação:
Como já foi recomendado anteriormente, é urgente o estabelecimento de regras de jogo,
a clarificação de poderes, papéis e responsabilidades entre as instituições do estado,
principalmente diante de um quadro de mudanças institucionais constantes.
g) Diferendos ou conflitos com a Lei
Conclusões
129
Neste capítulo, pode-se concluir que não há cumprimento do estabelecido pela Lei em
todas as áreas inerentes à gestão das terras, quer pelos tomadores de decisões, quer pelos
utilizadores destas, com a excepção das comunidades rurais que se regem pelo Direito
Costumeiro. Por exemplo, as empresas que exploram os recursos naturais e minerais
não cumprem com as responsabilidades sociais estabelecidas por lei, as terras são
cedidas sem os respectivos planos ou projectos de exploração e de viabilidade exigidos
por lei, as concessões para fins privados estão a ser efectivadas “nos termos da lei” com
um total desrespeito à lei, quando se trata de delimitações e reconhecimento das terras
para as comunidades. Enfim, há um sem número de evidências de desrespeitos da lei,
desembocando nos mais variados conflitos de terras.
h) Diferendos ou conflitos de natureza jurídico-legal
Conclusões
Estão a ser estabelecidas reservas fundiárias em todas as províncias e respectivos
municípios. Algumas destas reservas têm estatuto legal e outras não. A maior parte
destas reservas incluem, na sua área, residências de comunidades e, quanto menos, as
suas lavras ou outras benfeitorias. Há insatisfação das comunidades sobre estas reservas,
por várias razões tais como a ausência de mecanismos de diálogo e auscultação das
comunidades, a falta de indemnizações às pessoas afectadas, para além de declarados
abusos de poder de algumas autoridades administrativas aos vários níveis, ou seja, numa
atitude de que “a ordem é que manda e não a lei”. Estes actos de desrespeito à lei estão
na base de vários conflitos e descontentamentos de populações. Há também a
considerar, nesta natureza de conflitualidades, o facto de que muitas destas reservas
fundiárias não terem respaldo legal.
7.1.
AS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Conclusão
Em cada um destes níveis de conflitualidades, existem formas específicas de resolução
de conflitos, quer seja do ponto de vista informal (livre negociação), quer seja do ponto
de vista formal (recurso à mediação, intervenção de autoridades ou até tribunais).
Também podem ser resolvidos, recorrendo ao direito positivo como ao direito
costumeiro. No plano comunitário, as formas dominantes de resolução de conflitos
baseiam-se no uso costumeiro das terras, quer sejam resolvidos formal ou
informalmente. Noutros níveis, predominam uma mistura de modalidades de conflitos,
de acordo com as circunstâncias e tipos de diferendos. No entanto, o que se pode
concluir é que as resoluções destes conflitos tendem mais a remediar os efeitos do que
atacar as causas de tais conflitos.
a) Casos de diferendos e conflitos de terras
Conclusões
130
Foram inventariados e constatados vários tipos de casos de conflitos de terras, que
podem ser potenciais (aqueles que podem espoletar a qualquer momento) patentes
(aqueles cujas disputas já são visíveis) e latentes (aqueles que já deram sinais, entretanto
estão somente adormecidos). Mas também foram identificados os que podemos chamar
de casos de sucesso ou casos positivos, que podem servir de lição e de exemplo para
situações similares, não só em termos de soluções encontradas, como também em
termos de convivência pacífica de interesses. No total, são apresentados neste relatório
24 casos descritos, dentre os quais, 10 servirão de objecto de aprofundamento e
advocacia, nas etapas posteriores a esta pesquisa.
7.2.
RECOMENDAÇÕES POR ACTORES ENVOLVIDOS
a) A nível das comunidades
A nível das comunidades ou grupos afectados “é possível apoiar as comunidades
no sentido de melhorar a sua capacidade de lidar com estas situações?”
Apoiar as comunidades a desenvolver uma atitude de ir ao encontro do agente externo e
não somente esperar pelo agente externo.
Investir na informação e no conhecimento sobre a lei e sobre as questões fundiárias.
A informação e o conhecimento acerca da Lei de Terra são muito baseados na cartilha,
havendo dificuldades metodológicas na formação. É preciso inovar a abordagem e os
métodos. Durante a pesquisa, percebeu-se que as pessoas são receptivas em saber sobre
as leis, e há mesmo casos em que as comunidades – na Conda, conseguiram travar
tentativas abusivas de expropriação da sua terra por conhecerem a lei.
Promover trocas de experiência entre comunidades. Por exemplo, com comunidades que
têm experiência de delimitação de terras e obtenção de reconhecimento do seu título e
ainda para compreenderem outras complexidades da questão fundiária.
Os CACS são uma oportunidade para as comunidades participarem e colocarem os seus
problemas, mas devem ser apoiados nas questões de definição de agendas, conteúdos e
de representação. Este assunto é bastante pertinente, porque nem sempre as autoridades
tradicionais conseguem representar e defender as comunidades. Aliás, eles recebem
salário do Estado e outras cumplicidades políticas e, por isso, eles devem obediência a
quem lhes paga e não à comunidade.
Submeter pedidos de delimitação de terras aos órgãos competentes.
Potenciar mais as formas organizativas que já existem. Por exemplo, cooperativas,
associações, quanto às questões fundiárias.
131
b) A nível das Organizações da Sociedade Civil
Refundar as redes sociais sobre terras, tomando em conta o novo contexto fundiário, a
experiência e evidências empíricas sobre a evolução das redes sociais em Angola. As
novas dinâmicas da Sociedade Civil que incluem um movimento comunitário que se
bate contra a expropriação de terras em zonas isoladas e inóspitas são desconhecidos.
Montar sistemas de monitoria de casos de conflitos e terras a todos os níveis, usando
como referência os roteiros desta pesquisa.
Realizar formação sobre as questões fundiárias para as pessoas que trabalham esta
temática. Para isso, os resultados de estudos e pesquisas devem ser transformados em
módulos de formação.
Realizar análises de contexto da evolução da situação fundiária em Angola, apoiando-se
nos resultados do sistema de monitoria e outras variáveis e eventos.
Fazer um inventário de pesquisas necessárias para apoiar a advocacia social, que
ajudarão a compreender a complexidade actual das questões fundiárias.
Promover aprendizagem pela acção das organizações envolvidas na questão fundiária.
A questão fundiária tem sido “politizada” ou seja, cada vez mais torna-se sensível, quer
porque as ocupações e expropriação envolvem os que têm o poder político e económico
ao mesmo tempo. Está-se a criar uma “ideologia do medo” de se falar sobre as questões
de terra e transforma-se numa “armadilha de auto-censura”. Dá-se a entender que é cada
vez mais perigoso abordar este assunto. É preciso actuar exactamente ao contrário, para
se criar uma corrente e movimento articulado de luta pela terra, sob pena de ser pior no
futuro para qualquer um de nós. Basta olhar o que está acontecer hoje com as
demolições.
Promover advocacia social com estratégias a vários níveis, diferentes assuntos – gerais e
específicos e deferentes actores e alvos (secundários, primários). Por exemplo, o assunto
da terra para advogar com o Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA), com o IGCA,
com a Administração Municipal, com o Governador Provincial, etc.
Criação de um websit, onde possam ser divulgadas informações sobre as questões
fundiárias, incluindo casos de conflitos, bem como o nível de evolução da sua advocacia
social ou da sua aprendizagem.
c) A nível das instituições do Governo nas províncias
Fazer o recadastramento.
Criar espaços institucionais intersectoriais e clarificação de papéis e responsabilidades
d) A nível das Administrações Municipais
132
Promover reflexões e debates temáticos, incluindo a questão da terra.
Levar à discussão sobre a questão da terra nos CACS.
A instituição que está mais próxima das comunidades e dos problemas é o município.
Logo, os assuntos e decisões sobre terras devem ser discutidos e decididos nos
municípios, mesmo que a decisão é da responsabilidade de uma entidade provincial.
Nas questões de terras e noutras, as Administrações Municipais jogam um papel duplo,
isto é, recebem ordens de cima para cumprirem e são, ao mesmo tempo, mediadores de
casos de conflitos.
Os problemas são cada vez mais complexos e isso requer criatividade e diálogo,
melhorando mecanismos de ouvir as pessoas.
e) A nível dos Dadores e financiadores
Fazer concertação entre os doadores e financiadores interessados nas questões
fundiárias.
Tomar em consideração uma consciência de que todos os outros apoios dados, seja os
modos de vida rural, seja a produção ou comercialização, dependem, em grande medida,
da resolução destes problemas de terra.
Influenciar os seus governos para terem uma atitude positiva em relação à questão da
terra.
133
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136
ANEXOS
Anexo 1- Termos de Referência
DW – Development Workshop Angola
&
ADRA- Acção para o Desenvolvimento Rural e
Ambiente
Proposta:
Proposta de Projecto de Diagnóstico dos Principais
Focos de Conflitos de Terra em Angola
Para:
Cooperação Holandesa e PAANE/ EU, Angola
Apresentado por:
Development Workshop e ADRA
Setembro de 2009
137
Resumo da Proposta
A. Analisar qual é a situação actual dos conflitos de terra nos meios periurbano e rural
• Analisar os principais factores dos conflitos de terra tais como: aplicação da
legislação e regulamentação fundiária;
• Dinâmicas do regime de propriedade de terra;
• Tipo de ocupação e posse;
• Representação social da terra;
• Pressão demográfica sobre terras habitacionais no meio peri-urbano.
B. Qual é a tipologia e características dos actuais conflitos de terra
(urbana/rural)?
• Principais razões dos conflitos de terra, principalmente no meio peri-urbano;
• Natureza e conhecimento dos conflitos de terra
• Urbanização, renda e migração urbana
C. Quem são os principais actores, mecanismos e procedimentos de
resolução de conflitos que têm sido adoptados?
• Formas que têm sido utilizadas para resolução dos conflitos de terra;
• Formas de ocupação, concessão e utilização da terra;
• A eficácia da actual lei de terras
• Principais actores e sua influência
Pertinência da proposta de diagnóstico
As características fundiárias de Angola se transformam ao longo dos anos em função
de vários factores: legislação e regulamentação; evolução dos sistemas de usufruto da
terra e do território; a dinâmica dos regimes de propriedade da terra; a evolução dos
tipos de posse e ocupação da terra; os sistemas de produção; a pressão demográfica
no meio urbano e peri-urbano; o tipo de conflito e, a representação social da terra.
Em 1992 foi aprovada a primeira legislação sobre terras na Angola independente, no
quadro das reformas políticas, económicas e legais que conformavam o sistema de
economia de mercado ora adoptado, tendo marcado o início da fase de privatização
de terras feito com base no modelo de entrega de antigas fazendas do cadastro do
tempo colonial, cujas respectivas terras tinham sido usurpadas das populações
autóctones a forças pelos colonos. Esta realidade fez ressurgir as primeiras tensões e
conflitos potenciais e patentes de terras entre as populações e os novos “donos”.
Por outro lado, reconhece-se também que a urbanização é uma força positiva para o
desenvolvimento. Ao longo dos últimos 30 anos, tem se registado um crescimento
massivo da população urbana nas principais cidades do país. Mas como esse
crescimento não tem sido seguido de políticas públicas ajustadas às realidades locais,
principalmente nas zonas peri-urbanas, o impacto da migração, urbanização, renda
138
familiar e descentralização dos serviços públicos tem sido igualmente muito rápido e
pouco sustentável. Como tratar deste problema de forma eficiente e eficaz, é ainda um
desafio. As cidades têm crescido praticamente fora das escolhas dos cidadãos porque
os decisores simplesmente tomam as suas decisões.
E uma das grandes armadilhas tem sido o crescimento populacional em paralelo com
as enormes condições de pobreza. A maneira como uma cidade cresce é inevitável,
mas é preciso que haja escolhas para se evitarem conflitos como alguns que têm se
assistido nas periferias de Luanda principalmente.
Foi na sequência deste ambiente de conflitualidade que o Governo de Angola propôs
um anteprojecto de revisão da lei de terras, cujo processo teve uma ampla consulta
pública e a participação das organizações da sociedade civil. Este processo culminou
com a aprovação da actual Lei de Terras em 2004, tendo estabelecido um período
máximo de 3 anos para que as populações legalizassem as suas propriedades (tempo
muito reduzido!). Os estudiosos em questões de terra e urbanismo reconhecem que a
actual lei embora tenha evoluído em relação à anterior, de todo modo ainda apresenta
deficiências.
Na altura da anterior lei de terras, por causa da guerra e da inibição da economia, os
problemas sobre a posse e utilização da terra não atingiram proporções muito
grandes. Actualmente, com o crescimento económico que o país regista, a opção na
diversificação da economia, a política desenvolver a agricultura intensiva de cariz
empresarial, mais a pressão dos investimentos imobiliários frutos da reconstrução e
construção acelerada do país, acelerou-se o ambiente de ocupação desenfreada de
terras. A situação de há cinco anos atrás era diferente da actual. Há hipóteses de uma
tendência de concentração fundiária excessiva na mão de poucas pessoas e
precariedade fundiária da maioria da população pobre e socialmente excluída,
principalmente nos meios peri-urbano e mundo rural.
À semelhança do período da legislação anterior, ainda há muitas dificuldades e falta
de capacidade das instituições fazerem cumprir as leis, há um desconhecimento geral
da referida lei de terras pela maioria da população angolana. Como consequência,
ocorrem com frequência abusos de ocupação de terras através da usurpação à
margem da lei e, sobretudo, por parte de pessoas com poder político, económico ou
militar ou ainda ligados a estes poderes.
As experiências de trabalho no domínio fundiário no país envolvem instituições do
Governo90, as organizações da sociedade civil91, o sector privado e as agências das
Nações Unidas92. Este movimento já tem uma experiência de mais de 10 anos em
90
MINAGRI, INOTU, IGCA, Governos Provinciais e outras
Rede Terras, Consórcio Terras da Huíla e Fórum de Terras do Kwanza Sul que integram várias organizações de
desenvolvimento nacionais e internacionais
92
FAO- Agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
91
139
termos de trabalho comunitário nas zonas rurais, pesquisas e estudos, promoção de
debates e trabalho de cooperação em redes, bem como no processo de delimitação
de terras para beneficiar as comunidades rurais em conformidade com a lei.
Questões do diagnóstico
A presente proposta de diagnóstico procurará responder basicamente as seguintes
questões:
•
Qual é a situação actual em termos de conflitos de terras nos diferentes
ambientes fundiários de Angola?
•
Qual e a tipologia e características dos conflitos actuais de terras?
•
Quais são os actores, mecanismos e procedimentos de resolução dos conflitos
de terras existentes?
•
É possível apoiar as comunidades no sentido de melhorar a capacidade de
lidar com estas situações?
Objectivo geral
•
Contribuir para criar uma consciência pública actualizada sobre a questão de
terras meio rural, através da identificação, inventariação de casos de conflito de
terras e capacitação das comunidades para lidarem com estes problemas na
perspectiva do empoderamento.
Objectivos específicos
•
Fazer um inventário de casos de conflitos de terras para intervenções
seguintes em advocacia social e divulgação.
•
Seleccionar os casos de conflito de terras para serem analisados, procurando
soluções através do envolvimento directo das comunidades, organizações e
entidades governamentais.
•
Identificar mecanismos de reforço da auto-organização das comunidades para
a auto-defesa eficaz dos seus direitos e interesses.
Metodologia do diagnóstico
140
A metodologia para a realização deste diagnóstico basicamente interactiva e
participada. Ou seja, pesquisa – acção, partindo de uma base empírica concebida a
partir de um caso ou problema identificado, os pesquisadores de terreno mais os
participantes (comunidades) cooperam e interagem na busca de soluções alternativas
consensuais. Para além desta abordagem, a base da análise da situação e do
envolvimento das comunidades será a identificar, diagnosticar e analisar casos reais
de conflitos de terras.
Na base do conhecimento dos consultores e das informações actualizadas dos actores
que trabalham nas questões de terras, será feito um levantamento dos potenciais
casos de conflitos de terras.
Os critérios de selecção dos casos dentre os vários serão: i) problema sentido pelas
comunidades; ii) existência de pelo menos uma organização da sociedade civil ou
Igreja que sirva de enquadramento do caso; iii) existência de grupos ou organizações
comunitárias; iv) existência de casos de esbulho de terras (urbanas principalmente)
que afectem directamente um número significativo de famílias; vi) diversidade agroecológica e; vii) diversidade de sistema e modos de produção.
Será feito um levantamento de casos de conflito de terras e com base nestes, serão
escolhidos 10 casos representativos em função dos critérios acima referidos para
serem analisados em com as comunidades envolvidas.
Resultados esperados
• Mapeados e conhecidos os principais focos de conflitos de terra, sua natureza
e magnitude;
• Identificados os factores que dificultam o processo de uso, gestão e posse de
terra em Angola;
• Identificadas algumas estratégias de lobby e advocacia sobre o acesso, uso,
posse e registo de terras para as comunidades rurais e peri-urbanas;
• Identificadas algumas medidas a adoptar para influenciar e/ou solucionar os
problemas levantados a partir deste diagnóstico.
Áreas geográficas de estudo
As províncias escolhidas para a proposta de diagnóstico são: Luanda, Benguela,
Kwanza-Sul, Malanje(?) e Huíla.
Actores a serem envolvidos
Neste processo serão envolvidos a Rede Terras, Consórcio Terras na Huíla, as
administrações municipais, as organizações comunitárias e as redes geográficas
estabelecidas nas respectivas áreas que serão alvo da pesquisa.
141
Plano de acção (tentativo) Outubro-Novembro de 2009
Principais actividades
1
Contratar os 2 consultores para a realização do diagnóstico
X
Elaborar planos de diagnóstico e criar as condições logísticas com as X
organizações seleccionadas
Organizar encontros de grupos focais aos diferentes níveis
Revisão de bibliografia e documentos de consulta
Identificação e selecção de organizações e agências de X
desenvolvimento que servirão de informantes chave
Planificação da recolha de informação e conhecimento de casos
preliminares de conflitos de terra
Encontros de entrevistas semi-estruturadas com comunidades e
grupos identificados previamente nas províncias seleccionadas
Análise da informação recolhida
Análise da informação monitorada pelo CEDOC da DW a partir de
extractos da imprensa sobre a problemática fundiária
Selecção de casos para serem abordados com os actores afectados
em termos de: i) análise dos casos e definição de estratégias de
solução; ii) formação e informação sobre a actual lei de terras; iii)
formação sobre advocacia social e monitoria da implementação de
políticas públicas; iv) promoção de debates a vários níveis sobre a
problemática de terras. (*)
2
3
Semanas
4 5 6
7
8
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
(*) Esta actividade visa criar condições de se promover uma advocacia participativa, em termos
de envolvimento directo dos actores afectados pelos conflitos de terra. A ideia é elaborar-se
uma proposta de projecto de advocacia sobre as questões fundiárias com base nos resultados
deste diagnóstico.
Anexo 2 - Proposta metodológica
PROPOSTA METODOLÓGICA
Preâmbulo
A actual realidade social, económica e ambiental que emerge do fim do conflito
armado e promoção da reabilitação e crescimento económico, no quadro da economia
de mercado e no modelo de desenvolvimento acelerado – forte componente infra
estrutural incluindo habitação, agricultura intensiva na lógica do agro negócio e
reafirmação do sector da agricultura familiar, configura alterações fundiárias
significativas que necessitam de ser actualizadas e conhecidas.
É neste contexto que as organizações da sociedade civil, nomeadamente as redes
sociais sobre a questão da terra – Rede Terras, Consórcio Terras da Huíla e Fórum
Terras do Kwanza Sul, têm estado a impulsionar esta perspectiva de actualização do
conhecimento da situação fundiária em Angola.
142
X
Na base dos Termos de Referência (TdR) apresentadas pela ADRA e DW,
organizações membros que estão a liderar este processo, tendo em vista a realização
de um Diagnóstico dos Principais Focos de Conflitos de Terra em Angola nas
províncias de Benguela, Huíla e Kwanza Sul, elaborou-se a presente proposta
metodológica para clarificar o como, com quem e quando será feito o respectivo
diagnóstico.
As questões do diagnóstico
Os TdR deste diagnóstico definem as seguintes questões:
1. Qual é a situação actual em termos de conflitos de terras nos diferentes
ambientes fundiários de Angola?
2. Qual e a tipologia e características dos conflitos actuais de terras?
3. Quais são os actores, mecanismos e procedimentos de resolução dos conflitos
de terras existentes?
4. É possível apoiar as comunidades no sentido de melhorar a capacidade de
lidar com estas situações?
Objectivo geral
Contribuir para criar uma consciência pública actualizada sobre a questão de terras no
meio rural, através da identificação, inventariação de casos de conflito de terras e
capacitação das comunidades para lidarem com estes problemas na perspectiva do
empoderamento.
Objectivos específicos
• Fazer um inventário de casos de conflitos de terras para intervenções
seguintes em advocacia social e divulgação.
• Seleccionar os casos de conflito de terras para serem analisados, procurando
soluções através do envolvimento directo das comunidades, organizações e
entidades governamentais.
• Identificar mecanismos de reforço da auto-organização das comunidades para
a auto-defesa eficaz dos seus direitos e interesses.
Os resultados previstos
Os resultados previstos neste diagnóstico são os seguintes:
1. Mapeados e conhecidos os principais focos de conflitos de terra, sua natureza
e magnitude;
2. Identificados os factores que dificultam o processo de uso, gestão e posse de
terra em Angola;
3. Identificadas algumas estratégias de lobby e advocacia sobre o acesso, uso,
posse e registo de terras para as comunidades rurais e peri-urbanas;
4. Identificadas algumas medidas a adoptar para influenciar e/ou solucionar os
problemas levantados a partir deste diagnóstico.
143
Também foram definidos nos TdR os critérios de selecção dos casos da seguinte
maneira:
1. Problema sentido pelas comunidades;
2. Existência de pelo menos uma organização da sociedade civil ou Igreja que
sirva de enquadramento do caso;
3. Existência de grupos ou organizações comunitárias;
4. Existência de casos de esbulho de terras (urbanas principalmente) que afectem
directamente um número significativo de famílias;
5. Diversidade agro-ecológica e;
6. Diversidade de sistema e modos de produção.
Em termos estratégicos e de faseamento prevê-se fazer um levantamento de casos de
conflito de terras, e com base nestes, serão escolhidos dez (10) casos representativos
em função dos critérios acima referidos para serem analisados em conferência com as
comunidades envolvidas.
Enquadramento institucional
O presente trabalho é propriedade e bandeira das redes sociais temáticas sobre
questões fundiárias – Consórcio Terras da Huíla, Rede Terra e Fórum Terras do
Kwanza Sul. O apoio institucional, técnico e administrativo é assegurada pela ADRA e
a DW que são membros da Rede Terras e possuem conhecimento, experiência e
excelência em termos de questões fundiárias em espaços rurais e urbanos,
respectivamente. Por outro, são as organizações que mobilizaram os recursos para a
efectivação desta pesquisa.
Metodologia
Os eixos metodológicos principais deste diagnóstico serão de índole qualitativo
baseados na observação, nas entrevistas e na pesquisa documental e bibliográfica. A
principal unidade de pesquisas vai ser o indivíduo a ser entrevistado aos diferentes
níveis e o grupo focal ao nível comunitário. Na base dos roteiros de recolha de dados
previamente concebidos os pesquisadores vão usar métodos e técnicas apropriadas
para animação, interacção e obter informação e percepções sobre os assuntos da
pesquisa.
Selecção das áreas a diagnosticar
Para proceder a selecção das áreas a diagnósticar em termos de municípios foi
estabelecida a seguinte estratégia:
1. As redes de terras das províncias a diagnosticar vão fornecer aos
pesquisadores listagens de casos de conflitos ou potencial de conflito por
município, tomando em conta os critérios acima referidos. Esta informação
somente será tida em conta para análise geral e fará parte do mapeamento.
2. Em cada província são seleccionados três municípios para fazer um
levantamento exaustivo e analítico de casos, que para além dos critérios acima
referidos também tenham representatividade de amostras das seguintes
características:
o Municípios com forte tendência de crescimento demográfico e
urbanístico e suburbano;
o Municípios com fraca tendência de crescimento demográfico e
urbanístico e suburbano;
o Municípios com pouca densidade populacional;
144
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
Município com maior densidade populacional;
Município com forte pressão sobre os recursos naturais;
Município com pouca pressão sobre os recursos naturais;
Municípios com pouca actividade económica e comercial (incluindo o
mercado informal);
Municípios que cobrem diferentes zonas agrícolas;
Municípios que cobrem diferentes sistemas de produção e modos de
vidas como: agricultores, pastores, agro - pastores e recolecção;
Municípios com uma forte componente de agricultura familiar;
Municípios com potencial de actividades do agro negócio;
Municípios com actividade de agricultura em regime de fazenda;
Municípios com fazendas demarcadas e cedidas, mas sem actividades;
Municípios pouco estudados;
Municípios isolados e distantes das sedes provinciais e em termos de
assimetrias;
Municípios de categorias A, B e C em termos de legislação sobre
descentralização administrativa prevista na lei 7/07;
Municípios sede que envolve centralidade urbana significativa.
Na base destes critérios foram escolhidos os seguintes municípios por província:
• Benguela nos municípios do Balombo, Caibambo e Lobito.
• Huíla nos municípios de Chipindo, Gambos e Matala.
• Kwanza Sul nos municípios do Conda, Cassongue e Sumbe.
As fases do diagnóstico93
1ª Etapa: Planeamento
a) Nesta fase foi feita a escolha do tema, formulação do problema e justificação, a
definição dos objectivos e elaboração dos Termos de Referência, envolvendo e
consultando
várias
partes
interessadas,
desde
profissionais
de
desenvolvimento, organizações que trabalham nas questões fundiárias e
doadores.
b) Fazer a revisão da bibliografia sobre este assunto.
c) Elaboração da presente proposta metodológica que inclui o roteiro de recolha
de informação o e cronograma de actividades (Metodologia).
2ª Etapa: Execução
a) Sensibilizar e engajar os actores que serão envolvidos no diagnóstico através
de cartas, mensagens por correio electrónico, telefonemas e contactos
preliminares sobre o assunto.
b) Fornecimento de instrumentos às redes e organizações que vão elaborar as
listas de conflitos e potenciais conflitos de terras nas três províncias.
c) Fazer a primeira recolha de dados na província da Huíla enquanto um teste
para melhorar os respectivos instrumentos.
d) Fazer a recolha dos dados conforme o calendário previsto.
e) Fazer a análise e discussão dos resultados.
f) Fazer a conclusão da análise dos resultados.
93
Esta proposta só se refere até a fase de selecção dos casos.
145
3ª Etapa: Redacção
a) Redacção e apresentação do trabalho para as organizações e instituições que
estiveram envolvidas no diagnóstico.
4ª Etapa: Escolha dos dez (10) casos representativos
a) Selecção dos dez (10) casos representativos para serem analisados com as
comunidades envolvidas. A metodologia sobre esta fase será desenhada antes
do começo desta fase.
5ª Etapa: Restituição e formação
a) Fazer a restituição dos casos às comunidades envolvidas enquanto um
processo de formação centrado na solução dos problemas que envolvem os
casos. Basicamente, a formação será sobre elementos conceptuais básicos e
análise práticas dos casos – questões fundiárias, legislação e advocacia social,
seja para as comunidades através das suas organizações, como para os
técnicos das organizações ou redes envolvidas no trabalho comunitário das
respectivas localidades.
6ª Etapa: Realização da conferência sobre a questão fundiária
a) Na perspectiva de partilhar as lições aprendidas e advogar os casos ora
identificados, envolvendo outros atores e interessados. Este espaço será
essencialmente de empoderamento e influenciar decisões, políticas e práticas.
Níveis e actores para recolha de informação
O processo de recolha de informação vai ser feito aos diferentes níveis e actores a
saber:
a) Estudiosos, pesquisadores e líderes de centros de estudos sobre as questões
sociais, de desenvolvimento rural e urbano e questões fundiárias.
b) Activistas e líderes de organizações da sociedade civil que abordam as
questões agropecuárias e especificamente as questões fundiárias.
c) Informantes chave do IGCA, INOT, DPUAH no plano provincial.
d) Informantes chave das Administrações municipais.
e) Informantes chave ligados a instituições religiosas no plano local.
f) Informantes chave de organizações comunitárias ou redes geográficas ao nível
local - associações, cooperativas, etc.
g) Autoridades tradicionais.
h) Grupos focais ao nível local.
Cronograma de actividades
Principais actividades
Elaborar o Plano Metodológico
Elaborar os instrumentos de recolha de
dados e informação
Revisão bibliográfica
Preparação de condições logísticas e
16 a
22 de
Nov.
09
23 a
28 de
Nov.
09
X
X
X
X
X
30
de
Nov.
a6
de
Dez.
09
14 a
18
de
Dez.
09
Semanas
4 a 10 11 a
de
16
Jan.
de
1010
Jan.
2010
18 a
23
de
Jan.
2010
X
146
25 a
30 de
Jan.
2010
1a6
de
Fev.
2010
Principais actividades
16 a
22 de
Nov.
09
administrativos
Identificação e selecção de organizações e
agências de desenvolvimento que servirão
de informantes chave
Sensibilização
das
organizações
seleccionadas
Recolha de dados na província da Huíla
Recolha de dados na província de
Benguela
Recolha de dados na província do Kwanza
Sul
Sistematização, análise e discussão dos
resultados, bem como fazer a conclusão da
análise dos resultados.
Análise da informação monitorada pelo
CEDOC da DW a partir de extractos da
imprensa sobre a problemática fundiária
Elaboração do relatório do diagnóstico
Selecção de casos para serem abordados
com os actores afectados.
Restituição dos casos às comunidades
envolvidas
Realização da conferência sobre as
questões fundiárias
23 a
28 de
Nov.
09
30
de
Nov.
a6
de
Dez.
09
14 a
18
de
Dez.
09
Semanas
4 a 10 11 a
de
16
Jan.
de
1010
Jan.
2010
18 a
23
de
Jan.
2010
25 a
30 de
Jan.
2010
1a6
de
Fev.
2010
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Os consultores
O diagnóstico vai ser assegurado por dois consultores com longa experiência prática
em questões de desenvolvimento e dinâmicas da sociedade civil.
Guilherme Santos tem 30 anos de experiência profissional dos quais 19 questões de
desenvolvimento com organizações não governamentais, tendo participado em várias
pesquisas e formação na perspectiva de educação – não formal com adultos. Sobre as
questões fundiárias já esteve envolvido na equipa que fez pesquisas Hidro Pastoris na
região dos Gambos na província da Huíla entre 2004 a 1998, liderou a realização da
1º Workshop de carácter Internacional sobre a “Terra e Poder” realizado no Lubango
em 1997, participou na pesquisa sobre Sistema de Uso da terra agrícola em Angola –
Estudo de Caso nas províncias do Huambo, Lunda Sul e Uíge, 2004 Rede Terras e fez
parte da equipa que participou na recolha de informação complementar para o
Relatório de Factores Críticos relativo às Províncias da Huíla e Namibe, no quadro da
Avaliação Ambiental Estratégica das Reservas Fundiárias do Governo de Angola para
o Programa Nacional de Urbanização e Habitação, encomendado pela empresa
SOAPRO.
Inácio Zacarias tem 19 anos de experiência profissional em questões de
desenvolvimento, dos quais 2 no Instituto de Desenvolvimento Agrário – IDA
(Extensão Rural) e 17 com organizações não governamentais, tendo participado em
várias pesquisas e formação na perspectiva de educação – não formal com adultos.
147
Sobre as questões fundiárias já esteve envolvido na equipa que fez pesquisas Hidro
Pastoris na região dos Gambos na província da Huíla entre 1998 a 2001, realizou um
estudo da Situação das Terras Comunitárias nos municípios de Caibambo e
Chongoroi, no âmbito do Projecto de Segurança Alimentar da Acção Agrária Alemã
(2007) e outro sobre as Dinâmicas Territoriais do Vale da Catumbela em Benguela –
FAO (2008). Fez parte da equipa de pesquisa sobre os Direitos Fundiários nos Vales
de Cavaco e Dombe Grande em Benguela, também no âmbito do Projecto Terra
implementado pela FAO – Fundo das Nações Unidas para Agricultura e alimentação
(2008 – 2009).
Administração e logística
Para o bom andamento do diagnóstico é necessário assegurar condições legais,
administrativas e logísticas a saber:
Recursos didácticos: aquisição de cartas topográficas 1:10 000 para facilitar a
localização das zonas identificadas como sendo de conflitos. As cartas devem
corresponder aos municípios seleccionados.
Responsabilidades da ADRA Agência de Desenvolvimento:
Formalidades contratuais;
Proceder o pagamento de 50% do valor da consultoria no
começo e os outros 50% depois da entrega do relatório final;
Comunicar formalmente a rede terra, o Consórcio Terras da
Huíla e o Fórum Terras no Kwanza Sul sobre o início do
diagnóstico;
Sensibilizar e mobilizar os membros das redes com
responsabilidades formais acordadas para apoiarem este
trabalho com informação, bibliografia e documentação, facilitar
os contactos para as entrevistas, logísticas para marcar
reservas de hotéis e companhias aéreas;
Definir a questão da mobilidade dos consultores no trabalho de
recolha de dados – carro.
Responsabilidade dos consultores
• Elaborar a proposta metodológica, os roteiros de entrevistas e o
calendário de actividades;
• Realizar as entrevistas e as observações e o trabalho de campo;
• Elaborar o relatório final
Lubango, Novembro de 2009
Anexo 3 - Roteiros das entrevistas
Roteiro de entrevistas para Grupos focais a nível comunitário:
1 – Como avaliam a situação acesso e posse de terras (direitos fundiários) ao nível da
comunidade?
2 – Existe algum tipo de conflitos? Quais são os mais frequentes nos últimos (2 ou 3)
anos?
3 – Qual é a natureza destes conflitos:
a) Intra-comunitários (entre membros da mesma comunidade)
148
• Disputa de espaços e limites
• Herança
• Género
• Entre gerações
• Ofertas versus herança por gerações
• Transpasses
• Outros
b) Inter-comunitérios (entre membros ou comunidades diferentes)
• Disputas de espaços de utilidade comunitária.
• Disputa de recursos naturais
• Questões de poder (limites, legitimidade, etc.)
• Outros
c) Extra-comunitários (comunidade e agentes externos)
• Ocupações de terras por agentes externos
• Incompatibilidade de sistemas de utilização da terra
• Agressões simbólicas (espaços sagrados e outros)
• Outros
d) Jurídico-legais (interesses públicos ou governamentais)
• Ocupações para interesses públicos
• Ocupações para interesses económicos
• Reservas fundiárias
• Outras
4 – Quem são as famílias afectadas (pastores, agricultores, agro-pastores, recolectores)?
• Quantas são?
• Há quanto tempo vivem lá?
5 – Quais são as características do conflito em relação a sua actividade económica?
• Sistemas de produção
• Formas de escoamento da produção
• Acesso aos factores de produção e outras
6 – Quais os principais actores envolvidos em cada tipo de conflitos identificados
acima?
a) A nível da comunidade
b) A nível das comunidades vizinhas
c) A nível dos agentes externos
d) A nível das instituições do Governo
7 – Quais são as formas utilizadas para a resolução de tais conflitos?
a) Livre negociação entre as partes
b) Arbitragem
c) Autoridades tradicionais
d) Autoridades tradicionais e governamentais
149
e) Tribunais
8 – Qual tem sido a base legal na resolução dos conflitos de terras?
a) Lei costumeira
b) Lei formal
c) Uma mistura entre as duas leis
f) Orientações e decisões préviamente tomadas
g) Outras
9 – Quais as principais formas de acesso à terra?
• Oferta
• Venda
• Trasnpasse
• Aluguer
• Herança
• Indicação pela autoridade tradicional
• Requerimento às instituições afins do Governo
• Delimitação comunitária
• Outras
a) Quais são as vantagens e desventagens destas formas de acesso?
b) Quais são as garantias de segurança de posse que estas formas oferecem?
c) Conhecem outras formas de acesso que não são praticadas?
10 – Como avaliam o conhecimento da Lei de Terras pela vossa comunidade?
11 – Como avalia a aplicação da lei de Terras?
12 – Que outros comentários, recomendações ou apelos gostariam de fazer em relação
às questões de terras?
150
Roteiro de entrevistas para as Entidades do Governo:
1 – Quais são os procedimentos funcionais para concessão de terras às populações:
a) Terras urbanas para fins habitacionais
b) Terras rurais para fins de exploração agrícola
c) Terras rurais para fins de exploração dos recursos naturais
d) Terras rurais comunitárias
2 – Estes procedimentos assentam numa base legal? Qual?tem sido a base legal na
resolução dos conflitos de terras?
a) Lei costumeira
b) Lei formal
c) Uma mistura entre as duas leis
d) Orientações e decisões préviamente tomadas
e) Outras
3 – Quais são os actores (entidades) envolvidas neste processo de concessão de acordo
com :
a) O tipo e fins de terras acima definidas
b) Procedimentos e base legal utilizados
4 – Quais são as principais dificuldades relacionadas com a aplicação da lei de terras?
- Factores de estrangulamento.
5 – Quais são as formas de articulação entre as varias entidades envolvidas a gestão de
terras?
6 – Qual é o papel da entidade que representam no processo de concessão de terras?
7 – Quais são os tipos e natureza de conflito de terras mais frequentes:
a) A nível de terras urbanas e peri-urbanas
b) A nível de terras rurais
c) A nível de terras rurais comunitárias
8 – Quais as formas de resolução destes conflitos mais usuais?
9 – Como avalia o nível de segurança de posse de terra ao nível das comunidades rurais
e peri-urbanas?
10 – Como avalia a relação entre o fenómeno migratório para as cidades e a posse de
terras para fins habitacionais?
11 – Como avalia o nível de conhecimento e aplicação da lei de terras:
a) A nível as instituições do estado
b) A nível das comunidades
12 – A nova lei de terras estabelece o reconhecimento e delimitação de terras
comunitárias. O que considera serem os constrangimentos para a efectivação deste
processo?
13 – Quais foram os 2 conflitos de terras que mais lhe marcaram nos últimos 2 anos?
151
a) Como foi resolvido?
b) Quem foram os actores?
c) Qual foi o papel da sua entidade
14 – O que mais lhe ocorre realçar em relação às questões fundiárias?
152
Questionário para os diferentes actores envolvidos na gestão fundiária.
1. Dados Gerais
1.1.
Nome da Organização / Entidade: _____________________________________
1.2.
Endereço: _______________________________________________________
1.3.
Representante oficial: ______________________________________________
1.4.
Nome e cargo da pessoa que preenche o formulário: ______________________
______________________________________________________________________
2. Intervenção na temática Terras:
2.1. Tipo de intervenção (tipo de actividade que a organização/entidade desenvolve
na temática terra):
Assistência Legal / Advocacia
Assessoria Política /Lobbying
Prestação de serviços (Projectos)
Reforço de capacidades / Treinamentos
Outras;
Qual(is): ______________________________________________
2.2. Qual a abrangência territorial da vossa intervenção:
Aldeias
Povoação
Sector
Comuna
Município
Província
Nacional
Qual(is): _____________________________________
2.3. Qual é a característica do sistema de produção (actividade económica principal)
da vossa área de intervenção?
Agricultura
Pastorícia
Agro-pastorícia
Recolecção,
Outra
Qual: _____________________________________________
3. Análise dos conflitos de terras:
3.1. Como avaliam a sistuação de terras em termos de conflitos:
3.2.
Não existem
Acontecem com frequência
Qual é a tendência?
3.3.
Diminuir
Manter-se
Qual é a natureza destes conflitos :
Existe um ou outro
Existem muitos
Aumentar
a) Intra-comunitários (entre membros da mesma comunidade)
Disputa de espaços e limites
Herança
Género
Ofertas versus herança por gerações
Transpasses
Entre gerações
Outros; Quais: ___________________________________________________
b) Inter-comunitários (entre membros ou comunidades diferentes)
Disputas de espaços de utilidade comunitária.
Disputa de recursos naturais
Questões de poder (limites, legitimidade, etc.)
153
Outros; Quais: ___________________________________________________
c) Extra-comunitários (comunidade e agentes externos)
Ocupações de terras por agentes externos (fazendeiros, governantes,
comerciantes, investidores, usurpadores, etc.)
Incompatibilidade de sistemas de utilização da terra (vedações, interdições, etc.)
Agressões simbólicas (locais sagrados ou outros)
Outros; Quais: _________________________________________________
d) Jurídico-legais (interesses públicos ou governamentais)
3.4.
Ocupações para interesses públicos
Ocupações para interesses económicos
Reservas fundiárias
Outras; Quais: ________________________________________________
Qual é a franja da população mais afectada pelos conflitos acima descritos?
Homens
Mulheres
Jovens
Comunidade em geral
Outra; Qual: ______________________________________________
3.5. Quais os principais actores envolvidos em cada tipo de conflitos identificados
acima?
a) A nível da comunidade: _____________________________________________
b) A nível das comunidades vizinhas: ____________________________________
c) A nível dos agentes externos: ________________________________________
d) A nível das instituições do Governo: ___________________________________
3.6. Qual a característica dos actores envolvidos na resolução dos conflitos de terras
existentes?
• Quem são
• Como actuam
• De onde vêm
• Qual é a sua legalidade
• Qual é a sua legitimidade
• Quais são os recursos que usam
3.7.
Quais são as formas utilizadas para a resolução de conflitos de terras?
1 – Nunca foi usada; 2 – Algumas vezes; 3 – Frequentemente; 4 – Mais usada
Livre negociação entre as partes
Arbitragem
Autoridades tradicionais
Autoridades tradicionais e governamentais
Tribunais
3.8. Qual tem sido a base legal na resolução dos conflitos de terras?
1 – Raras vezes; 2 – Algumas vezes; 3 – Quase sempre; 4 – Mais usada
Lei costumeira
Lei formal
Uma mistura entre as duas leis
Orientações e decisões já tomadas
154
4. Acesso à terra:
4.1.
Quais as principais formas de acesso à terra?
Oferta
Aluguer
Herança
Indicação pela autoridade tradicional
Delimitação comunitária
Requerimento às instituições afins do Governo
Outras; Quais: ___________________________________________________
4.2. Quais das formas de acesso a terra oferece maiores garantias de segurança de
posse (na perspectiva dos utilisadores)?
1 – Nenhuma; 2 – Alguma; 3 – Segurança relativa; 4 – Muita segurança
Oferta
Aluguer
Herança
Indicação pela autoridade tradicional
Delimitação comunitária
Requerimento às instituições afins do Governo
Outras; Quais: ___________________________________________________
5. Conhecimento e aplicação da Lei de Terras:
5.1.
Como avaliam o conhecimento da Lei de Terras pelos vários actores?
1 – Muito fraco; 2 – Fraco; 3 – Aceitável; 4 – Bom
Comunidade em geral
Líderes comunitários
Igrejas
Autoridades tradicionais
Agentes do sector privado
Administração Comunal
Administração Municipal
Outras Instituições do Governo
Comentários: __________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
5.2.
Como avaliam a aplicação da Lei de Terras pelos vários actores?
1 – Muito fraco; 2 – Fraco; 3 – Aceitável; 4 – Bom
Comunidade em geral
Líderes comunitários
Igrejas
Autoridades tradicionais
Agentes do sector privado
Administração Comunal
Administração Municipal
Outras Instituições do Governo
Comentários: __________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6. Possível apoiar as comunidades no sentido de melhorar a capacidade de lidar
com estas situações? Como poderia ser feito?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
155
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
7. Que outros comentários, recomendações ou apelos gostariam de fazer em
relação às questões de terras?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
8. Considerando o(s) tipo(s) de conflito(s) descrito(s) no ponto 3, explique
resumidamente um dos conflitos, tomando em consideração os seguites
aspectos:
O quê? (dizer o tipo de conflitos, tal como se estivesse a dar um título ao assunto);
Onde? (dizer o local (bairro, aldeia, comuna ou município) onde este caso ocorreu);
Quando? (fazer referência ao tempo (dia, mês, ano ou período) em que tal caso
ocorreu, incluindo o tempo que isto durou);
Como? (descrever como o caso começou, como se desenrolou e como foi tratado);
Porquê? (porque isto aconteceu, quais foram as causas, as razões ou motivos que
estiveram na base deste caso);
Quem? (refira-se às pessoas (se tiver números é sempre melhor), grupos, organizações,
instituições ou entidades que estiveram directamente envolvidos no assunto e qual o
papel que desempenharam);
E daí? (descreva qual foi o desfecho do caso, como terminou e quais foram as decisões
tomadas ou que encaminhamentos foram dados ao caso)
Nota: descreva ocaso de forma mais simples possível e resumido, procurando ressaltar
os aspectos mais importantes do assunto. Descreva o caso com toda naturalidade e
clareza possíveis.
________________________, aos ________ de __________________ de __________
Assinatura (s):
156

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